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O combate às práticas desleais.

Uma perspectiva comparada das relações coletivas de trabalho

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07/02/2010 às 00:00
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4. As perspectivas iniciais da adoção do sistema de combate às práticas desleais nas relações coletivas de trabalho no Brasil e frustração

Não é possível, ao Brasil, contar com um sistema de foro sindical (calcado, fundamentalmente, na conjunção do artigo 8º, inciso VIII, da Constituição Federal e do artigo 543 da CLT), que precisa ser teleologicamente interpretado para se tornar amplo, com previsões pontuais não concatenadas e endereçadas, de forma dogmática e científica, ao combate às práticas antissindicais. As garantias da estabilidade provisória sindical e da inamovibilidade do artigo 543 da CLT, juntamente com as normas inscritas nos artigos 146 e 199 do Código Penal Brasileiro (CPB) e nos artigos 553 e 659, inciso IX, da CLT, constituem as únicas previsões jurídicas referentes à tutela da liberdade sindical [89].

Após os trabalhos desenvolvidos no Fórum Nacional do Trabalho (FNT) e o trâmite, perante o Congresso Nacional, da Proposta de Emenda à Constituição Federal (PEC) n° 369/2005, que afundou nos escaninhos da política, e do malogro do extenso Anteprojeto de Lei de Relações Sindicais (ALRS) após os debates em torno da "Reforma Sindical", alterações paradigmáticas para um possível novo modelo de organização sindical, de negociação coletiva e de solução dos conflitos coletivos de trabalho foi pensada.

De uma forma não tão organizada sob o ponto de vista da técnica legislativa, mas, ainda assim, desenvolvendo excelentes critérios de delimitação das práticas antissindicais, o modelo adotado pelo ALRS precisa ser, a despeito das críticas que ainda poderá ensejar, louvado. Subscrevendo uma forma intermediária e híbrida entre a generalidade e a especificidade, mediante o qual se enuncia, em primeiro lugar, um princípio geral da proteção contra os atos discriminatórios, seguido de uma enumeração, em dez incisos, não-exaustiva, dos principais atos proibidos, o ALRS dispõe, em seu artigo 175, que, sem prejuízo de outras hipóteses previstas em lei (enumeração não-exaustiva, portanto), configura conduta antissindical todo e qualquer ato do empregador que tenha por objetivo impedir ou limitar a liberdade ou a atividade sindical, tais como: (i) subordinar a admissão ou a preservação do emprego à filiação ou não a uma entidade sindical (inciso I); (ii) subordinar a admissão ou a preservação do emprego ao desligamento de uma entidade sindical (inciso II); (iii) despedir ou discriminar trabalhador em razão de sua filiação a sindicato, participação em greve, atuação em entidade sindical ou em Representação dos Trabalhadores nos Locais de Trabalho (inciso III); (iv) conceder tratamento econômico de favorecimento com caráter discriminatório em virtude de filiação ou atividade sindical (inciso IV); (v) interferir nas organizações sindicais de trabalhadores (inciso V); (vi) induzir o trabalhador a requerer sua exclusão de processo instaurado por entidade sindical em defesa de direito individual (inciso VI); (vii) contratar, fora dos limites desta Lei, mão de obra com o objetivo de substituir trabalhadores em greve (inciso VII); (viii) contratar trabalhadores em quantidade ou por período superior ao que for razoável para garantir, durante a greve, a continuidade dos serviços mínimos nas atividades essenciais à comunidade ou destinados a evitar danos a pessoas ou prejuízo irreparável ao próprio patrimônio de terceiros (inciso VIII); (ix) constranger o trabalhador a comparecer ao trabalho com o objetivo de frustrar ou dificultar o exercício do direito de greve (inciso IX), o que é repetido nos §§ 3° e 4° do artigo 110, segundo os quais, também, consideram-se nulos de pleno direito todo ato que represente discriminação em razão do exercício do direito de greve; e (x) violar o dever de boa-fé na negociação coletiva (inciso X), o que, nesse último caso, constitui situação repetida na previsão do § 2° do artigo 99 do ALRS, segundo o qual a violação ao dever/princípio de boa-fé equipara-se à conduta antissindical.

Em outros momentos a figura das práticas antissindicais, pelo modelo intermediário adotado, se aperfeiçoa. É o que se dá, por exemplo, na previsão (i) do artigo 7° do ALRS, que dispõe serem vedadas, às entidades sindicais de trabalhadores e de empregadores, direta ou indiretamente, todas as formas de ingerência política, financeira ou administrativa destinadas a desvirtuar, impedir ou a dificultar a atuação sindical, hipótese que é exemplificativa do que a Convenção n° 98 da OIT, em seu artigo 2° , concebeu como uma das formas mediante as quais as práticas antissindicais se concretizam, ou seja, por meio dos atos de ingerência; (ii) do artigo 84 do ALRS, segundo o qual constitui conduta desse tipo a violação das garantias destinadas à proteção dos representantes e à instalação, eleição, funcionamento e renovação da representação dos trabalhadores; (iii) do § 1° do artigo 103, segundo o qual a recusa reiterada à negociação coletiva caracteriza conduta antissindical e sujeita as entidades sindicais de trabalhadores e de empregadores à perda da personalidade jurídica sindical; (iv) do § 2° do artigo 110, segundo o qual, por leitura a contrario sensu, as manifestações e os atos de persuasão de grevistas que causam dano à pessoa e à propriedade do empregador e de terceiros são práticas antissindicais; (v) do § 2° do artigo 113, segundo o qual será caracterizada a prática antissindical quando, havendo acordo com os trabalhadores, o empregador, durante o período de greve, contratar diretamente os serviços mínimos sem definir, de modo razoável, os setores e o número de trabalhadores, comprometendo o exercício do direito de greve; (vi) do artigo 118, segundo o qual é vedada ao empregador a paralisação das atividades (lockout) com o objetivo de frustrar a negociação ou a dificultar o atendimento de reivindicações dos empregados; (vii) do artigo 177, segundo o qual são vedadas, à entidade sindical de trabalhadores, induzir o empregador a admitir ou dispensar alguém em razão de filiação ou não a uma entidade sindical (inciso I), interferir nas organizações sindicais de empregadores (inciso II) - de resto já destacada na previsão do artigo 7° -, violar o dever de boa-fé na negociação coletiva (inciso III) - de resto já destacada na previsão do inciso X do artigo 175 e no § 2° do artigo 99 do ALRS – e deflagrar greve sem a prévia comunicação de que trata o artigo 109 (antecedência mínima de 72 horas) (inciso IV); e (viii) dos incisos I, II, III, IV e V do artigo 180, segundo os quais são lesivos os comportamentos dos trabalhadores quando há a deflagração de greve sem a garantia dos serviços mínimos, quando há a greve sem que os trabalhadores tenham deliberado a respeito da manutenção dos serviços cuja paralisação poderá importar prejuízos a pessoas ou ao patrimônio do empregador e de terceiros, quando os trabalhadores não atenderem às necessidades inadiáveis da comunidade, quando o empregador contratar trabalhadores em número superior ao que for razoável para manter a continuidade dos serviços mínimos destinados às necessidades da comunidade ou a evitar prejuízos a pessoas e a patrimônios e quando há a greve em serviços técnicos especializados nos quais é impraticável recrutar pessoal treinado ou que possa ser treinado durante o período do aviso prévio.

Muitas das hipóteses acima arroladas já poderiam ser facilmente identificadas como práticas desleais porque contrárias à ética nas relações coletivas de trabalho e à boa-fé na negociação coletiva, na greve e na solução de conflitos coletivos de trabalho. O artigo 177 do ALRS reza que também o sindicato de trabalhadores poderá ser agente ativo da antissindicalidade, ferindo, o que, em princípio, seria inusitado, direitos dos empregadores e de suas entidades de representação. Nesse sentido, por duas direções poderá o sindicato ser enfocado como agente ativo de práticas antissindicais. A primeira é quando o sindicato prejudica os trabalhadores individualmente considerados, em atentado à liberdade sindical individual positiva e negativa. A segunda é quando o sindicato violenta a liberdade sindical coletiva de outros sindicatos, obreiros ou patronais, ou quando prejudica os empregadores e suas organizações, inclusive associações civis.

Quando as práticas antissindicais se destinam a ferir ou a dificultar o exercício da liberdade sindical coletiva (e não mais, tão-somente, a individual, como nos casos dos incisos I, II e III do artigo 175 do ALRS), o combate à antissindicalidade adota o sistema das práticas desleais.

Parece que o Brasil pretendeu, sim, também se aproveitar dos sistemas de práticas desleais como instrumentos de combate à generalidade das práticas antissindicais afrontosas à liberdade sindical coletiva. Tal sugestão da legislação nacional se transparece no artigo 177 do ALRS, segundo o qual também se consideram condutas antissindicais, quando praticadas por entidade sindical de trabalhadores, a indução do empregador a admitir ou dispensar alguém em razão de filiação ou não a uma entidade sindical (inciso I); a interferência nas organizações sindicais de empregadores (inciso II); a violação do dever de boa-fé na negociação coletiva (inciso III); e a deflagração de greve sem a prévia comunicação de que trata o artigo 109 (inciso IV).

Embora seja realmente inverossímil se imaginar situação concreta em que o empregador pode ser vítima da antissindicalidade, preferiu o Brasil empunhar, textualmente, a bilateralidade entre os agentes ativos e passivos dos atos discriminatórios, ainda que países mais próximos na América do Sul, como é o caso da Argentina, já tenham abandonado a bilateralidade para se aterem à unilateralidade, que, é de se convir, está mais próxima da natureza protetiva e tutelar da legislação trabalhista latina.

Como provocação a respeito da amplitude que se quer emprestar ao sistema de combate às práticas antissindicais, o ALRS, inclusive na bilateralidade típica das práticas desleais norte-americanas, continua se ilustrando com um pacote legislativo de vanguarda e de modernidade legal para incentivar uma melhor tutela da liberdade sindical coletiva. Em uma visão prospectiva importantíssima para a divulgação dos sistemas de combate às práticas antissindicais, inclusive sob o prisma das práticas desleais, o ALRS permite, no Capítulo III ("Da Ação de Prevenção e Repressão à Conduta Anti-Sindical"), do Título VII ("Da Tutela Jurisdicional"), que, quando houver um comportamento antissindical, haja previsão de reversão judicial da atitude lesiva mediante um procedimento ágil e simplificado, uma vez que, no artigo 173, sempre que o empregador (o mesmo valendo para o trabalhador e suas organizações sindicais) comportar-se de maneira a impedir ou limitar a liberdade e a atividade sindical, bem como o exercício do direito de greve, o juiz do trabalho, em decisão imediatamente executiva (por decisão interinal e liminar ou por decisão de natureza antecipatória dos efeitos da tutela ou de natureza de tutela específica para as obrigações de fazer ou de não fazer) poderá ordenar a cessação do comportamento ilegítimo e a eliminação de seus efeitos. Ademais, o ALRS prevê que possuem legitimidade concorrente para o ajuizamento da denominada ação de prevenção e/ou repressão à conduta antissindical a entidade sindical e o trabalhador diretamente lesionado (artigo 174).

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A previsão do artigo 173 é consentânea com mecanismos de reparação perfeitos e que se aproximam da própria declaração da nulidade da conduta antissindical, que, frise-se, deve ser formulada, como pretensão, na ação de prevenção e/ou repressão à conduta antissindical, sob pena de se obstaculizar, ao invés de facilitar, a disposição no sentido de que o juiz do trabalho, mediante decisão eivada de eficácias prontamente executivas, possa eliminar os efeitos da antissindicalidade. O ALRS, ainda, não se prende, tão-somente, todavia, às soluções perfeitas, uma vez que, em seu artigo 176, apresenta mecanismo de combate às práticas antissindicais, agora mais voltado à prevenção do que à repressão propriamente dita (de controle da antissindicalidade a posteriori), de natureza preventiva, sancionatória e complementar, uma vez que o juiz do trabalho poderá, avaliando a gravidade da infração, eventual reincidência e a capacidade econômica do agente ativo da antissindicalidade, aplicar multa punitiva em valor de uma até quinhentas vezes o menor piso salarial do âmbito de representação da entidade sindical, sem prejuízo da aplicação de multa coercitiva destinada ao cumprimento de obrigação de fazer (o que poderá ser deliberado, pelo juiz, inclusive, pela concessão de tutela específica para eliminar o ato de retaliação), conforme a questão está disciplinada no artigo 146. A multa punitiva, nos termos do parágrafo único do artigo 176 será executada por iniciativa do juiz e será destinada à conta da representação sindical no Fundo Solidário de Promoção Sindical (FSPS) versado nos artigos 131 e 132.

As mesmas características da ação de prevenção e repressão à conduta antissindical, em seus mecanismos reparatórios perfeitos e complementares, se aplicam para os casos de greve, segundo as disposições dos artigos 179, parágrafo único; e 180, caput e §§ 1° , 2° e 3° , do ALRS, sendo que o Tribunal do Trabalho competente em matéria de greve poderá expedir, para as providências e tutelas de urgência de eliminação dos efeitos da antissindicalidade, carta de ordem para a execução das decisões (artigo 181, parágrafo único).

Quando o Fórum Nacional do Trabalho impulsionou a introjeção, no ordenamento jurídico brasileiro, do combate às práticas desleais quando atentatórias à liberdade sindical coletiva, o Brasil, mediante, ao menos, o ALRS, se alinhou ao grupo de países que, com a crise mundial do sindicalismo e em um mundo globalizado, não poderiam perder de vista a defesa intransigente da liberdade sindical coletiva.

No entanto, quando, por circunstâncias alheias ao querer jurídico, a PEC nº 369/2005 deixou de tramitar no Congresso Nacional, relegada que foi para um outro momento, mais propício (?), na história futura da República Federativa do Brasil, eliminando o contexto no qual o ALRS poderia tramitar no Poder Legislativo, o Brasil, inexoravelmente, volta à estaca zero, sua posição atual, ao seu rotineiro e constrangedor papel de alimentar a unicidade sindical por intragável norma constitucional, sem se alinhar ao grupo de países que efetivamente tutelam a liberdade sindical, mormente em sua faceta coletiva.

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Sobre o autor
Marcus de Oliveira Kaufmann

Doutor (2012) e Mestre (2004) em Direito das Relações Sociais (Direito do Trabalho) pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Bacharel (1998) em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (FD/UnB). Professor em cursos de graduação e de pós-graduação "lato sensu", lecionou Legislação Social, Direito Material (Individual e Coletivo) e Processual do Trabalho na Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB), no Instituto de Educação Superior de Brasília (Iesb), no Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), na unidade de Brasília da Universidade Presbiteriana Mackenzie, na Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR) em Curitiba/PR, no Centro Universitário Ritter dos Reis (UniRitter) em Canoas/RS, na Escola da Associação dos Magistrados do Trabalho da Décima Região (Ematra X) em Brasília/DF e na Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas/PUC-Camp). Na Academia, dedica-se ao Direito Coletivo do Trabalho, desenvolvendo estudos referentes a práticas antissindicais, sindicalismo, liberdade sindical, atos de ingerência, representações unitárias de trabalhadores. É Membro Efetivo do Instituto Brasileiro de Direito Social Cesarino Júnior (IBDSCJ), Seção Brasileira da "Société Internationale de Droit du Travail et de la Sécurité Sociale" (SIDTSS). É advogado e consultor em Brasília/DF (sócio de Paixão Côrtes e Advogados Associados), atuando nas áreas contenciosa, individual e coletiva, e consultiva, individual e coletiva, do trabalho.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

KAUFMANN, Marcus Oliveira. O combate às práticas desleais.: Uma perspectiva comparada das relações coletivas de trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2412, 7 fev. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14297. Acesso em: 28 mar. 2024.

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