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A indenização em acidentes envolvendo motocicletas.

Exceção ao princípio da reparação integral

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12/02/2010 às 00:00
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6. Conclusão

Com a introdução do parágrafo único do artigo 944 do Código Civil no ordenamento pátrio, restou positivada a possibilidade da redução eqüitativa da indenização pelo juiz quando houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano.

Este dispositivo legal reflete a idéia culturalista de Miguel Reale, qual seja, de levar em conta a "ética da situação", abandonando o abstrato e observando o caso concreto, possibilitando, inclusive, a redução da indenização através de um juízo de eqüidade que ameniza as conclusões da regra genérica, ajustando-a às particularidades da situação.

Assim, exatamente entre o caput do artigo 944 e artigo 945, ambos do CCB, reside a orientação legal que permite ao julgador reduzir a indenização quando há desproporção entre o agir do autor e o dano causado à vítima. A hipótese de concorrência entre a culpa do autor do dano e o risco assumido pela vítima deve ser levada em consideração nestes casos, uma vez que o espírito do Código Civil exige o abandono do abstrato e a observância do caso concreto em uma relação de adequação.

Observa-se que esta é uma importante ferramenta que deve ser utilizada na fixação da justa indenização nos casos onde o grau de culpa do autor do dano não seria suficiente para causar grave dano à vitima. Quando se trata de acidentes automobilísticos envolvendo motocicletas, esta desproporção entre a culpa e dano quase sempre está presente, pois as motocicletas possuem uma periculosidade latente que potencializa o dano em casos de colisão com outro veículo. Não bastasse isso, muitas vezes os motociclistas potencializam o risco ao qual estão submetidos, trafegando com pouca visibilidade ou entre veículos de filas adjacentes. Esta assunção de risco também não pode ser desconsiderada no momento da fixação da indenização.

Assim, o que se pretende com esta breve reflexão não é estigmatizar ou gerar alguma espécie de presunção de culpa dos motociclistas, tampouco ratificar as palavras de doutrinadores que os classificam como "perturbadores da paz". O objetivo deste estudo é apenas fomentar a discussão sobre a possibilidade de redução equitativa de indenização quando existir concorrência entre a culpa do autor do dano (motorista) e risco assumido pela vítima em acidentes envolvendo motocicletas. Obviamente que não será em todos os casos que se poderá utilizar a regra de exceção, devendo o julgador aplicá-las somente onde houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano.


REFERÊNCIAS

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DIREITO, Carlos Alberto Menezes. Comentários ao novo código civil: da responsabilidade civil e privilégios creditórios. Volume XIII. Carlos Alberto Menezes Direito, Sérgio Cavalieri Filho. Rio de Janeiro: Forense, 2004.

HOFMEISTER, Maria Alice Costa. O dano pessoal na sociedade de risco. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.

MARTINS-COSTA, Judith e BRANCO, Gerson. Diretrizes teóricas do novo Código Civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2002.

MARTINS-COSTA, Judith. Os danos à pessoa e a natureza da sua reparação. in A Reconstrução do Direito Privado, São Paulo: RT, 2002.

______. Os direitos Fundamentais e a opção culturalista do novo Código Civil in Constituição, Direitos Fundamentais e Direito Privado, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003.

SALVARO, João Carlos, Direção defensiva para motocicletas: como aumentar sua segurança. Florianópolis, 2004.

TRIMARCHI, Pietro. Rischio e responsabilità oggettiva. Milano: Giuffrè, 1961.


Notas

  1. MARTINS-COSTA, Judith. Os danos à pessoa e a natureza da sua reparação in A Reconstrução do Direito Privado, São Paulo: RT, 2002, p. 410.
  2. MARTINS-COSTA, Judith. Os direitos Fundamentais e a opção culturalista do novo Código Civil in Constituição, Direitos Fundamentais e Direito Privado, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 65.
  3. BRANCO, Gerson Luis Carlos. O culturalismo de Miguel Reale e a sua expressão no novo Código Civil in Diretrizes Teóricas do Novo Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2002, p.74.
  4. CARVALHO FILHO, Milton Paulo de. Indenização por equidade no novo código civil. São Paulo: Atlas, 2003, p. 96.
  5. DIREITO, Carlos Alberto Menezes. Comentários ao novo código civil: da responsabilidade civil e privilégios creditórios. Volume XIII. Carlos Alberto Menezes Direito, Sérgio Cavalieri Filho. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 367.
  6. TRIMARCHI, Pietro. Rischio e responsabilità oggettiva. Milano: Giuffrè, 1961, p. 313.
  7. HOFMEISTER, Maria Alice Costa. O dano pessoal na sociedade de risco. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 92.
  8. SALVARO, João Carlos, Direção defensiva para motocicletas: como aumentar sua segurança. Florianópolis, 2004, pp. 19/22
  9. CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. São Paulo: Malheiros, 4 ed., 2003, p.179.
  10. http://www.denatran.gov.br. Acesso em 22.03.2009.
  11. http://www.sarah.br/perfil geral das internações por acidentes de trânsito. Acesso em 18.03.2009.
  12. http://www.sobresites.com/motociclismo/doloroso. Acesso em 18.03.2009.
  13. http://www.sobresites.com/motociclismo. Acesso em 18.03.2009.
  14. http://www.sobresites.com/motociclismo/doloroso.htm. Acesso em 18/03/2009.
  15. SALVARO, João Carlos, Direção defensiva para motocicletas: como aumentar sua segurança. Florianópolis, 2004, p. 74.
  16. SALVARO, João Carlos, Direção defensiva para motocicletas: como aumentar sua segurança. Florianópolis, 2004, p. 76.
  17. SALVARO, João Carlos, Direção defensiva para motocicletas: como aumentar sua segurança. Florianópolis, 2004, p. 78.
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Sobre o autor
Gustavo Tanger Jardim

Advogado licenciado. Especialista em Direito Civil.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

JARDIM, Gustavo Tanger. A indenização em acidentes envolvendo motocicletas.: Exceção ao princípio da reparação integral. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2417, 12 fev. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14340. Acesso em: 19 abr. 2024.

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