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A indenização em acidentes envolvendo motocicletas.

Exceção ao princípio da reparação integral

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12/02/2010 às 00:00
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O artigo estuda a superação da postura liberal-patrimonialista na seara reparatória, a qual não admitia pensar em uma hipótese onde o valor da reparação fosse diverso do valor do prejuízo suportado pela vítima.

SUMÁRIO: Introdução. 1. O problema da aparente quebra do princípio da reparação integral do dano. 2. Concurso de risco e culpa. 3. Motocicleta: o risco pela eleição do meio de transporte. 4. Condutas que aumentam o risco na utilização das motocicletas. 4.1. Visibilidade prejudicada. 4.2. Passagem entre veículos de filas adjacentes. Conclusão. Referências


Introdução

A reflexão proposta sobre o novo modelo da indenização civil envolve o problema da quebra do princípio restitutio in integrum, consagrado no nosso ordenamento jurídico através da regra geral prevista no caput do artigo 944 do Código Civil. Com a introdução da cláusula de exceção no parágrafo único deste artigo foi positivada a possibilidade da redução eqüitativa da indenização "se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano".

Assinala-se que o efeito trazido por este dispositivo legal reflete a idéia culturalista de Miguel Reale, de levar em conta a "ética da situação", abandonando o abstrato e observando o caso concreto em uma relação de adequação entre o meio e o fim, buscando a "justiça social".

O Código Civil de 1916, como reflexo de uma codificação oitocentista, tinha como linha mestra o individualismo burguês, sob influência de uma mentalidade patriarcal própria de uma sociedade ainda em fase pré-industrial. Nesta ótica, o referido Codex vislumbrava somente uma possibilidade de solução das controvérsias envolvendo responsabilidade civil: valor da indenização medido exclusivamente pela extensão do dano. Com a evolução do corpo social, aumentaram os choques entre os interesses dos homens, sobretudo no mundo excessivamente competitivo do nosso tempo que rapidamente transforma as relações de cooperação em conflitos e em danos a serem indenizados.

Tendo em vista esta complexidade trazida pela sociedade moderna, os Tribunais – perseguindo a solução mais justa ao caso concreto – passaram a flexibilizar os conceitos rígidos estabelecidos no Código de 1916 e acabaram por dar novo fôlego à responsabilidade civil. Assim, gradualmente houve o abandono da concepção estritamente liberal de direito – que possuía como paradigma dominante o homem produtor de riquezas materiais que fazia regras apenas para tutelar o seu patrimônio – associado à experiência democrática que levou à recomposição dos fundamentos axiológicos, que culminou com "a idéia de pessoa como centro do sistema de princípios, direitos e garantias fundamentais e, por via de conseqüência, de todo o sistema jurídico" [01].

Com os valores acolhidos pela Constituição Federal de 1988 que projeta o princípio da dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais, passou a existir um verdadeiro marco divisório entre a Lei Maior e a Lei Civil de 1916. Este profundo sulco que se denominou "modelo da incomunicabilidade" [02] tinha como característica o andar paralelo entre estas leis, com um relacionamento basicamente formal, hierarquizado e não-dialético.

O Novo Código Civil rompe com o "modelo da incomunicabilidade" e, através do seu "novo espírito" e da letra de seus 2.046 artigos, passa a ser instrumento para a realização dos ideais previstos na Constituição Federal de 1988, trazendo verdadeira despatrimonialização do Direito Civil e a conseqüente repersonalização dele.

Restrito ao estudo das inovações trazidas pela "constituição do homem comum" ao tema da responsabilidade civil é possível afirmar que a visão histórica de Miguel Reale e a consciência da importância do art. 159 do Código Civil de 1916 resultou no teor do artigo 927, que possui duas cláusulas gerais, uma fundada na culpa e outra no risco. Desta forma, "a summa divisio da responsabilidade civil deixa de ser a responsabilidade contratual e a extracontratual e passa a ser uma responsabilidade baseada na culpa e no risco" [03].

Com a mesma elegância, o novo Código Civil alterou substancialmente a estrutura da fórmula consagrada das indenizações civis. A regra geral está baseada no princípio da reparação integral do dano, conforme o caput do art. 944 do Código Civil de 2002. Porém, a regra de exceção prevista no parágrafo único deste artigo, permite a redução eqüitativa da indenização de acordo com o caso concreto.

Sobre o tema surgem indagações do seguinte quilate: se este critério se justificaria com relação ao dano moral, mostrar-se-ia equivocado em relação ao dano material? Não indenizar integralmente é responsabilizar a vítima pelo resto? O Novo Código Civil quebrou o sistema consagrado que não admite que a indenização por ato ilícito seja restritiva? Poderá haver redução da indenização nas hipóteses em que a culpa não estiver presente no suporte fático? Todas estas perguntas merecem profunda reflexão antes de uma simples resposta, o que – por questões óbvias – não seria possível realizar neste breve estudo.

Restringindo o tema, o presente artigo terá como foco a superação da postura liberal-patrimonialista na seara reparatória, a qual não admitia pensar em uma hipótese onde o valor da reparação fosse diverso do valor do prejuízo suportado pela vítima. Como o espírito da nova Lei Civil que está alicerçado nos princípios de eqüidade, correção, lealdade, boa-fé, e que se volta para a pessoa como "valor-fonte" do ordenamento, não é possível que o foco da indenização continue desapegado dos riscos assumidos pelos envolvidos no caso concreto. E no momento de fixar a indenização, deve ela ser reduzida de forma equitativa nos "casos em que não se afigura correto atribuir inteira responsabilidade a alguém que, num instante de inadvertência, deu motivo a que se consumasse um grande prejuízo" [04].


1. O problema da aparente quebra do princípio da reparação integral do dano

O Código Civil de 2002 traz como grande novidade uma ordem filosófica e metodológica, que permite a ordenação progressiva dos temas tratados seguindo valores e técnicas que prevê em seu corpo. Assim, o Código Civil não pode ser compreendido fora da concepção de direito como experiência, da justiça social concreta e do agir com consideração aos interesses do alter, enfim, fora dos seus pressupostos basilares.

Pois bem, o estudo e a aplicação destes pressupostos basilares permitem a resolução do problema da aparente quebra do princípio da reparação integral do dano. A redução da indenização através de um juízo de eqüidade – que ameniza as conclusões da regra genérica, ajustando-a as particularidades que cercam certas hipóteses da vida social – é coerente com o "espírito da nova lei".

Desta forma, através de uma análise refletida e conforme as diretrizes teóricas do Novo Código Civil é possível rebater as críticas que consideram ilógico o abrandamento do texto legal para amoldar a justiça à especificidade de uma situação real que, no caso do objeto deste estudo, envolve a indenização dos acidentes envolvendo motociclistas.

Estes breves comentários encontram justificativa na necessidade de aprofundar o estudo deste dispositivo legal (artigo 944 do Código Civil brasileiro) que entrou em vigor em 11 de janeiro de 2003. Não obstante já ter transcorrido muito tempo desde a vigência da nova lei, poucos foram os estudos sobre o tema da exceção ao princípio da reparação integral dos danos. Certamente que a regra do parágrafo único do artigo 944 do Novo Código Civil muito em breve estará – se já não está – presente nas teses de várias ações indenizatórias e, por isso, se faz necessário um estudo do tema coerente com as diretrizes teóricas do Novo Código Civil.

Se mal dirigida for a aplicação da redução eqüitativa da indenização, poderemos estar contribuindo para a ruína do mais importante pilar que sustenta a sociedade: a responsabilidade civil. Por outro lado, se for possível aplicar bem a regra de exceção ao princípio da restitutio in integrum, certamente estaremos evoluindo a passos largos para a construção de uma sociedade mais justa e evoluída.


2. Concurso de risco e culpa

Situações envolvendo o concurso entre o risco assumido pela vítima e a culpa do autor do dano não despertou o interesse da comunidade jurídica brasileira, motivo pelo qual pouco se fala sobre o assunto. Ocorre que, quando nos debruçamos sobre a aplicação do parágrafo único do artigo 944 do CCB, esta questão emerge como um dos pontos centrais do problema e, por isso, merece ser aprofundada.

Diante da lógica do Código Civil quando trata "da indenização", observa-se que o primeiro artigo deste capítulo (art. 944) traz que a indenização mede-se pela extensão do dano. Esta é a regra geral, e é aplicada quando o autor do dano age com culpa lato sensu e a vítima sofre injustamente todas as conseqüências deste agir. Nesta situação a lei é clara, obrigando o autor do dano a indenizar integralmente a vítima.

Já no artigo 945 do Código Civil, a lei civil introduz dispositivo expresso sobre a indenização nos casos de concorrência de culpas, tema que já estava consagrado na jurisprudência e na doutrina brasileiras. Este dispositivo "cuida da culpa concorrente, ou seja, da ponderação entre a culpa do agente causador do dano e a culpa da vítima" [05].

Desta forma, o Código Civil é muito transparente quando aborda a questão da indenização envolvendo culpa exclusiva do autor do dano ou nos casos onde a vítima tenha concorrido culposamente para a obtenção do resultado danoso.

Porém, de forma absolutamente genial foi inserido entre o caput do artigo 944 e artigo 945, ambos do Código Civil, a orientação legal que permite ao julgador reduzir equitativamente a indenização quando há concorrência entre a culpa do autor do dano e o risco assumido pela vítima, abandonando o abstrato e observando o caso concreto em uma relação de adequação.

Assim, o parágrafo único do artigo 944 é uma importante ferramenta que deve ser utilizada na fixação da justa indenização nos casos onde o grau de culpa do autor do dano não seria suficiente para causar grave dano a vitima.

Como alerta Pietro Trimarchi, "chi si spone a um pericolo, agisce a próprio rischio" [06] e - na hora de fixar a indenização - é imprescindível observar a conduta de quem potencializou o dano assumido o risco ao se expor a um perigo conhecido. Frisa-se que esta é uma particular causa de limitação da responsabilidade do autor do dano que se manifesta quando a vítima se expõe voluntariamente ao risco.

Esta situação pode ser observada em muitos acidentes de trânsito envolvendo motocicletas e automóveis. Exatamente nestes casos a redução equitativa da indenização estaria amparada pelo cotejo entre a culpa leve ou levíssima do autor do dano (condutor do automóvel) e os sérios danos ocorridos com os motociclistas. Para verificar esta desproporção basta observar os julgados envolvendo indenizações dos danos pessoais suportados pelos motociclistas, onde emergem a magnitude das lesões ou até mesmo a morte do condutor da motocicleta.


3. Motocicleta: o risco pela eleição do meio de transporte

Como se pode observar ao longo da evolução da responsabilidade civil, esta originariamente pautou-se pela responsabilidade subjetiva. Com a teoria do risco desenvolvida por Saleilles e Josserand na França, nasceu a responsabilidade objetiva e, após anos de discussão, hoje é amplamente utilizada no ordenamento brasileiro.

No que toca unicamente ao risco, este é perigo, é probabilidade de dano, importando àquele que pratique uma atividade perigosa o dever de assumir os riscos dela decorrentes. Quando a pessoa tira proveito da atividade perigosa, deve também assumir os ônus surgidos.

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Como bem ressalta Maria Alice Hofmeister, "as inovações tecnológicas trazem com seus benefícios e seus desejos de remediar os males da natureza, seu lote de riscos e de danos novos, os quais se solicita ao direito prevenir ou reparar" [07].

Certamente a motocicleta possui inúmeras vantagens em relação ao automóvel, pois é um dos meios de locomoção mais versáteis que existem. De acordo com João Carlos Salvaro [08], a agilidade da motocicleta permite movimentação com muito mais desenvoltura em relação aos automóveis; a economia é outro atrativo, pois o consumo varia de 25 a 50 Km/litro; possui fácil estacionamento, pois nas grandes cidades os locais públicos para estacionamento estão cada vez mais restritos; tem baixo custo de aquisição e manutenção, uma vez que a motocicleta custa o equivalente a 23 salários-mínimos, enquanto o automóvel mais barato custa cerca de 68 salários-mínimos, enfim, existe um sem número de vantagens que podem ser elencadas.

Mas, diante dessas enormes vantagens, porque será que a maioria das pessoas que possuem condições financeiras opta por adquirir um automóvel em vez de uma motocicleta?

A resposta é que toda a população sabe que a motocicleta é produto considerado normalmente perigoso e que acarreta riscos considerados normais e previsíveis em decorrência de sua natureza e fruição, conforme a inteligência do artigo 8º do Código de Defesa do Consumidor.

Sérgio Cavalieri Filho afirma que "este risco inerente ou periculosidade latente é o risco intrínseco atado à própria natureza, qualidade e modo de funcionamento da coisa – como, por exemplo, um veículo potente e veloz. A periculosidade desses produtos é normal e este risco inerente é conhecido pelo consumidor [09]".

Ora, a motocicleta insere-se como uma luva neste conceito. A sua periculosidade é conhecida e está estampada no site do Departamento Nacional de Trânsito (DENATRAN), onde consta que, "no Brasil atualmente existem mais de 43 milhões de veículos, desse total 17% são motocicletas. Os motociclistas, em 2003, somaram 13% das vítimas fatais em acidentes de trânsito. Considerando as vítimas não fatais, esse número sobe para 22%. Nesse mesmo ano cerca de 26% dos veículos envolvidos em acidentes no Brasil foram motocicletas" [10].

No anuário estatístico do DENATRAN-RENAEST/2006, consta a alarmante participação das motocicletas envolvidas em acidentes com vítimas. Neste estudo, dos 158.938 acidentes com vítimas nas capitais brasileiras, em 44.356 estavam presentes as motocicletas. Em Porto Alegre, dos 4.421 acidentes com vítimas, a expressiva marca de 1.283 envolvia motocicletas.

Diante deste quadro, resta evidente que os feridos e mortos em acidentes com motocicletas alcançam índices elevados em relação à pequena frota de motocicletas existente. Com certeza, esta triste estatística deverá aumentar significativamente nos próximos anos, tendo em vista o grande crescimento da frota de motocicletas.

Sobre os danos pessoais suportados pelos motociclistas, vale trazer o estudo realizado pelo Hospital SARAH-Brasília e SARAH-Salvador, especializado em reabilitação de acidentados. Nesta pesquisa, o Hospital especifica o tipo de lesão dos internados por acidente de trânsito entre o período de fevereiro/99 a janeiro/2000 [11].

Dos pacientes internados com lesões medulares, 19,5% eram motociclistas. Das lesões ortopédicas, 24,5%. Dos internados com lesões cerebrais, 21,8%. Finalmente, das lesões neurológicas, a maioria dos internados eram motociclistas.

Complementando as estatísticas sobre acidentes envolvendo motociclistas atendidos pela rede Sarah de hospitais, 74% tratavam-se de lesões completas com perda de movimento ou sensibilidade nas lesões cerebrais e quase a metade (46%) usava capacete. Nas lesões ortopédicas, 80% afetaram os membros inferiores nas seguintes proporções: perna (50%), fêmur (30,6%), joelho (13,6%), tornozelos e extremidades (5,65). [12]

Esse potencial lesivo da motocicleta é conhecido por todos, mesmo por aqueles que não que utilizam esse meio de transporte. Um site especializado em motociclismo [13] traz um guia com explicações e entrevistas onde são abordadas as situações de segurança das motocicletas. O sugestivo título é "Você é o veículo" e traz as seguintes explicações extraídas da entrevista com o médico-cirurgião Max Carlos Braga Antão:

"Segundo Max, a melhor maneira de compreender o que ocorre em um acidente com colisão é imaginar-se caindo do 2º ou 3º andar de um prédio. Aí então considere que as lesões resultantes de um acidente de moto podem ser bem piores do que a queda dessa altura. O equipamento de segurança é indispensável, mas não faz milagres. Mesmo que você esteja com capacete, botas e macacão, imagine o que pode acontecer se cair do 3º ou 4º andar....Max observa que ao contrário do motorista, que está protegido dentro de uma caixa de metal, o motociclista é, na verdade, o próprio veículo: ‘temos apenas um motor no meio das pernas, que nos leva aonde queremos’ Por isso, qualquer parte do nosso corpo está sujeita a lesões de todo o tipo..." [14]

Assim, podemos tranqüilamente compreender a motocicleta como algo que é perigoso em virtude de sua fruição. Da mesma forma como uma faca afiada foi desenvolvida primordialmente para cortar, a motocicleta foi desenvolvida para servir como meio de locomoção. Porém, todos que manuseiam a faca sabem que podem sofrer um corte e todos que tripulam motocicletas sabem que, se sofrerem um acidente, suas lesões podem ser severamente potencializadas.

O risco assumido pelo perigo de andar de moto não reside em sofrer acidentes, porque todos os automóveis quando colocados em circulação estão propensos a se acidentarem. O diferencial do risco assumido pelo motoqueiro é o relativo à magnitude dos danos que pode vir a sofrer. Uma simples queda da moto em baixa velocidade pode ser fatal ou deixar o motorista paraplégico, por exemplo. Este é o centro do problema. A desproporção entre a conduta e os danos dela decorrentes, e aí reside o risco assumido pelo motoqueiro.

Não é raro nos depararmos com casos de colisão entre motocicletas e automóveis, onde ocorrerem leves danos materiais nos veículos envolvidos. E na maioria das vezes nenhum tipo de lesão física é verificada no condutor do automóvel. Em compensação, muitas vezes a vida do motociclista é perdida, demonstrando evidente desproporção entre o acidente em si e os danos suportados pelo condutor da motocicleta.

As lesões "compatíveis" com um acidente leve envolvendo automóveis certamente não ultrapassariam cortes ou fraturas. Porém, na maioria das colisões envolvendo motocicletas há um acréscimo nos danos suportados, que é exatamente a parcela do risco assumido por aqueles que trafegam de motocicleta.

Frisa-se que, de acordo com a pesquisa elaborada com os dados dos acidentes envolvendo motociclistas, as lesões mais freqüentes são as cerebrais com perda de movimento ou de sensibilidade, e as ortopédicas com lesões dos membros inferiores. Logo, a possibilidade de ocorrência desse tipo de dano era conhecida e deve ser assumida pelos que se locomovem através de motocicletas.


4. Condutas que aumentam o risco na utilização das motocicletas

Quando se observa um acidente de trânsito envolvendo motocicletas é necessária a compreensão da sucessão de acontecimentos que levaram à colisão. Essa relação de causalidade é influenciada por condutas de risco que, muitas vezes, são percebidas no comportamento dos condutores de motocicletas.

Obviamente que tais comportamentos – além do risco pela eleição do meio de transporte – também influenciam na potencialização do resultado danoso, e igualmente deve ser causa de redução equitativa da indenização, mesmo que não configure culpa da vítima.

4.1. Visibilidade prejudicada

Este fator age diretamente no comportamento do motorista, alterando a percepção do perigo e prejudicando o tempo de reação do condutor da motocicleta. A visão e a audição são responsáveis pela recepção dos estímulos exteriores e do envio deles para o cérebro. Depois de interpretados, esses estímulos desencadeiam uma reação que pode ser afetada pela ação de fatores externos.

Está comprovado que o maior número de acidentes envolvendo motocicletas ocorre em dias que a visão está completamente prejudicada pela chuva. Isto porque a viseira do capacete do motociclista não possui qualquer dispositivo que permita limpar água acumulada nele.

Da mesma forma, a "cortina de água" levantada pelas rodas dos veículos que trafegam na rodovia molhada prejudica sensivelmente a visibilidade do motociclista. Sobre o tema, alerta João Carlos Salvaro que durante os deslocamentos em dias de chuva, devem os motociclistas "levar pedaços de algodão, guardanapo ou toalhas de papel para limpar a viseira de vez em quando, a fim de melhorar a visibilidade do piloto" [15].

Certamente que o Código Brasileiro de Trânsito não adotou esta conduta como obrigatória para os motociclistas, de forma que não podem os fiscais de trânsito exigi-la ou aplicar penalidades administrativas aos que não limpam suas viseiras regulamente em dias de chuva.

Por outro lado, a falta de preocupação do motociclista com a visibilidade em dias chuvosos pode e deve ser considerada como uma conduta de risco e, assim sendo, deve ser levada em consideração para reduzir equitativamente a indenização em caso de acidente.

Outro problema grave que prejudica principalmente a visibilidade do motociclista são os deslocamentos noturnos. Sobre o ponto, as orientações de segurança são taxativas e alertam que "o motociclista deve evitar ao máximo viajar à noite. Só deve fazê-lo em caso de necessidade, pois é muito perigoso. A visibilidade do piloto em relação ao trânsito, e dos outros motoristas em relação à motocicleta fica bastante prejudicada" [16]. João Salvaro lembra também que o motociclista que se desloca durante a noite deve usar roupas claras, sendo que o "ideal é que a jaqueta tenha faixas refletivas" [17].

Desta forma, apesar da lei não proibir o deslocamento de motocicletas em dia de chuva ou durante a noite, a ética da situação permite concluir que existe um risco extra assumido pelo piloto, uma vez que estes fatores prejudicam a visibilidade em um grau extremamente maior do que aqueles que optam pelo deslocamento em automóveis. Inevitável concluir que a indenização em acidentes nestes casos deve ser reduzida de forma equitativa.

4.2. Passagem entre veículos de filas adjacentes

A passagem de motocicletas entre veículos de filas adjacentes ou entre a calçada e veículos de fila adjacente a ela é outro fator que potencializa o risco de acidente. Quando da elaboração do Código Brasileiro de Trânsito, a proibição de tais condutas chegou a constar no artigo 56, que acabou vetado.

Dentre as razões do veto, consta que ao proibir o condutor de motocicletas passar entre veículos de filas adjacentes, o dispositivo restringiria a sua utilidade. Esta tese é defendida pelo fato de que, em todo o mundo, a motocicleta é largamente utilizada como forma de garantir maior agilidade de deslocamento.

Diante da permissão legal, os motociclistas usualmente utilizam o "corredor" para não ficarem presos em congestionamentos e alcançarem a almejada agilidade com a eleição deste meio de transporte.

Por outro lado, no momento em que os motociclistas trafegam neste corredor formado entre veículos que se deslocam em filas adjacentes, tornam-se praticamente invisíveis, uma vez que a verificação de sua presença é extremamente difícil, mesmo para o mais experiente e preparado motorista.

De acordo com a legislação brasileira não é possível imputar culpa ao motociclista que trafega entre os corredores formados por automóveis e acaba colidindo com um veículo que muda de faixa de trânsito. Porém, é inegável que o motociclista assumiu extremo risco ao adotar este tipo de conduta. Este agir, necessariamente, deve refletir no momento da indenização dos danos suportados. Nesta situação é possível observar mais um momento onde a aplicação do parágrafo único do artigo 944 do Código Civil está adequada à situação.

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Sobre o autor
Gustavo Tanger Jardim

Advogado licenciado. Especialista em Direito Civil.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

JARDIM, Gustavo Tanger. A indenização em acidentes envolvendo motocicletas.: Exceção ao princípio da reparação integral. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2417, 12 fev. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14340. Acesso em: 26 dez. 2024.

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