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Princípio da legalidade e da proporcionalidade como limites à discricionariedade administrativa.

Ordenamento jurídico brasileiro e português

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24/02/2010 às 00:00
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4. LIMITES À DISCRICIONARIEDADE ADMINISTRATIVA

Na discricionariedade administrativa há livre apreciação do Administrador na realização de seus atos por meio dos critérios de conveniência e oportunidade, conforme o caso concreto. Ocorre que o Estado Democrático de Direito exige certos limites de legalidade e de proporcionalidade (de acordo com a racionabilidade do homem médio) no intuto de evitar a violação de direitos e garantias fundamentais.

Nesse linha, António Francisco de Sousa [45] afima que o Estado de Direito assenta no princípio de que toda a atividade administrativa encontra sua legitimidade na lei, mesmo que não signifique uma regulamentação da atividade administrativa até ao mais pequeno detalhe, o que não seria possível, nem desejável. E essa subordinação resulta da lei e dos princípios que dela decorrem, como o princípio da Legalidade.

Di Pietro [46] afirma que a autoridade deve optar dentre as várias soluções possíveis, porém todas válidas perante o Direito. Ou seja, todo o desempenho administrativo deve existir como um poder intra legal, estritamente dependente da lei e subordinado a lei, respeitando o princípio da legalidade. Assim, não se trata de liberdades sem limites, uma vez que os fundamentos de fato e de direito condicionam a prática de um ato dentre os demais permitidos por lei.

De fato, nos conceitos de liberdade e de vinculação da administração deve-se entender que não há uma liberdade plena. O que existem são partículas de atuação administrativa ou de ato administrativo, ou seja, no ato vinculado há elementos vinculados e no ato discricionário há elementos vinculados (aqui reside o respeito a legislação ou seja, ao princípio da legalidade) e elementos livres (oportunidade e conveniência) [47].

Importante afirmar que qualquer ato discricionário, contendo na sua interpretação conceitos jurídicos indeterminados ou não, têm sempre de ser interpretado no contexto legal que se insere e os demonstração dos fundamentos de fato para uma decisão administrativa é sempre vinculada à Lei, mesmo que sejam indeterminados.

Na legislação administrativa portuguesa, brasileira e alemã demonstra que os elementos livres só estão presentes em certos atos de caráter excepcional e permitidos por Lei, pois, em regra, a Administração Pública é vinculada. Assim, o controle jurisdicional é um instrumento de realização da atividade do Legislador na vinculação ou libertação da Administração [48].

No Brasil, por exemplo, o controle jurisdicional dos atos administrativos discricionários é realizado apenas no que tange a legalidade do ato, isto porque ao Poder Judiciário não é permitida a análise de mérito [49] dos atos da Administração, somente naqueles casos em que ultrapasse os limites legais externos de conveniência e oportunidade reconhecidamente aceitáveis pelo homem médio. Este controle ocorre no intuito de compelir o abuso de poder que pode se expressar no excesso de poder, no desvio de finalidade ou na omissão administrativa [50].

O excesso de poder ocorre quando a autoridade, mesmo competente para praticar o ato, vai além do permitido, excedendo sua competência legal, e dessa forma invalida o ato. O desvio de finalidade ou desvio de poder ocorre dentro dos limites da competência legal do Administrador, mas o ato visa ou o seu interesse, ou o favorecimento de algum particular, diferentemente do interesse público. E a omissão é quando a Administração retarda ato ou fato que deva praticar, prejudicando o particular ou a coletividade.

Nessa linha, a jurisprudência brasileira dispõe que cabe ao juiz analisar os aspectos de legalidade, não avaliando as funções peculiares da atividade administrativa (análise do mérito propriamente), o que violaria o princípio da separação dos poderes. Assim o Superior Tribunal de Justiça delimitou:

É defeso ao Poder Judiciário apreciar o mérito do ato admnistrativo, cabendo-lhe unicamente examiná-lo sob o aspecto de sua legalidade , isto é, se foi praticado conforme ou contrariamente à lei. Esta solução se funda no princípio da separação dos poderes, de sorte que a verificação das razões de conveniência ou de oportunidade dos atos administrativos escapa ao controle jurisdicional do Estado [51].

A doutrina majoritária dispõe que a Administração pode ser limitada por imposições que resultem do bloco de legalidade formada por parâmetros exteriores à função administrativa denominados limites legais, ou por regras que a própria Administração cria e se obriga a respeitar, a auto-vinculação. Por exemplo, o dever de fundamentação previsto no art. 124 do CPA e no art. 268/3 da CRP é um limite legal à discriciconariedade, ou seja, a legalidade sempre será um limite à margem de livre decisão do Estado [52].

Bernardo Ayala [53] dispõe que a margem de livre decisão administrativa é cerceada por limites externos e limites internos. O primeiro se apresenta pela fiscalização pelos tribunais da orla de legalidade que a circunda e se dá pelo princípio da determinabilidade mínima das leis e pela influência dos poderes do superior hierárquico no exercício de poderes de livre decisão por parte do subalterno.

O princípio da determinabilidade mínima da lei tem por escopo a exigência constitucional de reserva de lei, previsto por exemplo no art. 18/1 da CRP e no art. 5º, inciso II da CRB, assim como a exigência de clareza das normas legais e de densidade suficiente de regulamentação legal. Assim, tem por objetivo evitar a intervenção inovadora e criativa da Administração, ou seja, serve para limitar atuação discricionária e a análise de conceitos jurídicos indeterminados, respeitando o princípio da legalidade.

No moderno contencioso administrativo português, a norma legal serve de parâmetro para saber se ela confere e em que termos o poder discricionário à Administração. Nesse sentido o próprio Tribunal Constitucional já considerou que nos casos em que a Constituição estabelece uma reserva de lei, em sede de leis restritivas ou atorizadoras de restrição a direitos fundamentais é essencial limitar o exercício dos poderes discricionários e a livre valoração de conceitos indeterminados ao estritamente indispensável.

Explicitando melhor, em termos lógicos e cronológicos deve-se elaborar e avaliar as alternativas aptas à prossecução do fim apurado, que conforme Paulo Otero [54], se dá pela ordenação preferencial das alternativas dadas ao Admnistrador de acordo com os critérios de economicidade e proteção a valores e bens fundamentais – é nesta situação que se aplica o princípio da proporcionalidade - e tutelados pela ordem jurídica, ou seja, pela Lei. Isto porque o órgão decisor está vinculado ainda que de forma imperfeita ou insancionável a encontrar o melhor meio tendente a concretizar o fim normativo fixado.

Outro limite externo é a hierarquia administrativa, representada pelo poder de direção e o dever de obediência, nos quais, a lei confere ao superior hierárquico a possibilidade de intervenção na atividade do subalterno, por meio de comandos vinculativos, mesmo que este seja titular de uma margem de livre decisão [55]. O que demonstra outro limite à discricionariedade administrativa em respeito ao princípio da legalidade.

Por fim, outros limites que dependem intimamente da legalidade são a competência à prática do ato discricionário e as suas formalidades essenciais. A competência prevista no art. 29/1 do CPA e art. 11 da Lei 9.784/1999, como se vê, sempre é definida por lei ou regulamento o que dispensa considerações ou valorações subjetivas do Administrador. Assim como as formalidades essenciais exigidas as práticas administrativas, como por exemplo, a exigência da feitura de uma "portaria" por uma autoridade competente e de sua devida publicação para a legal regulamentação das atividades de dentro de uma repartição pública [56].

No sistema alemão, o controle da discriciconariedade se dá pelos Tribunais Administrativos que analisam a legalidade e os possíveis abusos na escolha da oportunidade e conveniência na prática do ato administrativo, quais sejam: o excesso, a carência e o abuso de discricionariedade.

O excesso ocorre quando o órgão administrativo "ultrapassa os limites externos de discricionariedade, isto é, assume equivocadamente um grau de discricionariedade que em verdade não existe, ou escolhe uma medida que não está amparada pela norma", ou melhor, quando viola o princípio da legalidade. A carência é "quando a Administração não faz uso de seu poder discricionário ou o faz apenas em parte", e o abuso é quando não atua de acordo com o objetivo especificado na norma, mas de forma estranha aos objetivos ou a partir de considerações arbitrárias [57].

Assim, tem-se que a discricionariedade é necessária à Administração Pública e faz parte da concretização da lei, pois as várias opções e os efeitos escolhidos pelo administrador foram apresentados como possíveis pelo Legislador como decisões legais que tem por escopo o interesse público. Então, as decisões legais representam um limite à discricionariedade e nada mais é do que o princípio da Legalidade: limitação de grande operatividade por exigir o respeito a grande densidade normativa de determinado ordenamento jurídico.

No que tange ao princípio da proporcionalidade, verifica-se que através da ponderação de interesses públicos e privados, o respeito ao interesse público plasmado na lei e sua respectiva intensidade é que a discricionariedade deve ser apreciada e controlada, tendo por base a regra do menor dano possível para os legítimos interesses dos particulares [58].

Sabe-se que o Poder Judidicário no ordenamento jurídico brasileiro, e os Tribunais Administrativos do ordenamento jurídico português e alemão não podem realizar o controle de mérito da Administração, ou seja, o juiz não pode substituir sua decisão por aquela adotada pelo Administrador se não tiver vício de legalidade. Contudo, o controle jurisdicional de proporcionalidade transforma o juízo de legalidade em juízo de juridicialidade, no qual o juízo analisará os fatos e os pressupostos que levaram à decisão administrativa, que poderá conter vícios próprios de natureza lógico-empírica [59].

Nessa linha, a Constituição Portuguesa no art. 266/1 define que a ação administrativa tem como limite o respeito pelas posições jurídicas subjetivas dos particulares, ou seja, existindo duas alternativas legalmente admissíveis, o órgão administrativo deve escolher aquela que se mostrar mais favorável ou menos gravosa ao administrado e nesse aspecto, aplicando o princípio da proporcionalidade [60].

Este princípio nas suas modalidades – necessidade, adequação e equilíbrio - tem por escopo a ponderação valorativa dos interesses concorrentes no caso concreto, privilegiando alguns mais identificáveis com o interesse público, salvaguardado pelo legislador através da concessão de uma margem de livre decisão - a discricionariedade. Contudo, na valoração de conceitos jurídicos indeterminados o administrador apenas analisa pelo critério da adequação, ou seja, adequa o conceito jurídico ao caso concreto [61].

Assim, o controle de adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito dos atos administrativos está presente na situação de fato, se esta foi adequadamente conhecida e apreendida e se a instrução se revela suficiente para a aquisição e ponderação de interresses dignos de proteção jurídica, quando realizados pela Administração no exercício do poder discricicionário [62]. O que demonstra ainda mais a presença do princípio da proporcionalidade como limite à discricicionariedade.

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Colaço Antunes [63] dispõe sobre a proporcionalidade como limite a discricionaredade no seguinte sentido:

(...) a relação indispensável entre procedimento e processo administrativo, "obrigam" o princípio da proporcionalidade, como parâmetro judicial autônomo, a apresentar-se como o meio mais penetrante de que o juiz dispõe para controlar a juridicidade da actividade administrativa de conteúdo discricionário, reduzindo-se drasticamente a a esfera reservada ao mérito. A proporcionalidade deve ser vista, assim, como um meio de desenvolvimento e aplicação do princípio da efectiva e plena tutela jurisdicional."

Vê-se, portanto, que o juiz pode analisar as questões fáticas, lógicas e empíricas ponderadas pela Administração, aplicando o princípio da proporcionalidade como limite à atuação discricionária. É assim que os tribunais (seja os tribunais administrativos portugueses ou alemães ou os tribunais de justiça brasileiros) passaram a examinar a indispensabilidade do meio escolhido pela Administração (necessidade), a aptidão abstrata do meio para o fim escolhido (adequação) e a relação entre os benefícios alcançados e os prejuízos correspondentes (equilíbrio ou proporcionalidade em sentido estrito) [64].

Nesse sentido, a jurisprudência brasileira vem aplicando o princípio da proporcionalidade como forma de restringir os atos da Administração Pública, senão vejamos:

PERDIMENTO. APREENSÃO DE MERCADORIA ESTRANGEIRA. VEÍCULO TRANSPORTADOR. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. RECURSO DA FAZENDA NÃO CONHECIDO. Inadmissível a aplicação da pena de perdimento do veículo, quando evidente a desproporção entre o seu valor e o da mercadoria de procedência estrangeira apreendido. [65]

Diante disso, é perfeitamente possível a utilização dos princípios da legalidade e da porporcionalidade contidos no ordenamento jurídico para analisar o ato administrativo discricionário, posto que a lesão a qualquer um deles importará em exorbitação do mérito administrativo e será, portanto, passível de controle.

Importante salientar que o núcleo de conveniência e oportunidade das decisões administrativas está fora da zona de validade e de controle judicial, porém, a partir da relevância do princípio da proporcionalidade, se intensificou a análise do equilíbrio das decisões, e consequentemente expandiu-se o campo de intervenção dos tribunais na atividade administrativa. Assim, verificou-se a existência de um novo plano de legalidade intimamente ligada à racionalidade administrativa, diminuindo ainda mais a barreira entre a legalidade e o mérito administrativo [66].

É notório que o controle de equilíbrio dessa decisão deve restringir-se aos casos limites, quando os custos da livre decisão administrativa se sobrepõem extremamente aos benefícios adquiridos pelo administrado, lesando não somente o princípio da proporcionalidade, mas também o da racionalidade, da boa-fé objetiva e da proibição do arbítrio.

Não é todo e qualquer desequilíbrio que pode ser limitado ou controlado pelo judiciário, mas sim o desequilíbrio manifesto e objetivamente apreensível [67]. Assim, é por meio da jurisdificação do princípio da proporcionalidade que se eleva os limites à discricionariedade administrativa, apesar de seu elevado grau de subjetivismo.

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Sobre a autora
Natalia Mascarenhas Simões

Graduada em Direito pela Universidade Federal do Pará, Brasil. Advogada. Pós-graduada em Direito Público pela Universidade Católica Dom Bosco/ CPC Marcato (lato sensu), Goiânia, Goiás, Brasil. Mestranda em Direito na área de especialização jurídico-política pela Faculdade de Direito da Universidade do Porto, Portugal. Doutoranda na área de especialização de Direito Público pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SIMÕES, Natalia Mascarenhas. Princípio da legalidade e da proporcionalidade como limites à discricionariedade administrativa.: Ordenamento jurídico brasileiro e português. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2429, 24 fev. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14402. Acesso em: 23 dez. 2024.

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