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Das possibilidades de reforma militar "ex officio" por incapacidade física definitiva no Exército brasileiro

13/02/2010 às 00:00
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O presente estudo tem por finalidade estabelecer algumas considerações a respeito das situações que podem dar ensejo a reforma "ex-officio" de militares do Exército, por incapacidade física definitiva para o serviço ativo, tomando-se por base os critérios técnicos plasmados na legislação de Perícias Médicas do Exército e as disposições constantes da Lei nº 6.880, de 9 de dezembro de 1980, que estabeleceu o Estatuto dos Militares, da Lei do Serviço Militar, Lei nº 4.375, de 11 de agosto de 1964, e de sua regulamentação, constante do Decreto nº 57.654, de 20 de janeiro de 1966 (RLSM).

Antes, porém, de se empreender a abordagem direta do tema proposto, é conveniente que sejam estabelecidas algumas premissas básicas, sem as quais o posicionamento que se quer fazer conhecer poderá não ser compreendido em toda a sua inteireza.

A primeira premissa, como não poderia deixar de ser, tem a ver com as peculiaridades da profissão militar e com a especificidade das normas jurídicas que disciplinam essa atividade humana, aparentemente confusa e cercada de exageros se não forem corretamente apreendidos os valores que lhe são característicos, notadamente a hierarquia e a disciplina que condicionam toda a vida pessoal e profissional do militar.

Aliás, não é sem razão que se costuma afirmar que os Militares das Forças Armadas mantêm com o Estado brasileiro uma relação de especial sujeição, já que a própria Constituição Federal foi extremamente parcimoniosa ao aplicar aos militares os direitos que institui em favor dos servidores públicos e dos trabalhadores urbanos e rurais, como se pode comprovar pelo disposto no Inc VIII, § 3º, do Art 142 da CF/88, além de lhes impor vetos à filiação partidária, à sindicalização, ao direito de greve e à garantia de habeas corpus para as punições disciplinares, mandando que fossem observados outros preceitos que seriam estabelecidos em lei, consideradas as peculiaridades de suas atividades.

Nesse sentido, a Lei nº 6.880, de 9 de dezembro de 1980, dispôs que os membros das Forças Armadas formam uma categoria especial de servidores da Pátria, caracterizando-se a carreira militar pela sua continuidade e pelo inteiro devotamento às finalidades precípuas de cada uma das Forças Singulares, como consta dos Arts 3º e 5º, respectivamente, elencando a seguir, em seu Título II, um extenso rol de obrigações e deveres militares que bem se prestam a preservação da hierarquia e a da disciplina nas fileiras das Forças Armadas, valores sem os quais essas Instituições se desagregariam, elas que foram erigidas pela Constituição Federal ao patamar de última salvaguarda do Estado, responsáveis pela defesa da Pátria, da garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.

Forçoso é concluir, portanto, pela necessidade imperiosa de tratar os militares como integrantes de uma categoria especial de servidores da Pátria, ou seja, sob a perspectiva de que esses indivíduos livremente se submeteram a um regime de especial sujeição, motivo pelo qual não lhes pode ser aplicável o mesmo tratamento jurídico que se dispensa a um servidor público ou a um trabalhador da iniciativa privada, sob pena de se estabelecer um sério gravame aos valores que garantem a permanência e a regularidade das próprias Instituições Militares.

Corroborando com essa assertiva, vale trazer à colação os entendimentos do Procurador da República Mário Pimentel Albuquerque e do Juiz Federal André Carvalho Monteiro que, em momentos absolutamente distintos, mas intimamente correlacionados, puderam constatar o quanto é peculiar a atividade militar, os seus valores e as suas normas, cuja correta ponderação afasta a tendência natural de se querer avaliar os fatos da caserna segundo a ótica aplicável aos demais segmentos da sociedade brasileira, senão vejamos:

"A IDEAL COEXISTÊNCIA ENTRE A JUSTIÇA E A PECULIAR VIDA MILITAR

A hierarquia e a disciplina constituem, por assim dizer, a própria essência das forças armadas. Se quisermos, portanto, preservar a integridade delas devemos começar pela tarefa de levantar um sólido obstáculo às pretensões do Judiciário, se é que existem, de tentar traduzir em conceitos jurídicos experiências vitais da caserna. Princípios como os da isonomia e da inafastabilidade do Judiciário têm pouco peso quando se trata de aferir situações específicas à luz dos valores constitucionais da hierarquia e da disciplina. O quartel é tão refratário àqueles princípios, como deve ser uma família coesa que se jacta de ter à sua frente um chefe com suficiente e acatada autoridade. E seria tão desastroso para a missão institucional das forças armadas que as ordens de um oficial pudessem ser contraditadas nos tribunais comuns, como para a coesão da família, se a legitimidade do pátrio poder dependesse, para ser exercido, do plebiscito da prole.

Princípios democráticos são muito bons onde há relações sociais de coordenação, mas não em situações específicas, onde a subordinação e a obediência são exigidas daqueles que, por imperativo moral, jurídico ou religioso, as devem aos seus superiores, sejam aqueles, filhos, soldados ou monges.

Se o Judiciário, por uma hipersensibilidade na aplicação dos aludidos princípios constitucionais, estimular ou der ensejo a feitos como os da espécie, pronto: os quartéis se superpovoaram de advogados e despachantes; uma continência exigida será tomada como afronta à dignidade do soldado e, como tal, contestada em nome da Constituição; uma mera advertência, por motivo de desalinho ou má conduta, dará lugar a pendengas judiciais intermináveis, e com elas, a inexorável derrocada da hierarquia e da disciplina.

Da mesma forma que a vocação religiosa implica o sacrifício pessoal e do amor próprio – e poucos sãos os que a têm por temperamento – a militar requer a obediência incontestada e a subordinação confiante às determinações superiores, sem o que vã será a hierarquia, e inócuo o espírito castrense. Se um indivíduo não está vocacionado à carreira das armas, com o despojamento que ela exige, que procure seus objetivos no amplo domínio da vida civil, onde a liberdade e a livre-iniciativa constituem virtudes.

Erra rotundamente quem pretende afirmar valores individuais onde, por necessidade indeclinável, só os coletivos têm a primazia. Comete erro maior, porém, quem, colimando a defesa dos primeiros, busca a cumplicidade do Judiciário para, deliberadamente ou não, socavar os segundos, ainda que aos nossos olhos profanos, lídimo possa parecer tal expediente e constitucional a pretensão através dele deduzida. " (Grifos nossos)

(Mário Pimentel Albuquerque, Procurador da República, em parecer constante do HC 2.217/RJ – TRF/2a Região – Rel. Des. Federal Sérgio Correa Feltrin – j. Em 25.04.2001

)

…..........................................................................................................

[…]

"Não se pode esquecer que o Exército brasileiro, embora desfrute de uma confortável condição de ociosidade (com relação às funções de combate), em razão do contínuo e duradouro período sem conflitos que (felizmente) atravessa o Estado brasileiro, constitui instituição voltada precípua e exclusivamente para a defesa do país, devendo estar preparado para a guerra, se isso se fizer necessário. Nestas condições, para as quais a instituição existe e em função das quais é mantida, os militares enfrentarão situações limite, em que não há espaço para surpresas, e para as quais os militares devem estar preparados, pois as vidas de inúmeros cidadãos (e inclusive de companheiros de combate) podem ser sacrificadas pela atitude de um único homem.

Em razão deste caráter pacífico e ordeiro que caracteriza nossa nação, e de vivermos em uma região sem conflitos de maior amplitude, parte do contingente do Exército brasileiro habituou-se a uma situação de acomodação, onde a simples realização de treinamentos mais rigorosos provoca reações exacerbadas. Em boa verdade, grande parte do contingente que ingressa no Exército brasileiro não está preparada para uma situação de possível conflito, buscando nas Forças Armadas, na maior parte das vezes, apenas uma oportunidade de remuneração razoável, face as dificuldades do mercado de trabalho, deslembradas de que a vida militar exige também sacrifícios.

Exigências como a de que o soldado mantenha o seu uniforme ou o equipamento em estado impecável e punições por motivos aparentemente tolos, como haver o militar sido encontrado com o coturno desamarrado, existem não porque estes fatos em si sejam intrinsecamente graves, mas para lembrar que em situações de combate nenhuma falha é admissível, e que pequenas distrações ou ligeiras transgressões à ordem de comando podem pôr a perder a vida de muitos homens.

Assim, avaliar o treinamento e a disciplina militares sob a ótica civil invariavelmente levará a achar tudo um exagero, mas

a disciplina e o rigor militar existem para uma situação hipotética, na qual nenhuma falha é tolerável, e para a qual todo militar deve estar preparado."

(André Carvalho Monteiro, Juiz Federal da 1ª Vara Federal de Alagoas, em Sentença proferida nos autos da Ação Penal n° 2005.80.00.004611-8, em 3 de novembro de 2005

)

Fixado esse ponto controvertido, convém nos determos na segunda premissa que antecederá a análise da temática proposta, e que tem a ver com o elevado padrão de higidez física e mental exigido dos militares para que possam bem desempenhar as múltiplas atividades relacionadas com a profissão das armas, tais como Instruções de Tiro, Exercícios no Terreno, Treinamento Físico-Militar, Formaturas, Escalas de Serviço, entre tantas outras que garantem o adequado adestramento, preparo e emprego das Forças Armadas.

Ocorre que a constatação do elevado padrão de higidez física e mental dos integrantes do Exército pressupõe a existência de um estruturado Serviço de Saúde e de normas jurídicas estabelecidas por meio de normas infralegais, emanadas do Poder Regulamentar de que se encontra investida a Administração Castrense, com o intuito de estabelecer um rígido regramento para a atividade de perícias médicas no Exército, vocacionada que é para subsidiar a tomada de decisão, por parte das autoridades castrenses, em relação aos diversos atos administrativos que haverão de ser praticados no âmbitos das diversas Organizações Militares do Exército, conforme consta do Art 3º das Instruções Gerais para Perícias Médicas no Exército – IGPMEx (IG 30-11), aprovadas pela Portaria do Comandante do Exército nº 566, de 13 de agosto de 2009, e abaixo transcrito:

"Art 3º – A atividade médico-pericial compreende a realização, pelos agentes médico-periciais (AMP), integrantes do Sistema de Perícias Médicas do Exército, de uma série de atos destinados a avaliar a integridade física, psíquica e social do(a) inspecionado(a) e a emissão de

pareceres que servirão de subsídio para a tomada de decisão da autoridade administrativa ou judicial sobre o direito pleiteado ou a situação apresentada". (Grifos nossos)

Não obstante, o rigor que ordinariamente cerca a atividade médico-pericial não é exercido com igual intensidade quando se trata de avaliar a integridade física, mental e social dos cidadãos que serão submetidos à seleção para prestação do Serviço Militar Inicial, por força das disposições que constam do Decreto nº 60.822, de 7 de junho de 1967, que aprovou as Instruções Gerais para a Inspeção de Saúde de Conscritos nas Forças Armadas (IGISC), que manda realizar apenas exames perfunctórios no contingente que será posteriormente incorporados às fileiras do Exército para fim de prestação do Serviço Militar Inicial.

Evidentemente, essa limitação se prende a razões de ordem orçamentária, já que dispor de forma diversa, impondo à União o dever de avaliar, criteriosamente, todo o contingente a ser incorporado no território nacional poderia onerar pesadamente as despesas públicas.

Não obstante, quando o ingresso é precedido de concurso público, a situação é distinta, conforme prevê o Item 2.1.3.1, do Volume II, das Normas Técnicas sobre Perícias Médicas no Exército, aprovadas pela Portaria do Departamento-Geral do Pessoal (DGP) nº 274, de 7 de outubro de 2009, já que, nesta situação, o edital do concurso impõe ao candidato o encargo de apresentar uma série de exames de elevado custo e alta complexidade, fato que contribui para que poucas sejam as demanda de Reforma proposta por esses militares perante o Poder Judiciário, comparativamente ao número de demandas que são propostas pelos militares que ingressam para cumprimento do Serviço Militar Inicial.

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Concluída a fixação dessas premissas, passemos à análise dos pareceres que podem motivar a Reforma de Militares no Exército, por motivo de incapacidade física definitiva.

Com efeito, as formas de conclusão pericial emitidas pelos agentes médico-periciais do Serviço de Saúde do Exército serão distintas, caso se esteja tratando de Militares de Carreira (egressos das diversas Escolas de Formação Militares de Oficiais e Sargentos, nas quais ingressaram após prévia aprovação em concurso público, sendo exigível, dos últimos, a aquisição de estabilidade) ou de Militares Temporários (sejam Soldados, Cabos, Sargentos ou Oficiais), por estarem os temporários regidos pelas disposições da Lei do Serviço Militar (Lei nº 4.375, de 17 de agosto de 1964) e de sua regulamentação, contida no Decreto nº 57.657, de 20 de janeiro de 1966, onde consta o seguinte:

"Art 117 O Serviço militar, além do inicial previsto no Art 7º deste Regulamento abrange outras formas e fases, conseqüentes de convocações posteriores, de aceitação de voluntários e de prorrogação de tempo de serviço, quer em tempo de paz, quer na mobilização." (Grifos nossos)

Em relação a esses militares a forma de conclusão pericial continuará sendo a mesma que foi utilizada na seleção para fim da prestação do Serviço Militar Inicial, e que o Decreto nº 57.657/66 estabelece como sendo a seguinte:

"Art. 52 – Os inspecionados de saúde, para fins do Serviço Militar, serão classificados em quatro grupos:

1)

Grupo "A", quando satisfizerem os requisitos regulamentares, possuindo boas condições de robustez física. Podem apresentar pequenas lesões, defeitos físicos ou doenças, desde que compatíveis com o Serviço Militar.

2)

Grupo "B-l", quando, incapazes temporariamente, puderem ser recuperados em curto prazo.

3)

Grupo B-2, quando, incapazes temporariamente, puderem ser recuperados, porém, sua recuperação exija um prazo longo e as lesões, defeitos ou doenças, de que forem ou sejam portadores, desaconselhem sua incorporação ou matrícula"

4

) Grupo "C", quando forem incapazes definitivamente (irrecuperáveis), por apresentarem lesão, doença ou defeito físico considerados incuráveis e incompatíveis com o Serviço Militar.

Parágrafo único – Os pareceres emitidos nas atas de inspeção de saúde serão dados sob uma das seguintes formas:

1) Apto A;

2) Incapaz B-1;

3) Incapaz B-2

4)

Incapaz C" (Grifos nossos)

Com isso, surge a possibilidade de que o Serviço Militar que vinha sendo prestado pelos militares temporários possa ser interrompido pela "anulação de incorporação" ou pela "desincorporação", nas situações previstas nos Art 139 e 140 do Decreto nº 57.657/66, caso não tenham direito ao amparo do Estado, ou seja, a sua situação fática não possa ser subsumida a qualquer das hipóteses que motivam a Reforma ex-officio e que se acham descritas no Art 108 da Lei n° 6.880, de 9 de dezembro de 1980;

Nesse caso, a possibilidade de manutenção do tratamento médico adequado à recuperação da higidez a curto ou longo prazo, que se acha assegurada no Art 149 do Decreto nº 57.657/66, pode servir para obstar os inconvenientes de uma possível reintegração do interessado às fileiras do Exército, determinada pelo Poder Judiciário quando provocado para isso.

Alertamos para o fato de que a manutenção do tratamento médico nesses casos foi objeto de um recente artigo intitulado de "O Encostamento de desincorporados e reservistas como substitutivo legal à reintegração às fileiras do Exercito Brasileiro", cuja leitura sugerimos em razão da íntima conexão com o assunto de nossa atual abordagem.

Não obstante, poucos parecem se aperceber que o cumprimento de uma ordem judicial de reintegração às fileiras do Exército é causa de muita apreensão por parte do Diretor, Chefe ou Comandante da Organização Militar responsável pela execução do decisum, principalmente por constituírem fatos anômalos à rotina das Organizações Militares, requerendo, por conseqüência, especial atenção por parte das Autoridades Castrenses, a fim de que não venham a ferir direitos individuais dos que se encontram nessa situação, e nem tampouco permitir que a presença daquele que foi reintegrado possa influenciar, negativamente, na preservação da hierarquia e da disciplina, gerando descontentamento até mesmo dentro do circulo hierárquico de que o militar participava, pelo fato de não haver, de sua parte, qualquer contrapartida na prestação de serviços enquanto todos os outros se encontram assoberbados de deveres e atividades.

A esse respeito, se faz necessário colacionarmos o seguinte decisum que foi proferido pela 21ª Vara Federal de Pernambuco nos autos da Ação Ordinária nº 0020709-65.2007.4.05.8300, cuja propositura permitiria ao Demandante obter, entre outros pedidos, a condenação da União Federal pelos danos morais que suportou em razão de assédio moral supostamente exercido pelos seus superiores hierárquicos, cujos excertos transcrevemos abaixo:

[...]

"No caso sob luzes, o que se aflora dos relatos é a perseguição levada a cabo pelos companheiros do autor, em virtude do tratamento diferenciado que recebia oriundo de sua condição de adido. Não podendo participar de todas as atividades destinadas aos sargentos, era considerado preguiçoso e embusteiro, sobrecarregando seus pares.

Não obstante tal constatação, o assédio moral alegado na petição inicial, e consequentemente a responsabilidade da União Federal, não pode se configurar tendo como base as humilhações perpetradas pelos militares de mesma hierarquia do ofendido. Diante de tal situação, restava ao autor a possibilidade de queixar-se aos superiores, cobrando destes uma repreensão da conduta dos sargentos. Igualmente, poderia impor-se aos seus iguais exigindo respeito à sua condição. Caso nada resolvesse, caberia a propositura de demanda buscando a reparação pelos danos morais em desfavor dos que claramente o humilhavam, não podendo se falar em responsabilidade pecuniária da União Federal.

Não se pode olvidar que tais eventos entristecem qualquer ser humano que almeja e espera relacionar-se bem com seus companheiros e gozar de boa amizade. A despeito de tais ofensas, não se mostra passível de indenização a cargo da União Federal os dissabores sofridos pelo autor." (Grifos nossos)

(Francisco de Barros e Silva Neto, Juiz Federal da 21ª Vara Federal de Pernambuco, em Sentença proferida nos autos Ação Ordinária nº 0020709-65.2007.4.05.8300, em 8 de julho de 2010)

O Volume XIII, das Normas Técnicas sobre Perícias Médicas no Exército, aprovadas pela Portaria do Departamento-Geral do Pessoal (DGP) nº 274, de 7 de outubro de 2009, trata das Inspeções de Saúde de Militares Regidos pelo Regulamento da Lei do Serviço Militar (RLSM) – Permanência e Saída do Serviço Ativo de Militares Temporários, estabelecendo critérios minuciosos para a avaliação de sua higidez.

De outro modo, quando se trata de militares de carreira a forma de conclusão pericial é a que consta do Item 4.5.4, do Volume IV das Normas Técnicas sobre Perícias Médicas no Exército, aprovadas pela Portaria do Departamento-Geral do Pessoal (DGP) nº 274, de 7 de outubro de 2009, que assim estabelece:

"a. o parecer ‘

Apto para o serviço do Exército’, aplica-se ao inspecionado possuidor de perfeitas condições de sanidade física e mental, ou portadores de doenças ou lesões compatíveis com o serviço do Exército;

c. o parecer ‘

Incapaz temporariamente para o serviço do Exército’ aplica-se ao militar doente ou lesionado, passível de recuperação, e que se encontra temporariamente impossibilitado de exercer suas atividades laborativas em virtude de seu estado sanitário, implicando na imediata concessão de Licença para Tratamento de saúde Própria (LTSP);

e. o parecer ‘

Apto para o serviço do Exército, com restrições’, observado o contido no Anexo W, deve ser aplicado especificamente nos casos de:

1) portadores assintomáticos do vírus HIV;

2) portadores de doenças especificadas em lei, passíveis de cura ou controle;

3) portadores de seqüelas traumáticas pequenas;

4) portadores de próteses auditivas, oculares e outras, desde que as respectivas funções estejam dentro dos limites aceitáveis; ou

5) militares que necessitem realizar teste de aptidão física (TAF) alternativo."

(Grifos nossos)

Feitas essas considerações, é preciso destacar que "INCAPACIDADE DEFINITIVA PARA O SERVIÇO DO EXÉRCITO" e "INVALIDEZ" são conceitos jurídicos distintos, pois, enquanto a "incapacidade definitiva" implica em restrição da capacidade laborativa apenas para as atividades de natureza militar, tais como Instruções de Tiro, Exercícios no Terreno, Treinamento Físico-Militar, Formaturas, Escalas de Serviço, etc, a "invalidez", por ser mais drástica, significa supressão total da capacidade laborativa, isto é, impossibilidade total e permanente para qualquer trabalho, nos termos do §1°, do Art 110, e do Inc II, do Art 111, ambos da Lei n° 6.880, de 9 de dezembro de 1980, razão pela qual se justifica a concessão de um tratamento jurídico mais favorável àqueles que são reconhecidamente inválidos, guardadas as seguintes conseqüências jurídicas:

- a presença da "incapacidade definitiva" constituiu condição sine qua non para a concessão de Reforma ex-officio, nos termos do Inc II, do Art 106 da Lei n° 6.880, de 9 de dezembro de 1980, e, todas as vezes em que sobrevier em conseqüência da situação descrita no Inc VI (Moléstia sem relação de causa e efeito com o serviço), do Art 108 da Lei n° 6.880/80, o militar perceberá remuneração proporcional ao tempo de efetivo serviço, se Oficial ou Praça com estabilidade assegurada, ou seja, quando possuir 10 (dez) anos de efetivo serviço, nos termos da Alínea "a", do Inc IV, do Art 50, da Lei n° 6.880/80.

Quando o Oficial ou a Praça não possuir 10 (dez) anos de efetivo serviço e estiver acometida de

"incapacidade definitiva" decorrente de moléstia sem relação de causa e efeito com o serviço NÃO poderá ser reformado, em razão de a Lei n° 6.880/80 não o permitir, devendo ser interrompido o serviço ativo que vinha prestando e desincorporado das fileiras do Exército, nos termos da Alínea "c", do § 2º, do Art 31 da Lei nº 4.375, de 17 de agosto de 1964 (Lei do Serviço Militar).

- caso a "incapacidade definitiva" sobrevenha em conseqüência das situações que se encontram descritas nos Inc, III (Acidente em Serviço), IV (Moléstia com relação de causa e efeito com o serviço) e V (Doença especificada em lei) do Art 108, da Lei n° 6.880/80, o militar será reformado com qualquer tempo de serviço e perceberá a remuneração integral do Posto ou da Graduação que ocupava;

- caso a "incapacidade definitiva" sobrevenha em conseqüência das situações que se encontram descritas nos Inc I (Ferimento contraído em campanha) e II (Enfermidade contraída em campanha), do Art 108, da Lei n° 6.880/80, o militar será reformado com qualquer tempo de serviço e a sua remuneração será calculada com base no soldo correspondente ao grau hierárquico imediato ao que possuía na ativa, de acordo com o escalonamento que consta do § 2º, do Art 110, da Lei n° 6.880/80.

Quando a "incapacidade definitiva" estiver conjugada com a "invalidez" do militar surgirão as seguintes conseqüências:

- reforma com qualquer tempo de serviço e remuneração calculada com base no soldo correspondente ao grau hierárquico imediato ao que possuía na ativa, quando resultar das situações que se encontram descritas nos Inc, III (Acidente em Serviço), IV (Moléstia com relação de causa e efeito com o serviço) e V (Doença especificada em lei) do Art 108, da Lei n° 6.880/80;

- reforma com qualquer tempo de serviço, assegurada a percepção integral da remuneração do Posto ou da Graduação que ocupava na ativa, quando sobrevier em conseqüência da situação descrita no Inc VI (Moléstia sem relação de causa e efeito com o serviço), do Art 108 da Lei n° 6.880/80.

É pertinente estabelecer, ainda, algumas considerações finais a respeito de "Acidente em Serviço", "Documentos Sanitários de Origem" e "Doenças Especificadas em Lei", à luz da legislação militar de regência.

Com efeito, para a perfeita caracterização da situação descrita no Inc III (Acidente em Serviço), do Art 108, da Lei n° 6.880/80, é necessária a instauração de uma Sindicância, a fim de comprovar que o acidente ocorreu em serviço, nos termos em que foi determinado pelo Decreto nº 57.272, de 16 de novembro de 1965, que define a conceituação de Acidente em Serviço, aliada à instauração de um Documento Sanitário de Origem (Atestado de Origem ou Inquérito Sanitário de Origem), que visa a comprovação do nexo causal entre as seqüelas e lesões presentes no inspecionado e o acidente anteriormente sofrido em conseqüência de ato de serviço, cuja existência foi anteriormente comprovada por meio da Sindicância, nos casos em que o Agente Médico-Pericial recomendar a lavratura do Documento Sanitário de Origem.

Disso resulta que, nem todo Acidente em Serviço dará origem à lavratura de Documento Sanitário de Origem, dado o fato de que nem sempre um acidente acarretará lesões ou seqüelas significativas o suficiente para acarretar incapacidade física, temporária ou definitiva, ou invalidez no acidentado.

Quando se tratar das hipóteses descritas nos Inc I (Ferimento contraído em campanha), II (Enfermidade contraída em campanha) e IV (Moléstia com relação de causa e efeito com o serviço), todos do Art 108, da Art da Lei n° 6.880/80, será suficiente a lavratura de um Documento Sanitário de Origem para comprovação do nexo técnico entre as seqüelas e lesões presentes no inspecionado, responsáveis pela sua incapacidade definitiva para o serviço do Exército ou por sua invalidez.

O Volume X, das Normas Técnicas sobre Perícias Médicas no Exército, aprovadas pela Portaria do Departamento-Geral do Pessoal (DGP) nº 274, de 7 de outubro de 2009, trata das Inspeções de Saúde para Verificação de Nexo Causal.

Em relação às Doenças Especificas em Lei, as Normas Técnicas sobre Perícias Médicas no Exército, aprovadas pela Portaria do Departamento-Geral do Pessoal (DGP) nº 274, de 7 de outubro de 2009, estabelece, no Volume XIV, uma série de critérios técnicos ditados pelo atual estágio da ciência médica para a correta definição, avaliação e classificação de cada uma das patologias por ela relacionadas, consideradas graves e incapacitantes, de modo a distinguir o grau de comprometimento da capacidade laborativa do inspecionado, em razão da rápida evolução dos conhecimentos científicos, do aparecimento de métodos simiológicos mais sensíveis e dos avanços terapêuticos ocorrido nos últimos anos.

O Ministro Luiz Fux, Relator do REsp n°1.116.620/BA, que tramitou no Superior Tribunal de Justiça, formulou entendimento recente de que, em relação ao elenco de doenças especificadas em lei, tem-se a impossibilidade de interpretação dessa norma de forma analógica ou extensiva, para conceder isenção de imposto de renda a aposentados portadores de outras doenças graves e incuráveis, descabendo, portanto, a extensão do benefício à situação que não se enquadre no texto expresso da lei, raciocínio que, guardadas as devidas diferenças de natureza fática, pode ser aplicado à concessão de Reforma Militar, senão vejamos:

"EMENTA

TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C, DO CPC. IMPOSTO DE RENDA. ISENÇÃO. SERVIDOR PÚBLICO PORTADOR DE MOLÉSTIA GRAVE. ART. 6º DA LEI 7.713/88 COM ALTERAÇÕES POSTERIORES. ROL TAXATIVO. ART. 111 DO CTN. VEDAÇÃO À INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA.

1.

A concessão de isenções reclama a edição de lei formal, no afã de verificar-se o cumprimento de todos os requisitos estabelecidos para o gozo do favor fiscal.

2. O conteúdo normativo do art. 6º, XIV, da Lei 7.713/88, com as alterações promovidas pela Lei 11.052/2004, é explícito em conceder o benefício fiscal em favor dos aposentados portadores das seguintes moléstias graves: moléstia profissional, tuberculose ativa, alienação mental, esclerose múltipla, neoplasia maligna, cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, hepatopatia grave, estados avançados da doença de Paget (osteíte deformante), contaminação por radiação, síndrome da imunodeficiência adquirida, com base em conclusão da medicina especializada, mesmo que a doença tenha sido contraída depois da aposentadoria ou reforma. Por conseguinte, o rol contido no referido dispositivo legal é taxativo (numerus clausus), vale dizer, restringe a concessão de isenção às situações nele enumeradas.

3. Consectariamente, revela-se interditada a interpretação das normas concessivas de isenção de forma analógica ou extensiva, restando consolidado entendimento no sentido de ser incabível interpretação extensiva do aludido benefício à situação que não se enquadre no texto expresso da lei, em conformidade com o estatuído pelo art. 111, II, do CTN. (Precedente do STF: RE 233652 / DF - Relator(a): Min. MAURÍCIO CORRÊA, Segunda Turma, DJ 18-10-2002. Precedentes do STJ: EDcl no AgRg no REsp 957.455/RS, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 18/05/2010, DJe 09/06/2010; REsp 1187832/RJ, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/05/2010, DJe 17/05/2010; REsp 1035266/PR, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/05/2009, DJe 04/06/2009; AR 4.071/CE, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 22/04/2009, DJe 18/05/2009; REsp 1007031/RS, Rel.Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 12/02/2008, DJe 04/03/2009; REsp 819.747/CE, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, SEGUNDA TURMA, julgado em 27/06/2006, DJ 04/08/2006).

4. In casu, a recorrida é portadora de distonia cervical (patologia neurológica incurável, de causa desconhecida, que se carcateriza por dores e contrações musculares involuntárias - fls. 178/179), sendo certo tratar-se de moléstia não encartada no art. 6º, XIV, da Lei 7.713/88.

5. Recurso especial provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 08/2008." (Grifos nossos)

(STJ. 1ª Seção. RECURSO ESPECIAL nº

1.116.620 - BA (2009/0006826-7). Relator Ministro LUIZ FUX. Acórdão julgado por unanimidade em 9 de agosto de 2010)

À toda evidência, a reforma com esteio no Inc V (Doença especificada em lei) do Art 108, da Lei n° 6.880/80, não poderia se dar de forma analógica ou extensiva, já que se trata de um rol taxativo de enfermidades que foi previamente estabelecido por meio de lei formal, o que não obstaria que o inspecionado pudesse obter reforma com fulcro no Inc VI (Moléstia sem relação de causa e efeito com o serviço), do Art 108 da Lei n° 6.880/80, situação na qual passaria a perceber a remuneração integral do Posto ou da Graduação que ocupava na ativa, sempre que a sua incapacidade definitiva para o Serviço Ativo estivesse conjugada com noção de invalidez, entendida como impossibilidade permanente para o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão.

Importante destacar ainda que, muitas vezes, a Justiça Federal se utiliza de prova pericial que foi determinada pela Justiça Estadual em Ação de Interdição de militares por alienação mental para decretar a Reforma Militar com fulcro no Inc V (Doença especificada em lei) do Art 108, da Lei n° 6.880/80, deslembrando-se de que se tratam de situações distintas, já que, na interdição judicial, temos um procedimento especial de jurisdição voluntária, não havendo lide nem interesse público a que se contraponha o interesse particular do militar, diferentemente do que acontece no Processo de Reforma, onde há efetivamente uma conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida, em que uma das partes é o titular de um interesse público, no caso a União Federal.

Fato que muitas vezes não é ponderado adequadamente é que a utilização da perícia de interdição, por empréstimo, em um Processo de Reforma Militar pode ensejar grave cerceamento probatório perpetrado em desfavor dos interesses da União, seja porque o Ente Público não participou do processo anterior, seja porque o grau de contraditório e de cognição no processo de jurisdição voluntária foi extremamente reduzido, conforme ensinamento de Rossana Claudya Silveiro:

"Sob o prisma do contraditório comumente se aponta apenas a necessidade de que a parte contra a qual a prova emprestada operará, tenha participado do processo anterior. Mas para que o translado da prova seja incompatível com essa garantia, há ainda outros aspectos que devem ser observados. Não basta a mera participação no processo anterior daquele a quem, a prova transportada desfavorecerá. É preciso que o grau de contraditório e de cognição do processo anterior tenha sido, no mínimo, tão intenso quanto o que haveria no segundo processo, a exemplo, pode ser inadmissível o empréstimo de elementos probatórios produzidos em procedimento de jurisdição voluntária que dispense o exame mais aprofundado das questões fáticas (v.g inventário) para outro de jurisdição contenciosa." (Grifos nossos)

(Silvia, Rossana Claudya Silveiro. Eficácia da Prova Emprestda – Recife: Editora Nossa Livraria, 2009, Pág 83-84)

Forçoso é concluir que a utilização dessa perícia de interdição, por empréstimo, no Processo de Reforma Militar ensejará ofensa manifesta ao devido processo legal, já que a supressão do exercício do contraditório por parte da União Federal retirará do Ente Público a possibilidade de colaborar na formação da convicção do Julgador, o que se revela absolutamente temerário e incondizente com a doutrina mais abalizada e com a jurisprudência pacifica dos Tribunais Superiores em matéria de garantias constitucionais.

Vale frisar, ainda, que na perícia realizada para a decretação de interdição judicial, além de o parecer não ter sido proferido por uma Junta Médica, nem estar sujeito a homologação por uma Junta Superior de Saúde, como exige expressamente a Lei nº 6.880/80, não se tem critérios técnicos previamente plasmados em uma legislação de perícias, como os que acham estabelecidos nas Normas Técnicas sobre Perícias Médicas no Exército, razão pela qual seria oportuna a repetição da perícia no Juízo Federal, e não a sua utilização por empréstimo, até porque entre a realização da perícia de interdição e a propositura da Reforma ex-officio na Justiça Federal medeia tempo suficiente para que se possa aventar a possibilidade de evolução favorável no quadro clínico que motivou a sua decretação, o que serve para reforçar à tese de que sua repetição no Juízo Federal, se possível à luz dos critérios técnicos estabelecidos na legislação de regência, servirá á elucidação da verdade real.

Em síntese, estes são as considerações que se tem a fazer a respeito da Reforma Militar ex-officio por incapacidade física definitiva para o Serviço do Exército, à luz da legislação de regência e dos princípios que constituem a base institucional das Forças Armadas.

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Sobre o autor
Evanio Pinheiro Borges

Assessor Jurídico do Comando da 7ª Região Militar-7ª Divisão de Exército. Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL). Pós-graduando em Direito Penal pela Faculdade Joaquim Nabuco.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BORGES, Evanio Pinheiro. Das possibilidades de reforma militar "ex officio" por incapacidade física definitiva no Exército brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2418, 13 fev. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14360. Acesso em: 21 nov. 2024.

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