RESUMO
INTRODUÇÃO
Os homens adquiriram sobre as forças da natureza um tal controle, que, com sua ajuda, não teriam dificuldades em se exterminarem uns aos outros, até o último homem. Sabem disso, e é daí que provém grande parte de sua atual inquietação, de sua infelicidade e de sua ansiedade. Agora só nos resta esperar que o outro dos dois ‘Poderes Celestes’, o eterno Eros, desdobre suas forças para se afirmar na luta com seu não menos imortal adversário. Mas quem pode prever com que sucesso e com que resultado? [01] (grifos nossos)Por conta desses lamentáveis episódios, verificou-se um movimento bastante intenso de valorização da pessoa humana, direcionado justamente ao fortalecimento da proteção a todos os seres humanos.
Não há equivoco em se afirmar que houve a adoção de uma ética de cuidado, a fundamentar referido movimento, o que tem viabilizado uma política global de respeito irrestrito aos direitos humanos, o que indiretamente implica respeito também à natureza (meio ambiente). Conquanto não se trate de uma política com unanimidade de adeptos, é certo que o cenário já se mostra altamente diferenciado se comparado ao existente nos períodos antecedentes aos das duas grandes guerras mundiais do século XX.
Dentro desse novo contexto de respeito ao ser humano, emerge com fundamental importância o princípio da dignidade da pessoa humana, por integrar a confecção de um sem número de diplomas jurídicos pelo mundo afora, a saber, Constituições Federais, Tratados Internacionais, Declarações Universais de Direitos etc.
Acerca do evoluir histórico desse princípio é que se cuidará no presente artigo, com vistas a se possibilitar uma conceituação mínima, dado que pode ser vislumbrada uma certa preocupação com o assunto desde remotos tempos.
1.Emergência recente da dignidade humana e o tema da razão instrumental
razão instrumental ou razão técnico-científica, que está a serviço da exploração e da dominação, da opressão e da violência, e razão crítica ou filosófica, que reflete sobre as contradições e os conflitos sociais e políticos e se apresenta como uma força liberadora. [02]Em tempos contemporâneos não é difícil notar que razão se resume a racionalismo. Um racionalismo, diga-se, que reflete uma distorção do conteúdo do termo razão do período antecedente, a modernidade, em que se apresentava como a via emancipatória da opressão e como promessa de felicidade (razão crítica).
A razão emancipatória que se extrai de muitos textos filosóficos da época moderna foi transmutada em razão instrumental, ou seja, todo o aparato teórico foi usado com vistas ao alcance de fins distorcidos, descomprometidos em absoluto com ética e afeto. Tem-se então uma razão distorcida, voltada unicamente para atingimento de certas finalidades.
Com esse panorama em que a razão é o centro de tudo, tem-se uma inversão de valores que coloca o homem, que até então fazia parte da Natureza e se submetia ao seu destino, em posição de domínio sobre tudo e todos. O homem agora domina a natureza, à medida que se considera capaz de reproduzir, em laboratório, fenômenos que nela se passam. E ao dominar a natureza também se põe em posição de dominar o próprio homem, subjugando-o. O homem, enfim, se vê superior, o centro do universo, capaz de dominá-lo, tal qual um sujeito de conhecimento domina o objeto, na concepção cartesiana.
Sob essa forma de pensar e valendo-se da tal razão instrumental, chega-se à causa de um sem-número de males que vai assolar o planeta em praticamente tudo o que tem interferência humana, tais como a Política, a Medicina, o Direito, a Economia etc.
Eduardo Bittar traz alguns exemplos, na seguinte passagem:
Não só como século da ciência e da tecnologia, o século XX é reconhecido como um século conturbado, conflituoso, dicotômico e profundamente marcado pelas diferenças. Grande parte dos acontecimentos que ocorreram neste período histórico tiveram suas condições de gestação em períodos anteriores, de modo que o século XX não pode ser visto como um momento isolado da história da humanidade, mas como um momento de culminância e de convergência para o qual afluíram, e no qual desembocaram, diversas práticas diretamente responsáveis pela usurpação, pelo domínio, pela exploração, pela manipulação, pela belicosidade, pelo extremismo ideológico, pela perseguição racista... [03]
Igual sorte se reserva ao desejo destrutivo humano, a revelar, nas guerras do século passado, uma ausência de limites à sua capacidade de extermínio e de crueldade jamais vistas.
A aliança entre razão instrumental e o ânimo de eliminar o outro é que gerou barbarismos como os que se passaram no inédito Holocausto nazista, para ficar em único exemplo. [04]
Em "As origens do totalitarismo", Hannah Arendt trata da experiência dos campos de concentração, ou fábricas de mortes, como algo sem precedentes em qualquer outro período da história do Ocidente. Em suas palavras:
No entanto, devemos também confessar uma certa nostalgia pelo que ainda se pode chamar "idade de ouro da segurança", ou seja, por uma época em que mesmo os horrores eram ainda caracterizados por certa moderação e controlados por certa respeitabilidade e podiam, portanto, conservar alguma relação com a aparência geral de sanidade social. Em outras palavras, por mais historicamente próximo que esteja esse passado, a experiência ulterior de campos de concentração e fábricas de mortes é tão alheia à sua atmosfera quanto o é de qualquer outro período anterior da história do Ocidente. [05]
Houve outros exemplos, de magnitude equivalente, como os mencionados por BITTAR, a seguir:
Mais do que nunca, durante todo o século XX, a violência deu mostras de absoluta atrocidade e de infinita capacidade destrutiva (pense-se nas práticas de Auschwitz, pense-se no emprego de armas químicas e bombas atômicas, pense-se no uso de pesticidas desfolhantes no Vietnã, pense-se nas técnicas de tortura da ditadura militar brasileira...), e, ainda que se evoquem fundamentos históricos, motivos raciais, determinismos ambientais, necessidades sociais, fatores econômicos, motivos e estratégias políticas, a violência há de ser compreendida, potencializada ou não pela tecnologia, em se tratando de um mecanismo de amplificação do vigor humano, como algo impassível de justificação. [06]
Tendo em conta, pois, a ocorrência desses barbarismos, que atentaram irreparavelmente contra a dignidade humana, em especial o Holocausto, fez-se imperiosa uma guinada no rumo por onde caminhava a humanidade. Começa-se a pensar em uma Educação em Direitos Humanos como via alternativa capaz de viabilizar mudanças neste "estado de coisas" do qual nasceram aqueles nefastos eventos; mudanças estas, vale apostar, que ao menos propiciem que eventos de igual importe não voltem jamais a se repetir.
Ganha força, então, o que se convencionou denominar de princípio da dignidade da pessoa humana. Inúmeras conquistas vão sendo alcançadas, aqui e acolá, em homenagem à dignidade humana. Por todo o globo se criam diplomas normativos, numa expansão mais que exponencial, reveladores do intuito de proteger os seres humanos de toda sorte de azares a que se submetera no passado.
Com efeito, eclodiram no cenário internacional centenas de declarações e tratados a respeito dos direitos humanos. Confira-se a seguinte passagem de BITTAR:
Mas foi a própria experiência histórica que uniu os Estados em torno de um ideal pacifista comum, cujo vetor fundante foi a eclosão do anti-semitismo europeu, unido ao totalitarismo e à barbárie imperialista levada adiante durante a Segunda Guerra Mundial. [07]
E a cada conquista remanescia o sentimento de que não era dado a qualquer pessoa ou país desrespeitar o quanto já estabelecido. A ideia de impossibilidade de retrocesso fez com que o caminhar se desse sempre no sentido de avançar as conquistas já concretizadas, para assim se tentar atingir uma composição universal de respeito à dignidade.
No contexto particularmente brasileiro do período histórico de que se fala, não se constata diferença substancial face ao que se passou em várias outras partes do Mundo.
Dalmo Dallari faz alusão a isso, na seguinte passagem:
A sociedade brasileira vem revelando, nas últimas décadas, o crescimento de novas forças sociais, nascidas na luta contra a ditadura militar implantada no Brasil em 1964 e influenciadas pelo consenso mundial de que os direitos humanos devem ser os princípios fundamentais de uma sociedade livre, harmônica e justa. [08]
Em tempos atuais, encontramo-nos exatamente nessa fase, em que ainda está inacabada a empreitada em rumo à universalização do respeito; resistências culturais e localizadas se fazem atuantes, não há negar, no entanto as conquistas em prol do respeito aos direitos humanos prosseguem. De qualquer forma, o cenário atual já se revela absolutamente mais evoluído se comparado àquele existente há pouco mais de cinco décadas.
Apesar de sobejarem documentos em que restam afirmados os direitos humanos, o que persiste de empecilho diz respeito à não efetivação dessas conquistas.
Nossa Constituição Federal é exemplo de como os direitos humanos já se encontram sobejamente amparados no plano legislativo pátrio, haja vista que o respeito à dignidade da pessoa humana (artigo 4.º) configura um dos fundamentos do Estado.
Percebe-se clara adesão política do Estado brasileiro às preocupações humanitárias, tanto que, a par de erigir a um dos fundamentos do Estado a dignidade da pessoa humana, ainda o fez de modo a atrelar a promoção humanística do País à educação que deve promovida como direito de todos.
Ao declarar um direito, segue-se a necessidade de o Estado o fazer respeitar, mormente no que se refere a direitos humanos, que podem ser considerados universais. Não basta, assim, meramente afirmá-los existentes, materializando juridicamente uma certa opção política que a sociedade em dada época tem por relevante.
Marilena Chauí aponta, contudo, para uma contradição, qual seja:
(...) a contradição entre o poder do Estado, que é, na verdade, poderio particular de uma classe social, e os direitos, pois se referem aos homens universalmente, devendo ser garantidos como tais por um poder que, de fato, não tem condições de garanti-los em sua universalidade. Essa contradição, porém, é essencial para a história dos direitos humanos e civis por que, se é verdade que o Estado está preso aos interesses de uma classe, também é verdade que, contraditoriamente, não pode deixar de atender aos direitos de toda a sociedade, pois, se não o fizer, perde legitimidade e se mostra como puro exercício da força e da violência. Essa contradição é a chave da democracia.
É evidente que a classe dominante moderna, liberal ou conservadora, jamais foi nem pode ser democrática, e, se as democracias fizeram um caminho histórico, isto se deve justamente às lutas populares pelos direitos que, uma vez declarados, precisam ser reconhecidos e respeitados. [09]
Não é sem motivo, portanto, que todo aquele panorama que se extrai da Constituição Federal, a respeito de uma educação que promova a formação humanística do País, não se vem efetivando a contento.
Ainda nas palavras de Marilena Chauí:
De fato, a sociedade brasileira é violenta, autoritária, vertical, hierárquica e está polarizada entre a carência e o privilégio, nela há bloqueios e resistências à instituição dos direitos civis, econômicos, sociais e culturais. Os meios de comunicação de massa e os setores oligárquicos da sociedade nos fazem crer, cotidianamente, que a sociedade brasileira é ordeira, pacífica, generosa e acolhedora e que nela a violência é um momento acidental, um surto, uma epidemia que pode ser combatida por meio da repressão policial. Essa imagem é negada também cotidianamente, bastando, por exemplo, que leiamos os relatórios nacionais sobre os Direitos Humanos no Brasil. Nesses relatórios o que se evidencia é que a violência é o modo de ser da sociedade brasileira, que esta é estruturalmente violenta e autoritária. [10]
Sem esta atmosfera humanitária a permear a vida em sociedade, apresenta-se como mera ilusão aquela vontade de viver dias melhores àqueles que o século anterior proporcionou.
Nos dizeres de Luciano Mariz Maia, para rematar, educação em direitos humanos é:
É processo de disseminação de informação para construção de uma cultura, que pretende ser universal, em que as atitudes fortalecem o respeito à dignidade da pessoa humana, promovendo compreensão, tolerância, e igualdade de todos e todas. [11]
Antecedentes históricos remotos dos direitos humanos
As dimensões da dignidade da pessoa humana
CONCLUSÃO
Referências bibliográficas
As origens do totalitarismo. Tradução de Roberto Raposo. 3.ª reimpressão São Paulo: Companhia das Letras, 2005.BENEVIDES, Maria Victoria. Direitos humanos: desafios para o século XXI, in
Educação em Direitos Humanos: fundamentos teórico-metodológicos. Disponível no site: <http://www.dhnet.org.br>, acessado em 20 de novembro de 2008.BITTAR, Eduardo C. B. Ética, educação, cidadania e direitos humanos. São Paulo: Manole, 2004.
______. O direito na pós-modernidade. São Paulo: Forense Universitária, 2005.
CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 1999, 12.ª edição.
______. Direitos Humanos e Educação. Notas do Congresso sobre Direitos Humanos em Brasília, 30/08/2006, extraído do site <http://www.dhnet.org.br/dados/textos/a_pdf/ chaui_dh_educacao.pdf>. Acesso em 20 de novembro de 2008.
DALLARI, Dalmo de Abreu. O Brasil rumo à sociedade justa, in Educação em Direitos Humanos: fundamentos teórico-metodológicos. Disponível no site: <http:// www.dhnet.org.br>, acessado em 20 de novembro de 2008.
FREUD, Sigmund. O mal estar na civilização, in Obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Edição Standard brasileira, 1ª reimpressão Rio de Janeiro: Imago, 1988.
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MAIA, Luciano Mariz. Educação em direitos humanos e tratados internacionais de direitos humanos, in Educação em Direitos Humanos: fundamentos teórico-metodológicos. Disponível no site: <http://www.dhnet.org.br>, acessado em 20 de novembro de 2008.
SARLET, Ingo Wolfgang. As dimensões da dignidade da pessoa humana: construindo uma compreensão jurídico-constitucional necessária e possível. Revista Brasileira de Direito Constitucional – RBDC n. 09 – jan./jun. 2007.
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