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Perda do mandato por infidelidade partidária

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20/02/2010 às 00:00
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Será demonstrada a coerência de interpretação no sentido de se atribuir ao partido o mandato eletivo obtido mediante a eleição proporcional, analisando-se aspectos legais e constitucionais.

SUMÁRIO:1. HISTÓRIA DOS PARTIDOS POLÍTICOS NA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL 2. PARTIDOS POLÍTICOS E SUA ATUAL CONCEPÇÃO 3. DA FILIAÇÃO PARTIDÁRIA 4. SISTEMA REPRESENTATIVO E PLURIPARTIDARISMO 5. FIDELIDADE PARTIDÁRIA 6. A RESOLUÇÃO 22.610/2007 DO SUPERIOR ELEITORAL ELEITORAL 7. POSIÇÃO DO SUPREO TRIBUNAL FEDERAL 8. CONCLUSÃO 9.REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA


RESUMO

O estudo em análise visa esclarecer a situação da perda do mandato parlamentar por conta da infidelidade partidária. Para tanto, foi abordada de forma sintética a evolução histórica dos partidos políticos no Brasil, sua natureza jurídica, e as diferenças ideológicas entre os muitos partidos existentes, subsumindo-se ao contexto constitucional atual de pluripartidarismo. Foi analisado o procedimento de filiação partidária, bem como a influência da propaganda partidária no convencimento dos eleitores, sobretudo na eleição proporcional, onde se é permitido o chamado "voto de legenda". Foram analisadas decisões do Supremo Tribunal Federal que analisaram a fundo o tema, ressaltando a necessária fidelidade ao conteúdo programático do partido pelo qual se elegeu o detentor do mandato eletivo. Em suma, será demonstrada a coerência de interpretação no sentido de se atribuir ao partido o mandato eletivo obtido mediante a eleição proporcional, analisando-se aspectos legais e constitucionais.


1. HISTÓRIA DOS PARTIDOS POLÍTICOS NA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL

Os partidos políticos na história do Brasil representam um foco de luta em prol da democracia, tão abalada por conta dos regimes ditatoriais implantados aqui ao longo dos anos, sendo hoje o pluripartidarismo uma constatação de que é possível e aconselhável a convivência harmônica entre os diversos segmentos partidários, ainda que suas pregações filosóficas divirjam substancialmente entre si.

Partido político no Brasil já é concebido há algum tempo, ainda que não de forma oficial, vindo desde o tempo de nossa independência, onde existiam o "Partido Português", com simpatizantes pela manutenção de nosso estado de colônia de Portugal, e o "Partido Brasileiro", que levantava a bandeira da independência.

A existência legal dos partidos surgiu apenas no final do século XIX, à época do segundo reinado, com a criação do Partido Conservador e do Partido Liberal, surgindo logo em seguida o Partido Republicano Paulista, sendo estes três os partidos de maior duração em toda nossa história política.

Na República Velha (1889-1930) os partidos possuíam organização regional, ao contrário do que ocorre hoje, onde os partidos só podem possuir caráter nacional por força de determinação constitucional. Cada Estado federado elaborava de forma autônoma seus estatutos e escolhia livremente seus dirigentes.

Durante parte do regime militar vigeu entre nós o "bipartidarismo", instiuído pelo Ato Institucional n.º 2 de 27-10-1965, que além de instituir o bipartidarismo, extinguiu as legendas então existentes. Existiam apenas dois partidos: a ARENA (Aliança Renovadora Nacional), partido de apoio ao governo, de caráter conservador, e o MDB (Movimento Democrático Brasileiro), surgido e desenvolvido pelos opositores do regime então vigente, é a origem do atual PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro). A realidade, entretanto, demonstrava existir apenas um partido de fato, a ARENA, vez que a repressão exercida pela ditadura militar sufocava de tal forma o MDB, que sua existência era meramente retórica, sem conseguir influenciar politicamente os rumos da nação àquela época.

A Arena foi criada junto com o MDB, quando o regime decidiu extinguir as legendas então existentes e instituiu o bipartidarismo no País. Os políticos leais aos militares agruparam-se na Aliança Renovadora Nacional; os oposicionistas, no Movimento Democrático Brasileiro. No início, nem uma nem outra legenda era efetivamente situação ou oposição. O MDB capengava porque os principais líderes da resistência haviam sido cassados e/ou exilados do País durante o regime. A Arena não mandava de fato, limitando-se apenas a ratificar as decisões dos generais.

Esse quadro começou a mudar a partir das eleições de 1974, quando uma onda oposicionista varreu o País e o MDB teve sua primeira vitória eleitoral expressiva sobre a Arena, na disputa pelas cadeiras do Senado.

Em 77, os militares ainda tentaram recuperar o prejuízo criando os chamados senadores biônicos, eleitos por via indireta, mas voltariam a amargar resultados negativos na eleição do ano seguinte. Pouco a pouco, a Arena estava deixando de ser o "maior partido do Ocidente" como a classificara seu então presidente, o hoje senador Francelino Pereira (MG). [01]

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 institui o pluripartidarismo, com ampla liberdade para criação, fusão, extinção de partidos, desde que satisfeitos determinados requisitos estabelecidos constitucionalmente. Pluripartidarismo é o regime político que admite a existência legal de vários partidos. Numa sociedade plural, com diversidade na participação, criação e condução das políticas públicas, natural que fosse pluralística também a formação partidária.

O ex-ministro do governo Sarney, Marcos de Barros Freire, destaca a importância do pluripartidarismo e da salvaguarda de suas autonomias, declarando que "somos a favor do pluripartidarismo que assegure a todas as correntes de pensamento político o direito de se organizarem autonomamente. Em nome deste pluripartidarismo, não se pode querer extinguir os partidos existentes." [02]

A diversidade realmente é a palavra de ordem no sistema partidário atual, existindo hoje no Brasil 27 (vinte e sete) partidos políticos, cujas siglas são: PCB, PC do B, PCO, DEM (ex-PFL), PMN, PR (fusão PL-PRONA), PSDB, PDT, PMDB, PT, PHS, PPS, PP, PRTB, PRB, PRP, PSC, PSDC, PSL, PSOL, PSB, PSTU, PTB, PTC, PT do B, PTN e PV [03]. Existem ainda outros partidos políticos em formação, como o Partido Federalista, ainda em fase de apoiamento mínimo de eleitores para que possa concorrer às eleições de 2010 [04].


3. PARTIDOS POLÍTICOS E SUA ATUAL CONCEPÇÃO

Partido político é pessoa jurídica de direito privado conforme estabelece o art. 44, inciso V do Código Civil, possuindo autonomia para instituir sua estrutura interna, organização, funcionamento, liberdade para escolher suas coligações em período eleitoral, enfim, possuindo ampla liberdade de se auto-organizar, inclusive quanto à escolha do pensamento político e ideológico que assumirá na consecução de suas finalidades. É o meio de organização política através da qual se busca o poder.

Celso Ribeiro Bastos define partido político a partir da ótica do poder, salientando que "trata-se de uma organização de pessoas reunidas em torno de um mesmo programa político com a finalidade de assumir o poder e de mantê-lo ou, ao menos, de influenciar na gestão da coisa pública através de crítica ou de oposição" [05]

Uadi Lammêgos Bulos leciona que "partidos políticos são associações de pessoas, unidas por uma ideologia ou interesse comuns, que, organizadas estavelmente, influenciam a opinião popular e a orientação política do país." [06]

Dirley da Cunha Júnior define partido político como " uma pessoa jurídica de direito privado que consiste na união ou agremiação voluntária de cidadãos com afinidades ideológicas e políticas, organizada segundo princípios de disciplina e fidelidade.". [07]

A idéia moral do partido político é, segundo o mestre baiano, a afinidade, a coesão ideológica sobre aquilo que o partido entende essencial para um projeto político que vise o desenvolvimento de determinado Estado, em benefício de seu país, posicionamento político este positivado em seus estatutos que, por serem objetos de consulta pública (já que seus estatutos são registrados no Registro Civil de Pessoas Jurídicas, momento em que adquirem personalidade jurídica, e, após, no Tribunal Superior Eleitoral, podendo em ambos serem consultados por qualquer do povo), possuem grande capacidade de divulgação, sobretudo junto ao eleitorado. A propaganda partidária no rádio, televisão, internet, jornal, utilização de símbolos [08], dentre outras formas de mídia, ajudam a difundir os valores políticos, sociais e econômicos que determinado partido adota como prioridade na consecução do fim público.

A autonomia do partido político é mitigada por normas constitucionais que definem determinadas regras a serem cumpridas, normas de caráter cogente e de observância obrigatória. Segundo dispõe o artigo 14, caput da Constituição Federal, devem ser respeitados valores como a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo e os direitos fundamentais da pessoa humana, não sendo lícitas disposições partidárias que disponham de forma contrária á Constituição.

Dentre outras limitações, o partido político não pode possuir organização paramilitar (Art. 17, § 4º da CF/88); deve possui caráter nacional, sendo vedadas agremiações meramente estaduais, distritais ou municipais (Art. 17, I da CF/88) [09]; não pode receber recursos de organizações ou estados estrangeiros (Art. 17, II da CF/88), sobretudo pela posição estratégica que ocupa no processo político pátrio, como forma de resguardo de nossa soberania; obrigatoriedade de prestar contas à justiça eleitoral (Art. 17, III da CF/88), o que o fazem anualmente segundo determina o artigo 32 da lei 9096 de 19-9-1995, a chamada "Lei dos Partidos Políticos." [10]

Ricardo Cunha Chimenti e outros, na obra Curso de Direito Constitucional, ressalta os aspectos quantitativo e qualitativo dos Partidos Políticos:

Assim, em nível quantitativo, os partidos devem possuir caráter nacional. Em nível qualitativo, estão vinculados ao respeito das seguintes premissas: o princípio democrático, o pluripartidarismo e a não utilização de organizações paramilitares (...).

A Lei Federal 9096/95, em seu artigo 7º, estabelece um apoiamento mínimo de eleitores que justifique a criação do partido político, sendo que o apoio deve se dar em pelo menos cinco Estados Membros distintos, sobretudo levando-se em consideração o caráter necessariamente nacional de que devem ser dotados. Diz a legislação em voga:

§ 1º Só é admitido o registro do estatuto de partido político que tenha caráter nacional, considerando-se como tal aquele que comprove o apoiamento de eleitores correspondente a, pelo menos, meio por cento dos votos dados na última eleição geral para a Câmara dos Deputados, não computados os votos em branco e os nulos, distribuídos por um terço, ou mais, dos Estados, com um mínimo de um décimo por cento do eleitorado que haja votado em cada um deles.

Para auxiliar no custeio de suas funções institucionais, além de doações de pessoas físicas ou jurídicas, recebem cotas de um fundo especial denominado fundo partidário, que a lei 9096/95, em seu artigo 38, dispõe ser composto por multas e penalidades pecuniárias aplicadas nos termos do Código Eleitoral e leis conexas, recursos financeiros que lhe forem destinados por lei, em caráter permanente ou eventual e de dotações orçamentárias da União.

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Muito embora possuam natureza de pessoa jurídica de direito privado, pela importância que possuem na manutenção da democracia como condição de elegibilidade (a prévia filiação partidária), não deixam de se constituir numa espécie sui generis, de grande valia na concepção de Estado, importância esta destacada na lavra do Ministro Gilmar Ferreira Mendes, em voto proferido na Adin n.º 1351-DF, Pleno, rel. Min. Marco Aurélio, j. 07.12.06, DJ 30.03.07, p. 68, in verbis:

(...) os partidos políticos são importantes instituições na formação da vontade política. A ação política realiza-se de maneira formal e organizada pela atuação dos partidos políticos. Eles exercem uma função de mediação entre o povo e o Estado mo processo de formação da vontade política, especialmente no que concerne ao processo eleitoral. Mas não somente durante essa fase ou período. O processo de formação da vontade política transcende o momento eleitoral e se projeta além desse período. Enquanto instituições permanentes de participação política, os partidos desempenham função singular na complexa relação entre o Estado e a sociedade.

Como bem ressaltado no voto do eminente Ministro, os partidos políticos não limitam sua importância apenas à época eleitoral, mas, sobretudo, constituem-se em um centro de informação política e doutrinária, sendo imprescindível à busca pelo poder e manutenção do sistema republicano e democrático.


4. DA FILIAÇÃO PARTIDÁRIA

No processo eleitoral em vigor no Brasil possuem os partidos políticos posição de destaque, já que a filiação prévia a partido político é condição de elegibilidade, conforme preceitua o artigo 14, § 3º, inciso V da Constituição da República Federativa do Brasil, senão vejamos:"§ 3º São condições de elegibilidade, na forma da lei: V – a filiação partidária.

Quer isto dizer que, para concorrer a eleições no nosso país, além da nacionalidade brasileira, o pleno exercício de direitos políticos, alistamento eleitoral, domicílio eleitoral na circunscrição em que concorrerá e a idade mínima para o cargo pretendido (demais requisitos do art. 14, § 3º, V da CF/88), deverá o interessado estar previamente filiado em um dos muitos partidos políticos com registro no Tribunal Superior Eleitoral, sendo uma condição sine qua non de elegibilidade.

A filiação partidária é disciplinada pela lei federal n.º 9.096 de 19-9-1995, complementada por resoluções do Tribunal Superior Eleitoral que disciplinam o calendário específico em que as listas com os nomes dos filiados são entregues nos cartórios eleitorais, resoluções estas que são editadas quase todos os anos. Dispõe a lei em questão: "Art. 18. Para concorrer a cargo eletivo, o eleitor deverá estar filiado ao respectivo partido pelo menos um ano antes da data fixada para as eleições, majoritárias ou proporcionais." [11]

Prossegue o diploma legal:

Art. 19. Na primeira semana dos meses de maio e dezembro de cada ano, o partido envia, aos Juízes Eleitorais, para arquivamento, publicação e cumprimento dos prazos de filiação partidária para efeito de candidatura a cargos eletivos, a relação dos nomes de todos os seus filiados, da qual constará o número dos títulos eleitorais e das seções em que são inscritos. [12]

Apresentadas as listas de filiados pelos partidos respectivos, cuja função da justiça eleitoral é apenas de arquivamento, publicação e análise do prazo de cumprimento para concorrer a cargos eletivos (art. 19 da Lei 9096/95), já que a decisão sobre a filiação em si é matéria pertinente apenas ao partido, aqueles filiados poderão candidatar-se a cargos eletivos, desde que satisfeitas as demais condições. Interessante notar que alguns partidos podem exigir prazo superior de filiação em seus quadros para concorrer às eleições, conforme permite o artigo 20 da Lei 9096/95, reforçando o princípio da autonomia partidária.

Ainda que o partido político não apresente o nome de determinado cidadão como filiado em seus quadros, caracterizando-se a desídia ou má-fé do responsável pelo encaminhamento à Justiça Eleitoral, ainda é possível requerer o processamento de lista especial (art. 20, § 2º da Lei 9096/85), num esforço de se manter a elegibilidade de quem foi preterido muitas vezes por razões egoísticas.

Além da regular filiação ao partido político, deve este estar com sua validade atestada pelo Tribunal Superior Eleitoral, sob pena de, em caso de extinção da agremiação a menos de um ano do pleito eleitoral, impossibilitar que seu filiado concorra ao pleito. Esse entendimento foi sufragado na Consulta/TSE n.º 1167, Res. n.º 22.089, de 20.9.2005, Rel. Min. Gomes de Barros, que assim dispõe:

Partido político. Registro. Estatuto. Cancelamento. Hipóteses. Um dos requisitos para concorrer a cargo eletivo é estar o eleitor filiado a partido político pelo menos um ano antes do pleito (art. 18 da Lei n.º 9.096/95). Se o partido vier a ser extinto a menos de um ano das próximas eleições, seus filiados quedam-se impossibilitados de concorrer a esse pleito.

Apenas os cidadãos filiados há 01 (um) ano do pleito subseqüente possui condições de elegibilidade, não existindo hipótese de candidatura autônoma em nosso sistema, ou seja, de candidatura a cargo eletivo sem estar filiado em algum partido político. A filiação a determinado partido denota que aquele cidadão possui afinidade com o programa partidário, com sua ideologia política, e passa ao eleitorado a impressão de que dará cumprimento, acaso reste eleito, às prioridades partidárias dispostas em seus estatutos e divulgadas permanentemente pelos mais diversos meios midiáticos. O eleitorado notoriamente mantém simpatia por esse ou aquele partido, e disso se vale o candidato na hora de ser votado nas urnas.

A afeição pelo partido gera votos para o candidato daquela agremiação, e muitas vezes essa empatia se dá pela ideologia cultivada pelo partido, presumindo-se que o filiado tenha também como metas políticas o quanto instituído e divulgado pelo partido respectivo. Sobretudo sob esse aspecto, qual seja a coesão ideológica e política imprescindível à própria existência da agremiação partidária e que influencia diretamente o eleitorado simpatizante de suas predileções, é que deve o eleito manter-se filiado ao partido que o escolheu até o término do mandato. Não pode simplesmente eleger-se por uma agremiação, mostrando coerência com o conteúdo partidário exposto ao eleitorado, beneficiando-se do projeto político da legenda, e após migrar para um outro partido, muitas vezes com prioridades totalmente diversas das do partido pelo qual se elegeu.

Portanto, a filiação não se perfaz num ato meramente formal de adesão a um partido político apenas como condição de elegibilidade, sendo seu sentido ainda mais amplo. Faz presunção de que o filiado mantém uma linha de pensamento coerente com o instituído pelo partido em seus estatutos, sobretudo quanto à orientação política e ideológica divulgada pela legenda, vinculação essa perceptível pelo eleitorado e que influencia em sua decisão manifestada no voto, razão pela qual há de ser preservada a fidelidade partidária.


5. SISTEMA PROPORCIONAL DE ELEIÇÕES

Existem no direito brasileiro dois sistemas eleitorais: sistema majoritário, no qual o maior número de votos resulta na vitória eleitoral (presidente da república, senador e vereadores), e o sistema proporcional (deputados estaduais e federais e vereadores), no qual não basta o maior número de votos considerados os candidatos individualmente, mas leva em conta outros fatores na verificação dos candidatos eleitos.

Pelo sistema proporcional, além do chamado "voto nominal", que é aquele onde o cidadão deposita seu voto considerando determinado candidato individualmente, é possível o chamado "voto de legenda", onde o cidadão, simpático que é com o conteúdo programático do partido, vota somente na legenda, elegendo dentro do partido aquele com maior número nominal de votos, além de possibilitar uma maior assunção de cadeiras no parlamento.

Dispõe o artigo 25 da CF/88 que "a Câmara dos Deputados compõe-se de representantes do povo, eleitos, pelo sistema proporcional, em cada Estado, em cada Território e no Distrito Federal." [13]

Para José Afonso da Silva:

(...) a Constituição acolheu o sistema proporcional para a eleição de Deputados Federais (art. 45), o que significa a adoção de um princípio que se estende às eleições para as Assembléias Legislativas dos Estados e para a Câmara de Vereadores (Câmaras Municipais). Por ele, pretende-se que a representação, em determinando território (circunscrição), se distribua em proporção às correntes ideológicas ou de intereses integrada nos partidos políticos concorrentes. [14]

A representação proporcional é considerada por muitos a forma mais democrática de acesso ao poder, ao possibilitar que diversos partidos possam ocupar vagas no parlamento, independentemente de serem grandes (esses obterão a maioria) ou pequenos, conferindo-o uma perspectiva plural tal qual concebida pelo artigo 17 da CF/88. [15]

O jurista Jean Meynaud, em citação contida no voto do Ministro Marco Aurelio de Mello [16], dessa forma explicita a idéia fundamental do sistema proporcional:

(....) é de uma grande clareza: a atribuição a cada tendência, de fato à cada lista apresentada, de um número de cadeiras proporcional aos votos por ela obtidos. Em outros termos, a fórmula implica na igualdade entre a porcentagem das cadeiras obtidas e aquela dos votos recebidos. Se um partido obteve, por exemplo, 30% dos votos, ele está habilitado a receber 30% das cadeiras. E deve acontecer o mesmo em relação a todos os partidos em luta na circunscrição. O objetivo ideal da fórmula proporcional é uma situação de perfeita igualdade na qual cada cadeira custe aos diferentes partidos o mesmo número de votos. [17]

A questão do sistema proporcional de eleições, sobretudo em relação ao cálculo do quociente eleitoral e do quociente partidário, torna ainda mais crítica a decisão do parlamentar em abandonar sua legenda originária, pela qual se elegue, mudando sem justa causa para a uma outra legenda, o que significa alterar o próprio resultado das eleições. Estudos [18] mostram que nas eleições de 2006, dos quinhentos e treze deputados federais eleitos apenas trinta e um (cerca de 6,04%) obtiveram votos próprio para atingir o quociente eleitoral, o que demonstra a suma importância dos votos conferidos à legenda pela qual se elegeu.

O Min. Cezar Peluso analisa o benefício obtido com os votos de legenda:

Ora, é inequívoco que as cadeiras se tornam aí disponíveis para o partido à custa da totalidade dos votos que obteve. Não parece, destarte, concebível que um candidato, para cuja eleição e posse não apenas concorreram, senão que até podem ter sido decisivos, recursos do partido, e recursos não apenas financeiros, mas também aquele compreendidos no conceito mesmo de patrimônio partidário de votos, abandone os quadros do partido após a repartição de vagas conforme a ordem nominal de votação (....) Não há como admitir-se, na moldura do sistema, que representante eleito sobre tais condições possa mudar de partido levando consigo o cargo, até porque, se tivesse concorrido por outro partido, poderia nem sequer ter sido eleito, o que mostra desde logo que o patrimônio dos votos deve entender-se, na lógica do sistema proporcional, como atributo do partido, e não, de cada candidato. [19]

Na contagem de votos para definição dos candidatos eleitos, o direito eleitoral brasileiro adota o sistema proporcional, utilizando fórmulas muito bem detalhadas na lavra de Roberto Moreira de Almeida:

No sistema proporcional, diversamente do que ocorre com o sistema majoritário, para se saber se determinado candidato foi ou não eleito, há de se fazer um cálculo aritmético. Com efeito, enquanto no majoritário está eleito o candidato mais votado (aquele que obteve a maior votação independente da legenda partidária), no sistema proporcional, havemos de descobrir previamente os números referentes ao quociente eleitoral, ao quociente partidário e à distribuição das sobras." (....) O quociente eleitoral (QE) consiste no número mínimo necessário para que um partido político ou coligação eleja um parlamentar. É calculado a partir da divisão entre o número de votos válidos (todos os votos dados aos partidos e aos candidatos, excluídos desse cômputo, os votos brancos e nulos) e o número de lugares a preencher no parlamento, desprezando-se a fração igual ou inferior a meio e elevando-se para um a fração superior ao meio(...). [20]

Prossegue o autor, desta feita definindo quociente partidário e a distribuição das chamadas "sobras":

Corresponde ao número de vagas obtidas pelos diversos partidos e coligações em determinado prélio eleitoral. É obtido o quociente partidário através da divisão entre o número de votos conquistados pelo partido ou coligação pelo quociente eleitoral, desprezando-se a fração. A partir do quociente eleitoral, sabe-se a quantidade mínima de cadeiras preenchidas pelo partido ou coligação em determinada eleição." (...) "Se, após o cálculo do quociente partidário, houver vaga a ser preenchida, aplicar-se-á a técnica da distribuição das sobras. [21]

Integra ainda o sistema proporcional de eleição, conforme ressaltado acima pelo nobre Jurista, as sobras eleitorais, a serem partilhadas entre os partidos e coligações, o que denota ainda mais a importância dos partidos políticos no sistema eleitoral vigente, sobretudo o proporcional. Dispõe o Código Eleitoral:

Art. 109.

Os lugares não preenchidos com a aplicação dos quocientes partidários serão distribuídos mediante observância das seguintes regras:

I – dividir-se-á o número de votos válidos atribuídos a cada Partido ou coligação de Partidos pelo número de lugares por ele obtido, mais um, cabendo ao Partido ou coligação que apresentar a maior média um dos lugares a preencher;

II – repetir-se-á a operação para a distribuição de cada um dos lugares.

§ 1º O preenchimento dos lugares com que cada Partido ou coligação for contemplado far-se-á segundo a ordem de votação recebida pelos seus candidatos.

§ 2º Só poderão concorrer à distribuição dos lugares os Partidos e coligações que tiverem obtido quociente eleitoral.

Portanto, diferentemente do sistema majoritário onde a maioria nominal dos votos elege o candidato que obteve maior votação, no sistema proporcional muitas vezes o candidato mais votado não se elege, ao passo em que o que obteve menos voto pode se eleger, fazendo com que a distribuição de vagas no parlamento se faça de forma mais democrática, possibilitando que os menos influentes consigam sua parcela de poder, que invariavelmente ficará, em sua maioria, com os partidos e coligações de maior força.

O Ministro do Supremo Tribunal Federal Paulo Brossard, no julgamento do Mandado de Segurança n.º 20.927-5, citando um trecho de um acórdão publicado no longínquo 15 de maio de 1961 pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (MS 352), já dispunha sobre a questão da infidelidade e sua repercussão no sistema proporcional:

um partido com sete representantes passa a ter seis; outro com vinte e quatro, passa a contar vinte e cinco. Viola-se, dessa forma, básica e frontalmente o princípio da proporcionalidade, mudando o resultado das urnas, num passo de mágica em que impera a vontade pessoal do mandatário contra a vontade coletiva dos mandantes. Alguém disse que o eleitor é o grande soberano de um dia e o súdito de quatro anos. Se isso acontece é pelas contrafações do sistema democrático. O essencial no sistema de partidos é o respeito aos seus compromissos. Os homens podem ser elevados a romper honestamente esses compromissos. Ninguém pode julgar questões de consciência, ninguém pode atirar a primeira pedra. (....) Violada a representação proporcional de um partido, mutilada a sua bancada, com o enriquecimento sem causa de outra, e tudo isso através do desrespeito a leis básicas, constitucionais, cabe restabelecer o equilíbrio. O Sr. Alberto André foi eleito por uma legenda; aderiu consciente e solenemente a outro partido; não pode, com prejuízo da primitiva legenda, usar de um diploma que lhe foi concedido com endereço e compromissos certos, não com endereço e compromissos estranhos ao primitivo mandato. [22]

Se no sistema majoritário a migração injustificada de partido já representa um ato de ilicitude, vez que se beneficiou da propaganda eleitoral e partidária apregoando conformidade com o programa ideológico e partidário, atraindo simpatizantes daquela determinada legenda, no sistema proporcional a mudança possui uma maior gravidade, já que o candidato eleito poderia não o ser caso concorresse sob uma outra legenda. O cálculo do quociente eleitoral, partidário e o sistema de sobras do artigo 109 do Código Eleitoral são regras pré-definidas e que indicam o caminho vitorioso ou a candidatura fracassada. São normas expressas e de que todos são sabedores, não se constituindo em medidas de exceção.

Sendo assim, sendo eleito um candidato através de todos os cálculos do sistema proporcional, auferindo ainda nas contas o chamado "voto de legenda", a migração para um outro partido de forma injustificada representa alteração no próprio resultado da eleição, o que sem dúvida acarreta prejuízo ao próprio sufrágio, já que não será respeitada a vontade popular ante o enfraquecimento da legenda que, não obstante o apoio popular respectivo, ver a diminuição gratuita de seu quadro por conta de ato individual e desmotivado de quem, para fins de se eleger, assumiu o discurso ideológico de quem agora abandona.

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Sobre o autor
Rodrigo Moreira Cruz

Analista judiciário do TRE/BA, pós-graduado em Direito processual civil- UESC, pós-graduado em direito tributário- UFBA, doutorando em ciências jurídicas e sociais- UMSA - BUENOS AIRES

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CRUZ, Rodrigo Moreira. Perda do mandato por infidelidade partidária. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2425, 20 fev. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14390. Acesso em: 2 nov. 2024.

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