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O crime de deserção na Polícia Militar do Estado de Minas Gerais e a irretroatividade da Lei Complementar nº 95/2007

20/02/2010 às 00:00
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O crime de deserção possui um tratamento próprio estabelecido no art. 187 do vigente Código Penal Militar (Decreto-lei 1001, de 1969), o qual determina que o infrator, para ser processado e julgado, deverá possuir a condição de militar da União, militar dos Estados ou do Distrito Federal, em atendimento ao estabelecido na Constituição Federal de 1988.

A consumação do ilícito penal de deserção traz como conseqüência, para a praça não estável – aquela que, no Estado de Minas Gerais, possui menos de três anos de efetivos serviços na Corporação –, a exclusão dos quadros da Instituição Militar à qual pertence e, para a praça estável, a agregação. No caso do oficial, a deserção leva à agregação.

Quando o desertor é capturado ou se apresenta voluntariamente, se este tiver sido excluído das fileiras da Corporação, será reincluído e, se tiver sido agregado, será revertido ao serviço ativo, menos o oficial, que permanece nesta condição até a conclusão do Processo-crime, conforme o estabelecido no vigente Código de Processo Penal Militar (Decreto-lei 1002, de 1969).

Devido ao aumento do ilícito de deserção no Estado de Minas Gerais, policiais militares que seguiam com destino para os Estados Unidos, entre outras legações estrangeiras, sob a alegação de problemas de natureza financeira, a Assembléia Legislativa editou a Lei Complementar 95/2007, permitindo a submissão do desertor a processo administrativo de natureza disciplinar.

Acontece que – conforme vem sendo defendido pelo Professor de Direito Administrativo Disciplinar Militar, Paulo Tadeu Rodrigues Rosa – o desertor não poderá ser submetido a um processo administrativo de natureza disciplinar enquanto o processo penal não estiver concluído, uma vez que, para ser processado e julgado, o infrator deve possuir a condição de militar, conforme deixou expresso o Código de Processo Penal Militar.

Além disso, em respeito aos princípios estabelecidos na CF de 1988, a lei, ainda que de natureza administrativa, não poderá alcançar os fatos ocorridos antes de sua vigência, sob pena de nulidade do ato disciplinar, e também em respeito ao princípio da legalidade que alcance o direito administrativo, e também o direito administrativo disciplinar militar.

Em duas oportunidades, o Juiz de Direito Titular da 2ª Auditoria Judiciária Militar, Paulo Tadeu Rodrigues Rosa, reconheceu este princípio, sendo que, em uma das situações, o Egrégio TJM de Minas Gerais entendeu que a decisão de primeiro grau deveria ser modificada. A questão atualmente está em tramitação perante o Superior Tribunal de Justiça, que é o guardião da matéria federal.

Naquela oportunidade, ao processar e julgar a Apelação Cível nº 417, o Tribunal de Justiça Militar decidiu:

APELAÇÃO CÍVEL Nº 417 Relator: Juiz Cel BM Osmar Duarte Marcelino Revisor: Juiz Cel PM James Ferreira Santos Origem: Proc. nº 750/08 - AC - 2ª AJME Data Julgamento: 19/03/2009 Data Publicação: 01/04/2009 Sumário: Apelação Cível - Crime de Deserção consumado antes de vigorar a Lei Complementar nº 95/2007 - Demissão - Possibilidade - Fundamento legal - Código de Ética - Aplicação dos artigos 13, III, e 64, II - Tipos abertos - Constitucionalidade - Conduta considerada ofensiva aos princípios éticos militares - Discricionariedade do Comandante-Geral. Ementa: - Não é juridicamente possível tipificar todas as condutas, em tese, transgressivas que atentam contra a honra e o decoro da classe. Exatamente por não existir rol taxativo ou exemplificativo de tais condutas, o legislador se utilizou de tipos abertos, como os previstos e no art. 13, III, e art. 64, II, ambos da Lei nº 14.310/2002, para atribuir à Administração Militar a prerrogativa de valorar a conduta e caracterizá-la como ofensiva à honra pessoal e ao decoro da classe. - Trata-se de conseqüência do disposto no art. 239 da Lei nº 5.301/69, que materializa, no âmbito da legislação estadual militar, a independência das esferas administrativa e penal, conferida pelo art. 2º da CF/88. Autoriza, ainda, que, simultaneamente à responsabilização criminal, proceda-se a demissão dos militares que desertaram antes de entrar em vigor a Lei Complementar nº 95/2007, por meio de ato discricionário, mas devidamente motivado e proporcional. Decisão: Unânime. DERAM PROVIMENTO AO RECURSO PARA REFORMAR A SENTENÇA"

Após esta decisão, foram processadas e julgadas e levadas ao conhecimento do Tribunal de Justiça Militar em sede de recurso de apelação outras ações judiciais envolvendo desertores que foram excluídos da Corporação, em especial da Polícia Militar de Minas Gerais, por atos praticados antes do advento da Lei Complementar 95/2007, que modificou o Estatuto dos Militares.

Mais recentemente, no mês de dezembro de 2009, a Egrégia Câmara Cível do Tribunal de Justiça Militar de Minas Gerais, ao processar e julgar a apelação cível nº 551, entendeu pela não aplicação da Lei Complementar 95, de 2007, aos fatos que foram praticados antes da sua entrada em vigência.

Conforme os ensinamentos do Professor Paulo Tadeu Rodrigues Rosa, a lei complementar que foi editada pela Assembléia Legislativa do Estado de Minas Gerais somente poderá produzir o que se denomina de efeitos ex nunc, ou seja, a partir da data de sua publicação, e não da entrada em vigência da lei, ou seja, o que se denominada de efeitos ex tunc, retroagindo para alcançar os fatos que foram praticados antes da edição da lei.

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A ementa do julgado, cuja íntegra do acórdão pode ser obtida no Site Oficial do Tribunal de Justiça Militar do Estado de Minas Gerais, foi a seguinte:

"APELAÇÃO CÍVEL Nº 551 Relator: Juiz Fernando Galvão da Rocha Revisor: Juiz Cel PM James Ferreira Santos Origem: Processo n. 749/08 - AC - 3ª AJME Data Julgamento: 10/12/2009 Data Publicação: 17/12/2009 Sumário: Apelação Cível - Pedido de reforma da sentença de primeiro grau que julgou improcedente o pedido de anulação de ato disciplinar de exclusão das fileiras da PMMG - Alegada prescrição da pretensão punitiva da Administração - Inocorrência - Súmulas ns. 01 e 03 do TJMMG - Decisão da autoridade convocante em sentido contrário aos pareceres da CPAD e do CEDMU -Inocorrência de irregularidade - Ofensa aos princípios do contraditório, da ampla defesa e da isonomia - Inocorrência - Retroatividade da Lei Complementar n. 95/07 - Inocorrência - Alegada incompetência do Comandante-Geral para proceder à demissão de praça - Competência administrativa reconhecida - Tipicidade administrativa da infração disciplinar instituída somente com o advento da Lei Complementar n. 95/2007 - Irretroatividade da lei que institui situação mais gravosa ao militar - Recurso provido. Ementa: - De acordo com o entendimento sumulado deste Tribunal, estampado nos enunciados de suas Súmulas ns. 1 e 3, é de quatro anos o prazo prescricional para aplicação da pena de demissão em relação à transgressão de deserção. - A sistemática do Código de Ética e Disciplina permite à autoridade convocante discordar do parecer da CPAD e do CEDMU e opinar pela pena de demissão. Disposição expressa do art. 74 do CEDM.- O fato de a Lei Estadual n. 14.310/2002 não ter concedido caráter vinculante aos pareceres da CPAD e do CEDMU em nada ofende o princípio da ampla defesa.- O fato de o Comandante-Geral ter decidido de maneira diversa da CPAD e do CEDMU em nada ofende os princípios do contraditório e da ampla defesa, que se referem ao desenvolvimento da relação processual e não ao juízo valorativo sobre o mérito da pretensão punitiva. - Improcede a alegação de que o tratamento administrativo eventualmente diverso, conferido por outra unidade da Corporação, leve à reforma da decisão de mérito, sobre qual a punição a ser aplicada. O Poder Judiciário não pode adentrar No mérito administrativo para impor determinado ponto-de-vista. - A competência do Tribunal de Justiça Militar para julgar representações pela perda da graduação não impede a exclusão do militar em decorrência de processo administrativo-disciplinar. Súmula 673 do STF.- O apelante foi excluído da Corporação com fulcro nos artigos 13, inciso XX, e art. 14, inciso II, combinados com o art. 64, inciso II, todos da Lei Estadual n. 14.310/02. Entretanto, a infração grave prevista no referido inciso XX do art. 13, consistente em faltar ao serviço, somente após a edição da Lei Complementar n. 95/2007 pode caracterizar uma deserção e, neste caso, levar obrigatoriamente à instauração de Processo Administrativo-Disciplinar. Se a tipicidade administrativa da infração disciplinar somente foi instituída com o advento da Lei Complementar n. 95/2007, deve-se reconhecer a irretroatividade da lei que institui situação mais gravosa ao militar que praticou o fato antes da vigência da referida lei.- Recurso provido. Decisão: unânime: DADO PROVIMENTO AO RECURSO E REFORMADA A SENTENÇA".

Portanto, a decisão judicial que foi proferida pelo Egrégio Tribunal de Justiça Militar do Estado de Minas Gerais afasta possíveis questionamentos quanto aos efeitos decorrentes da Lei Complementar nº 95/2007, que não foram determinados quando da sua edição, o que acabou levando a discussões na seara judicial, com reflexos para os policiais militares e bombeiros militares que tenham praticado o crime de deserção antes da vigência da lei.

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Sobre o autor
Paulo Tadeu Rodrigues Rosa

PAULO TADEU RODRIGUES ROSA é Juiz de Direito. Mestre em Direito pela UNESP, Campus de Franca, e Especialista em Direito Administrativo e Administração Pública Municipal pela UNIP. Autor do Livro Código Penal Militar Comentado Artigo por Artigo. 4ª ed. Editora Líder, Belo Horizonte, 2014.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROSA, Paulo Tadeu Rodrigues. O crime de deserção na Polícia Militar do Estado de Minas Gerais e a irretroatividade da Lei Complementar nº 95/2007. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2425, 20 fev. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14371. Acesso em: 22 dez. 2024.

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