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Os instrumentos jurídico-econômicos conciliadores do conflito entre o desenvolvimento econômico e o meio ambiente ecologicamente equilibrado

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14/02/2010 às 00:00
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Sumário: Introdução. 1 Considerações sobre desenvolvimento sustentável. 2 A tributação e os incentivos fiscais. 3 Os instrumentos financeiros e creditícios. 4 O zoneamento ecológico-econômico. 5 O desenvolvimento científico e a pesquisa tecnológica. 6 O estudo de impacto ambiental e o relatório de impacto ambiental. 7 O licenciamento ambiental. 8 O papel das políticas públicas. Considerações finais.


Resumo

A Constituição Federal de 1988 traz a garantia do direito ao desenvolvimento econômico, bem como o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado. Estes dois direitos fundamentais são conflitantes, pois a atividade econômica afeta o meio ambiente, alterando o equilíbrio ecológico. A Constituição é a síntese do pacto político que traz a harmonia dos interesses sociais conflitantes. Contudo, ela não é suficiente para garantir a efetividade e a concreção da harmonia de conflitos. Faz-se necessária a existência de instrumentos jurídicos que garantam esta efetividade. O presente trabalho faz breve análise de alguns instrumentos jurídicos da lei brasileira que visam à harmonia entre desenvolvimento econômico e meio ambiente saudável, sob a óptica do conceito de desenvolvimento sustentável. Parte-se da conceituação de desenvolvimento sustentável para, em seguida, analisar sucintamente os seguintes instrumentos: a tributação e os incentivos fiscais; os instrumentos financeiros e creditícios; o zoneamento ecológico-econômico; o desenvolvimento científico e a pesquisa tecnológica; o estudo de impacto ambiental e o relatório de impacto ambiental; o licenciamento ambiental; o papel das políticas públicas.

Palavras-chave: Direitos fundamentais. Constituição. Meio ambiente. Desenvolvimento econômico. Efetividade jurídica.


INTRODUÇÃO

Na busca pela harmonia entre os interesses sociais divergentes, o ordenamento constitucional por si só não é suficiente para garantir a efetividade e concreção de seus objetivos. Faz-se necessária a implantação de políticas que disponibilizem instrumentos jurídico-econômicos. O ordenamento jurídico se constitui num "... cuntinuum de textos mediados por processo lingüísticos". [01] Sua efetividade depende de ações concretas. A vontade da sociedade tem que estar expressa na vontade da norma; a vontade da norma tem que ser expressa através de ações concretas; e a ação social tem que dispor de instrumentos jurídicos que a legitimem.

Estes instrumentos conciliadores têm como objetivo a efetivação do equilíbrio e da harmonia social. No caso exposto no presente trabalho, eles cumprem papel fundamental na conciliação do conflito entre interesses econômicos e ambientais, assumindo, ainda, um papel de proativo na atividade econômica em direção aos objetivos constitucionalmente definidos.

O presente artigo tem como escopo tecer breves comentários sobre o papel dos instrumentos jurídicos garantidores da efetividade dos direitos fundamentais a um meio ambiente ecologicamente equilibrado e ao desenvolvimento econômico.


1 CONSIDERAÇÕES SOBRE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

Na busca por instrumentos conciliadores entre economia e meio ambiente, o conceito de desenvolvimento sustentável se mostra fundamental. Este modelo teórico tem como pressuposto básico o fato de que os recursos naturais são limitados, enquanto que as teorias econômicas clássicas não têm levado em consideração esta limitação, tomando como dogma a possibilidade de crescimento econômico sem limites.

Inicialmente, devemos voltar nossos olhos para os conceitos de crescimento e desenvolvimento econômico dados pela ciência econômica. Tal tarefa é fundamental para entender que os conceitos clássicos não são mais adequados em um contexto de conciliação entre atividade econômica e proteção ambiental.

Um conceito de crescimento econômico é encontrado em SANDRONI:

CRESCIMENTO ECONÔMICO.

Aumento da capacidade produtiva da economia, e, portanto, da produção de bens e serviços de determinado país ou área econômica. É definido basicamente pelo índice de crescimento anual do Produto Interno Bruto (PNB) per capita. O crescimento de uma economia é indicado ainda pelo índice de crescimento da força de trabalho, a proporção da receita nacional poupada e investida e o grau de aperfeiçoamento tecnológico. [02]

Nesse conceito, o aspecto importante se traduz na expressão monetária do PNB, que se constitui no agregado de toda a produção de bens e serviços finais da economia de um país, na unidade de tempo. Não tem qualquer relevância o destino final desta produção ou como os "frutos" da atividade econômica são distribuídos. Também não importa como se deu a remuneração dos fatores produtivos.

Igualmente, um conceito de desenvolvimento econômico é encontrado em SANDRONI:

DESENVOLVIMENTO.

Crescimento econômico (aumento do Produto Nacional Bruto per capita) acompanhado pela melhoria do padrão de vida da população e por alterações fundamentais na estrutura de sua economia.

(...)

O desenvolvimento de cada país depende de suas características próprias (situação geográfica, passado histórico, extensão territorial, população, cultura e recursos naturais). De maneira geral, contudo, as mudanças que caracterizam o desenvolvimento econômico consistem no aumento da atividade industrial em comparação com a atividade agrícola, migração da mão-de-obra do campo para as cidades, redução das importações de produtos industrializados e das exportações produtos primário e menor dependência de auxílio externo. [03]

Veja-se, pois, a que diferença fundamental entre os dois conceitos está localizada na melhoria da qualidade de vida da população.

No conceito de crescimento econômico, o fator importante é o aumento do número que reflete, em termos monetários, a quantidade de bens. Não interessa se o sistema econômico traz algum benefício aos que dependem direta ou indiretamente dele. Já o conceito de desenvolvimento econômico está ligado à melhoria do padrão social da população. Desta forma, o aumento do PNB tem que ser acompanhado necessariamente pela melhoria dos índices que refletem o padrão de vida da sociedade, como renda per capita, nível educacional, mortalidade infantil, expectativa de vida, entre outros. Esta é a opinião de BERCOVICI:

O crescimento sem desenvolvimento é aquele que ocorre com a modernização, sem qualquer transformação nas estruturas econômicas e sociais. Assim, o conceito de desenvolvimento compreende a idéia de crescimento, superando-a. As terias do crescimento econômico dão ênfase à ação deliberada da política econômica do Estado para a manutenção de um ritmo expansivo que mantenha o pleno emprego. Contudo, suas preocupações são exclusivamente econômicas, não analisam as condições ou conseqüências políticas, institucionais, sociais ou culturais do crescimento econômico. [04]

Para que haja desenvolvimento, faz-se necessário que haja mudanças não apenas econômicas, mas, sobretudo, transformações sociais e políticas. O simples crescimento do valor do PIB, capitaneado pelo aumento da produtividade econômica, não se constitui em verdadeiro desenvolvimento econômico, mas simples processo de modernização. É imprescindível a mudança dos padrões sociais e da correlação de forças políticas existentes, de forma a que seja criada igualdade de oportunidades, tanto materiais, quanto políticas.

O simples aumento do PIB per capita, sem que haja um processo de libertação do ser humano da dominação do sistema econômico ou do sistema de poder político, não é um processo de desenvolvimento. Igualmente, a simples garantia constitucional de participação democrática, sem que haja um mínimo de condições materiais e sociais que garantam a igualdade de oportunidades, não se constitui num processo de desenvolvimento.

Deve-se ressaltar que a qualidade de vida inclui, necessariamente, o meio ambiente ecologicamente equilibrado. Não se pode falar em melhoria da qualidade de vida sem que se insira a qualidade ambiental como fator de equilíbrio psíquico e material do ser humano. O conceito de desenvolvimento econômico tradicional falha ao não inserir o fator ambiental como um dos parâmetros de mensuração do desenvolvimento econômico. E mais ainda, este conceito falha ao não inclui a sustentabilidade como um de seus parâmetros.

A teoria econômica tem medido o produto econômico através da chamada função de produção. Esta função matemática expressa o produto total da economia como dependente dos fatores trabalho, capital e recursos naturais. O trabalho constitui-se na mão-de-obra empregada na produção dos bens e serviços; o capital constitui-se no equipamento físico utilização da produção, como máquinas, equipamentos, fábricas, entre outros; os recursos naturais são os bens provenientes do meio ambiente natural submetidos ao processo de transformação, resultando em uma nova espécie, a mercadoria. Fator fundamental na função produção se constitui na tecnologia (know-how), que pode expresso como o capital intelectual necessário ao desenvolvimento de produtos e processos de produção.

A teoria econômica clássica sempre tratou os fatores de produção de forma exclusivamente matemática, com variáveis postas dentro de um conjunto universo de números reais infinitos. As variáveis da função produção (capital, trabalho e recursos naturais) sempre foram consideradas ilimitadas. Mais especificamente, os recursos naturais têm sido desconsiderados, em sua dimensão concreta, como se a natureza fosse uma fonte inesgotável de recursos e um poço sem fundo para o depósito de externalidades negativas da produção.

A ideia de crescimento e desenvolvimento econômicos baseados na visão teórica da função de produção apresenta equívocos que têm se revelado ao longo da história econômica moderna. A pressão sobre o estoque de recursos naturais e os efeitos sobre o meio ambiente causados pelo despejo de detritos e poluentes têm se exacerbado a partir da segunda metade do Século XX. A realidade não têm se conformado ao arcabouço teórico da função de produção, tornando evidente que o desenvolvimento pregado pela teoria econômica clássica não é sustentável, pois os recursos naturais não são infinitos. Assim se pronuncia CAVALCANTI:

A elaboração de regras para um desenvolvimento sustentável tem que reconhecer o fato de que a ciência econômica convencional não considera a base ecológica do sistema econômico dentro de seu arcabouço analítico, levando à crença no crescimento ilimitado. A idéia de sustentabilidade, por sua vez, implica uma limitação definida nas possibilidades de crescimento. [05]

Mas quando é que as atividades econômicas do ser humano deixaram de ser sustentáveis?

Podemos situar o fim da sustentabilidade da economia humana com a invenção da máquina a vapor por James Watt (1736 – 1819), na Inglaterra do Século XVIII, que possibilitou a Primeira Revolução Industrial inglesa. Esta máquina tinha como diferencial o fato de usar energia em uma escala nunca antes vista pelo ser humano.

Anteriormente, os processos produtivos eram realizados através da utilização de energia humana ou animal. As máquinas apenas potencializavam a energia humana ou animal. O trabalho era limitado pela quantidade de energia aplicada pelo homem ou pelo animal utilizado.

Na economia tradicional, o ser humano utilizava quase que exclusivamente os recursos naturais renováveis. Os dejetos expelidos por este processo produtivo, e que eram despejados na natureza, eram dejetos de recursos renováveis. Este processo produtivo se dava em um ritmo que respeitava a capacidade de regeneração espontânea da natureza, ou sua capacidade de descarga. Ou seja, o que era retirado da natureza em termos de recursos renováveis era mais do que compensado pelos ciclos naturais de regeneração. Igualmente, a capacidade de reciclagem natural mais do que superava o ritmo de despejo de dejetos provenientes do processo produtivo tradicional.

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BINSWANGER descreve sucintamente este ciclo produtivo:

O ponto de referência da teoria econômica comum ainda é o modelo de economia – abandonado há bastante tempo – da época pré-industrial, a qual se baseava unicamente no uso de recursos renováveis. Os recursos renováveis mantêm, basicamente, uma forma de produção próxima à natureza, como agricultura, silvicultura ou pesca. Claramente, o lixo que uma tal economia tradicional produz será renovado através dos fluxos circulares da ecologia e convertido em novos recursos produtivos. Os quais poderão ser novamente usados como insumos dos processos de produção. [06]

A invenção da máquina a vapor inverteu essa realidade. O processo produtivo se intensificou de tal forma que a demanda de recursos naturais renováveis e o ritmo de despejo de dejetos no meio ambiente superou a capacidade de regeneração natural dos sistemas ecológicos. Isto se dá porque a quantidade de energia utilizada pelas máquinas a vapor superou a capacidade de absorção e reciclagem de energia pelos sistemas naturais. Pela primeira vez na história natural houve a inversão nos fluxos de energia e matéria no sistema termodinâmico da Terra. Pela primeira vez este sistema passou a perder mais do que recebia.

O processo de dispêndio de energia se intensificou mais ainda com a invenção do motor de combustão interna. A partir de então, além da utilização da energia e da matéria armazenada nos recursos naturais renováveis, passou-se a utilizar a energia armazenada durante milhões de anos nos combustíveis fósseis. A demanda por terra agricultável e por recursos minerais se intensificou de igual forma. O balanço de matéria e energia se desequilibrou de forma mais exacerbada, pois os processos produtivos da economia humana passaram a consumir mais do que a natureza era capaz de repor. O desenvolvimento econômico humano deixou de ser definitivamente sustentável.

A ideia de desenvolvimento sustentável implica na limitação da exploração dos recursos naturais e, consequentemente, na limitação do crescimento econômico. O ritmo da atividade econômica deve ser reduzido a um patamar tal que a exploração não ultrapasse a capacidade de descarga do meio ambiente, isto é, o ritmo de degradação não pode ser superior ao de regeneração dos sistemas ecológicos. Evidentemente, este conceito só é válido para os recursos renováveis, pois somente estes possuem a capacidade de regeneração. Os recursos naturais não-renováveis, inexoravelmente, se esgotarão um dia. Como afirma CAVALCANTI:

"... o problema ambiental consiste precisamente em elevar a produtividade do capital natureza, usando seus estoques saudavelmente, sem que sobrecarreguem as funções de suprimento, de fonte (de recursos) e de absorção ou de fossa (de dejetos) do ecossistema. Esta pode ser uma orientação geral um tanto vaga. Mas é também um ponto de partida para a consideração da limitação ecológica imposta pela natureza ao processo econômico". [07]

O desenvolvimento sustentável poderia, então, como afirma DALY, ser "... definido como o desenvolvimento que não destrói as funções naturais de suporte de vida". [08]

Ademais, o desenvolvimento sustentável tem como preocupação fundamental a manutenção do bem estar do ser humano, mediante a conservação das bases produtivas da economia, não apenas para as presentes gerações, como também para as futuras. Trata-se de uma espécie de justiça social intergeracional, pois, assim como não se pode esperar as populações mais pobres sofram as mazelas das externalidades negativas do sistema produtivo, não se pode legar os custos da degradação ambiental às gerações futuras. Como afirma DERANI:

O conteúdo da definição de desenvolvimento sustentável para por uma relação inter-temporal, ao vincular a atividade presente aos resultados que dela podem retirar futuras gerações. As atividades que visão a uma vida melhor no presente não podem ser custeadas pela escassez a ser vivida no futuro. Para tanto, apresentam-se, como elementos a serem trabalhados, os seguintes fatores da produção: natureza, capital, tecnológica; os quais deverão ter sua dinâmica vinculada às aspirações presentes sem danificar possíveis interesses futuros. [09]

O desenvolvimento sustentável significa, então, qualificar o crescimento econômico, conciliando o progresso material com as bases naturais da economia. Contudo, a teoria do desenvolvimento sustentável se contrapõe a própria lógica do capitalismo, na medida em que este tem como motor propulsor o acúmulo cada vez maior de capital. Ou seja, crescimento econômico e utilização de recursos de forma cada vez mais intensa é a regra do capitalismo, enquanto que o desenvolvimento sustentável implica em por um freio na atividade econômica visando a uma poupança de recursos.

O que se deve evidenciar é a importância da teoria do desenvolvimento sustentável para o entendimento da factibilidade do apaziguamento do conflito entre economia e ecologia, apesar de suas possíveis falhas e limitações, que aqui não serão objeto de análise. A implantação de políticas que tragam o equilíbrio entre desenvolvimento econômico e proteção ambiental significa a implantação de uma economia da sustentabilidade. Os instrumentos conciliadores do conflito entre o direito ao desenvolvimento econômico e o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado devem primar pela sustentabilidade.


2 A TRIBUTAÇÃO E OS INCENTIVOS FISCAIS

Como instrumento conciliador no conflito entre desenvolvimento econômico e equilíbrio ambiental, o sistema tributário ocupa uma posição fundamental como integrante do ordenamento jurídico constitucional. Mais do que mero instrumento arrecadador de receitas para o Estado, a tributação exerce um grande papel de instrumento interventor no sistema de preços de mercado e de indutor de comportamentos.

Tal característica é proporcionada pela denominada extrafiscalidade, aspecto da tributação muito mais estudada pela teoria econômica do que pelo Direito, pois é utilizada como instrumento de estímulo da demanda agregada. JARDIM oferece singelo conceito da extrafiscalidade:

EXTRAFISCALIDADE. Utilização da competência tributária como instrumento de ação política, econômica e social, em detrimento do objetivo arrecadatório. Ao criar uma zona franca, por exemplo, o governo abre mão de recursos que por certo adviriam em face da cobrança de tributos, mas, com essa providência, estimula o desenvolvimento de determinada região eivada de vicissitudes cuja transformação social e econômica somente poderia ser exercida por uma medida desse jaez. [10]

A extrafiscalidade é a característica que tem o tributo de não só gerar receitas para o Estado, mas de estimular ou desestimular o comportamento dos agentes econômicos, influindo nas decisões particulares.

Nesse particular, merece destaque o Princípio da Seletividade, que, em nosso sistema tributário, é aplicada nos tributos ditos indiretos, mais especificamente o IPI e o ICMS, que estão embutidos nos preços das mercadorias e repassados ao consumidor final. Este princípio constitucional determina que a tributação destes impostos se dará de forma progressiva, de acordo com a essencialidade das mercadorias. As mercadorias mais essenciais para a sobrevivência do ser humano, como gêneros alimentícios e medicamentos básicos, devem ser tributadas com alíquotas mais baixas. Ao contrário, gêneros supérfluos devem ser tributados com alíquotas mais elevadas.

Assim, o Estado consegue direcionar o comportamento dos consumidores, estimulando ou privilegiando o consumo de mercadorias essenciais e desestimulando o supérfluo. Este estímulo da demanda reflete-se na oferta na medida em que o aumento do consumo de produtos essências é capaz de induzir novos investimentos para a produção de tais mercadorias, ao mesmo tempo em que desestimula, em tese, a produção de bens supérfluos.

A extrafiscalidade pode ser utilizada, ainda, para se alcançar finalidades regulatórias em matéria econômica, ambiental, política, entre outras. Ela atua no mecanismo de preços do mercado, fator fundamental na tomada de decisões dos agentes econômicos. RIBAS tece comentários acerca da extrafiscalidade:

A extrafiscalidade ocorre quando o emprego dos tributos tem objetivo não apenas fiscal, mas também ordinatório, ou seja, o Estado deliberadamente utiliza os instrumentos tributários para alcançar finalidades regulatórias de condutas sociais, em matéria econômica, ambiental, política (administrativa, demográfica, sanitária, cultural) ou social.

Pela extrafiscalidade, o tributo objetiva estimular comportamentos das pessoas em direção às diretrizes estabelecidas pela política econômica, social, ambiental, adotada pelo Estado. [11]

Ao atuar no mecanismo de mercado, o sistema tributário pode modificar os preços das mercadorias, alterando o comportamento dos agentes econômicos e direcionando-os para opções ecologicamente mais desejáveis. É possível induzir o comportamento da demanda no sentido de se privilegiar produtos "verdes", que não agridam ou degradem o meio ambiente, como, por exemplo, os que utilizem embalagem biodegradável. Igualmente, pode-se estimular o lado da oferta (setores primário, secundário e terciário) no sentido da utilização de insumos ecologicamente corretos.

A tributação atua na decisão dos agentes econômicos à medida que altera o custo de um insumo ou mercadoria. Estes agentes passam a ponderar acerca do custo de oportunidade do insumo ou mercadoria. Ou seja, o agente tem que decidir sobre usar o recurso com tributação, mais caro, usar um recurso alternativo, mais barato, ou, ainda, não usar o recurso. Encarecer o custo de um recurso que se quer preservar através da tributação é, claramente, um poderoso instrumento de manutenção do equilíbrio ecológico em face de um sistema econômico degradador.

Contudo, a utilização do sistema tributário como instrumento de atuação na formação dos preços de mercado pode ter resultados adversos na medida em que não se levar em consideração a propensão marginal a pagar por um determinado produto em relação ao seu custo marginal. Se aquela for muito elevada em relação a este, a elevação de preço de um dado produto indesejável não provocará a redução de seu consumo, mas simplesmente criará um privilégio para quem estiver disposto a pagar o preço por sua utilização.

Se os benefícios advindos da utilização de dado produto ou recurso natural compensarem os custos de sua aquisição, então poderá haver domínio do mercado por aqueles que possuírem recursos financeiros suficientes e estiverem dispostos a pagar os elevados preços destes produtos. Antes de haver o desestímulo ao consumo de recursos naturais escassos, haverá apenas a concentração de sua propriedade nas mãos de poucos. Haverá uma clara oligopolização ou monopolização dos recursos naturais, como afirma DERANI:

Quanto maior o preço da mercadoria (recursos naturais), menor a quantidade de sujeitos que têm acesso a ela. Por causa do aumento da dificuldade de acesso a estes "bens", surge uma forma nova de exclusão da concorrência no mercado. O aumento do custo da produção permite maior concentração de capital, numa clara tendência monopolista. A concorrência é paulatinamente reduzida e o mercado torna-se um oligopólio de grandes grupos, que estão dispostos não somente a pagar, com também a diminuir a incômoda concorrência. [12]

Como o presente trabalho não é de teoria econômica acerca da formação de preços ou de comportamento de agentes econômicos, não se pretende aprofundar tais questões. Apenas se quer alertar para o fato de que a política tributária pode ter efeitos adversos dependendo da elasticidade-preço do produto.

O direcionamento de receitas tributárias para o financiamento de políticas públicas voltadas à prevenção ou à reparação de danos ambientais revela-se como outra faceta do sistema tributário na compatibilização entre economia e meio ambiente. Faz-se necessário que o orçamento fiscal contemple recursos destinados especificamente ao financiamento de atividades destinadas à promoção do meio ambiente. Contudo, tal tarefa não é simples. A escassez de recursos faz com que necessidades mais prioritárias se sobreponham às questões ambientais.

Neste contexto, merecem destaque os chamados fundos ambientais, que são compostos por recursos públicos ou privados com finalidades específicas. Assim se pronuncia RIBAS a respeito:

Os fundos ambientais se constituem num instrumento financeiro de grande valia na gestão ambiental, tendo em vista os objetivos de sua criação estarem dirigidos à preservação, proteção, restauração e financiamento de programas e projetos que visem ao equilíbrio ecológico e controle ambiental. [13]

Igualmente, uma política de incentivos fiscais e o mecanismo de concessão de subsídios podem promover a alocação territorial e setorial de recursos, direcionando-os para atividades econômicas ecologicamente corretas, bem como contribui para a promoção da internalização dos custos ambientais, como comenta CAVALCANTI:

A internalização dos custos ambientais pode ser feita tanto pela tributação quanto pela eliminação de subsídios que induzam à utilização dos recursos naturais. Deslocar a base dos impostos do valor adicionado para aquilo a que o valor se adiciona corresponde a elevar-se o preço efetivo do fluxo de recursos naturais proporcionado pelo capital natural. [14]

A utilização de subsídios é capaz de promover a realocação de recursos no sistema econômico, pois age de forma contrária a tributação. Com a tributação, o Estado é capaz de onerar certas atividades, setores ou produtos contrários ao equilíbrio ecológico, desestimulando-os, enquanto que o subsídio reduz o custo dos produtos ou serviços "verdes", contribuindo no direcionamento dos agentes econômicos para atividades sustentáveis. Assim, podem-se utilizar os subsídios como instrumento para a promoção do aumento do bem-estar e da qualidade ambiental. Pode-se alcançar este objetivo onerando-se as atividades menos desejáveis, e desonerando-se as mais desejáveis.

Já a utilização de incentivos fiscais pode trazer não só o estímulo de atividades ambientalmente corretas, mas é instrumento a serviço do Estado para o ordenamento territorial e redução das desigualdades sociais e regionais. Incentivos fiscais territoriais podem contribuir para a redução de custos de transporte, alterando a logística das atividades econômicas. O Estado pode, então, induzir a localização de empreendimentos produtivos em áreas onde haja menor impacto ambiental.

Pode-se, ainda, direcionar não só o processo produtivo para a adoção de atividades mais equilibradas com a questão ambiental, como também é possível mudar hábitos de consumo neste sentido. Como comenta CAVALCANTI:

Um aspecto das políticas de governo voltadas para objetivos de sustentabilidade que merece atenção especial é o tratamento a ser dado a hábitos de consumo e estilo de vida. De um lado, níveis excessivos de consumo de bens e serviços (pelos ricos, é claro) devem ser contidos. De outro, a persuasão para que se consuma mais e mais de cada coisa, nutrida pelos meios de comunicação (a televisão sobretudo) deve ser revista e posta dentro de parâmetros de prudência ecológica indispensáveis para a sustentabilidade. [15]

Aspecto interessante do sistema capitalista é a criação de necessidades. Diariamente, surgem novos produtos para a satisfação das necessidades humanas, pois a satisfação das necessidades se constitui característica inerente à natureza humana. Contudo, na sociedade de consumo em massa, a ordem se inverteu. Não é mais a satisfação das necessidades que induz à criação de novos produtos, mas é o surgimento de novos produtos de induz a criação de novas necessidades.

A máquina de propaganda montada em torno do lançamento de um novo produto ou serviço é capaz de criar a necessidade por este produto ou serviço, mesmo que o consumidor já esteja plenamente satisfeito com seu padrão de consumo. O exemplo mais evidente deste fato é o aparelho celular, cuja periódica incorporação de novas funções e alteração no design induz nos consumidores um desejo constante de troca de aparelho.

Pode-se, pois, utilizar a tributação para mudar hábitos de consumo, com é o caso da seletividade, estimulando o consumo de produtos ou serviços ecologicamente corretos. Evita-se que produtos supérfluos e consumidores de recursos ambientais sejam introduzidos no mercado.

Vale aqui, como conclusão, ressaltar, como RIBAS:

"O ideal de obter um preço de mercado que incorpore cada fração de recurso utilizado e o enfoque dos problemas ambientais a partir da limitação e escassez induzem à definição de objetivos globais definidos politicamente. A idéia é que a tributação ambiental aumente a carga tributária sobre a degradação e reduza a carga sobre o trabalho e o lucro, variando-se as hipóteses de incidência, alíquotas e bases de cálculo, em função do grau de utilização ou degradação ambiental. [16]   

O sistema tributário tem que estar a serviço dos objetivos constitucionais. Faz-se necessário que ele esteja a serviço do bem estar do povo brasileiro. Não se pode olhá-lo com mero instrumento arrecadatório sem que se lembre que o Estado, ao qual se destinam os recursos de forma imediata, está a serviço do desenvolvimento nacional, entendido este como aumento da qualidade de vida da população, que inclui necessariamente a qualidade ambiental.

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Sobre o autor
João Carlos Bezerra da Silva

Advogado e economista. Mestrando em Direito Ambiental pelo Programa de Pós-Graduação em Direito Ambiental da Universidade do Estado do Amazonas - UEA.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, João Carlos Bezerra. Os instrumentos jurídico-econômicos conciliadores do conflito entre o desenvolvimento econômico e o meio ambiente ecologicamente equilibrado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2419, 14 fev. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14347. Acesso em: 30 dez. 2024.

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