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Considerações sobre a renovação de aluguéis de imóveis alugados por sociedades de economia mista para fins de execução de suas atividades empresariais

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1) Introdução

A sociedade de economia mista, tal qual o Deus Bifronte Janus, único Deus Romano não copiado da mitologia grega, também tem duas faces olhando em direções opostas, uma mirando o Direito Público e outra fitando o Direito Privado.

Este ente híbrido criado pelo Poder Estatal compete no mercado junto com os particulares, mas com eles não guarda total similitude.

Ao contrário, a sociedade de economia mista em muito discrepa das suas concorrentes particulares, pois além de prestar contas aos seus acionistas também tem elas de prestar contas a toda a sociedade, o que, na prática, caracteriza-se como um dever de se submeter ao crivo dos tribunais de contas.

A locação de imóveis promovida por uma sociedade de economia mista para o exercício de suas atividades (exemplo: o aluguel de um imóvel para sediar uma agência bancária) é um típico exemplo desta natureza dual que reveste o figurino das sociedades de economia mista, vez que é um negócio jurídico tutelado tanto pelas diretrizes do direito público como pelas diretrizes do direito privado.

Neste breve estudo, procuraremos trazer algumas ponderações sobre os diversos desdobramentos jurídicos que circundam esta matéria.


2) Contrato de Direito Público e contrato de Direito Privado

Como bem observa Lucas Rocha Furtado [01] não é o simples fato de a Administração Pública figurar como parte em um contrato que o transforma em contrato administrativo.

É clássica entre nós a distinção feita por Celso Antônio Bandeira de Mello [02] cuja ensinança consiste em separar os contratos em: a) contratos de Direito privado da Administração e b) contratos administrativos.

As lições do renomado autor inclusive reverberam nos posicionamentos pretorianos, conforme podemos ver abaixo:

Superior Tribunal de Justiça

RESP 200500370566 RESP - RECURSO ESPECIAL – 737741

Relator(a) CASTRO MEIRA

Órgão julgador SEGUNDA TURMA

Fonte DJ DATA:01/12/2006 PG:00290

Ementa ADMINISTRATIVO. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. RESCISÃO. INDENIZAÇÃO.

1. Distinguem-se os contratos administrativos dos contratos de direito privado pela existência de cláusulas ditas exorbitantes, decorrentes da participação da administração na relação jurídica bilateral, que detém supremacia de poder para fixar as condições iniciais do ajuste, por meio de edital de licitação, utilizando normas de direito privado, no âmbito do direito público.

2. Os contratos administrativos regem-se não só pelas suas cláusulas, mas, também, pelos preceitos de direito público, aplicando-se-lhes supletivamente as normas de direito privado.

3. A Administração Pública tem a possibilidade, por meio das cláusulas chamadas exorbitantes, que são impostas pelo Poder Público, de rescindir unilateralmente o contrato.

4. O Decreto-Lei nº 2.300/86 é expresso ao determinar que a Administração Pública, mesmo nos casos de rescisão do contrato por interesse do serviço público, deve ressarcir os prejuízos comprovados, sofridos pelo contratado.

5. Recurso especial provido em parte.

Data da Decisão 03/10/2006

Data da Publicação 01/12/2006

Ainda sobre o tema, a Professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro, tece as seguintes considerações:

"Embora de regimes jurídicos diversos, nem sempre é fácil a distinção entre os contratos privados da Administração e os contratos administrativos, pois, como os primeiros têm regime de direito privado parcialmente derrogado pelo direito público, essa derrogação lhes imprime algumas características que também existem nos da segunda categoria. Importa, portanto, indicar os pontos comuns e os traços distintivos entre os dois tipos de contratos da Administração.

Sabe-se que o regime jurídico administrativo caracteriza-se por prerrogativas e sujeições; as primeiras conferem poderes à Administração, que a colocam em posição de supremacia sobre o particular; as sujeições são impostas como limites à atuação administrativa, necessários para garantir o respeito às finalidades públicas e aos direitos dos cidadãos.

Quando se cuida do tema contratual, verifica-se que, no que se refere às sujeições impostas à Administração, não diferem os contratos de direito privado e os administrativos; todos eles obedecem a exigências de forma, de procedimento, de competência, de finalidade

; precisamente por essa razão é que alguns autores acham que todos os contratos da Administração são contratos administrativos." (Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Direito Administrativo, 10ª edição, São Paulo: Atlas, 1999, pág. 237)

De novo nos reportando à jurisprudência, há de ser dito que ela tem legitimado o formato de direito privado em negócios jurídicos celebrados pela Administração Pública. Neste sentido, tragamos à baila um pronunciamento do STF que, segundo a lição de Carlos Pinto Coelho Motta [03] segue o que foi proferido no leading case (RE 89.217) sobre o tema ora debatido:

"RDA n. 137, 1979, p. 169-218. Vide ainda: Petição n. 1.654-8, protocolada no STF, Rel. Min. Celso Mello, DJ de 18.2.1999; e Petição n. 1.655-3 (ambas proced. MG), Rel. Min. Moreira Alves: ‘Os contratos firmados entre os Estados-Membros e a União não configuram contrato administrativo que admite cláusulas exorbitantes, pois neles não há relação de subordinação entre os contratantes.’ Medida liminar, DJ de 12.2.1999, p. 59."

Resta induvidosa, portanto, a possibilidade de a Administração Pública celebrar contratos sob o regime de Direito Privado (mesmo com as devidas sujeições e derrogações ao regime de Direito Público).


3) Contratos celebrados por Sociedades de Economia Mista: regime de direito provado versus sujeição à lei de licitações e contratos administrativos

Mais uma vez nos valendo da lição de Lucas Rocha Furtado [04], destacamos que as sociedades de economia mista, por serem espécie do gênero empresas estatais, são pessoas jurídicas dotadas de personalidade jurídica de Direito Privado, e, por força de mandamento constitucional, instituídas unicamente através de lei específica e sujeitas ao regime jurídico privatístico.

Mas, mesmo gozando de natureza de Direito Privado, estariam às sociedades de economia mista obrigadas a licitar? Sobre tal questão, o autor mencionado no parágrafo anterior nos fornece a seguinte síntese acerca das regras aplicáveis às chamadas empresas estatais sob à ótica da Lei Federal nº 8.666/93:

"Em matéria de licitação, a questão pode ser apresentada, portanto, nos seguintes termos: 1. todas as empresas estatais estão obrigadas a licitar; 2. o procedimento da licitação deve observar o que dispõe a Lei nº 8.666/93; 3. as empresas estatais que explorem atividades empresariais, somente quando celebrarem contratos diretamente relacionados ao exercício da atividade fim, estão desobrigadas de observarem a Lei nº 8.666/93, devendo no entanto, seguir os princípios constitucionais de impessoalidade, moralidade, eficiência etc." (Lucas Rocha Furtado, Curso de Licitações e Contratos Administrativos, Belo Horizonte: Fórum, 2007, pág. 436)

Desta feita, fica evidenciado que às empresas estatais é possibilitada uma mitigação à aplicação da Lei Federal de Licitações e Contratos Administrativo (8.666/93), de modo que se ressalta a tese aqui já referida de que não é o simples fato de a Administração Pública figurar como parte em um contrato que o transforma em contrato administrativo.


4) Sobre a locação e a Lei 8.666/93

No que diz respeito à locação, a Lei nº 8.666/93 diz, no seu art. 24, inciso X, ser dispensável a licitação para a locação de imóvel destinado ao atendimento das finalidades precípuas da Administração cujas necessidades de instalação e localização condicionem a sua escolha, desde que o preço seja compatível com o valor de mercado, segundo avaliação prévia.

Comentando tal dispositivo, eis o posicionamento da doutrina especializada:

"A ausência de licitação deriva da impossibilidade de o interesse sob tutela estatal ser satisfeito através de outro imóvel, que não aquele selecionado. As características do imóvel (tais como localização, dimensão, edificação, destinação etc.) são relevantes, de modo que a Administração não tem outra escolha. Quando a Administração necessita de imóvel para destinação peculiar ou com localização determinada, não se torna possível a competição entre particulares. Ou a Administração localiza o imóvel que se presta a atender seus interesses ou não o encontra." (Marçal Justen Filho in Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, 12ª edição, São Paulo: Dialética, 2008, págs. 669/670)

"Em princípio, a Administração compra ou loca mediante licitação (a locação de bens a esta sujeita-se, definida que é como serviço – v. comentários ao art. 6º, II), tais e tantas podem ser as contingências do mercado, variáveis no tempo e no espaço, a viabilizarem a competição. Mas se a operação tiver por alvo imóvel que atenda a necessidades específicas cumuladas de instalação e localização do serviço, a área de competição pode estreitar-se de modo a ensejar a dispensa, desde que o valor do aluguel situe-se na média do mercado. Nestas circunstâncias, e somente nelas, a Administração comprará ou locará diretamente, inclusive para que não se frustre a finalidade a acudir." (Jessé Torres Pereira Junior in Comentários à lei das licitações e contratações da administração pública, 6ª ed. rev., atual. e ampl., Rio de Janeiro: Renovar, 2003, pág. 277)

No âmbito dos tribunais de contas, o disposto no art. 24, inciso X da Lei nº 8.666/93 tem ensejado interpretações em consonância com a doutrina acima exposta:

"Tribunal de Contas do Distrito Federal

(Processo nº 5515. Decisão nº 1246/95)

... no caso de locação de imóvel destinado ao uso de órgão público, é cabível a dispensa de licitação, com fundamento no artigo 24, inciso X, da Lei nº 8.666/93." (manifestação extraída do livro "Vade-mécum de licitações e contratos: legislação selecionada e organizada com jurisprudência, notas e índices" de Jorge Ulisses Jacoby Fernandes, 3ª edição, rev., atual., 4. tiragem. Belo Horizonte: Fórum, 2008, pág. 437)

Tribunal de Contas de Santa Catarina

(Processo nº 5515. Prejulgado nº 0318 Processo nº CON-TC0016901/32 Parecer: COG-651/93 Relator: Conselheiro Dib Cherem Data da Sessão: 14/03/1994)

Nada obsta que o Poder Público efetue locação de imóvel com pessoa jurídica e/ou física, utilizando-se da figura da dispensa de licitação, na forma como dispõe o artigo 24, inciso X da Lei 8.666/93

; e com fundamento no artigo 62, § 3º, inciso I, da Lei das Licitações, a restrição imposta à renovação de contratos por força do disposto no artigo 57 não é aplicável na locação de imóveis."

Diante das lições doutrinárias e do posicionamento das cortes de contas, resta induvidoso que a locação de um imóvel por parte de uma sociedade de economia mista para fins de utilização em suas atividades empresariais está perfeitamente emoldurada na hipótese contemplada no art. 24, inciso X da Lei nº 8.666/93.

Contudo, não se deve incorrer no equívoco de que a Lei nº 8.666/93 será aplicada sem qualquer mitigação às locações empreendidas pelas sociedades de economia mista, pois, por exemplo, como bem pontuou o então Chefe da Divisão de Consultoria do Departamento Jurídico do Banco do Estado do Ceará, Dr. José de Arimatéa Neto (in: Revista Zênite de Licitações e Contratos, nº 232, março de 1998) tais contratos de locação não estão adstritos aos prazos estabelecidos no art. 57 da Lei nº 8.666/93, uma vez que seu conteúdo é regido, predominantemente, por norma de direito privado, que é a Lei de Locação de Imóveis (Lei Federal nº 8.245, de 18  de outubro de 1991).

Reforçando sua natureza híbrida de amálgama de aspectos públicos e privados, os contratos de locação do qual as sociedades de economia mista tomam parte mas devem ser sujeitos ao competente processo de dispensa e às demais formalidades previstas no Estatuto de Licitações e Contratos Administrativos [05].

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Claro portanto é que as locações empreendidas pelas sociedades de economia mista não ficarão completamente adstritas às normas nem de direito privado nem de direito público.

Deve se esclarecer também que a aplicação da Lei de Locação de Imóveis (Lei Federal nº 8.245, de 18  de outubro de 1991) só se dá de forma inquestionável nos casos em que o as empresas estatais (donde se incluem as sociedades de economia mista) estejam condição de LOCATÁRIAS, pois, quando União, Estados, DF e Municípios resolvem alugar imóveis de sua PROPRIEDADE, a própria Lei de Locação de Imóveis ressalta a sua inaplicabilidade:

"Art. 1º A locação de imóvel urbano regula - se pelo disposto nesta lei:

Parágrafo único. Continuam regulados pelo Código Civil e pelas leis especiais:

a) as locações:

1. de imóveis de propriedade da União, dos Estados e dos Municípios, de suas autarquias e fundações públicas;"

Estando a sociedade de economia mista na condição de proprietária do imóvel e locadora no contrato de locação não haveria óbice à aplicação da Lei de Locação de Imóveis urbanos, ante à literalidade do item 1 da alínea "a" do parágrafo único do artigo 1º, mas como podem ser sempre aduzidas interpretações extensivas que restrinjam a ação do gestor público, não seria estranhável alguém questionar que por ser a sociedade de economia mista ligada a algum ente político-administrativo (União, Estados, DF e Municípios) a ela não deveria se aplicar a Lei Federal nº 8.245, de 18  de outubro de 1991.

Assim, incontroversa mesmo é a conclusão de que, nos casos em que uma sociedade de economia mista está a exercer o papel de LOCATÁRIA de um imóvel cuja propriedade é de um particular, serão totalmente aplicáveis os ditames da Lei de Locação de Imóveis (Lei Federal nº 8.245, de 18  de outubro de 1991) [06].

Neste sentido, vejamos a jurisprudência:

"Tribunal Regional Federal da 2ª Região

Processo AC 200002010381942 AC - APELAÇÃO CIVEL - 239548

Relator(a) Desembargador Federal GUILHERME CALMON NOGUEIRA DA GAMA

Órgão julgador SEXTA TURMA ESPECIALIZADA

Fonte DJU - Data::17/09/2009 - Página::105

Ementa

DIREITO CIVIL E COMERCIAL. RENOVATÓRIA. LOCAÇÃO NÃO-RESIDENCIAL. LEI Nº 8.245/91. VALOR DO ALUGUEL.

1. Somente as locações de imóveis de propriedade da União, dos Estados e dos Municípios, de suas autarquias e fundações públicas não se submetem às normas da Lei nº 8.245/91, nos expressos termos do artigo 1º, parágrafo único, alínea "a", n. 1, do texto supra-referido. Em se tratando de empresa pública federal, o seu regime jurídico é o próprio das empresas privadas, conforme expressamente menciona o artigo 173, § 1º, da Constituição Federal.

2. Os contratos e termos aditivos celebrados dão conta da existência, validade e eficácia do contrato de locação não-residencial (antiga locação comercial) entre as partes relativamente aos imóveis descritos na inicial, razão pela qual perfeitamente correta a ação, diante do preenchimento de todas as condições da ação.

3. A Autora preenche os requisitos previstos no artigo 51, da Lei nº 8.245/91 e, portanto, tem direito à renovação da locação comercial: a) os contratos a renovar foram celebrados por escrito, e com prazo determinado; b) o prazo mínimo dos contratos a renovar era de cinco anos; c) o locatário explora comércio do mesmo ramo, pelo prazo mínimo e ininterrupto de três anos; d) o prazo decadencial foi observado para o exercício do direito.

4. Houve, também, cumprimento dos requisitos previstos no artigo 72, da Lei nº 8.245/91, com a prova do cumprimento do contrato em curso, indicação clara e precisa das condições oferecidas para a renovação da locação. 5. Apelação improvida.

Data da Decisão 31/08/2009

Data da Publicação 17/09/2009

Tribunal Regional Federal da 2ª Região

Processo AC 9802063843 AC - APELAÇÃO CIVEL - 162816

Relator(a) Desembargador Federal LUIZ PAULO S. ARAUJO FILHO

Órgão julgador QUINTA TURMA ESPECIALIZADA

Fonte DJU - Data::07/07/2009 - Página::105

Ementa

PROCESSUAL CIVIL. RENOVATÓRIA DE ALUGUEL. EMPRESA PÚBLICA. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO.

1. As empresas públicas federais sujeitam-se ao regime jurídico das empresas privadas (art. 173 da CF) e, portanto, nos contratos de locação celebrados, à Lei n.º 8.245/91, e não ao Decreto n° 9.760/1946, como entendeu a sentença para extinguir o processo, sem resolução do mérito, por impossibilidade jurídica do pedido. 2. Verificado, todavia, que o prazo de vigência do contrato expirou há mais de dez anos, inviabilizando a sua renovação, deve ser mantida a extinção do processo, mas por falta superveniente de interesse processual, pois o pedido não é mais pertinente. 3.Apelação improvida.

Data da Decisão 10/06/2009

Data da Publicação 07/07/2009

Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul

EMENTA:  1° GRUPO CÍVEL AÇÃO DE DESPEJO. CONTRATO DE LOCAÇÃO FIRMADO ENTRE EMPRESA PÚBLICA, COMO LOCADORA, E COOPERATIVAS, COMO LOCATÁRIAS. É de natureza privada, e não administrativa, submetido, portanto, ao regime jurídico do direito civil, o contrato de locação celebrado entre empresa pública, como locadora, e cooperativas, como locatárias, sujeitando-se a retomada à Lei n° 8.245/91, e não à Lei n° 8.666/93. (Embargos Infringentes Nº 70001591825, Primeiro Grupo de Câmaras Cíveis, Relator: Roque Joaquim Volkweiss, Julgado em 15/12/2000)"

Por fim, não podemos olvidar de mencionar que o § 3º do art. 62 da Lei nº 8.666/93 manda aplicar o disposto no art. 55 e nos arts. 58 a 61 da Lei, e demais normas gerais, no que couber: "I - aos contratos de seguro, de financiamento, de locação em que o Poder Público seja locatário, e aos demais cujo conteúdo seja regido, predominantemente, por normas de direito privado; II - aos contratos em que a Administração for parte como usuária de serviço público".

Sobre tal dispositivo, novamente trazemos à colação os comentários de Marçal Justen Filho e Jessé Torres Pereira Junior:

"A previsão do § 3º está mal colocada e melhor ficaria em um dispositivo específico, pois não tem relação com o presente artigo. Ali fica determinado que o regime de direito público aplica-se inclusive àqueles contratos ditos ‘privados’, praticados pela Administração. A regra disciplina a hipótese em que a Administração Pública participe dos contratos ditos de ‘direito privado’. Tais contratos, no direito privado, apresentam caracteres próprios e não comportam que uma das partes exerça as prerrogativas atribuídas pelo regime de direito público, à Administração. Não se atribui uma relevância mais destacada ao interesse titularizado por uma das partes.

A mera participação da Administração Pública como parte em um contrato acarreta alteração do regime jurídico aplicável. O regime de direito público passa a incidir, mesmo no silêncio do instrumento escrito.

(...)

Mas a simples participação de entidade administrativa em uma relação contratual caracteristicamente privada não significa a incidência integral do regime de direito público.

(...)

As contratações indispensáveis à promoção do bem comum são subordinadas integralmente ao regime de direito público, enquanto as que não se apresentam assim indispensavelmente relacionadas com os interesses fundamentais permaneceriam sujeitas ao regime privatístico. Mas essa formulação não é satisfatória, especialmente sob o prisma prático. Como diferenciar as duas situações na realidade? É muito difícil.

Talvez a melhor solução seja reconhecer que a satisfação de determinadas necessidades estatais pressupõe a utilização de mecanismos próprios e inerentes ao regime privado, subordinados inevitavelmente a mecanismos de mercado. As características da estruturação empresarial conduzem à impossibilidade de aplicar o regime de direito público, eis que isso acarretaria a supressão do regime de mercado que dá identidade á contratação ou o desequilíbrio econômico que inviabilizaria a empresa privada. Não por acaso, o art. 62, § 3º, inc. I, alude a seguro e a financiamento. Ambos os contratos são objeto de regulação estatal muito estrita, subordinando-se a exploração profissional dessas atividades a regras severas, inclusive para evitar a diferenciação de tratamento entre clientes diversos.

Outra hipótese referida é a locação de imóveis, em que a publicização do vínculo poderia conduzir á desnaturação da propriedade privada

." (Marçal Justen Filho in Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, 12ª edição, São Paulo: Dialética, 2008, págs. 703/704)

"Nos comentários até aqui expendidos, ter-se-á percebido, sem maior esforço, que a teoria geral das obrigações, cunhada no direito privado, está presente nos contratos administrativos, tanto que foram várias as referências feitas a disposições do Código Civil concernentes à estrutura conceitual das obrigações, perfeita e necessariamente aplicáveis ao direito público. Nem poderia ser diferente, sob pena de cindir-se o incindível, que é o sistema da ordem jurídica positiva, ou de por-se em cheque a aspiração científica do Direito.

O § 3º do art. 62 percorre o caminho inverso, mostrando que o direito público penetra na teoria geral das obrigações quando a Administração Pública ocupa um dos pólos da relação contratual. Põe em relevo que, respeitada a igualdade objetiva entre os contraentes, nos termos pactuados, há espaço para uma desigualdade subjetiva a justificar que a lei (antes de fazê-lo o contrato) outorgue aquelas prerrogativas ao ente ou entidade que realiza a função pública, não para que a pessoa administrativa prevaleça sobre a particular, mas para que o interesse público não se veja derrogado ou acuado pelo privado.

(...)

Isso significa que, nesses contratos, sujeitos a regime de direito privado embora, à Administração são garantidas prerrogativas que laboram em favor da prevalência do interesse público, e que devem estar previstas no ato convocatório (se houver licitação) e no contrato.

(...)

Tais características básicas acompanham todos os contratos públicos, sejam os administrativos, os de figuração privada, ou, ainda, aqueles em que a Administração é a usuária do serviço público. O que não significa que a Lei nº 8.666/93 haja exonerado a Administração das obrigações que lhe couberem segundo o contrato e o seu regime de predominância privada. Assim, ilustre-se, se o Estado, locatário de bem imóvel, não honra os alugueres mensais, sujeitar-se-á á ação de despejo por falta de pagamento como qualquer inquilino inadimplente." (Jessé Torres Pereira Junior in Comentários à lei das licitações e contratações da administração pública, 6ª ed. rev., atual. e ampl., Rio de Janeiro: Renovar, 2003, págs. 632/633)

Cremos portanto que, ex vi de tudo o que já foi espraiado nas linhas acima, não se deve pôr em dúvida a aplicabilidade da Lei de Locação de Imóveis (Lei Federal nº 8.245, de 18  de outubro de 1991) quando das ocasiões em que as empresas estatais estejam a locar imóveis de propriedade de particulares, vez que a mesma resta induvidosa.

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Sobre o autor
Aldem Johnston Barbosa Araújo

Advogado em Mello Pimentel Advocacia. Membro da Comissão de Direito à Infraestrutura da OAB/PE; Autor do livro "Processo Administrativo e o Novo CPC - Impactos da Aplicação Supletiva e Subsidiária" publicado pela Editora Juruá; Articulista em sites, revistas jurídicas e periódicos nacionais; Especialista em Direito Público.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ARAÚJO, Aldem Johnston Barbosa. Considerações sobre a renovação de aluguéis de imóveis alugados por sociedades de economia mista para fins de execução de suas atividades empresariais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2408, 3 fev. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14299. Acesso em: 22 dez. 2024.

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