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O método foucaultiano aplicado ao estudo do Direito, segundo François Ewald

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07/02/2010 às 00:00
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Sumário: 1. Introdução; 1.1. A importância no estudo do direito a partir da perspectiva de Foucault; 1.2. A visão do autor sobre o direito natural; 1.3. Um positivismo crítico; 1.4. Princípios gerais do direito – 2. Da particularização do direito – 3. As características dos princípios gerais do direito – 4. Os princípios gerais do direito na visão de outros doutrinadores – 5. A busca da legitimidade do direito através da norma social – 6. Conclusão – 7. REFERÊNCIAS.


1. Introdução

O presente estudo representa uma síntese do trabalho desenvolvido por François Ewald [01] em sua obra Foucault, a norma e o direito, na qual faz uma interessante análise do direito a partir de Michel Foucault.

É interessante notar que o próprio François Ewald assinala que em lado nenhum da sua obra Michel Foucault trata do direito [02]. Ora, assim sendo, é natural a pergunta: Qual a importância de se estudar o direito, na perspectiva de Foucault?

Fraçois Ewald, que foi assistente de Michel Foucault no Collège de France, oferece a resposta a essa pergunta:

Creio, pelo contrário, que é possível mostrar que, no método segundo o qual ele analisa as práticas da razão e a sua história, há as condições de uma filosofia do direito susceptível de responder, de uma maneira particularmente interessante, aos dois problemas que põe a evolução contemporânea do direito. Em primeiro lugar, o da história do direito: como pode o direito ter uma história? O que é que pode significar dizer que o direito tem uma história? Por outro lado, o de uma certa ultrapassagem do positivismo, que reduplica por uma capacidade de avaliação das práticas jurídicas. Problema, por outras palavras, da existência de uma filosofia do direito que seja uma crítica da legalidade, sem com isso regressar às posições do direito natural [03].

Ao aplicar o método de Foucault ao estudo do direito, Ewald observa que "[...] o direito não existe, ou não mais do que um nome. Não designa nenhuma substância, cuja essência eterna caberia a uma teoria levantar, mas práticas, práticas jurídicas que, quanto a elas, são sempre particulares. [...] Onde houver sociedade, poder, coerção, legalidade, não há necessariamente direito" [04].

E, ainda, que na visão de Foucault "[...] uma prática é indissociável do tipo de racionalidade através do qual ela se reflete, se ordena e se finaliza". [05]Nesse sentido, as práticas jurídicas não contariam com privilégio algum.

Ewald trabalha a idéia de juízo jurídico, como sendo a aplicação de uma regra anteriormente colocada a uma situação de fato. Estendendo a idéia de juízo jurídico além da jurisprudência, para alcançar também a lei e a doutrina, à medida que estas, por meio das proposições que enunciam, também estariam formulando juízos [06].

A regra de juízo, entendida esta como a racionalidade que segue o juízo jurídico, seria o princípio da jurisdição de uma certa ordem jurídica. Em função disso, Ewald compara a regra de juízo com a norma fundamental de Kelsen, via de consequência, ela cumpriria a condição de possibilidade de uma ordem jurídica [07].

Na construção da sua idéia de regra de juízo com base numa visão foucaultiana, Ewald entende ser a mesma: diferente da norma fundamental, uma vez que atravessa a história; é específica de uma ordem jurídica; igual à norma fundamental no que tange ser suposta; não um princípio, mas instância reflexiva; a lei, doutrina e jurisprudência dela procedem e a exprimem, sem que a mesma seja reduzida a elas; uma espécie de ideal necessário que garante a coerção, unidade e sistematicidade das práticas jurídicas; enfim, expressada pela fórmula de que não existe direito (positivo) sem um direito do direito (o tipo de racionalidade através do qual se refletem as práticas do direito positivo) [08].

1.2. A visão de Ewald sobre o direito natural

Ewald declara ser hodiernamente dificultosa a compreensão acerca da noção de direito natural. Atualmente, o direito natural seria a designação de uma espécie de moral, um pequeno número de regras de conduta, pretensamente universais, cuja sanção o direito positivo deveria ser e que ele próprio deveria respeitar. Assevera, ainda, que ocorre a confusão de duas coisas distintas nessa apresentação do direito natural: a idéia de uma moral universal (conteúdo); a idéia de que o direito positivo deveria estar ligado a um princípio de censura ou de limitação (função) [09].

Aponta, ainda, como grande falha do direito natural a sua fragilidade epistemológica, entendendo, que as críticas positivistas são, sobretudo, um testemunho dessa falha. Entretanto, tais críticas não afetam a função do direito natural na experiência jurídica ocidental que julgou, nos últimos 25 séculos, ser necessário refletir o direito na categoria do direito "natural". Além disso, o direito natural como tipo de doutrina, de teoria ou de filosofia, a partir do qual durante muito tempo foi formulada a regra de juízo jurídico e as diferentes doutrinas que dele surgiram, historicamente, só comprovam a dependência da regra de juízo perante condições epistemológicas, elas próprias variáveis [10].

Ewald entende que é possível afastar-se do direito natural, contudo, é muito mais difícil escapar ao modo de problematização de que ele (direito natural) foi sinônimo durante muito tempo. Ainda que seja apresentada, em contraposição, a teoria positivista de Kelsen, esta teoria não teria sucesso nessa tarefa, na medida em que é impossível demonstrar que o direito natural não se reflete em algum tipo de racionalidade. Concluindo, frisa que o positivismo kelseniano é caracterizado mais por ter substituído o direito natural pelo programa da teoria pura, do que por ter enunciado a impossibilidade e a fragilidade desse direito [11].

1.3. Um positivismo crítico

A importância da Teoria Pura de Kelsen, segundo Ewald, reside no fato de que foi demonstrado que um direito era possível e em ter descrito as suas condições de possibilidade, apesar da conjuntura histórica aos olhos de uma história ocidental do direito, onde a reivindicação de justiça tornou-se ameaçadora para o próprio direito, ao passo que todo o sistema jurídico imerso na história faz-se, desfazendo-se [12].

Ewald entende que a Teoria Pura desempenhou, na primeira metade do século XX, o papel crítico que é inerente a uma filosofia do direito. Entretanto, ressalta, o aspecto crítico não no sentido sociológico, denunciador da constitutiva inadequação do direito ao fato ou do direito como instrumento de denominação de uma classe sobre a outra, mas por referência à história, ao fato da historicidade do direito, já que, a cada instante, as práticas do juízo chamadas "direito" (que tendem a todo momento a modificar e escapar ao tipo de jurisdição do qual dependem e que constitui a sua juridicidade), correm o risco de já não serem mais do que práticas do poder, da legalidade, da coerção ou da regulamentação. Nesse sentido, deveria a filosofia do direito tomar a forma de um positivismo crítico, no tocante à crítica posta à legalidade.

O termo positivismo é utilizado por Ewald em razão da imposição da conjuntura epistemológica surgida a partir de Kelsen, onde a relativização dos valores, impossibilidade de articulação do direito positivo com um direito natural e a ausência de toda referência possível a uma objetividade transcendente, resultou na dispersão sem um princípio unificador, onde a realidade reflete que o direito já não pode se apoiar senão na sua própria positividade, em que o direito positivo é, por si mesmo, a condição da sua própria objetividade [13].

Por fim, EWALD entende que a experiência dos direitos do homem, diante do que ele denomina de inflação legislativa e regulamentar sem limitação, reclama por uma filosofia do direito que contenha uma capacidade de avaliação das práticas jurídicas na perspectiva da sua juridicidade. Nesse passo, vê como instrumento a aplicação do método de Michel Foucault ao direito.

1.4. Princípios gerais do direito

Ewald, na obra em estudo, elege uma questão como principal: Haveria incompatibilidade de essência entre direito e história? Afinal, parece que a história que particulariza e que traz consigo todos os valores de uma sociedade não se coaduna com a visão kelseniana de universalização do direito e de relativização de valores [14].

Outra questão: Em conformidade com a compreensão moderna do direito os princípios gerais do direito seriam os substitutos do direito natural, já que servem como referencial de direito à sociedade na medida em que a posição positivista - segundo a qual "qualquer conteúdo pode ser de direito" - mostrou-se falha?

São estas as questões que habilidosamente François Ewald enfrenta, utilizando o método de Foucault ao direito.


2. Da particularização do direito

Entendido o direito somente como sendo universal, levaria à conclusão, por exemplo, que do ponto de vista das suas condições de possibilidade, a Declaração dos Direitos do Homem, de 1789, seria destruída.

É compreensível a lógica proposta pelo autor, pois é impossível dissociar a referida Declaração da revolução que lhe serviu de berço e, por conseguinte, dos valores do povo francês.

Mas com isso, necessariamente, significa dizer que a filosofia de Foucault seria destruidora do direito, por conferir à história função crítica?

Ewald entende que não e, mais, rechaça a tese que afirma ser também destruidora do direito a visão foucaultiana de que o homem é o produto e não o alicerce, qualificando-a de puro sofisma [15].

Ressalta Ewald que, a partir da Segunda Guerra Mundial, os sistemas jurídicos ocidentais buscam referências em sua história e esta prática é revelada pelo emprego dos princípios gerais do direito [16].


3. As características dos princípios gerais do direito

François Ewald indica, em conformidade com a doutrina jurídica, as três grandes características dos princípios gerais do direito como sendo:

1) primeira, são regras não escritas, que se impõem ao legislador e ao administrador. Os princípios gerais do direito, em diversas ocasiões se exprimem em textos, mas não se resumem às fórmulas que os exprimem. Quando isso acontece, as regras são sua aplicação particular. Os princípios encontram-se sempre inteiramente nas regras que os aplicam, sem nunca se esgotarem em nenhuma delas;

2) segunda, por não serem escritos, não são "inventados" pelo juiz, mas "descobertos" por ele. Eles residem, como que em estado latente, na tradição jurídica, na Declaração dos Direitos, nos textos constitucionais, na prática legislativa e jurisprudencial de onde o juiz os extrai através de uma espécie de trabalho de interpretação;

3) terceira, os princípios gerais do direito exprimem um direito objetivo. Estão ‘na base do nosso regime político’, e ‘formam a armadura moral e política sobre a qual repousa a organização social’. Reenviam a uma espécie de dado político-jurídico, exatamente constitucional que, diferentemente dos axiomas do direito natural, é simultaneamente histórico e positivo.

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4. Os princípios gerais do direito na visão de outros doutrinadores

Em razão do relevante papel que os princípios gerais do direito assumem no estudo do direito desenvolvido por Ewald a partir da aplicação do método foucaultiano, reputamos ser importante tecermos, ainda que rapidamente para não fugirmos ao objetivo desse trabalho, algumas considerações sobre a visão de outros doutrinadores sobre o tema.

Celso Ribeiro Bastos indica que os princípios gerais do direito têm dentre suas diversas funções a de orientar a atividade interpretativa, sendo este o ponto comum com os princípios constitucionais. Contudo, os princípios gerais do direito se diferenciam dos princípios constitucionais por ser obrigatória a sua incidência, seja qual for a parte da Constituição ou até do ordenamento infraconstitucional que esteja sob a tarefa interpretativa. Portanto, a característica diferenciadora dos princípios constitucionais é que são absolutos na sua incidência [17].

No exercício interpretativo dos princípios constitucionais, temos que observar e respeitar os princípios gerais do direito, vez que servem estes de diretrizes de outras diretrizes, vetores para a correta interpretação dos princípios constitucionais, na medida em que tais princípios têm como causa convicção social, o viver da comunidade, sua idéia de vida, e em definitivo, a consciência social da época [18].

Celso Bastos assinala, ainda, que os princípios gerais do direito "[...] entram na Constituição só pelo caminho da interpretação. São exatamente eles que permitem a evolução do texto constitucional. São eles que vão preencher a vaguidade de suas normas", mas adverte que esses princípios não podem afrontar a Constituição, contrariando-a. Ainda que a sua entrada na Constituição não possa ser impedida, dada a sua força civilizatória, tal fato não tem o condão de lhes conferir uma força superior à da Constituição, o que lhes veda a característica de um direito supraconstitucional [19]. Celso Bastos enumera os princípios gerais do direito como sendo os da justiça, igualdade, liberdade e dignidade da pessoa humana.

Caio Mário da Silva Pereira assinala que os princípios gerais do direito "são cânones que não foram ditados, explicitamente, pelo elaborador da norma, mas que estão contidos de forma imanente no ordenamento jurídico" [20].

A referida professora aponta um aspecto comum encontrado em todas as doutrinas que buscam um sentido aos princípios gerais do direito: a justiça. A professora identifica múltipla natureza nos princípios gerais do direito:

São decorrentes das normas do ordenamento jurídico, ou seja, dos sub-sistemas normativos. Princípios e normas não funcionam separadamente; ambos têm, na nossa opinião, caráter prescritivo. Atuam os princípios como fundamento de integração do sistema normativo e como limite da atividade jurisdicional.

São derivados das idéias políticas e sociais vigentes, ou seja, devem corresponder ao subconjunto axiológico e ao fático, que norteiam o sistema jurídico, sendo, assim, um ponto de união entre o consenso social, valores predominantes, aspirações de uma sociedade como o sistema de direito, apresentando, portanto, uma certa conexão com a filosofia política ou ideológica imperante, de forma que a relação entre norma e princípio é lógico-valorativa, apoiando-se estas valorações em critérios de valor ‘objetivo’.

São reconhecidos pelas nações civilizadas os que tiverem substractum comum a todos os povos ou a alguns deles em dadas épocas históricas. [21]

E conclui: "abrangem, desse modo, investigações sobre o sistema jurídico, recaindo sobre subsistemas normativo, fático e valorativo, concernentes à questão omissa que se deve solucionar [...]". [22]

José Joaquim Gomes Canotilho, por sua vez, prefere identificar os princípios gerais do direito como sendo os princípios jurídicos fundamentais, sendo esses,

[...] os princípios historicamente objectivados e progressivamente introduzidos na consciência jurídica e que encontram uma recepção expressa ou implícita no texto constitucional. Pertencem à ordem jurídica positiva e constituem um importante fundamento para interpretação, integração, conhecimento e aplicação do direito positivo. Mais rigorosamente, dir-se-á, em primeiro lugar, que os princípios têm uma função negativa particularmente relevante nos ‘casos limites’ (‘Estado de Direito e de Não Direito’, ‘Estado Democrático e ditadura’). A função negativa dos princípios é ainda importante noutros casos onde não está em causa a negação do Estado de Direito e da legalidade democrática, mas emerge com perigo o ‘excesso de poder’. [23]

Como se observa Canotilho indica os princípios gerais do direito aqueles princípios que foram sendo recepcionados ao longo do tempo pelo direito positivo, sendo expressos de forma implícita ou explícita na Constituição, tendo como função orientar e integrar o direito positivo na sua aplicação, o que, de regra, é a função de todos os princípios constitucionais. Celso Bastos admite a existência desses princípios como valores historicamente reconhecidos, em razão de sua força civilizatória, portanto, teriam a característica de princípios implícitos na medida em que orientam a interpretação constitucional e tem como limite o próprio texto constitucional, na medida em que não possuem força para contrariá-lo. Hans Kelsen admite e reconhece esse fenômeno histórico-filosófico jusnaturalista de reação ao positivismo jurídico fortalecido no pós-guerra:

Na época em que se pensava que o positivismo havia definitivamente derrotado a especulação jusnaturalista, na segunda década do século XX, foi deliberadamente inaugurado um movimento jusnaturalista. Ele coincidiu com um desvio da filosofia natural, da crítica kantiana para uma nova metafísica e um renascimento do sentimento religioso. O eterno movimento ondulatório do espírito humano, que o leva da auto-humilhação ou auto-exaltação à eliminação do eu, do pessimismo ou otimismo ao ideal da objetividade, da metafísica à crítica do conhecimento e de volta, parece ter sido acelerado pela experiência avassaladora da Grande Guerra. Uma filosofia antimetafísica, científico-crítica, que tem a objetividade como ideal, como é casa do positivismo jurídico, parece prosperar apenas em tempos relativamente calmos, em períodos de equilíbrio social. Os fundamentos sociais e, com eles, a autoconfiança do indivíduo foram profundamente abalados em nossa época. [24]

Das posições doutrinárias expostas mesmo quando Maria Helena Diniz refere à idéia de justiça, conceito vago e impreciso [25], acaba por admitir que os princípios gerais do direito possuem conteúdo prescritivo e que são decorrentes das normas que integram o ordenamento jurídico ou, ainda, quando Celso Bastos lhes atribui caráter orientador na interpretação constitucional e os identifica como sendo os da justiça, igualdade, liberdade e dignidade da pessoa humana, na verdade, concluímos que são valores já positivados em nossa Constituição (art. 1º, III, IV e art. 3º, I, III e IV).


5. A busca de legitimidade do direito por meio da norma social

Feitas essas breves considerações acerca dos princípios gerais do direito na perspectiva de vários doutrinadores, passemos ao estudo do direito social, nos limites propostos por François Ewald.

Ewald lembra que no final do século XIX ocorre a rejeição da "filosofia revolucionária da lei, a teoria do direito constitui-se sobre uma rejeição unânime do direito natural: o direito só poderia encontrar a sua legitimidade sendo social, o mesmo é dizer, a expressão adequada da ‘norma social’, evolutiva e mutante como a sociedade". [26]

Alerta que se tornou factível que o direito social significava um perigo ao direito, pois o conteúdo incerto e a falta de limitação do poder nas mãos do titular responsável pela elaboração desse direito redundava num óbvio paradoxo: pois o direito social surgiu para limitar a lei, entretanto dava todo o poder ao legislador, o que era incompatível com a própria idéia de direito [27].

Atestado tal paradoxo, doutrinadores como Léon Duguit e Maurice Hauriou apelam à noção de princípio, cuja formulação veem, em particular, na Declaração dos Direitos de 1789, cujo valor jurídico exigia que fosse reconhecido a fim de permitir um controle de constitucionalidade das leis, inspirado no modelo norte-americano [28].

Após a Primeira Guerra Mundial, com o surgimento da U.R.S.S. e o novo modelo de direito baseado nas idéias socialistas, a Teoria Pura do Direito permanece imune, segundo o seu idealizador, diante de qualquer mudança de poder ou de ideologia da União Soviética, servindo, inclusive, para "pensar igualmente o direito ocidental e o direito soviético e que devia fornecer-lhes um terreno de entendimento". [29]

Assevera o autor que, na véspera da Segunda Grande Guerra, enquanto os comparatistas celebravam os princípios comuns dos diferentes direitos europeus (alguns de características fascistas), surge a experiência nazista que vem mudar tudo, vez que uma nação civilizada e de com a longa tradição de direito (a Alemanha), acabou produzindo uma ordem normativa não apenas singular, mas contrária até mesmo às suas normas mais fundamentais. Tal fato colocou em cheque a posição positivista segundo a qual "qualquer conteúdo pode ser de direito". [30]

Diante de tal ambiente, com a perda do positivismo da referência com relação aos valores desde muito consagrados pelas diversas sociedades, surgem praticamente no final da Segunda Grande Guerra, dispostos de maneira clara pelo direito positivo, os princípios gerais do direito, como forma, tanto em direito interno como no internacional, de recorrer-se às declarações solenes dos direitos fundamentais, vistos pela consciência jurídica como princípios incontornáveis.

Segundo Ewald, os princípios gerais do direito "têm como primeira função assegurar a continuidade e a estabilidade da ordem jurídica [...] a sua invenção correspondeu à necessidade de reintroduzir a ‘duração longa’ na vida do direito". [31]

A prática dos princípios gerais do direito seria reveladora "da vontade da sociedade de se ligar a si mesma através da sua própria história, da sua herança, do seu patrimônio jurídico constitucional" [32], esses se consubstanciariam em fonte do direito.

Essa prática, que testemunha a possibilidade de um juízo interno de uma ordem jurídica sobre si própria, de uma relação de si próprio do direito puramente positivo que não passa nem pela invocação de um direito natural, nem pelo recurso a uma idéia de justiça, teria desmentido a tese de Hans Kelsen, o qual não admitia ser possível ajuizar de uma ordem jurídica a partir do interior, que não se podia julgá-la senão de um ponto de vista moral necessariamente relativo e sempre destituído de objetividade. Desta forma, a prática dos princípios gerais do direito, torna manifesto que há, na própria positividade do direito, a possibilidade de um direito do direito [33].

É a tradição jurídica que vai dar validade aos direitos do homem, na medida em que, como princípios, são reveladores de uma história. Daí porque ser errado e perigoso ver na história uma ameaça à existência do direito [34].

Por fim, os princípios gerais do direito propõem a existência de algo que um pensamento abstrato designava como impossível, ou seja, a maneira de pensar graças à qual os homens se livram de tão funesto destino (p. ex: o nazismo), e porque exigem maior atenção aos fatos que e às experiências que às exigências da teoria, bem como porque revelam que a filosofia, para estar de acordo com a sua tradição, deve ser uma filosofia das práticas da história.

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Sobre o autor
Eid Badr

Advogado, Professor de Cursos de Graduação e pós graduação em Direito. Mestre e Doutor em Direito pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), Diretor-Geral do CENEST (Centro de Estudos Avançados da Amazônia), Coordenador do Núcleo de TCC da ESBAM (Escola Superior Batista do Amazonas), Membro do IBDC (Instituto Brasileiro de Direito Constitucional).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BADR, Eid. O método foucaultiano aplicado ao estudo do Direito, segundo François Ewald. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2412, 7 fev. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14322. Acesso em: 29 nov. 2024.

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