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O combate às práticas desleais.

Uma perspectiva comparada das relações coletivas de trabalho

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07/02/2010 às 00:00
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3. As práticas desleais em relevantes regimes jurídicos estrangeiros

Para que se possa bem compreender como o instituto é visto sob o prisma de Estados que perseguem o sistema do common law, berço do combate à antissindicalidade, quando afrontosa à liberdade sindical coletiva, por intermédio das práticas desleais nas relações coletivas de trabalho, a experiência norte-americana requer um exame mais detalhado, assim como a do Reino Unido. As idiossincrasias legais britânicas no trato da matéria das práticas desleais nas relações coletivas de trabalho ainda se encontram em profundo e atualíssimo debate nos fóruns competentes do Reino Unido. Ao contrário do que se passa na experiência norte-americana, o combate às práticas desleais é, ainda, parcial, uma vez que a legislação britânica não aperfeiçoou, como no modelo norte-americano, um sistema explícito de combate às práticas desleais.

Por essa estranheza e com o intuito de, ao final, revelar a importância da compreensão desses outros sistemas jurídicos e do que se discute em termos de práticas desleais para o Brasil (tanto sob o prisma da utilidade, quanto sob o prisma da indicação de benefícios e desvantagens), ainda que o Brasil tenha, de certa forma, e mais uma vez, fracassado no debate a respeito da "Reforma Sindical" e do que se construiu em torno da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 369/2005 e do Anteprojeto de Lei de Relações Sindicais (que, aliás, sequer tramitou oficialmente pelos foros legislativos), é conveniente se iniciar por uma abordagem mais específica do frágil e desconhecido (para a comunidade acadêmica brasileira) modelo britânico de regulagem das relações coletivas de trabalho, tendo, sempre, como contexto, a necessidade de combate às práticas antissindicais [22].

3.1. Panorama do sistema jurídico britânico sob o contexto da antissindicalidade

Por incrível que possa parecer aos olhos ávidos por ensinamentos de um ordenamento jurídico como o brasileiro – que, nas palavras de José Rodrigo Rodriguez, possui uma legislação que "ainda está no estágio do ‘foro sindical’, garantia ‘maliciosamente restringida’ nas palavras de Oscar Ermida Uriarte que corresponde à proteção do dirigente sindical contra a dispensa injustificada" [23] e que sequer adentrou, afora as imperfeições do combate contra as práticas antissindicais que visam a ferir ou a tolhir a liberdade sindical individual considerado seu sistema restrito de foro sindical, de forma séria e sistematizada, a proteção contra os atos antissindicais que atentam contra as posições jurídicas tituladas pelo sindicato, ou seja, a liberdade sindical coletiva –, a histórica do sindicalismo britânico ilustra a história da antissindicalidade tutelada juridicamente [24].

Não é sem razão que Tony Blair tenha asseverado, na véspera de sua posse, como ex-Primeiro Ministro, em Downing Street, que a legislação britânica é a mais restritiva no reconhecimento de direitos sindicais no mundo ocidental [25]. A legislação britânica não se iguala, em restrições ao reconhecimento de direitos sindicais, aos sistemas, por exemplo, da Arábia Saudita (onde os sindicatos são ilegais, o direito à associação sindical é tido como uma afronta aos princípios do islã e a negociação coletiva e as greves são proibidas [26]) ou da China (onde as greves sequer são claramente tuteladas [27]), mas, de toda a sorte, é bem mais restritiva e defeituosa, se levados em consideração os parâmetros internacionalmente aceitos e aprovados pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), quando comparada à Austrália, ao Canadá, à Nova Zelândia, à África do Sul e aos EUA.

A despeito das intenções parlamentares que redundaram na Trade Disputes Act de 1906, o reconhecimento de nítidos direitos sindicais previstos nessa lei foram, paulatinamente, desmantelados por práticas governamentais, pela interferência perniciosa e refratária do Poder Judiciário e pela edição de cada vez mais restritivas outras leis. Editada, exatamente, para fazer frente à enorme interferência judicial a um melhor reconhecimento e desenvolvimento de direitos sindicais [28], a Trade Disputes Act, em sua simplicidade e precisão, (i) garantiu a liberdade de greve (desde os piquetes e sem restrição a lugares ou número de grevistas), embora sem maiores seguranças jurídicas; (ii) concedeu, aos representantes sindicais, imunidade contra prováveis responsabilizações decorrentes de atividades industriais promovidas de forma legítima e regular (industrial action); além de (iii) ter previsto uma sólida proteção aos fundos sindicais [29].

Muito embora, sob a Trade Disputes Act de 1906, os sindicatos tenham conseguido crescer em seus esperados afazeres, também cresceram as hostilidades judiciárias contrárias a um sindicalismo mais livre, incentivadas, tais hostilidades, pela simplicidade da norma, que permitia a que os magistrados britânicos, considerando os sindicatos como organismos super privilegiados sob o império da lei, pudessem, ainda assim, se responsabilizar economicamente pelo que faziam, sofrendo severas restrições aos seus direitos, principalmente no que diz respeito à instituição da cláusula sindical da closed shop e ao desenvolvimento de greves de solidariedade ou de simpatia (secondary action).

Com a crescente hostilidade judicial praticada contra os sindicatos, algo típico do sistema de common law, a antissindicalidade se perfez, no seio da experiência britânica, muito, também, pela criação dos juízes (direito costumeiro) em encontrar novos fundamentos para considerar greves ilegais, para expedir ordens de intimidação sindical (injunctions) e para brecar pleitos sindicais em decorrência de erros menores e burocráticos encontrados no procedimento legal de se iniciar greves, de entabulação de normas coletivas e, inclusive, de se processar o reconhecimento de um dado sindicato como o legítimo representante de uma certa coletividade obreira em determinada unidade de negociação.

Repelida, a Trade Disputes Act 1906, pela Industrial Relations Act de 1971 (embora tenha havido tentativas de se recuperar a Trade Disputes Act 1906 entre os anos de 1974 e 1976) e definitivamente destruída pelos governos antissindicais de Margaret Thatcher, John Major e Tony Blair, ainda que, após a ultrapassagem pela Corte de Cassações com recursos contra as hostilidades criadas pelos juízes de hierarquia inferior, a House of Lords restaurasse direitos e imunidades aos sindicatos e seus representantes, o prejuízo causado, após algum tempo, ao sindicalismo, já havia afetado, em definitivo, o desenvolvimento regular das atividades sindicais no Reino Unido.

O desenrolar dos acontecimentos no mundo sindical britânico revelou que o Parlamento, quando editava leis em salvaguarda de direitos sindicais no início do século XX, adotava uma linguagem totalmente distinta da do Poder Judiciário, que, "dançando uma outra dança", acabou beneficiando governos de nítido viés antissindical [30]. Nesse contexto, tais governos, entre os quais os de Thatcher e Blair, foram conseguindo aprovar leis de crescente restrição à efetividade de direitos sindicais, entre as quais os Employment Acts de 1980, 1982, 1988, 1989 e 1990, a Trade Union Act de 1984, a Public Order Act de 1986 e a famosa Trade Union and Labour Relations (Consolidation) Act (TULRCA) de 1992, todas editadas para desarmar o movimento sindical e desmobilizar os trabalhadores, a ponto de terem criado um atual ambiente em que mais de dois terços de trabalhadores não são contemplados por acordos coletivos [31].

Com os governos trabalhistas assumindo o poder a partir de 1997 e sob forte crítica internacional, algumas medidas foram adotadas para corrigir, no quanto possível, a antissindicalidade reinante, o que redundou a edição da Employment Relations Act de 1999, que, em verdade, adicionou uma nova seção (a Schedule A1) à TULRCA de 1992.

Pela nova regulamentação legal – aqui, tomando, como modelo, a normatização norte-americana – e no ponto nevrálgico de toda a discussão a respeito do sistema de práticas desleais, um sindicato, para ser reconhecido como o legítimo representante de uma certa coletividade em uma dada unidade de negociação, deve comprovar, perante o Central Arbitration Committee (CAC), que é devidamente reconhecido como tal pelo empregador (!) correspondente àquela unidade de negociação [32] e pelo suporte de uma indicada porcentagem de trabalhadores naquele local de trabalho.

Esse procedimento de reconhecimento sindical, que se baseou no modelo norte-americano de representação sindical por local de trabalho/por unidade de negociação (bargaining unit), não adotou, como no modelo americano, as proteções que a National Labor Relations Act de 1935 (emendada pela Labor-Management Relations Act de 1947) americana previu para a tutela de direitos sindicais (via previsão explícita das unfair labor practices e suas consequências), de modo que, hoje, no Reino Unido, o procedimento de reconhecimento sindical, e que passa pelo crivo do empregador, exclui mais de cinco milhões de trabalhadores de pequenas empresas da tutela coletiva; exige a instalação de sistemas de votações em assembleia (ballots) pelos empregados a serem representados pelo sindicato postulante; permite a que sindicatos e empregadores, quiçá em detrimento dos interesses dos representáveis trabalhadores, procedam a arranjos negociais para que o sindicato possa ser tido como o representante de dada unidade de negociação e tornando-o, eventualmente, cooptado pelo empregador; e não prevê sanções contra, a partir do reconhecimento sindical, o eventual não desenvolvimento de verdadeiras negociações coletivas [33].

Portanto, pela Schedule A1 da TULRCA de 1992 (parágrafo 7° ), emendada pela Employment Relations Act de 1999, o sindicato precisará, para ser reconhecido, ter, ao menos, dez por cento da unidade de negociação proposta e demonstrar que a maior parte dos trabalhadores estariam propensos a votar favoravelmente ao seu reconhecimento como representante (parágrafo 36° ), desde que não haja um outro sindicato reconhecido para qualquer dos trabalhadores naquela unidade de negociação. Se tais providências forem tomadas, a unidade de negociação (que é a unidade compatível, pela TULRCA de 1992, com um "gerenciamento efetivo e destacado do empregador") será acordada entre as partes (sindicato/empregados e empregador) ou imposta pelo CAC, quando então o CAC poderá ordenar que o sindicato seja reconhecido se tiver mais do que cinquenta por cento de filiação naquela unidade ou, então, ordenar a realização de uma votação pelos trabalhadores (ballot) (parágrafos 22° e 23° ), em que o sindicato precisará garantir o suporte por parte da maioria dos votantes, assim como, ao menos, quarenta por cento dos trabalhadores da unidade de negociação (parágrafo 29° ). Se a votação confirmar a representatividade do sindicato, o CAC ordenará a que o empregador reconheça o sindicato como legítimo representante dos trabalhadores ou a que imponha um procedimento legal se os envolvidos não conseguirem, antes, resolver por negociação (parágrafos 30° e 31° ). Se a votação for contrária aos interesses do sindicato, o ente não poderá oferecer uma nova pretensão de reconhecimento daquela mesma unidade de negociação pelos próximos três anos (parágrafo 41° ).

Por esse procedimento legal (statutory recognition procedure), não é difícil imaginar que o empregador tem a faculdade de frustrar, com o beneplácito legal, a atividade sindical. Na tentativa de esvaziar a pretensão de um dado sindicato a uma dada unidade de negociação, o empregador pode, em ilustração de típicas práticas desleais, (i) prestigiar formas adversárias de representação obreira, como, por exemplo, um conselho de empregados que tenha a função de intermediar o diálogo entre empregados e empregador; (ii) estabelecer sindicatos fantasmas (company unions) montados sob sua ideologia patronal para cooptar o lado obreiro quando da negociação coletiva; (iii) escolher o sindicato postulante àquela unidade de negociação com o qual poderá melhor negociar e, eventualmente, entabular um acordo coletivo que, por vezes, pode não representar a vontade da mão-de-obra daquele local de trabalho; (iv) quando do início do procedimento legal, distribuir propaganda e literatura antissindical ao específico sindicato ou à associação sindical de uma maneira geral, a fim de persuadir, induzir e, inclusive, intimidar trabalhadores sobre os "perigos" da filiação sindical, criando um ambiente que impeça o acesso do sindicato ao local de trabalho e aos trabalhadores envolvidos naquela unidade de negociação; (v) discutir as delimitações da unidade de negociação, expandindo-a ou reduzindo-a (quer geograficamente, quer mediante inclusão e retirada de certas categorias de empregados), de modo a prejudicar a que a votação (ballots) em assembleia dos trabalhadores, para confirmar a representatividade sindical, consiga processar a confirmação obreira em prol do sindicato, contando com uma certa inércia do CAC em tomar atitudes mais drásticas contra os empregadores, já que temente à eventual reforma de suas decisões pelas Cortes de Justiça; (vi) forçar a realização da votação em assembleia para confirmar a representatividade daquele dado sindicato "in the interests of good industrial relations", mesmo que a maior parte dos empregados demonstre concordância e filiação ao sindicato; e (vii) litigar judicialmente, contando com advogados e firmas internacionais de advocacia especializadas em confundir e dificultar o bom termo do statutory recognition procedure, mediante artifícios de interpretação legal que tornem inviável o processamento natural, perante o CAC, de certas postulações sindicais de reconhecimento [34], por questões ridiculamente formais e por menores tecnicidades, o que garantiria, ao menos, um alongamento dos debates jurídicos, afora as discussões judiciais que poderiam ocorrer envolvendo a contestação patronal ao reconhecimento da maioria do apoio dos trabalhadores a um dado sindical; a contestação sob o argumento de que, para uma certa unidade de negociação, já há sindicato reconhecido e com acordo coletivo em vigência; a contestação em torno da caracterização da unidade de negociação; a contestação em torno da necessidade de realização de assembleia de trabalhadores; a contestação em torno da capacidade jurídica de certos trabalhadores em votar em assembleia [35], etc.

Afora o procedimento legal de reconhecimento sindical para uma determinada unidade de negociação e que transforma todo o procedimento legal em um momento mais do que propício para a antissindicalidade e para o surgimento de práticas desleais, a Employment Relations Act 1999, de forma um tanto quanto tímida, destacou que, quando houver dispensa de grevistas em regular e lícita ação industrial e por motivos antissindicais, poderá haver uma pretensão formalizada, pelos prejudicados, perante a competente Corte de Justiça, quando a lei já poderia, desde o início, ter impossibilitado tal dispensa. No mais, as leis britânicas restringem os piquetes para o próprio local de trabalho; declaram a ilegalidade de movimentos de solidariedade sindical; tratam com restrição as disputas sindicais perante o Poder Judiciário; limitam tais disputas a matérias atinentes ao empregador da unidade de negociação; requerem uma complexa e restritiva realização de votações de trabalhadores para ações sindicais; permitem a dispensa de grevistas; permitem a discriminação contra trabalhadores que sustentam uma dada representação sindical; proíbem a que os sindicatos disciplinem os trabalhadores não-grevistas; além de tornarem os sindicatos responsáveis por eventuais penalidades em razão de movimentos grevistas legítimos [36].

Os entraves legais da TULRCA ao livre desenvolvimento de regulares atividades sindicais, no mais, se estabelecem em procedimentos criticáveis e detalhistas que obrigam os sindicatos a prover, por exemplo, (i) avisos prévios, referentes ao início de uma greve, sete dias antes da votação de trabalhadores que deliberará sobre a parede; (ii) avisos prévios com detalhes a respeito dos trabalhadores que participarão da votação em prol da greve por uma miríade de informações atinentes às funções desses trabalhadores, local de trabalho, formas de remuneração e outros tipos de informação (endereços atualizados etc.) que, talvez, somente o empregador poderia fornecer; (iii) formulários de votação que devem ser encaminhados pelos correios aos empregadores; e (iv) informações sobre um necessário período mínimo e máximo para a duração da votação, o que, muitas vezes, requer discussões judiciais, mediante caros advogados nas Cortes de Justiça, para que o sindicato possa defender seus legítimos desideratos, com prejuízos ao movimento sindical como um todo [37].

Atuar sindicalmente, hoje, no Reino Unido, se tornou experiência traumatizante porque as exigências legais para se processar o reconhecimento quanto à legitimidade de um sindicato representativo dos interesses de trabalhadores em uma dada unidade de negociação e para que o sindicato possa, regularmente, adotar medidas concretas de ação sindical em prol, eventualmente, de um movimento paredista, transformaram as leis antissindicais britânicas em uma maravilhosa armadilha para os sindicatos [38], na qual as empresas são incentivadas a, legalmente, recorrer à Justiça para discutir empecilhos legais mínimos e de menor importância para frustrar as expectativas de uma séria ação sindical [39], mormente no que diz respeito, como observado, à administração das votações de trabalhadores quanto ao reconhecimento de um sindicato na unidade de negociação e quanto às ações industriais.

No mais, e se tudo não bastasse, a partir da década de 80, o sindicalismo britânico e, por tabela, a representação sindical nos locais de trabalho, como ocorreu com a maior parte do sindicalismo contemporâneo ferido pela acumulação flexível do capital, enfrentou uma onda de redução dos índices de sindicalização que foi ocasionada – hoje já não se tem dúvida – pelo "Estado anticoletivista" [40] conduzido pelas políticas de Margaret Thatcher e John Major.

Nos anos 90, as declarações oficiais descartavam, explicitamente, o sindicalismo, ao mesmo tempo em que patrões antissindicais eram apoiados legalmente quando sustentavam que a negociação coletiva era mecanismo ultrapassado e inadequado à indústria moderna (utilizando-se, ferozmente, dos empecilhos legais da TULRCA de 1992 e do Employment Relations Act de 1999 para brecar intentos sindicais de reconhecimento de atuação no local de trabalho e para o desenvolvimento da negociação coletiva e da utilização da greve), se comparada com os mais atualizados procedimentos de gestão das gerências de recursos humanos, fulcrados na valorização dos contratos individuais de trabalho e dos pagamentos feitos de acordo com a produtividade, uma das razões da crise atual do sindicalismo, juntamente com os processos de downsizing, lean production e terceirizações irregulares.

A desestruturação sindical iniciada nos anos 80 e 90 e mantida, de início, pela política do New Labour ou da "Terceira Via" de Tony Blair [41], em linha com o avanço capitalista ditado pela economia norte-americana, afetou, inclusive, a "central sindical", se assim se pode comparar, do Trade Union Congress (TUC), que se viu forçada, pelas contingências, a abandonar a imagem de oposição aos empresários a fim de "tornar o Reino Unido mais competitivo", cooperando, em um nítido sindicalismo de resultados, com a Confederation of British Industry (CBI), afetação que ocorreu, também, atendidas as particularidades de cada nação, à Confédération Générale du Travail (CGT) e à Confédération Française Démocratique du Travail (CFDT) francesas, à Condeferazione Generale Italiana del Lavoro (CGIL) italiana, à Deutsch Gewerkschaftbund (DGB) alemã e à American Federation of Labor-Congress of Industrial Organizations (AFL-CIO) norte-americana [42].

Desmotivada e sem prestígio, a representação sindical nas empresas, para o local de trabalho, enfrentou uma crise institucional sem precedentes no Reino Unido, o que, sob o governo de Tony Blair, forçou uma autocrítica governamental diante do desequilíbrio flagrante entre os poderes do empregador e dos sindicatos obreiros. Em 1998, o Department of Trade and Industry publicou um documento (intitulado Fairness at Work) retratando essa nova postura governamental, favorável a um ressurgimento da pujança da representação sindical nos locais de trabalho, em que se pontuava que "o objetivo do governo é estimular uma nova cultura de parceria no local de trabalho, sob o pressuposto de que a eficiência e justiça (no trato das relações de emprego) são inteiramente compatíveis", de modo que "os empregadores não devem negar o reconhecimento a um sindicato que tenha o apoio claro e manifesto dos empregados" [43], o que justificaria a imposição de reconhecimento sempre que a maioria dos trabalhadores expressasse a disposição de serem representados pelo sindicato naquele específico local de trabalho (por meio dos já referidos ballots, hoje minuciosamente regrados na lei).

Com efeito, embasado nessas premissas, o governo "trabalhista" de Tony Blair conseguiu aprovar a Employment Relations Act de 1999 emendando, pela Schedule A1, a TULRCA de 1992, com vigência a partir de junho de 2000, que, como visto, fixou seus princípios de um novo modelo de estrutura sindical no reconhecimento voluntário do sindicato, quando a solicitação do sindicato é espontaneamente aceita pelo empregador; no reconhecimento automático por comprovação de que mais da metade dos empregados são sindicalizados; e no reconhecimento sindical depois da realização de eleição/votação (ballots) em que mais da metade dos participantes na votação expressassem intenção de serem representados pelo sindicato. Nessas duas últimas circunstâncias, o procedimento é administrado pelo CAC, que poderá iniciar uma negociação visando definir a base da representação (unidade de negociação) e a futura negociação coletiva.

De toda a sorte e como já pontuado, o statutory recognition procedure [44], a despeito de tentar, ao máximo, (i) obrigar os empregadores a celebrar consulta a cada seis meses sobre programas de qualificação com um sindicato reconhecido; (ii) conceder o direito do empregado de se fazer acompanhar por um colega de trabalho ou por um representante sindical em inquéritos disciplinares, mesmo quando inexista sindicato reconhecido na empresa; (iii) declarar a ilegalidade de qualquer ato do empregador que conduza à discriminação contra o empregado por participação em atividades sindicais legais; (iv) declarar a ilegalidade dos procedimentos de despedida de empresa que se recuse a celebrar contrato individual de trabalho em condições iguais ou melhores às estabelecidas em contratos coletivos de trabalho; e (v) declarar a ilegalidade da despedida do empregado por participação em greve legal de menos de oito dias [45]; ainda assim, em razão de seu irritante detalhismo e regramento, apenas impulsionou o empresariado à prática de condutas desleais. A TULRCA de 1992 emendada pela Employment Relations Act de 1999, ao contrário do que se imaginava, não fortaleceu, como uma lei de promoção à ação sindical, o sindicalismo britânico e, desde 1989, o Reino Unido vem enfrentado, sistematicamente, ano após ano, a condenação da comunidade internacional, capitaneada pela OIT e pela União Europeia, pelo fato de as leis antissindicais britânicas não se coadunarem com as Convenções n° s 87 e 98 da OIT, com a principiologia do Comitê Europeu de Direitos Sociais e com a Convenção Europeia de Direitos Humanos, tudo porque tais leis antissindicais dificultam e prejudicam uma maior liberdade e autonomia sindicais [46].

Com os direitos fundamentais do homem, de natureza sindical, sendo desproporcionalmente restringidos pelas armadilhas legais e com o direito à greve sendo minado pelas exigências desarrazoadas da legislação em procedimentos vários que somente viabilizam a desmobilização dos trabalhadores, a gota d’água de uma revolta jurídica surgiu quando setecentos empregados de Gate Gourmet, uma empresa que fornece as alimentações de bordo para a British Airways no Aeroporto de Heathrow em Londres, foram dispensados por megafone em um estacionamento e imediatamente substituídos por empregados menos motivados sindicalmente.

Se a lei permite a dispensa por megafone, em um estacionamento, de empregados que estavam em motivação sindical para tomar certas atitudes industriais na defesa de seus interesses, alguma coisa estava errada [47] e toda a crítica que, desde sempre, veio sendo construída em prol de uma reforma das leis antissindicais britânicas, veio à tona com carga máxima, ilustrando, em toda a parte, as legítimas pretensões da comunidade britânica e do sindicalismo de retomar, no que fosse possível, os direitos e liberdades previstos, de forma simples e precisa, na Trade Disputes Act 1906, reformando esse rol de direitos e liberdades para adequá-lo às exigências do movimento sindical de um mundo globalizado, no início do século XXI.

No início de 2006, o movimento sindical, encampado pelas ácidas críticas da comunidade jurídica britânica, empenhou-se em destacar os principais tópicos de mudanças, mediante os quais (i) grevistas mereceriam uma melhor proteção legal; (ii) os procedimentos de votação e avisos prévios para a continuidade de qualquer ação sindical deveriam ser simplificadas e tornadas justas e isonômicas em relação ao poderio do empresariado; (iii) as ordens judiciais contrárias a uma perfeita ação sindical, por meio das injunctions concedidas aos apelos patronais diante de uma dada movimentação obreira, deveriam ser restringidas e limitadas; (iv) as mobilizações e greves de solidariedade deveriam ser aceitas em determinadas circunstâncias; e (v) a utilização de mão-de-obra de reserva (agency workers) para substituir grevistas deveria ser prevenida [48].

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Iniciou-se, então, uma campanha, que contou, em seu nascedouro, com o apoio e suporte de quinze membros do parlamento (MPs) que assinaram uma moção, na House of Commons, em prol da instituição, o quanto antes, de uma nova lei, uma Trade Union Freedom Bill, e que já contava, no início de agosto de 2006, com a assinatura de 182 MPs, faltando pouco para se atingir a metade de MPs representantes dos "trabalhistas" no Parlamento britânico [49].

Mesmo que ainda não se atenda aos parâmetros internacionais, as discussões em torno de uma Trade Union Freedom Bill propõem, em reformulação à antissindicalidade que permeia a legislação: (i) que qualquer obstáculo ou mesmo a dispensa de um trabalhador que tenha participado de alguma ação sindical será revertido ou revertida, inclusive mediante o direito expresso à reintegração se o caso, se o empregador provar que o obstáculo não foi imposto ou a dispensa não foi processada por conta da participação legítima em atividades sindicais; (ii) que haverá a proibição de contratação de trabalhadores substitutos àqueles trabalhadores grevistas, o que limitará a atuação de agências especializadas em fornecimento de mão-de-obra acaso tais agências não consigam provar que não sabia que os trabalhadores que subsidiaram o movimento grevista estavam atuando em legítima atuação sindical; (iii) que haverá a previsão de obrigações patronais de respeito às votações assembleares de trabalhadores relacionadas às ações sindicais nos locais de trabalho e que qualquer inadimplemento patronal a tais obrigações (entre as quais o dever de prestar informações requisitadas pelos sindicatos profissionais e de permitir a que os sindicatos possam acessar os trabalhadores nos locais de trabalho livremente antes de qualquer assembleia exigida por lei, mormente as que se destinarem ao procedimento de reconhecimento sindical) desautorizará os empregadores a se socorrerem das Cortes de Justiça; (iv) que haverá a permissão para que, observados certos limites de similaridade e conexidade, grupo de trabalhadores possam livremente adotar condutas sindicais de solidariedade a um outro grupo de trabalhadores que enfrentam problemas coletivos de trabalho; (v) que erros acidentais na administração das votações assembleares quanto à autorização para a tomada de atitudes sindicais (como, por exemplo, a omissão não intencional de votantes no processo de votação ou a inclusão de trabalhadores que não deveriam compor a unidade de negociação para a votação) não serão considerados relevantes para a frustração das ações industriais; (vi) que as cópias de formulários de votações para o reconhecimento sindical e as informações pré-movimentos grevistas quanto a lugar e data da realização das ballots se transformarão em questão de democracia sindical interna, mesmo porque qualquer razoável e competente empregador será hábil o suficiente para saber quando uma de tais assembleias de votação ocorrerá; (vii) que as formalidades de prévia notificação do empregador quanto às atividades sindicais serão substituídas por uma obrigação a que o sindicato obreiro, quando a proporcionalidade e a razoabilidade ditarem, cientifique o empregador previamente com sete dias de antecedência das reuniões assembleares, com informações a respeito dos trabalhadores envolvidos, a natureza da atividade sindical e períodos de início e término, inclusive no que diz respeito a greves de solidariedade [50].

Embora em um contexto de common law, a importância de uma legislação que promova uma maior liberdade em atividades sindicais não pode ser questionada porque ilustra um traço marcante em qualquer providência estatal de facilitar o reconhecimento da atuação sindical. Seja como for, a lei britânica, ao ensejo de toda a mobilização em prol da Trade Union Freedom Bill deveria, arvorando-se nos exemplos norte-americanos e canadenses, tratar de regular a tipificação das práticas desleais bem como as consequências de tais práticas, principalmente para considerar inaceitáveis, nas relações coletivas de trabalho, condutas desleais e atentatórias à ética e à boa-fé de (i) utilização, pelo empregador, de material confuso, falso ou difamatório contra um determinado sindicato, seus membros e dirigentes; (ii) utilização, pelo empregador, de palavras intimidatórias ou comportamentos intimidatórios contra os membros de sindicatos; (iii) modificação dos termos e condições de contratos individuais de trabalho no período de reconhecimento sindical para desprestigiar o sindicato pretendente à unidade de negociação; (iv) distribuição de panfletos e manifestações aos trabalhadores demonstrando os benefícios de se tornarem livres de sindicatos (union-free); (v) intervenção nos assuntos assembleares de trabalhadores e proibição de acesso do sindicato aos locais de trabalho; (vi) discriminação e dispensas de trabalhadores que tenham votado favoravelmente a um sindicato que não possui a simpatia patronal ou que tenham participado de atividades sindicais; (vii) modificação das características da unidade de negociação para frustrar as pretensões de um sindicato que se submete ao statutory recognition procedure; (viii) fechamento ou ameaças de fechamento da unidade patronal (runaway shops) em contra-ataque às intenções legítimas de um reconhecimentos sindical para o local de trabalho; e (ix) estabelecimento unilateral de sindicatos de fachada, cooptados pelo setor patronal, sem qualquer independência ou, ainda, o incentivo à criação de conselhos de trabalhadores ou organismos semelhantes para desestimular a participação na vida sindical [51].

Para desinfetar o ambiente antissindical britânico, muito, ao que se constata, precisa ser feito, mormente no que diz respeito ao estabelecimento de uma disciplina ordeira de combate às práticas desleais, que poderiam, por exemplo, ser as acima sugeridas pela doutrina ou as que explicitam o impulso e o incentivo ao patronato para fragmentar as pretensões sindicais, mas as propostas em torno de uma Trade Union Freedom Bill é um exemplo claro em direção à melhor tutela da liberdade sindical coletiva no Reino Unido.

A conferência de lançamento da campanha de reforma da antissindicalidade britânica e em prol da Trade Union Freedom Bill se realizou, sob a batuta do The Institute of Employment Rights, no dia 29 de novembro de 2006, na UCU Conference Centre em Londres, oportunidade em que as falas de ilustres juristas e especialistas do movimento sindical serviram para a elaboração de um relatório contundente a respeito da imperiosa necessidade da Trade Union Freedom Bill.

Infelizmente, na ironia que permeia, como um karma, qualquer tentativa de melhora da legislação sindical [52], a proposta de uma Trade Union Freedom Bill foi ultrapassada, politicamente, pelo debate em torno de uma nova Employment Simplification Bill ou, por facilidade, a Employment Bill (a Employment Act 2008) anunciada em dezembro de 2007.

Também por infelicidade, a Employment Bill, em sua versão originária, não continha os avanços possíveis que eram previstos pela Trade Union Freedom Bill e, desde 2008, quando a Employment Bill iniciou seu percurso legislativo pela House of Lords e pela House of Commons, vem sofrendo emendas para ressuscitar as garantias de que os trabalhadores que se engajassem em legítimas ações grevistas receberiam melhor proteção legal contra dispensas discriminatórias ou qualquer outro tipo de retaliação; de que a lei evitaria, expressamente, que empregados grevistas fossem substituídos por trabalhadores de agências de intermediação de mão-de-obra como arma de conduta desleal patronal para esvaziar o movimento sindical; e de que empregadores deveriam, nas votações assembleares nos locais de trabalho, quando do procedimento para o reconhecimento e acerto da representatividade sindical, fornecer informações aos sindicatos sobre os seus empregados, além de que a lei diminuiria a burocracia que regra os ballots.

Os debates continuam neste ano de 2009, a despeito de, já na administração do Primeiro Ministro Gordon Brown, não ter ocorrido qualquer debate público sobre as fraquezas da legislação sindical inglesa, quiçá uma indicação, já bem conhecida, de uma postura antipática aos sindicatos.

3.2. Panorama do sistema jurídico norte-americano sob o contexto da antissindicalidade

Inspiração para o modelo britânico, ao menos para a Employment Relations Act de 1999, o sistema norte-americano, também calcado em filigranas legais para o reconhecimento do sindicato no local de trabalho/unidade de negociação (porque a representação se dá por empresas [53]) é basicamente regido pela National Labor Relations Act (NLRA) ou, como conhecida, a Wagner Act de 1935, emendada pela Labor-Management Relations Act (LMRA) de 1947 ou a Taft-Hartley Act, endereçadas a tutelar as relações coletivas de trabalho do setor privado, aí incluindo o U.S. Postal Service [54]. A intenção da lei, tal como nos domínios britânicos, não foi a de deliberadamente prejudicar as condutas sindicais. O Congresso americano editou a NLRA durante a Grande Depressão, a fim de que os trabalhadores pudessem se organizar sem temor a represálias patronais [55]. A Seção 7 da NLRA declarou que os empregados devem ter o direito de se filiar a sindicatos e de participar de atividades coletivamente organizadas. A Seção 8 da NLRA proibiu a discriminação e a Seção 13 reconheceu o direito à greve.

Não durou muito para que as Cortes Judiciais impactassem negativamente essas garantias sindicais, algo típico da common law, em que o Legislativo e o Judiciário parecem não se entender [56]. A primeira rajada negativa ocorreu em 1938, quando a Suprema Corte "legalizou" a contratação de substitutos para substituir permanentemente os trabalhadores grevistas [57]. Posteriormente, a LMRA permitiu a que sindicatos fossem processados por uma miríade de condutas, incluindo as práticas de críticas aos que "furavam" as greves e as de mobilizar os representados em greves de solidariedade (secondary actions).

A Labor-Management Reporting and Disclosure Act (LMRDA) de 1959, também conhecida como a Landrum-Griffin Act, embora tenha estabelecido direitos democráticos para os integrantes de sindicatos e criado regras para as eleições sindicais destinadas aos membros executivos dos sindicatos (executive board members) e aos dirigentes indicados constitucionalmente, restringiu a possibilidade de realização de piquetes [58], além de ter procurado eliminar a corrupção e a extorsão sindicais [59]. O assalto antissindical continuou, indiretamente, quando, em 1984, a National Labor Relations Board, a agência responsável pela aplicação da NLRA, instituiu um código de conduta para a realização de greves que "até um sindicato de freiras teria dificuldades de atender" [60].

Apesar de todas as idiossincrasias da legislação norte-americana, a NLRA capitulou, em evidente prestígio ao combate de práticas antissindicais que atentassem contra a liberdade sindical coletiva, na Seção 8ª, subseção 158, alínea "a", as chamadas práticas desleais (unfair labor practices) cometidas pelo empregador, a saber: (i) interferir, restringir ou coagir empregados no exercício dos direitos garantidos na subseção 157 (de se organizar e de se filiar em sindicato, além de negociar coletivamente mediante representantes de sua própria escolha e de participar em outras atividades sindicais para os propósitos da negociação coletiva, sem contar a faculdade de mútuo auxílio e proteção e de se negar a participar de tais atividades) (item 1); (ii) dominar ou interferir na formação ou na administração de qualquer sindicato ou contribuir financeiramente ou conceder suporte para tais entes (company unions) (item 2); (iii) proceder a discriminações em relação à contratação ou à manutenção do vínculo laboral ou qualquer termo ou condição de emprego para encorajar ou desencorajar a filiação sindical (item 3); (iv) dispensar ou praticar qualquer outro ato discriminatório antissindical contra um empregado em virtude de ter procedido a processos judiciais ou de ter servido de testemunha em procedimentos relacionados às práticas desleais (item 4); e (v) se recusar à negociação coletiva com os representantes obreiros (item 5) [61].

Para as práticas desleais cometidas pela própria organização sindical obreira, em ilustração ao sistema bilateral já antes ventilado e típico do sistema norte-americano (em que os empregadores também podem ser tidos como vítimas em potencial da antissindicalidade), a alínea "b" da Subseção 158 da Seção 8ª da NLRA arrola a seguinte capitulação: (i) controlar ou coagir empregados no exercício dos direitos reconhecidos na Subseção 157, salvo as situações em que o sindicato preveja em seus estatutos regras próprias referentes ao exercício da filiação sindical ou em que os empregadores elejam seus representantes para a negociação coletiva ou ajuste de reclamações (item 1); (ii) forçar ou tentar forçar o empregador a discriminar um empregado por violação ao item "a", item 3, ou a discriminar um empregado em razão de não ter galgado a condição de sindicalizado por motivos outros diversos do inadimplemento das contribuições sindicais e dos pagamentos iniciais necessários para a aquisição da condição de sindicalizado (item 2); (iii) recusa à negociação coletiva com o empregador (item 3); (iv) induzir ou encorajar o empregado ou qualquer outra pessoa que trabalhe no comércio ou na indústria a participar de greve ou a se recusar, no curso do contrato individual de trabalho, a participar do uso, da industrialização, do processamento, do transporte ou do manuseamento de produtos, artigos, materiais ou commodities ou prestar serviços em prol desses bens ou ameaçar ou coagir ou restringir qualquer pessoa do setor de comércio ou da indústria a forçar o empregador a se unir a uma organização sindical patronal ou a entabular um acordo proibido ou a forçar ou requerer a que qualquer pessoa cesse o uso, a venda, o manuseamento, o transporte ou o trato de produtos de qualquer produtor, processador ou manufaturador ou a finalizar negócios com outra pessoa ou a forçar e requerer que o empregador reconheça e negocie com uma dada organização sindical obreira (item 4, itens "i"e "ii" e subitens "A" e "B"); (v) requerer que os empregados cobertos por um acordo a efetuar pagamentos como pressuposto a se tornar membro da organização sindical em montante que o National Labor Relations Board considere excessivo e discriminatório (item 5); (vi) causar ou tentar causar a que um empregador pague ou entregue ou concorde em pagar ou entregar qualquer quantia em dinheiro ou qualquer outra coisa de valor por serviços que não são prestados ou que não serão prestados (item 6); e (vii) fazer piquetes ou a ameaça de sua efetivação perante o empregador para pressioná-lo economicamente a reconhecer o sindicato profissional ou a negociar coletivamente ou para forçar os empregados a aceitar ou selecionar dado sindicato profissional como o seu representante coletivo, a não ser que o sindicato profissional já seja o certificado como o representante obreiro (item 7) [62].

De todas as práticas desleais previstas na Seção 8 da NLRA como cometidas pelo empregador, que caracterizam as clássicas práticas desleais, e que as fizerem ser conceituadas como contrárias à ética e à boa-fé nas relações coletivas de trabalho, uma suma dessas unfair labor practices (ULPs) revela o intento de combater cinco principais tipos de conduta patronal: (i) interferência indevida, restrições ou coações direcionadas contra o sindicato ou qualquer outra atividade coletiva (Seção 8, alínea "a", item 1 – Section 8(a)(1)); (ii) criação e dominação de organizações sindicais obreiras (Section 8(a)(2)); (iii) discriminação contra empregados ou desencorajamento a apoiar sindicatos e suas atividades (Section 8(a)(3)); (iv) retaliação contra empregados ou sindicatos que tenham procedido a protocolar queixas por práticas desleais em cooperação com o National Labor Relations Board (Section 8(a)(4)); e (v) recusa à negociar coletivamente e de boa-fé (Section 8(a)(5)). Ameaças e interferências na atividade sindical constituem violações à Section 8(a)(1). Dispensas e suspensões violam a Section 8(a)(1) e (3). Alterações unilaterais, recusas à prestação de informações e negativas à assistência sindical durante as investigações da National Labor Relations Board violam a Section 8(a)(1) e (5) [63].

Ainda são consideradas práticas desleais (ULPs) cometidas por supervisores as práticas de ameaças a representantes sindicais (union stewards); de avaliar negativamente um empregado por motivação antissindical; de segregar o empregado discriminado do contato com outros empregados; de impor funções mais desgastantes ou em horários diferentes por motivação antissindical; de promover não solicitadas transferências; de expedir avisos, suspensões ou medidas disciplinares por motivação antissindical; de usar linguagem baixa para intimidar o empregado; de requisitar que o empregado se afaste de um union steward e de avisar o empregado de que o sindicato está prestando péssimos serviços; de solicitar que o empregado resolva seus problemas no ambiente de trabalho sem a presença sindical [64]; ou, ainda, de solicitar presença policial para impedir o piquete em propriedade pública ou equivalente ou no portão de acesso à propriedade do empregador; de impedir panfletagem ou reunião de trabalhadores nos refeitórios (que poderiam ensejar, inclusive, a que o sindicato promovesse a espécie de greve "por práticas desleais") ou qualquer outra medida que afete e restrinja as atividades sindicais quando de mobilizações paredistas [65].

Para processar e julgar as queixas por práticas desleais, advogados de sindicatos, dirigentes sindicais e representantes nos locais de trabalho (union stewards) podem protocolar tais queixas no prazo de seis meses da data do evento ou da conduta tida por desleal, mediante formulários que podem, inclusive, ser copiados, por download, do sítio na National Labor Relations Board na internet. Os formulários, datilografados ou preenchidos à mão, são, então, submetidos eletronicamente ao Board ou remetidos por mensagem eletrônica, fac-símile ou protocolados diretamente em um dos escritórios regionais do Board espalhados pelos EUA. Protocolada a queixa, os investigadores do Board iniciam procedimentos de entrevistas de testemunhas e análise documental. Assim que finalizadas as investigações, o agente ou seu supervisor fazem recomendações ao Diretor Regional do Board para pleitear uma ordem judicial mediante um promotor do Board perante um julgador administrativo (administrative law judge) que poderá condenar o empregador a interromper a conduta ilegal, a fim de evitar novos prejuízos às vítimas, mas sem que se possa, em um primeiro momento, impor prisões ou o pagamento de multas [66]. O Board também poderá dar por extinta a queixa.

O empregador, inclusive por seus advogados, poderá apelar da decisão do julgador para o conselho formado por cinco membros do Board em Washington, sendo que ulteriores recursos poderão ser submetidos aos circuitos judiciários dos EUA e, inclusive, à Suprema Corte [67].

Uma particularidade do sistema jurídico norte-americano é a de que quando os empregadores é que vão às Cortes para impedir práticas desleais por parte dos sindicatos obreiros e seus membros, a Norris-LaGuardia Anti-Injunction Act exige que, para a expedição de injunctions pelas Cortes Federais de Justiça, haja a prova de que os sindicatos estariam adotando condutas ilegais que se perpetuam; que a polícia local é incapaz ou incompetente para conceder proteção adequada ao patrimônio patronal; que o empregador está cumprindo todas as suas obrigações legais; e que o empregador está tentando resolver o conflito por meios conciliatórios, mediação governamental ou por arbitragem [68], principalmente em casos em que o sindicato adota táticas coercivas contra os "fura-greves".

Para fugir dos requisitos legais da Norris-LaGuardia Anti-Injunction Act federal, vários empregadores preferem pleitear injunctions perante as Cortes Estaduais de Justiça, que não possuem restrições tão detalhadas para a expedição de injunctions, muito embora vinte estados e territórios norte-americanos tenham editado leis modeladas pela Norris-LaGuardia Anti-Injunction Act federal.

A despeito de toda essa construção legal, a vida sindical sempre revela o modo estranho mediante a qual a antissindicalidade se entranha na mente das partes nas relações coletivas de trabalho. Aqui, em semelhança ao sistema britânico, a lei, rica nas capitulação de hipóteses caracterizadoras de práticas desleais, é fraca nas sanções e penalidades, o que subsidia empregadores a de forma rotineira se valerem de táticas ilegais para evitar a sindicalização ou a ação sindical, como, por exemplo, a intimação, a dispensa por motivação antissindical, a substituição permanente de empregados grevistas e o boicote às manifestações de solidariedade obreira [69]; e, a exemplo do similar modelo britânico, que propaga o ideal de que é preferível, pela lei, ao empregador, atacar sindicatos do que, com eles, cooperar, todas as velhas técnicas de dissimulação para inviabilizar o processo de sindicalização da unidade de negociação no local de trabalho, como a propagação de publicidade, material e discursos antissindicais; a não divulgação de informações sobre as funções dos empregados; a discussão em torno da caracterização da unidade da negociação; as transferências súbitas de empregados ou a mistura de empregados com diferentes perfis na unidade de negociação; o desacordo com os resultados das votações em torno da representatividade sindical; e os obstáculos à entabulação do primeiro contrato coletivo [70].

Pouco a pouco, mas rapidamente, os empregadores, a despeito da ampla previsão legal de combate às práticas desleais, aprenderam a minar qualquer intento de incentivar a sindicalização nas unidades de negociação ao promoverem o círculo vicioso de preterição desde o início das votações para a eleição do sindicato representativo daquele local de trabalho. Quando um sindicato se apresenta para a representação, as empresas reduzem salários ou cortam a assistência à saúde [71] e a pressão se torna de tal grandeza que os sindicatos são levados, por pressão dos trabalhadores, a desistir do pleito de representatividade. Se os sindicatos não desistem e resolvem fazer a greve, o que é tudo o que os empresários querem, o capital de imediato se movimenta para promover, sob o beneplácito da Suprema Corte, a contratação de trabalhadores para substituir, permanentemente, os empregados grevistas e, pronto, desmantela-se, na origem, não só o procedimento de reconhecimento da entidade representativa dos trabalhadores, mas como, também, a própria ação sindical lato sensu.

Por muito tempo, o movimento sindical parece não ter tido respostas para essa tática implacável do capital organizado [72]. No entanto, desde o início da década de 90, o movimento sindical constatou que pode se valer do sistema de combate às práticas desleais para, legalmente, demonstrar que as substituições de empregados grevistas são imprestáveis se as greves que foram deflagradas não eram destinadas – ou não eram assim tratadas, embora, no fundo, o fossem –, propriamente, aos pleitos que normalmente se colocam no entrave coletivo, mas, isso sim, contra as condutas patronais desleais, afrontosas à ética e à boa-fé nas relações coletivas de trabalho [73].

Sob o modelo de combate às práticas desleais, trabalhadores grevistas são protegidos contra substituições se se provar que as greves foram motivadas por práticas desleais patronais e não se as greves foram motivadas por tópicos naturais dos embates coletivos [74]. Por tal descoberta, o número de queixas de práticas desleais cresceram muito perante o NLRB a partir do final da década de 80 e início da década de 90. As empresas passaram a ser, assim, condenadas por deslealdade ou ao pagamento de salários que deveriam ter sido pagos mas não o foram (as punições são sempre compensatórias, e a posteriori), mas a lei não impunha consequências severas (sanções, punições, indenizações, prisões, reversão ao status quo ante), se já não bastasse o demorado trâmite procedimental perante o NLRB [75], que acabava por ensejar punições quatro ou cinco anos após o fato consumado, um delay que apenas armava moralmente os sindicatos, até que o movimento sindical aprendeu a sua segunda lição: a imperiosa necessidade de, não só se valer de greves por práticas desleais (para garantir que a greve tenha alguma utilidade), mas como se valer de alianças políticas com a sociedade civil em detrimento de uma empresa, inclusive com publicidade, interferência de organizações religiosas, o que vem gerando constrangimentos empresariais de toda a ordem, em benefício dos sindicatos.

Esse estado de coisas permaneceu até que o novo Presidente norte-americano, Barack Obama [76], mesmo na fase de sua campanha presidencial, impulsionou, com o seu aval e carisma, o movimento em prol de uma Employee Free Choice Act [77]. A promessa, se aprovado o projeto do Employee Free Choice Act (EFCA), é de que a nova lei significará a maior reforma jurídica, em prol dos sindicatos, desde a NLRA de 1935, ou seja, desde a política do bem-estar social do New Deal do Presidente Franklin Delano Roosevelt (1933 a 1941).

Em uma situação rara, a proposta da EFCA foi, no último dia 10 de março de 2009, apresentada, concomitantemente, tanto na House of Representatives (HR. 1490), pelas mãos do Deputado Democrata George Miller, como no Senate (S. 560), pelas mãos do Senador Democrata Tom Harkin. Em grande suma, o EFCA:

(i) aumenta as penalidades contra empregadores que adotarem condutas antissindicais ou desleais. O EFCA prevê que assim como o NLRB é provocado a procurar uma Corte Federal de Justiça para obter uma injunction contra um sindicato quando se demonstra que o sindicato é o provável culpado por greves de solidariedade ou boicotes aos produtos do empregador, o NLRB também deve procurar uma Corte Federal de Justiça contra o empregador quando há causa suficiente para imputar, ao empregador, ações discriminatórias contra empregados ou tenha adotado condutas que importem interferência nos direitos dos empregados de, livremente, constituírem o seu sindicato. Para tanto, as Cortes Federais de Justiça deterão competência para prover qualquer tutela de urgência ou de natureza cautelar, de natureza provisória, que se fizer necessária. O EFCA, ainda, aumenta, em três vezes, o valor do montante que o empregador terá que pagar ao empregado por salários não pagos e outras verbas devidas que seriam pagas se não fosse a conduta discriminatória no momento da aferição da representatividade sindical ou no momento da negociação coletiva para o primeiro contrato coletivo. Por fim, nesse item, o EFCA prevê multas que podem chegar a US$ 20.000,00 (vinte mil dólares norte-americanos) por violação contra empregadores reincidentes na violação aos direitos dos empregados;

(ii) determina o uso de mediação ou arbitragem para ajudar empregadores e empregados a chegarem a um consenso a respeito do primeiro contrato coletivo dentro de um período razoável de tempo. Assim, se um empregador e um sindicato, em negociação coletiva, não conseguirem atingir o consenso para um primeiro contrato coletivo no prazo de noventa dias, qualquer das partes poderá procurar um Federal Mediation and Conciliation Service (FMCS). Se, em trinta dias, o FMCS não conseguir mediar o conflito, a causa poderá ser destinada à arbitragem, que obrigará as partes por dois anos no mínimo, salvo os termos do acordo das partes; e

(iii) e permite a que os empregados possam se organizar em sindicatos por uma votação da maioria dos trabalhadores na unidade de negociação (majority sign-up), em um procedimento em que os trabalhadores presentes assinam cartões de autorização (card-checks), que serão desenvolvidos e supervisionados em sua autenticidade pelo NLRB, como demonstração inafastável da escolha em pertencerem a um sindicato, sem temor de represálias patronais.

Como não poderia deixar de ser, o problema da union-busting começou e certas empresas (por exemplo, Cingular Wireless e Kaiser Permanente) já desenvolvem trabalho de lobby pesado no Congresso para minar a EFCA, inclusive com anúncios na televisão, recentemente combatidos por anúncios de vários apoiadores da EFCA, entre os quais a prestigiada organização American Rights at Work (www.americanrightsatwork.org).

Dos sistemas de common law avaliados, destaca-se que o sistema de combate às práticas desleais se arvora na condição de proteger e tutelar, em termos gerais, a atuação sindical, mormente no que diz respeito ao pleno reconhecimento dos sindicatos como legítimos representantes de trabalhadores em certos locais de trabalho, de modo a resguardar a concretização da liberdade sindical coletiva, tudo para contrariar o fenômeno crescente da union-busting patrocinados por certos empregadores e profissionais especializados.

3.3. Panorama dos sistemas jurídicos latino-americano e argentino sob o contexto da antissindicalidade – Provocações ao Brasil

Nos países adstritos ao modelo do civil law, no entanto, a despeito da proteção individual de certos trabalhadores por meio dos conhecidos sistemas de foro sindical destinados à tutela da liberdade sindical individual, uma parte das legislações latino-americanas formula uma proteção geral a direitos sindicais por medidas destinadas a sancionar práticas antissindicais, com inspiração direta na Convenção n° 98 da OIT, a ponto de países como a Argentina (pela Ley de Asociaciones Sindicales), Colômbia (pelo Codigo Sustantivo del Trabajo) [78], Chile (pela Ley nº 19.069 de 1991), Panamá (pelo Codigo de Trabajo de 1971) e República Dominicana (pelo Codigo de Trabajo de 1992) [79] estenderem a tutela a direitos sindicais no âmbito da negociação coletiva e da greve, bem como a outros atos correntes na vida sindical, em similitude às práticas desleais.

Ainda que, em certas hipóteses, a descrição de práticas desleais na Argentina, em particular, possa corresponder às garantias sindicais disponibilizadas, por exemplo, aos dirigentes sindicais no sistema de foro sindical de vários países, o fato é que a Argentina [80] se debruçou sobre a experiência normativa norte-americana para tratar de um novo modelo de combate às práticas antissindicais, muito mais direcionado a uma tutela mais consistente da liberdade sindical coletiva positiva e negativa.

A amplitude das hipóteses de práticas desleais da legislação argentina, longe de configurar um prolixismo normativo, serve, para vários países latino-americanos, mormente para o Brasil – que não adotaram, explicitamente, o sistema de práticas desleais destinadas ao combate às práticas antissindicais que ferem a liberdade sindical coletiva –, como uma incomensurável fonte de inspiração doutrinária e legal acerca de conceitos e situações agressivas à liberdade sindical coletiva, que podem ocorrer em qualquer nação e contra as quais não se teria remédio hábil de tutela.

O Decreto-lei nº 23.852 de 1945 foi a primeira manifestação normativa argentina relacionada com a proteção das atividades sindicais e que já introduziu, transplantando noções da Wagner Act de 1935, a figura das práticas desleais com um organismo administrativo específico para o julgamento das novas questões nas relações coletivas de trabalho, qual seja, o Consejo Nacional de Relaciones Profesionales [81], bem ao estilo do National Labor Relations Board (NLRB) norte-americano.

Em 1958, editou-se a Lei nº 14.445, que consagrou o chamado fuero sindical ou estabilidade no emprego aos trabalhadores que ocupavam cargos eletivos ou representativos em organizações reconhecidas, mesmo com personalidade gremial. Sendo vaga quanto aos efeitos dos atos discriminatórios, a lei argentina (i) previu uma espécie de indenização na hipótese de dispensa do dirigente; (ii) ampliou as atribuições do Consejo Nacional de Relaciones Profesionales (também por vezes denominado de Tribunal Nacional de Relaciones Profesionales), que passou a deter a competência de qualificar determinadas condutas como sendo práticas desleais e para, assim, determinar a desistência do prosseguimento da conduta, bem como a extinção de seus efeitos que poderiam ser convertidos em reintegração do trabalhador suspenso, transferido, ou em pagamento dos salários não recebidos, sem contar a possibilidade de aplicar multas; e (iii) estabeleceu um procedimento administrativo facultativo (intitulado desafuero sindical), perante o Consejo Nacional de Relaciones Profesionales, a fim de que o empregador pudesse demonstrar a existência de justas causas para as suspensões, as dispensas e a não-reincorporação ou a não-modificação das condições de trabalho por algum trabalhador amparado pelo fuero sindical [82].

Em seguida, em 1973, a Lei nº 20.615 instituiu um avançado sistema de proteção contra as práticas antissindicais, em que se previam meios preventivos, reparatórios e sancionatórios, além de ter contribuído (i) para a ampliação do âmbito subjetivo de proteção do fuero sindical previsto na Lei nº 14.445 de 1958, a fim de abarcar os subdelegados, os representantes sindicais que tenham ingressado em comissões paritárias para a celebração e para a interpretação de convênios coletivos, os candidatos aos comícios sindicais; (ii) para ampliação do âmbito objetivo do foro sindical para englobar as dispensas, as suspensões e a alteração das condições de trabalho; (iii) para a manutenção do desafuero sindical, caso em que, não fosse procedente, já implicaria a nulidade da prática antissindical/prática desleal; e (iv) para a qualificação da prática desleal como um juízo de valor sobre a conduta do empregador, que deveria rever o ato e fazer cessar os efeitos da discriminação, mediante a reincorporação do trabalhador dispensado ou suspendido, o restabelecimento das condições de trabalho e o pagamento dos salários não percebidos. Caso contrário, o trabalhador teria direito a solicitar a execução judicial dessa decisão, com o retorno ao status quo ante, inclusive com pleito por indenização. Além de tudo isso, a Lei nº 20.615 concedeu mais relevância aos aspectos preventivo e reparador sobre o aspecto meramente repressivo às práticas desleais. Com a Lei nº 22.105 de 1979, houve uma notória regressão da tutela legal contra as práticas antissindicais, exatamente porque restringiu os âmbitos objetivo e subjetivo do fuero sindical às hipóteses de dispensa para os trabalhadores integrantes de organismos diretivos ou titulares de cargos representativos e aos delegados de pessoal, integrantes de comissões internas ou cargos similares nos locais de trabalho e aos candidatos sindicais até o ato comicial. A Lei nº 22.105 também provocou a ausência de todos os mecanismos preventivos ou reparatórios tendentes à cessação dos efeitos das condutas antissindicais, mantendo, tão-somente, os meios sancionatórios das multas e das indenizações aos trabalhadores.

De toda a sorte, a Lei nº 22.105 introduziu o conceito bilateral – antes adotado pela Taft-Hartley Act de 1947 – para as práticas desleais, a ponto de viabilizar que os empregadores e suas organizações associativas também pudessem ser vítimas da antissindicalidade. A Lei n° 22.105 ainda extinguiu o Consejo Nacional de Relaciones Profesionales para submeter as causas envolvendo as práticas desleais aos tribunais competentes em matéria trabalhista [83].

No que diz respeito a esse breve momento em que as práticas desleais adotaram a nota da bilateralidade quanto aos agentes ativo e passivo da antissindicalidade, o artigo 55 da Lei nº 22.105 dispunha que seriam consideradas práticas desleais, e contrárias à ética das relações coletivas de trabalho por parte dos empregadores e de suas organizações, (i) o financiamento, direto ou indireto, de uma associação de trabalhadores; (ii) a intervenção na constituição, no funcionamento e na administração da organização obreira; (iii) a obstrução à sindicalização dos empregados mediante coação, dádivas quaisquer ou promessas, ou mediante o condicionamento da não-sindicalização à permanência no emprego ou ao ganho de melhorias salariais e outros benefícios; (iv) a promoção da filiação dos empregados a uma determinada associação sindical; (v) a adoção de represálias contra os trabalhadores, em razão de suas atividades sindicais ou em razão de terem acusado, testemunhado ou de alguma forma servido em procedimentos vinculados ao julgamento de práticas desleais; (vi) a recusa à negociação coletiva com os trabalhadores de acordo com os procedimentos legais ou a protelação das negociações; (vii) a dispensa, a suspensão ou a modificação das condições de trabalho com o objetivo de impedir ou dificultar o exercício, pelos trabalhadores, dos direitos sindicais; (viii) a dispensa, a suspensão ou a modificação das condições de trabalho dos trabalhadores que gozem do fuero sindical, salvo se tais medidas forem de aplicação geral ou simultânea a todos os empregados do estabelecimento, do departamento ou do setor, ou os que decorrerem de justa causa comprovada; e (ix) a negativa de reservar o posto de trabalho ou a não-permissão a que o trabalhador titular do fuero sindical possa retornar aos seus afazeres.

No que é mais interessante e em um contexto de práticas desleais, como é o caso nos EUA, onde são bilaterais, o artigo 56 da Lei nº 22.105 dispunha que seriam consideradas práticas desleais e contrárias à ética das relações coletivas do trabalho por parte, não dos trabalhadores, mas – bilateralizando o sistema – das associações sindicais de trabalhadores, (i) o exercício da coação sobre os empregadores para obstaculizar o direito de associação livre a entidades sindicais patronais; (ii) a intervenção e a interferência no funcionamento de uma associação sindical de empregadores; (iii) a indução ou a sugestão aos empregadores à adoção de medidas discriminatórias aos seus empregados em razão da condição de filiados ou não a determinado sindicato; (iv) a recusa à negociação coletiva com os empregadores de acordo com os procedimentos legais ou a procrastinação das negociações; e (v) o constrangimento imposto aos trabalhadores no direito de livremente escolher seus representantes e decidir acerca de suas filiações [84].

A doutrina argentina, independentemente da consideração da bilateralidade ou unilateralidade das práticas desleais, sempre enquadrou, o que é evidente das hipóteses de práticas desleais da Lei nº 22.105 de 1979, alguns típicos exemplos de atos de ingerência como também sendo de práticas desleais, ou seja, condutas comissivas ou omissivas contrárias à ética nas relações coletivas de trabalho e que poderiam ser identificadas (i) nos casos de ingerência e de influência na criação e funcionamento de sindicatos; (ii) nos atos que visem a impedir ou obrigar a filiação sindical; bem como (iii) na negativa de negociar ou de tratar com os dirigentes sindicais. Nessas hipóteses, bem destacadas pela Lei nº 22.105 de 1979, as práticas desleais argentinas se amoldariam, com tranquilidade, ao conceito de atos de ingerência, tal como previstos no artigo 2º, item 2, da Convenção nº 98 da OIT.

Ainda que bilateralizado o sistema das práticas desleais sob a égide da Lei nº 22.105, a doutrina argentina, respaldada pelas conclusões da jurisprudência, concluiu que a vitimização do empregador em relação a questões relacionadas à antissindicalidade era de difícil configuração na prática e, em algumas circunstâncias, totalmente inverossímil, uma vez que elaborada, tal bilateralização, com base em uma concepção teórica irreal para o mundo latino-americano, sem considerar que a liberdade sindical não se apresenta garantida simetricamente para ambos os interlocutores sociais.

Atualmente, a questão está tratada na Lei nº 23.551 de 1988, sobre Asociaciones Sindicales de Trabajadores, que retomou a tradição legislativa das práticas desleais argentinas, ou seja, unilateralizou o instituto, de modo a reconhecer que as organizações de trabalhadores não podem ser agentes ativos da antissindicalidade [85].

Com previsão taxativa de hipóteses de práticas desleais, o artigo 53 da Lei nº 23.551, que trouxe, ao novo diploma legal, figuras já conhecidas da antissindicalidade, pode ser estudado por três grandes campos temáticos: (i) o das práticas desleais referentes à formação da entidade sindical (artigo 53, "inciso" b); (ii) o das práticas desleais referentes à organização interna do ente associativo (artigo 53, incisos a, b, c e d); e (iii) o das práticas desleais referentes à atuação sindical (artigo 53, incisos e, f, g, h, i, j e k), quer seja durante algum conflito coletivo, em medidas de ação direta, quer seja durante a negociação coletiva [86].

O rol de hipóteses das práticas desleais as fazem ser conceituadas pelo seu fim ou pela lesão que produzem, uma vez que podem ser tidas como práticas antissindicais que lesionam o interesse coletivo profissional mediante atos ou omissões contra os trabalhadores ou contra a respectiva organização sindical obreira. São práticas desleais, pelo artigo 53 da Lei nº 23.551, (i) subvencionar, de forma direta ou indireta, a associação sindical de trabalhadores (inciso a), a fim de resguardar e fortalecer o princípio da pureza, garantia típica da liberdade sindical coletiva contra o empregador e suas organizações patronais; (ii) intervir ou interferir na constituição, funcionamento ou administração do sindicato (inciso b); (iii) obstruir, dificultar ou impedir a filiação dos trabalhadores a uma associação sindical (inciso c); (iv) promover ou suscitar a filiação dos trabalhadores a determinado ente sindical (inciso d); (v) adotar represálias contra os trabalhadores em razão de sua participação em medidas legítimas de ação sindical ou em outras atividades sindicais ou por terem, os trabalhadores, acusado, testemunhado ou servido em procedimentos vinculados ao julgamento de práticas desleais (inciso e); (vi) recusar-se a negociar coletivamente com o ente sindical capacitado para fazê-lo ou provocar dilações que tendam a obstruir a negociação coletiva (inciso f); (vii) dispensar, suspender ou modificar as condições de trabalho dos trabalhadores, com o fim de impedir ou dificultar o exercício dos direitos sindicais (inciso g); (viii) negar-se a reservar o emprego ou não permitir que o trabalhador retorne à prestação de labor quando tenha se licenciado para o desempenho de suas funções sindicais (inciso h); (ix) dispensar, suspender ou modificar as condições de trabalho dos representantes sindicais que gozem de estabilidade de acordo com os termos da lei, quando as causas para a dispensa, a suspensão ou a modificação não sejam de aplicação geral ou simultânea a todos os empregados (inciso i); (x) praticar ato discriminatório, qualquer que seja sua forma, em razão do exercício dos direitos sindicais (inciso j); e (xi) negar-se a disponibilizar a lista de empregados aos entes sindicais para fins de eleição de delegados sindicais para os locais de trabalho (inciso k) [87], que compreende não só os delegados sindicais, mas, segundo moderna doutrina, também, os delegados de pessoal, as comissões internas ou organismos semelhantes, atuantes nos locais de trabalho, na sede da empresa ou no estabelecimento, sendo irrelevante a denominação que possam ostentar [88].

A disposição das práticas desleais é taxativa na Lei nº 23.551, mas seus termos são abrangentes o suficiente para suscitar uma tutela mais eficiente, sob o ponto de vista do âmbito objetivo de proteção, contra as práticas antissindicais, do tipo práticas desleais. Isto porque o inciso j, do artigo 53, se refere a quaisquer atos discriminatórios, seja qual for a sua forma, contra a liberdade sindical, o que implica um interessante sistema de previsão normativa das práticas desleais, paralelo ao sistema de fuero sindical, e mais voltado à tutela da liberdade sindical coletiva – independentemente da previsão de várias dessas práticas na Convenção nº 98 da OIT –, em que se prevê, em uma estrita legalidade, todas as hipóteses de práticas desleais, ao mesmo tempo em que cada hipótese traz a viabilidade de poder ser alargada hermeneuticamente (como é o caso do inciso j), contribuindo para uma maior abrangência e eficiência ao sistema de combate às práticas desleais.

A casuística no trato do tema é imprescindível e um sistema de práticas desleais do tipo aberto, em que algumas diretrizes poderiam ser fornecidas para orientar a ética nas relações coletivas de trabalho, ao estilo do modelo argentino, poderia ser eficaz no Brasil – ainda que em um regime de unicidade sindical – para o desenvolvimento do combate às práticas antissindicais sob o ponto de vista da tutela da liberdade sindical coletiva. A inspiração e a criatividade que despertam o exame das hipóteses de práticas desleais da Argentina, quer diante do anterior modelo bilateral, quer diante do atual, unilateral, devem ser aproveitadas, em médio e longo prazos, pelo Brasil, que se beneficiaria do aumento do âmbito objetivo de proteção contra as práticas antissindicais.

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Sobre o autor
Marcus de Oliveira Kaufmann

Doutor (2012) e Mestre (2004) em Direito das Relações Sociais (Direito do Trabalho) pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Bacharel (1998) em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (FD/UnB). Professor em cursos de graduação e de pós-graduação "lato sensu", lecionou Legislação Social, Direito Material (Individual e Coletivo) e Processual do Trabalho na Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB), no Instituto de Educação Superior de Brasília (Iesb), no Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), na unidade de Brasília da Universidade Presbiteriana Mackenzie, na Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR) em Curitiba/PR, no Centro Universitário Ritter dos Reis (UniRitter) em Canoas/RS, na Escola da Associação dos Magistrados do Trabalho da Décima Região (Ematra X) em Brasília/DF e na Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas/PUC-Camp). Na Academia, dedica-se ao Direito Coletivo do Trabalho, desenvolvendo estudos referentes a práticas antissindicais, sindicalismo, liberdade sindical, atos de ingerência, representações unitárias de trabalhadores. É Membro Efetivo do Instituto Brasileiro de Direito Social Cesarino Júnior (IBDSCJ), Seção Brasileira da "Société Internationale de Droit du Travail et de la Sécurité Sociale" (SIDTSS). É advogado e consultor em Brasília/DF (sócio de Paixão Côrtes e Advogados Associados), atuando nas áreas contenciosa, individual e coletiva, e consultiva, individual e coletiva, do trabalho.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

KAUFMANN, Marcus Oliveira. O combate às práticas desleais.: Uma perspectiva comparada das relações coletivas de trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2412, 7 fev. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14297. Acesso em: 16 abr. 2024.

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