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Perda do mandato por infidelidade partidária

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20/02/2010 às 00:00
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8. POSIÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

O Supremo Tribunal Federal é o órgão de cúpula do Poder Judiciário Brasileiro, ocupando a última escala hierárquica, possuindo a importante função de guardião da Constituição da República Federativa do Brasil, sendo sua a última palavra em questões de fundo constitucional. Como órgão máximo é, suas decisões são de observância obrigatória para os demais órgãos judiciais, pois valem como tendência de julgamento em ações judiciais futuras.

O STF já foi acionado para decidir acerca da quebra da fidelidade partidária, sob uma ótica constitucional, tendo sua posição alterada ao longo do tempo, pois inicialmente entendia que a alteração de partido pelo mandatário, ainda que sem justificativa, não acarretaria a perda do mandato, em prol da então denominada " independência do exercício do mandato".

No julgamento do Mandado de Segurança 20.927-5/DF, o Min. Moreira Alves defendeu que a Constituição Brasileira não teria adotado "o princípio da infidelidade partidária, o que tem permitido a mudança de Partido por parte de Deputados sem qualquer sanção jurídica, e , portanto, sem perda do mandato." (....) "estando a independência do exercício do mandato a justificar a sua não-perda em face do interesse público" [36]

Dispõe a ementa do MS citado:

EMENTA – Mandado de Segurança . Fidelidade Partidária. Suplente de Deputado Federal. Em que pese o princípio da representação proporcional e a representação parlamentar federal por intermédio dos partidos políticos, não perde a condição de suplente o candidato diplomado pela Justiça Eleitoral que, posteriormente, se desvincula do partido ou aliança partidária pelo qual se elegeu. A inaplicabilidade do princípio da fidelidade partidária aos parlamentares empossados se estende, no silêncio da Constituição e da lei, aos respectivos suplentes. [37]

De ver-se que o Supremo Tribunal Federal reconheceu a importância da representação parlamentar e a representação proporcional, mas, tendo em vista a não disposição expressa do texto constitucional, naquele momento entendera não ser conseqüência da infidelidade partidária a perda do mandato, muito embora a votação tenha ocorrido por maioria. O Min. Sidney Sanches criticou duramente o resultado:

Torno a dizer que todos nós nos mostramos indignados com a possibilidade de o parlamentar já empossado se conduzir com infidelidade ao partido, e, mais que isso, ao eleitor, sem sofrer sanções. (...) E, apesar disso, é acatada agora, pela douta maioria, a extensão do direito à infidelidade, mesmo ao que ainda não se empossou, permitindo que se emposse em outro partido, mesmo o adversário e vencido na disputa. E até sem qualquer vinculação partidária. [38]

No julgamento do Mandado de Segurança 23.405, seguiu o STF a mesma linha de pensamento, editando a seguinte ementa:

1. Mandado de Segurança. 2. Eleitoral. Possibilidade de perda do mandato parlamentar. 3. Princípio da fidelidade partidária. Inaplicabilidade. Hipótese não colocada entra as causas de perda de mandato a que alude o art. 55 da Constituição. 4. Controvérsia que se refere a Legislatura encerrada. Perda do objeto. 5. Mandado de Segurança julgado prejudicado. [39]

Alexandre Lima Raslan comenta o efeito causado pelo entendimento do Supremo Tribunal Federal:

O entendimento anteriormente adotado pelo Supremo Tribunal federal contribui para a promoção de um estado de irresponsabilidade concernente aos deveres atinentes ao mandato parlamentar. Enfim, a certeza de demora no julgamento ou do resultado favorável aos objetivos pessoais e, por vezes, inconfessáveis dos candidatos emigrantes, fomenta uma espécie de turismo pelos mais diversos partidos e ideologias. E a expressão turismo não está aqui emprestada apenas alegoricamente, mas, sim, para reafirmar que tais passeios por diversas siglas ocorrem ao bel prazer do interessado e em seu restrito benefício. [40]

Com o julgamento da Consulta n.º 1398 pelo Tribunal Superior Eleitoral, onde restou afirmado que perde o mandato o parlamentar que migrar injustificadamente para outro partido, o tema da infidelidade partidária voltou a ocupar os Eminentes Ministros do STF, dessa vez com a propositura dos Mandados de Segurança n.º 22.602, 22.603 e 22.604, todos contra atos do presidente da Câmara dos Deputados que se negou a declarar vagos os cargos daqueles que mudaram de partido.

No julgamento das referidas ações constitucionais o STF mudou de posicionamento, ainda que por maioria, desta feita entendendo pela ocorrência de perda do mandato do parlamentar que, de forma injustificada, abandona o partido pelo qual se elegeu. A infidelidade partidária, enfim, segundo o STF, constituía-se em hipótese de perda do mandato eletivo. Diz a ementa no julgamento do MS n.º 22.602:

Mandado de segurança conhecido, ressalvado entendimento do Relator, no sentido de que as hipóteses de perda de mandato parlamentar, taxativamente previstas no texto constitucional, reclamam decisão do Plenário ou da Mesa Diretora, não do Presidente da Casa, isoladamente e com fundamento em decisão do Tribunal Superior Eleitoral. 2. A permanência do parlamentar no partido político pelo qual se elegeu é imprescindível para a manutenção da representatividade partidária do próprio mandato. Daí a alteração da jurisprudência do Tribunal, a fim de que a fidelidade do parlamentar perdure após a posse no cargo eletivo. 3. O instituto da fidelidade partidária, vinculando o candidato eleito ao partido, passou a vigorar a partir da resposta do Tribunal Superior Eleitoral à Consulta n. 1.398, em 27 de março de 2007. 4. O abandono de legenda enseja a extinção do mandato do parlamentar, ressalvadas situações específicas, tais como mudanças na ideologia do partido ou perseguições políticas, a serem definidas e apreciadas caso a caso pelo Tribunal Superior Eleitoral. 5. Os parlamentares litisconsortes passivos no presente mandado de segurança mudaram de partido antes da resposta do Tribunal Superior Eleitoral. Ordem denegada [41]

No julgamento do MS n.º 22.603, o Min. Celso de Mello remete ao Tribunal Superior Eleitoral a competência pela instituição de resolução a tratar do tema, senão vejamos:

Nada impedirá que o E. Tribunal Superior Eleitoral, à semelhança do que se registrou em precedente firmado no caso de Mira Estrela/SP (RE 197.917/SP), formule e edite resolução destinada a regulamentar o procedimento (materialmente) administrativo de justificação em referência, instaurável perante o órgão competente da própria Justiça Eleitoral, em ordem a estruturar, de modo formal, as fases rituais desse mesmo procedimento, valendo-se, para tanto, se assim o entender pertinente, e para colmatar a lacuna normativa existente, da ‘analogia legis’, mediante aplicação, no que couber, das normas inscritas nos arts. 3º a 7º da Lei Complementar nº 64/90. [42]

Com base nessa decisão e de outras com caráter similar, o Tribunal Superior Eleitoral editou a Resolução n.º 22.610/2007, o que fez com que o Supremo Tribunal Federal voltasse a examinar a matéria, dessa vez com uma amplitude maior, já que o fez em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN), nas ADIN 4086 e 3999.

Na ADIN n.º 4086, por exemplo, proposta pelo Procurador Geral da República, questionou-se a inconstitucionalidade de vários artigos da Resolução TSE n.º 22.610/2007, dentre eles: o artigo 2º, que ao atribuir competência ao Tribunal Superior Eleitoral e aos Tribunais Regionais Eleitorais, feriria o artigo 121 da CF/88 [43], uma vez que tal artigo prevê reserva de Lei Complementar para instituição de competência dos Tribunais, Juízes e Juntas Eleitorais; suposta usurpação da competência dos poderes executivo e legislativo para legislarem sobre matéria eleitoral, conforme disposto nos artigos 22, I [44], 48 [45] e 84, IV [46] da CF/88, em virtude do artigo 1º da Resolução dispor de forma inovadora sobre a perda do mandato eletivo, bem como infração ao princípio da separação dos poderes, previsto pelos artigos 2º [47], 60, § 4º, III [48] da CF/88.

Os efeitos da declaração de inconstitucionalidade da lei ou ato normativo são explicados por Alexandre de Moraes:

Declarada a inconstitucionalidade da lei ou ato normativo federal ou estadual, a decisão terá efeito retroativo (ex tunc) e para todos (erga omnes), desfazendo, desde a sua origem, o ato declarado inconstitucional, juntamente com todas as conseqüências dele derivadas, uma vez que os atos inconstitucionais são nulos e, portanto, destituídos de qualquer carga de eficácia jurídica, alcançando a declaração de inconstitucionalidade da lei ou ato normativo, inclusive os atos pretéritos com base nela praticados (efeitos ex tunc)." [49] (....) "Assim, uma vez proferida a decisão pelo STF, haverá uma vinculação obrigatória em relação a todos os órgãos do Poder Executivo e do Poder Judiciário, que deverão pautar o exercício de suas funções na interpretação constitucional dada pela Corte Suprema, afastando-se, inclusive, a possibilidade de controle difuso por parte dos demais órgãos do Poder Judiciário (....) A vinculação obrigatória ocorrerá nas seguintes situações: (...) improcedência da ação: a norma foi declarada constitucional, permanecendo no ordenamento jurídico. [50]

Leo Van Holthe também explica os efeitos do julgamento na ADIN, aduzindo que:

Erga omnes – as decisões em sede de ADI não se restringem à partes do processo, possuindo eficácia geral, contra todos. A declaração de inconstitucionalidade na ADI resulta na retirada da norma impugnada do ordenamento jurídico, tendo esta decisão eficácia geral (...) Assim, declarada a inconstitucionalidade de uma lei no controle abstrato, nenhum juiz ou tribunal poderá aplica-la a um caso concreto, uma vez que a mesma foi retirada definitivamente do ordenamento jurídico, bem como não poderá o Poder Executivo praticar atos administrativos baseados na legislação invalidada. [51]

Percebe-se que as decisões do STF em sede de Ação Declaratória de Inconstitucionalidade possuem efeitos especiais, sobretudo por valer para todos os jurisdicionados, inclusive de observância obrigatória para todo o Poder Judiciário e Poder Executivo. E foi com esse poder de decisão que a Corte Suprema entendeu ser a Resolução n.º 22.610/2007 do TSE plenamente compatível com a CF/88, ou seja, declarou (por via da improcedência da ADIN) que a citada resolução é constitucional, e, nessa qualidade, com validade e eficácia assegurada no ordenamento jurídico.

Dispõe a ementa da ADIN nº 3999 do Supremo Tribunal Federal:

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. RESOLUÇÕES DO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL 22.610/2007 e 22.733/2008. DISCIPLINA DOS PROCEDIMENTOS DE JUSTIFICAÇÃO DA DESFILIAÇÃO PARTIDÁRIA E DA PERDA DO CARGO ELETIVO. FIDELIDADE PARTIDÁRIA. 1. Ação direta de inconstitucionalidade ajuizada contra as Resoluções 22.610/2007 e 22.733/2008, que disciplinam a perda do cargo eletivo e o processo de justificação da desfiliação partidária. 2. Síntese das violações constitucionais argüidas. Alegada contrariedade do art. 2º da Resolução ao art. 121 da Constituição, que ao atribuir a competência para examinar os pedidos de perda de cargo eletivo por infidelidade partidária ao TSE e aos Tribunais Regionais Eleitorais, teria contrariado a reserva de lei complementar para definição das competências de Tribunais, Juízes e Juntas Eleitorais (art. 121 da Constituição). Suposta usurpação de competência do Legislativo e do Executivo para dispor sobre matéria eleitoral (arts. 22, I, 48 e 84, IV da Constituição), em virtude de o art. 1º da Resolução disciplinar de maneira inovadora a perda do cargo eletivo. Por estabelecer normas de caráter processual, como a forma da petição inicial e das provas (art. 3º), o prazo para a resposta e as conseqüências da revelia (art. 3º, caput e par. ún.), os requisitos e direitos da defesa (art. 5º), o julgamento antecipado da lide (art. 6º), a disciplina e o ônus da prova (art. 7º, caput e par. ún., art. 8º), a Resolução também teria violado a reserva prevista nos arts. 22, I, 48 e 84, IV da Constituição. Ainda segundo os requerentes, o texto impugnado discrepa da orientação firmada pelo Supremo Tribunal Federal nos precedentes que inspiraram a Resolução, no que se refere à atribuição ao Ministério Público eleitoral e ao terceiro interessado para, ante a omissão do Partido Po lítico, postular a perda do cargo eletivo (art. 1º, § 2º). Para eles, a criação de nova atribuição ao MP por resolução dissocia-se da necessária reserva de lei em sentido estrito (arts. 128, § 5º e 129, IX da Constituição). Por outro lado, o suplente não estaria autorizado a postular, em nome próprio, a aplicação da sanção que assegura a fidelidade partidária, uma vez que o mandato "pertenceria" ao Partido.) Por fim, dizem os requerentes que o ato impugnado invadiu competência legislativa, violando o princípio da separação dos poderes (arts. 2º, 60, §4º, III da Constituição). 3. O Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento dos Mandados de Segurança 26.602, 26.603 e 26.604 reconheceu a existência do dever constitucional de observância do princípio da fidelidade partidária. Ressalva do entendimento então manifestado pelo ministro-relator. 4. Não faria sentido a Corte reconhecer a existência de um direito constitucional sem prever um instrumento para assegurá-lo. 5. As resoluções impugnadas surgem em contexto excepcional e transitório, tão-somente como mecanismos para salvaguardar a observância da fidelidade partidária enquanto o Poder Legislativo, órgão legitimado para resolver as tensões típicas da matéria, não se pronunciar. 6. São constitucionais as Resoluções 22.610/2007 e 22.733/2008 do Tribunal Superior Eleitoral. Ação direta de inconstitucionalidade conhecida, mas julgada improcedente."

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Neste julgado que, repito, possui eficácia perante todos (erga omnes) e de observância obrigatória, ficou decidido a competência do Tribunal Superior Eleitoral para edição de norma procedimental de perda do mandato por conta de infidelidade partidária, enquanto o Congresso Nacional não edita lei complementar regendo o tema. O conteúdo é bem claro: ocorre perda do mandato do parlamentar que migra injustificadamente a outra agremiação que não aquela pela qual se elegeu. A novel legislação versará sobre o procedimento; a perda do mandato não mais se discute, ou seja, caso o Congresso Nacional edite lei prevendo que não ocorre perda do mandato em casos de infidelidade partidária, por força do precedente do STF (ADIN 3.999 e 4086), não restam dúvidas de que será declarada inconstitucional. Existem projetos de lei tramitando no Congresso Nacional, não existindo definição legislativa até a presente data.

O voto do Ministro Joaquim Barbosa na ADIN n.º 3.999, da qual foi relator, definiu de forma clara a situação:

A Constituição de 1988 reserva à lei a aptidão para dispor sobre matéria eleitoral (art. 22, I, 48 e 84, IV da Constituição). A questão não é meramente formal. Em virtude do princípio da representação popular, que é um dos pilares da nossa organização política, compete às Casas do Legislativo processar adequadamente as tensões advindas do processo político e criar normas destinadas a estabilizar a expectativa dos cidadãos também em matéria eleitoral (....) A questão que se coloca é como devem ser processadas essas tensões diante do temporário silêncio do Legislativo. Temporário, pois como se sabe, o Congresso Nacional já conta com projetos de lei sobre fidelidade partidária (e.g., o PLC 35/2007). Entendo que, em princípio, o debate legislativo é o ambiente adequado para resolver essas e outras questões, que são eminentementes políticas. Somente em situações extremas e sempre que autorizado expressamente pela Constituição é que o Judiciário pode se manifestar sobre os critérios que orientam a manutenção ou perda do cargo por infidelidade partidária. (....) de pouco adiantaria a Corte reconhecer um dever – fidelidade partidária – e não reconhecer a existência de um mecanismo ou de um instrumento legal para assegurá-lo. A inexistência do mecanismo leva a quadro de exceção, o que se crê ser temporário. É nesse quadro excepcional, de carência de mio para garantia de um direito constitucional, marcado pela transitoriedade, que interpreto a adequação da resolução impugnada ao art. 21, IX do Código Eleitoral, este interpretado conforme a Constituição. [52]

A Resolução 22.610/2007 foi acatada pelo STF na qualidade de norma constitucional, ou seja, de norma compatível com a Carta Política, o que na prática assegura validade e eficácia frente ao ordenamento jurídico. Quer isso dizer que possui plena eficácia enquanto viger, sendo a norma que rege o procedimento de perda do mandato parlamentar por conta da infidelidade partidária.

Como guardião da Constituição Federal que é, estabeleceu o STF, de modo definitivo, as seguintes premissas: a) perde o mandato parlamentar o eleito que migrar injustificadamente para outro partido, abandonando a legenda pela qual se elegeu, estando a fidelidade partidária coberta pelo manto constitucional e b) enquanto não for editada lei pelo Congresso Nacional que regulamente o procedimento de perda do mandato eleitoral, vigora a Resolução n.º 22.610/2007 do Tribunal Superior Eleitoral, aplicável em todas as esferas de poder.

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Sobre o autor
Rodrigo Moreira Cruz

Analista judiciário do TRE/BA, pós-graduado em Direito processual civil- UESC, pós-graduado em direito tributário- UFBA, doutorando em ciências jurídicas e sociais- UMSA - BUENOS AIRES

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CRUZ, Rodrigo Moreira. Perda do mandato por infidelidade partidária. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2425, 20 fev. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14390. Acesso em: 24 abr. 2024.

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