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Os instrumentos jurídico-econômicos conciliadores do conflito entre o desenvolvimento econômico e o meio ambiente ecologicamente equilibrado

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14/02/2010 às 00:00
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5 O DESENVOLVIMENTO CIENTÍFICO E À PESQUISA TECNOLÓGICA

Dentro do papel direcionador do ordenamento jurídico constitucional brasileiro, na busca pelo equilíbrio entre desenvolvimento econômico e preservação ambiental, assume papel de destaque o capítulo sobre o desenvolvimento científico e tecnológico na Constituição Federal de 1988.

A tecnologia, ou técnica, ocupa uma posição essencial na economia como um dos fatores do sistema produtivo, ao lado do capital, do trabalho e dos recursos naturais. É a tecnologia a responsável pela mediação entre os fatores produtivos. O processo de trabalho, ou seja, a transformação dos recursos naturais em utilidades, ou mercadorias, não teria sido potencializada se o ser humano não tivesse descoberto formas de aumentar a eficiência de seus próprios músculos. Estaria ele, ainda, caçando ou cultivando o solo com as mãos nuas.

Provavelmente, com o uso da primeira pedra lascada o ser humano descobriu que poderia incrementar o uso de suas forças corpóreas, aumentando o ritmo com que conseguia extrair da natureza os bens necessários a satisfação de suas necessidades. O ser humano é até agora o único ser vivo que consegue tal feito: utilizar e desenvolver instrumentos que aumentam sua capacidade de trabalho. Ele é o único que conseguiu superar os sues próprios limites naturais. Primeiramente, com máquinas e instrumentos simples; posteriormente, com a máquina a vapor; e, presentemente, com o motor de combustão interna, com o motor elétrico e com o motor nuclear.

SANDRONI traz interessante conceituação que reflete este papel de mediador entre o trabalho e a natureza:

TÉCNICA

. Conjunto de processos mecânicos e intelectuais pelos quais os homens atuam na produção. Seu desenvolvimento constitui um índice de domínio do homem sobre a Natureza e se manifesta por meio do aperfeiçoamento dos instrumentos, dos objetos de trabalho e do próprio trabalhador: ferramentas, máquinas, matérias-primas, métodos de observação, controle e processos de interação entre o homem e o objeto de seu trabalho, manual ou intelectual. O nível de desenvolvimento técnico de uma sociedade determina seu grau de aproveitamento dos recursos naturais, a complexidade da divisão técnica do trabalho e a produtividade da mão-de-obra. [22]

A técnica se constitui em um fator de domínio do ser humano sobre a natureza, como se vê acima. Através dela, ele pode vencer forças naturais que são evidentemente superiores às suas próprias forças. Ela aumenta o ritmo e a eficiência com que se extraem os recursos naturais e os transforma em utilidades a serviço da satisfação de suas necessidades básicas do ser humano. Com a utilização de máquinas, instrumentos, métodos e processos, entre outros, ele pôde transformar os recursos naturais em mercadorias e serviços em quantidade tal que ultrapassa suas próprias necessidades periódicas. A tecnologia trouxe ao ser humano a sociedade da abundância.

A técnica, ao aumentar a eficiência do processo produtivo, evidencia seu caráter paradoxal, tanto no que diz respeito ao aspecto econômico, quanto ao aspecto ambiental.

No que diz respeito ao aspecto econômico, o desenvolvimento tecnológico traz a eficiência produtiva, o que permite que o sistema econômico seja capaz de produzir a satisfação muito além das necessidades humanas básicas. A sociedade do excedente econômico é fruto do desenvolvimento tecnológico. Contudo, a produção da abundância não significa o fim da miséria humana, pois, como já se viu acima, a distribuição do produto da atividade econômica não se dá de forma equânime. A extrema concentração de renda em alguns países evidencia tal assertiva.

Isto se dá porque a atual divisão internacional de trabalho é uma divisão de conhecimento tecnológico. Quem detém este conhecimento é o destinatário dos frutos do processo produtivo. Não importa mais onde se instala uma planta produtiva, mas sim quem é o detentor da tecnologia nela utilizada. Exemplo notório é o chip de computador. Apenas duas companhias, atualmente, Intel e AMD, detêm a tecnologia aplicada na quase totalidade dos computadores espalhados pelo mercado mundial. Todos os que quiserem utilizar um computador devem pagar tributo pelo direito de uso a estas companhias. A concentração da tecnologia trouxe a concentração da renda.

No que diz respeito ao meio ambiente, o desenvolvimento tecnológico pode gerar dois efeitos paradoxalmente opostos: causar danos ambientais e melhorar a proteção ambiental.

Por um lado, a tecnologia pode acelerar o uso de recursos naturais e a emissão de outputs negativos do processo produtivo. Como se viu, a técnica aumentou o ritmo de extração de recursos naturais. Ela é a principal responsável em permitir que a atividade humana de utilização dos recursos ultrapassasse o ritmo de regeneração natural dos ecossistemas terrestres. Isto em se falando de recursos naturais renováveis. Ao se falar em recursos naturais não-renováveis, fica evidente que o ritmo de seu esgotamento se incrementou exponencialmente. A aceleração da degradação dos ecossistemas terrestres tem sido o principal e o mais evidente efeito do incremento da extração de recursos naturais proporcionada pelo desenvolvimento tecnológico dos processos produtivos.

Por sua vez, uso de tecnologias "sujas", que, além de intensamente consumidoras de recursos naturais, são poluidoras, é o outro responsável pelo pela degradação dos ecossistemas. O uso intensivo de tais tecnologias aumentou o ritmo de produção de externalidades negativas. A emissão de poluentes, o despejo de resíduos tóxicos, o acúmulo de lixo doméstico, entre outros efeitos negativos, têm mais do que ultrapassado a capacidade de descarga dos ecossistemas naturais. O ciclo termodinâmico de matéria e energia da natureza não tem sido mais capaz de reciclar os resíduos da atividade econômica gerados pelo uso de tecnologias intensamente produtoras de externalidades negativas.

Por outro lado, o uso de tecnologias "limpas" pode aumentar a eficiência econômica no uso dos recursos naturais, bem como reduzir as emissões negativas do processo produtivo. O desenvolvimento de técnicas que proporcionem o uso mais eficiente dos recursos naturais pode ser capaz de reduzir o ritmo de sua exploração e, conseguintemente, a degradação do meio ambiente que tal exploração traz. O uso de técnicas de reciclagem, por sua vez, pode, igualmente, contribuir para a redução da exploração, na medida em que reaproveita os resíduos da atividade econômica.

E, ainda, a tecnologia pode contribuir para a redução da emissão dos outputs negativos. É notório que já estão disponíveis, atualmente, tecnologias para a filtragem de emissões de gás carbônico, principal gás responsável pelo efeito estufa, bem como para a despoluição de cursos d’água, entre outras. A tecnologia, ao mesmo tempo em que é responsável pelo incremento da poluição, é um dos principais instrumentos a serviço da limpeza do meio ambiente.

Estes aspectos são destacados por DERANI:

Assim, revive-se o drama de Prometeu ao se identificar os dois lados da técnica, como por exemplo nos casos dos problemas ambientais: o desenvolvimento técnico é por um lado causa de inúmeros danos ambientais (por exemplo, poluição atmosférica provocada por indústrias e automóveis, poluição da água e do solo pelo excesso de adubos e pesticidas químicos); por outro lado, a proteção ambiental pode ser em grande parte alcançada através do desenvolvimento de técnicas adequadas. Deste modo, ao direito cabe incentivar a utilização da melhor tecnologia disponível para a produção "limpa", ao mesmo tempo em que, no âmbito de políticas públicas, age fomentando pesquisas vinculadas com a necessidade de melhoria do bem-estar da sociedade, procurando afastar a aplicação de técnicas deletérias da qualidade ambiental. [23]

Fator importante a ser evidenciado, contudo, é que a distribuição das benesses do desenvolvimento tecnológico não é democrática, mas a distribuição dos seus efeito negativos, sim. As chamadas tecnologias "limpas" possuem um custo muito elevado. Mesmo as sociedades que possuem recursos para pagar por elas, por vezes optam por não as utilizar, pois se baseiam em uma simples análise monetária de custo-benefício. Implantá-las custa caro, mas, geralmente, não traz nenhuma vantagem econômica às unidades produtivas. Quem não tem recursos, a maioria dos países pobres, não pode sequer exercer o seu direito de opção por tecnologias "limpas".

Contudo, como já demonstrou BECK, "... el smog es democrático" [24]. A poluição não respeita fronteiras e nem classes sociais. O ar poluído não deixa de ir para o país vizinho levado ao sabor dos ventos; um rio de águas contaminadas não deixa de correr para o mar, atravessando o território de diversos países cujas terras banha; as populações residentes não podem deixar de beber esta água que não contaminou ou de respirar este ar que não poluiu; mas quem pode pagar por um ambiente de qualidade tem o poder optar por não arcar ou sofrer com as consequências negativas da atividade econômica humana.

Vale agora destacar o papel do ordenamento jurídico, que, neste caso, deve ser o direcionador do desenvolvimento tecnológico, desestimulando a adoção de processos produtivos degradadores e poluidores, e incentivando o desenvolvimento e a utilização de tecnologias mais eficientes e ecologicamente corretas. A ação inovadora e renovadora do direito revela-se nesta busca por um novo paradigma tecnológico. O sistema jurídico deve desempenhar "... um papel fundamental ao procurar estruturar a produção de tecnologia, adequando-a a fins sociais e revestindo-a de valores éticos presentes na sociedade" [25].

Nesse contexto, a harmonia entre desenvolvimento econômico e conservação do meio ambiente tem na efetividade do desenvolvimento científico e tecnológico um fator fundamental para a sua concretização. O desenvolvimento científico e tecnológico é fator essencial na eficiência do sistema produtivo. A tecnologia é instrumento a serviço da eficiência no uso dos recursos naturais dentro da atividade produtiva, além de cumprir papel importante na eliminação e minimização dos outputs negativos da atividade econômica.

Porém, a utilização da tecnologia como instrumento a serviço do equilíbrio dos direito constitucionais do desenvolvimento econômico e da conservação do meio ambiente é uma decisão política. O desenvolvimento científico e tecnológico por si sós não são capazes de trazer a melhoria do bem estar social, dados seus efeitos paradoxos positivos e negativos. Incentivar o desenvolvimento de tecnologias "limpas" ou "sujas" passa por uma opção política e ética da sociedade e que deve estar consagrada expressamente na base do sistema jurídico, ou seja, na constituição. Embora o desenvolvimento tecnológico não seja democrático, como se viu acima, a ausência de uma opção política e ética acerca da utilização da tecnologia disponível é no mínimo grave.

Mais ainda, a opção política deve ser essencialmente democrática. Somente uma sociedade devidamente informada e esclarecida possui o poder de decisão acerca da utilização da ciência e da tecnologia. Deve-se ressaltar a força dos adjetivos "informada" e "esclarecida", pois a decisão tem que ser tomada por uma sociedade que conheça os paradoxos do desenvolvimento tecnológicos, seus aspectos positivos e negativos, suas potencialidades e perigos. A sociedade pode assim exercer seu livre arbítrio, em uma decisão conciliadora entre os diversos interesses em conflito, notadamente entre os desenvolvimentistas extremados e os ecologistas radicais. O documento jurídico que materializa a "decisão política fundamental" [26], a carta constitucional, deve conter necessariamente tal decisão, pois que essencial à definição da qualidade de vida da população e ao desenvolvimento nacional.

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O art. 218 da Constituição da República Federativa do Brasil traz a decisão política acerca do desenvolvimento da ciência e da tecnologia:

Art. 218. O Estado promoverá e incentivará o desenvolvimento científico, a pesquisa e a capacitação tecnológicas.

§ 1º - A pesquisa científica básica receberá tratamento prioritário do Estado, tendo em vista o bem público e o progresso das ciências.

§ 2º - A pesquisa tecnológica voltar-se-á preponderantemente para a solução dos problemas brasileiros e para o desenvolvimento do sistema produtivo nacional e regional.

§ 3º - O Estado apoiará a formação de recursos humanos nas áreas de ciência, pesquisa e tecnologia, e concederá aos que delas se ocupem meios e condições especiais de trabalho.

§ 4º - A lei apoiará e estimulará as empresas que invistam em pesquisa, criação de tecnologia adequada ao País, formação e aperfeiçoamento de seus recursos humanos e que pratiquem sistemas de remuneração que assegurem ao empregado, desvinculada do salário, participação nos ganhos econômicos resultantes da produtividade de seu trabalho.

§ 5º - É facultado aos Estados e ao Distrito Federal vincular parcela de sua receita orçamentária a entidades públicas de fomento ao ensino e à pesquisa científica e tecnológica.

Ademais, Lei nº 6.038/1981, antes mesmo da Constituição de 1988, já trazia, como um dos fundamentos da Política Nacional do Meio Ambiente, em seu artigo 1º, inciso IV, os "... incentivos ao estudo e à pesquisa de tecnologias orientadas para o uso racional e a proteção dos recursos ambientais", evidenciando uma opção política pelo desenvolvimento tecnológico voltado para a sustentabilidade ambiental.

Veja-se que o desenvolvimento tecnológico deve estar a serviço da solução dos problemas nacionais e do o desenvolvimento do sistema produtivo, tendo em vista o bem público. A Constituição, desta forma, como não poderia deixar de ser, além de incentivar o desenvolvimento tecnológico, o que é essencial para a produtividade de qualquer sistema econômico nacional, coloca-o a serviço da solução dos problemas nacionais e do bem-estar dos cidadãos brasileiros.

Assim, a ciência e tecnologia nacionais devem estar a serviço do imperativo ético do desenvolvimento voltado para a solução dos problemas do povo brasileiro. O desenvolvimento tecnológico deve buscar como objetivos máximos aqueles mesmos objetivos elencados no art. 3º da Carta Magna. Estes objetivos, cujo pano de fundo é a dignidade da pessoa humana, passa necessariamente pela qualidade ambiental (art. 225). Não existe vida digna sem qualidade ambiental, então não pode haver desenvolvimento tecnológico nacional que não esteja voltado para preservação desta mesma qualidade.

Assim, a Constituição do Brasil traz opção política que tem efeito vinculante dos setores público e privado. Cabe ao setor privado o dever de desenvolver pesquisas que tenham sempre o caráter ecologicamente correto. Ao Estado, além de agir desta mesma forma, cabe o encargo de incentivador e direcionador da pesquisa e da tecnológica em direção à sustentabilidade e à qualidade ambiental. Não pode, assim, o Estado permanecer inerte, esperando a iniciativa privada, pois se assim agir, estará violando o "espírito constitucional". O Estado estará praticando uma inconstitucionalidade por omissão se não promover o desenvolvimento tecnológico voltado ao desenvolvimento nacional ecologicamente correto. A inércia do Estado ameaça a efetividade dos direitos constitucionais.

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Sobre o autor
João Carlos Bezerra da Silva

Advogado e economista. Mestrando em Direito Ambiental pelo Programa de Pós-Graduação em Direito Ambiental da Universidade do Estado do Amazonas - UEA.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, João Carlos Bezerra. Os instrumentos jurídico-econômicos conciliadores do conflito entre o desenvolvimento econômico e o meio ambiente ecologicamente equilibrado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2419, 14 fev. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14347. Acesso em: 25 abr. 2024.

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