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O novo entendimento do STJ sobre a prática de estupro e atentado violento ao pudor no mesmo contexto fático

25/02/2010 às 00:00
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Antes da edição da Lei nº 12.015/2009 não havia uniformidade típica das condutas de quem, mediante violência ou grave ameaça, obrigava mulher para com ele manter conjunção carnal e quem, mediante grave ameaça ou violência, obrigava a outrem à prática de ato libidinoso diverso da conjunção carnal.

A dicotomia manifestava-se nos já revogados artigos 213 e 214, do Código Penal brasileiro, que em sua redação originária assim dispunha:

Estupro

Art. 213 - Constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça:

Pena - reclusão, de seis a dez anos.

Atentado violento ao pudor

Art. 214 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a praticar ou permitir que com ele se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal:

Pena - reclusão, de seis a dez anos.

Conforme se pode observar dos textos revogados acima transcritos, a pena do estupro e do atentado violento ao pudor era idêntica, pois quando da edição da lei de crimes hediondos (Lei nº 8.072/90) houve uma equiparação punitiva para quem praticasse uma ou outra conduta, o que, contudo, não servia a superar problemas que as transformações sociais foram fazendo surgir, como, por exemplo, a problemática da tipificação adequada para a prática de atos sexuais forçados contra transexual.

A já existência de identidade na sanção penal e os problemas práticos que as transformações sociais foram fazendo surgir em relação à tipificação originária dos crimes contra a liberdade sexual produziram contínuos reclamos doutrinários de alteração legislativa nesta matéria.

A edição da Lei nº 12.015/2009 produziu a desejada alteração legislativa, sendo a matéria unificada no dispositivo do artigo 213, do Código Penal, com a seguinte redação:

Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso:

Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.

O que se observa é que a pena fixada ao delito permaneceu inalterada, em relação à anteriormente fixada para o estupro e para o atentado violento ao pudor, havendo a concentração destas figuras em um único tipo e com a nova redação foi ofertada maior amplitude ao tipo penal, o que permite inserir, com maior facilidade e segurança, situações como a anteriormente referida da violência sexual contra transexuais.

Ocorre, porém, que uma série de temas cujo entendimento anteriormente era debatido ou mesmo já consolidado no pensamento nacional passaram a sofrer alteração, entre eles a questão, historicamente tormentosa, de definir o correto enquadramento da conduta do agente que mantém conjunção carnal forçada e com mesma vítima, no mesmo contexto fático, pratica ato libidinoso diverso da conjunção carnal.

Duas posições rivalizavam-se ao analisar essa questão. Uma defendia que a hipótese era de concurso material (CP, art. 69), ou seja, deveria haver o julgamento por cada um dos fatos (conjunção carnal forçada e ato libidinoso diverso da conjunção carnal forçado), sendo as penas finais somadas. Outra, entendia que o mesmo contexto fático indicaria as mesmas condições de tempo, lugar, modo de execução, com o que a hipótese melhor se amoldasse no crime continuado (CP, art. 71), o que implica em uma única condenação com a pena acrescida de 1/6 a 2/3.

Após a edição da Lei nº 12.015/2009 houve transformação do tema, alteração esta expressamente reconhecida pelo SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA em decisão recentíssima proferida no último dia 18 de fevereiro, em que de forma absolutamente inovadora entendeu que agora, tendo em conta legislação em vigor, o estupro e o atentado violento ao pudor, praticados contra mesma vítima, em um mesmo contexto se constitui em crime único.

O Relator do feito no STJ, Ministro OG FERNANDES, taxativamente afirmou ter havido perda de sentido na discussão outrora existente, em torno do enquadramento do fato, quando ocorre contra a mesma vítima estupro e atentado ao violento pudor, pois agora não há mais o que se falar em dois crimes, existindo crime único, razão porque a pena deve ser única sem qualquer aumento especial.

Em outras palavras, a prática forçada de atos sexuais diversos, como, por exemplo, o coito vagínico e o coito anal, que antes suscitavam debate sobre a aplicação da regra do concurso material ou do crime continuado, com a legislação atual devem ser interpretados como crime único, havendo uma única condenação, sem a incidência de qualquer regra produtora de especial agravamento.

Cabe sim ao Magistrado, graduar as circunstâncias de orientação na fixação da pena, estabelecidas no artigo 59 do Código Penal, para na dosimetria considerar a situação da prática, hipoteticamente, de apenas uma forma de violência sexual ou de várias, o que não significa considerar a ocorrência de mais de um delito, pois conforme referido o crime é único, igualmente não importando, na análise do artigo 59, aplicação de causa especial de aumento, mas apenas de consideração pelo julgador das características particulares de cada fato, ajustando a pena da forma que lhe seja mais adequada.

Convém destacar que assim considerada a questão, a Lei nº 12.015/2009 é mais benéfica, pois há redução da pena final do agente que pratica a conjunção carnal e o ato libidinoso diverso da conjunção carnal contra a mesma vítima, no mesmo contexto fático, pois se antes seria condenado a uma pena aumentada, caso se adotasse a teoria do crime continuado, ou somada, na hipótese de se atender a regra do concurso material, na nova leitura do tema comporta a imposição de uma única condenação sem agravamento.

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Dessa forma, condenações outrora ocorridas e cuja extinção da pena ainda não se tenha dado comportam revisão, assim como, devem os fatos ocorridos antes da Lei nº 12.025/2009, mas ainda não julgados, ser decididos com base na disciplina por ela ofertada.

A visualização pelo STJ de que o contexto fático único do constrangimento da mesma vítima para a prática da conjunção carnal e de outros atos libidinosos faz com que o crime seja único produz efeitos retroativos, de sorte que não pode perdurar qualquer condenação, na situação destacada, de pessoa por estupro e atentado violento ao pudor, quer aplicando a regra do crime continuado, menos ainda a do concurso material.

Em síntese, o mesmo contexto fático da ação de conjunção carnal e de outros atos libidinosos contra a mesma vítima faz com que a situação se constitua em crime único, sem previsão de agravamentos, quadro este mais benéfico, portanto, com efeitos retroativos para atingir todas as situações ocorridas mesmo antes da edição da Lei nº 12.015/2009, excetuando-se apenas aquelas cuja extinção da pena já se operacionalizou.

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Sobre o autor
Adel El Tasse

Professor de Direito Penal em cursos de graduação e pós-graduação, professor na Escola da Magistratura do Estado do Paraná e no Curso Cers, mestre e doutor em Direito Penal, coordenador no Paraná da Associação Brasileira dos Professores de Ciências Penais e do Núcleo de Estudos Avançados em Ciências Criminais e membro do Conselho de Direitos Humanos do Município de Curitiba.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

EL TASSE, Adel. O novo entendimento do STJ sobre a prática de estupro e atentado violento ao pudor no mesmo contexto fático. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2430, 25 fev. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14406. Acesso em: 26 dez. 2024.

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