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Títulos da dívida pública:

as pílulas douradas do direito brasileiro

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O Estado Brasileiro, considerando seu histórico de crises, recessões e planos econômicos, destaca-se pela profícua emissão de títulos monetários. A despeito da sua recente estabilidade econômica, é fato que até hoje os operadores do Direito se deparam com larga oferta desses papéis, freqüentemente com grande deságio, mas que provocam dúvidas no investidor quanto ao seu real valor, liquidez – e quando não à sua própria validade. Por abundância de oferta, chama-se a atenção para quatro opções de investimento, públicas e privadas, quais sejam, Letras do Tesouro Nacional (cartulares), Obrigações ao Portador da Eletrobrás, Debêntures Participativas da Vale do Rio Doce e Precatórios de qualquer natureza (alimentares e não-alimentares).

As Letras do Tesouro Nacional (LTN´s) são títulos de dívida pública, de taxa pré-fixada, emitidos pela Fazenda Nacional e negociados, desde o início da década de oitenta, exclusivamente em forma eletrônica. Apesar disso, até hoje se depara com a oferta de LTN´s cartulares, supostamente emitidas na década de setenta, as quais teriam sido "convertidas", "escrituradas" ou "repactuadas", de modo que ainda fossem exigíveis. Ocorre que, conforme amplamente divulgado pelo Tesouro Nacional, as LTN´s cartulares das décadas de sessenta e setenta foram emitidas com prazo de vencimento máximo de 365 dias, sem que tenha havido qualquer exceção à regra. Assim, com base no Decreto nº. 20.910/32, que determina a prescrição qüinqüenal das dívidas públicas, todos esses títulos já se encontrariam prescritos.

As Obrigações ao Portador da Eletrobrás provocam mais polêmica. Os títulos foram emitidos em decorrência dos empréstimos compulsórios para construção da Eletrobrás – Centrais Elétricas Brasileiras S.A., criados pela Lei nº. 4.156/62. Haja vista a inexpressividade dos resgates, tal como ocorre com as dívidas públicas, formou-se um grande mercado de venda e compra com deságio dessas cártulas para operações heterodoxas, notadamente o oferecimento em garantia ou compensação com tributos federais.

Não obstante, muito embora se costume referir genericamente às "Obrigações" da Eletrobrás, destaca-se que a Companhia emitiu duas espécies de títulos, quais sejam, "Obrigações ao Portador" e "Debêntures". Assim, muito embora seus vendedores procurem tratar as expressões como sinônimas, tem-se que o Superior Tribunal de Justiça já consignou sua diferenciação, em atributos tais como prescrição, incidência de juros e prazos de resgate. Ainda, ao contrário do que ocorre com as Debêntures, aponta-se como tendência majoritária do Tribunal inadmitir a utilização das Obrigações ao Portador para garantir ou compensar tributos federais, a exemplo do recente acórdão proferido no Recurso Especial nº. 1.059.856/DF.

Mais contemporânea é a discussão relacionada às Debêntures Participativas da Vale S.A. Os títulos em si não deveriam suscitar controvérsia; trata-se de debêntures não conversíveis em ações, cuja única forma de remuneração se daria pela participação do titular nos lucros de determinadas atividades da empresa, e que foram emitidas em abril de 1997, ano de privatização da companhia, como bônus para quem detinha ações ordinárias ou preferenciais. Desde outubro de 2002, os títulos passaram a ser negociados no mercado secundário, através do Sistema Nacional de Debêntures (SND), operacionalizado pela CETIP S.A. – Balcão Organizado de Ativos e Derivativos; o seu valor efetivo, portanto, oscila livremente, regulado não mais que pela clássica Lei da Oferta e da Procura.

Sem prejuízo, também as Debêntures Participativas da Vale S.A. passaram a ser utilizadas em operações heterodoxas. Nesse caso, porém, a geração de valor consiste em adquirir os títulos pelo seu valor real, referenciado pela cotação do Sistema Nacional de Debêntures, e supervalorizá-los, por exemplo, em garantias de dívidas ou lançamentos contábeis. Neste sentido, emblemático o caso do Club de Regatas Vasco da Gama, que adquiriu 125 mil debêntures por aproximados R$ 230 mil e as contabilizou por mais de R$ 35 milhões. O artifício, que "maquiou" o seu balanço, lastreou-se em laudo pericial, que avaliou as debêntures correlacionando seu valor à evolução do preço das ações da mineradora – metodologia amplamente questionada por profissionais das áreas financeira e contábil.

Finalmente, chega-se aos Precatórios de qualquer natureza, títulos cada vez mais recorrentes em planejamentos tributários, para oferecimento em garantia ou compensação com tributos estaduais, notadamente o ICMS. Em síntese, os precatórios são títulos executivos decorrentes de ações judiciais transitadas em julgado contra o Poder Público, seja órgão Federal, Estadual ou Municipal; podem ser alimentares, quando se referem a verbas remuneratórias e previdenciárias de servidores públicos, aposentados e pensionistas, ou não-alimentares, nos demais casos, tais como desapropriações. A oportunidade, nesse caso, consiste na aquisição com deságio de precatório inadimplido por determinado órgão e utilização do título para pagamento de tributo devido ao mesmo órgão, pelo seu valor de face.

Com efeito, a oportunidade de utilização de precatórios para pagamento de tributos decorre da própria inadimplência de determinados órgãos públicos, tal como se dá nas Fazendas Estaduais de São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. A prática ganhou força com a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal (STF), no Recurso Extraordinário nº. 550.400-0, que admitiu que indústria compensasse o ICMS devido com precatórios alimentares que havia adquirido de terceiro. Dentre outros pontos polêmicos, o Tribunal defendeu a auto-aplicabilidade do artigo 78, parágrafo 2º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), tese segundo a qual é desnecessária lei regulamentadora para autorizar a compensação de tributos com precatórios.

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Como se vê, apesar de tanto que se tem generalizado, trata-se cada um desses títulos de figura jurídica distinta, à qual nem sempre se pode atribuir a recorrente alcunha de "pílula dourada".

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Sobre o autor
Luís Felipe de Freitas Kietzmann

pós-graduando em Gestão Empresarial pela Business School São Paulo

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

KIETZMANN, Luís Felipe Freitas. Títulos da dívida pública:: as pílulas douradas do direito brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2426, 21 fev. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14370. Acesso em: 4 nov. 2024.

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Título original: "As pílulas douradas do direito brasileiro".

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