A legislação previdenciária brasileira previu até o ano de 1991 o cálculo da pensão por morte em 50% do valor da aposentadoria do falecido.
Posteriormente, a Lei nº 8.213 de 24 de julho de 1991 dispôs que o percentual não seria mais 50% e, sim, 80% com a manutenção de mais tantas parcelas de 10% do valor da mesma aposentadoria quantos fossem os dependentes até o máximo de duas.
O artigo 75 da Lei nº 8.213/91 antes de ser modificado pela Lei nº 9.032/95 dispunha:
Art. 75. O valor mensal da pensão por morte será:
a) constituído de uma parcela, relativa à família, de 80% (oitenta por cento) do valor da aposentadoria que o segurado recebia ou a que teria direito, se estivesse aposentado na data do seu falecimento, mais tantas parcelas de 10% (dez por cento) do valor da mesma aposentadoria quantos forem os seus dependentes, até o máximo de 2 (duas).
b) 100% (cem por cento) do salário-de-benefício ou do salário-de-contribuição vigente no dia do acidente, o que for mais vantajoso, caso o falecimento seja conseqüência de acidente do trabalho.
Com o advento da Lei nº 9.032 de 28 de abril de 1995, o valor da pensão por morte foi alterado para 100% do valor da aposentadoria do falecido. Essa mudança provocou significativa diferença no percentual das pensões por morte concedidas antes de 1995 em relação às concedidas posteriormente a este período.
Assim, com as alterações da Lei nº 9.032, o artigo 75 da Lei nº 8.213 passou a prever que:
Art. 75. O valor mensal da pensão por morte, inclusive a decorrente de acidente do trabalho, consistirá numa renda mensal correspondente a 100% (cem por cento) do salário-de-benefício, observado o disposto na Seção III, especialmente no art. 33 desta lei.
A atual redação do artigo 75 da Lei nº 8.213 foi dada pela Lei nº 9528/97:
Art. 75. O valor mensal da pensão por morte será de cem por cento do valor da aposentadoria que o segurado recebia ou daquela a que teria direito se estivesse aposentado por invalidez na data de seu falecimento, observado o disposto no art. 33 desta lei.
O presente trabalho possui como objetivo analisar a controvérsia da retroatividade da norma previdenciária ou sua aplicação imediata em função da Lei nº 9.032/95 que majorou o coeficiente para a pensão por morte.
O Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) argumenta que a concessão do benefício de pensão por morte rege-se pela lei do momento em que ocorre a morte do segurado, quando então se requer o pleito, ficando reconhecido o direito. Assim, o INSS sustenta que o ato de concessão do benefício previdenciário é ato jurídico perfeito, não podendo ser alterado por lei posterior que tenha alterado percentual do benefício de pensão por morte do segurado.
O INSS afirma basicamente que o fato gerador do benefício previdenciário é a morte do segurado. Assim, instaurada a relação jurídica, esta deve reger-se pela lei vigente na época segundo o princípio tempus regit actum, não se aplicando as alterações legislativas posteriores relacionadas ao cálculo percentual do valor da pensão por morte as situações que já se concretizaram no período anterior à Lei nº 9.032/95. Trata-se, portanto, de questão de direito intertemporal que há de ser dirimida pela interpretação pelo princípio constitucional da irretroatividade das leis previsto no artigo 5º, inciso XXXVI da Constituição da República segundo o qual a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. Desta feita, argumenta o INSS que deve ser protegido o direito adquirido e, por via de consequência, o princípio da segurança jurídica.
O princípio da segurança jurídica, garantido pelo pelas Constituições brasileiras a partir de 1934, com exceção da Constituição de 1937, faz com que essa matéria tenha especial relevância dado o seu fundamento constitucional.
Ademais, argumenta o INSS que o artigo 175 § 5º da CR/88 preceitua que nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total. Portanto, a possibilidade da retroatividade dos efeitos da Lei nº 9.032 para beneficiar aqueles que adquiriram a concessão da pensão por morte anteriormente ao ano de 1995 representaria uma violação ao princípio do equilíbrio financeiro e atuarial que rege os benefícios previdenciários.
Por outro lado, deve-se ponderar que a regra impeditiva da retroatividade das leis e, em especial, da retroação dos efeitos que essa lei pode gerar não é absoluta.
Na opinião da Ministra Cármen Lúcia (2007) [01]:
o que se há de definir é se a concessão da pensão por morte aperfeiçoou-se no momento em que o interessado apresentou os requisitos que, cumpridos, fizeram nascer o seu direito, e o benefício foi-lhe então concedido, ou se aquele foi apenas marco temporal inicial do direito, ficando o regime da concessão sujeito à configuração ou à recomposição a cada modificação da legislação previdenciária, pelo que novas normas seriam aplicáveis ao caso. Desta forma, o que se analisa é se o reconhecimento do direito à concessão define o regime jurídico a ele aplicável ou se aquele reconhecimento define o início da configuração jurídica do instituto, sujeitando a ele mudanças de regime, especialmente em relação às normas mais benéficas ao interessado.
De acordo com a Ministra Cármen Lúcia (2007) [02]:
a norma contida no artigo 75 da Lei nº 8.213/91 com a modificação introduzida, basicamente pela Lei nº 9.032/95, não configura mera alteração de um índice de atualização monetária ou percentual para definição de valores, mas de critério legal diferenciador do regime do benefício da pensão por morte.
Em relação às normas previdenciárias, a jurisprudência do STF é unânime no sentido de que a lei do tempo de concessão do benefício há de reger o ato (tempus regit actum). Assim, o STF editou a súmula 359 que prevê:
Ressalvada a revisão prevista em lei, os proventos da inatividade regulam-se pela lei vigente ao tempo em que o militar, ou o servidor civil, reuniu os requisitos necessários, inclusive a apresentação do requerimento, quando a inatividade for voluntária.
Desta feita, para o STF, não tendo a Lei nº 9.032 expresso a forma como os efeitos dos benefícios antes concedidos teriam alterados os critérios para a definição de seu percentual e sua formulação jurídica, a interpretação leva a conclusão de que é negativa a retroatividade dos efeitos da nova lei.
Para a Ministra Cármen Lúcia (2007) [03]:
um dos elementos a considerar para se concluir no sentido de que a lei nova (Lei nº 9.032/95 para os beneficiados antes do seu advento e a Lei nº 8.213 para aqueles que obtiveram a concessão em data anterior a 1991) não fixou a projeção de efeitos para os casos anteriormente configurados é a norma contida no artigo 195 § 5º da Constituição, na qual se estatui que "nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem correspondente fonte de custeio total." (...) O condicionamento orçamentário que está na base das modificações legislativas válidas referentes a benefícios da seguridade social, sua criação, majoração ou extensão não foi observado na Lei nº 9.032/95, a deixar esclarecido que o diploma normativo não dotou de efeitos retroativos a nova formulação jurídica do benefício da pensão por morte nele cuidado.
De acordo com o Ministro Cezar Peluso (2007) [04]: o artigo 75 da Lei federal nº 8.213/91, com redação dada pela Lei nº 9.032/95, não se aplicam aos benefícios cujos requisitos de concessão se tenham aperfeiçoado antes do início de sua vigência.
Para o Ministro Gilmar Mendes (2006) [05]:
a lei só poderia beneficiar os dependentes dos segurados em caráter anterior à sua edição se houvesse fonte de custeio adequada para tanto, como prevê o parágrafo 5º do artigo do 195 da Constituição Federal, que diz que nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total.
Assim, ao julgar os Recursos Extraordinários 415.454 e 416.827, Pleno, em 08/02/2007, o STF decidiu que as decisões que deferem a revisão para 100% do salário beneficio das pensões por morte instituídas antes da vigência da Lei nº 9.032, que alterou o artigo 75 da Lei nº 8.213/91, contrariam o artigo 5º, XXXVI e artigo 195, § 5º da CR/88.
Contrariamente ao entendimento atual do STF, parte da doutrina, incluindo aqui a opinião do Ministro Eros Grau, considera que se trata de aplicação imediata da lei nova, não havendo que se falar na ofensa à garantia do ato jurídico perfeito conforme sustenta o INSS, visto que se trata de relação de débito continuado.
Esta corrente doutrinária considera que inexiste aplicação retroativa da lei nova para prejudicar ato jurídico perfeito ou suposto direito adquirido por parte da Administração Pública, mas há sim a incidência imediata de nova norma para regular situação jurídica que, embora tenha se aperfeiçoado no passado, irradia efeitos jurídicos para o futuro, efeitos esses sujeitos a modificações sem que se possa falar em ofensa a ato jurídico perfeito.
Para o Ministro Eros Grau (2005) [06]:
O sistema público de previdência social é baseado no princípio da solidariedade (artigo 3º, inciso I da CB/88), contribuindo os ativos para financiar os benefícios pagos aos inativos. Se todos, inclusive inativos e pensionistas, estão sujeitos ao pagamento das contribuições, bem como aos aumentos de suas alíquotas, seria flagrante a afronta ao princípio da isonomia se o legislador distinguisse, entre os beneficiários, alguns mais e outros menos privilegiados, eis que todos contribuem, conforme as mesmas regras, para financiar o sistema. Se as alterações na legislação sobre o custeio atingem a todos, indiscriminadamente, já que as contribuições previdenciárias têm natureza tributária, não há que se estabelecer discriminação entre os beneficiários, sob pena de violação ao princípio constitucional da isonomia.
Em relação à alegação do INSS de que a aplicação retroativa da Lei nº 9.032/95 a fatos constituídos antes da sua vigência implicou violação do disposto no artigo 5º, XXXVI da CR/88, que assegura a intangibilidade do ato jurídico perfeito, esta parte da doutrina considera que a Lei nº 9.032/95, ao alterar o artigo 75 da Lei nº 8.213/91 não alterou os pressupostos constitutivos para a concessão da prestação, mas somente do quantum percebido, cujo parâmetro é a contribuição previdenciária a que o beneficiário esteve obrigado.
Não há, portanto, que se falar em violação do ato jurídico perfeito. Na realidade, cuida-se de uma relação de trato sucessivo que se projeta para o futuro e, desta forma, é óbvio que a lei pretendeu abranger as suas sucessivas alterações.
O Ministro Eros Grau ressalta (2005) [07]:
o fato de que o dispositivo legal que majorar o percentual relativo às cotas familiares de pensão por morte deve ser aplicado a todos os benefícios previdenciários, independentemente da lei vigente na data do fato gerador, sendo inadmissível a alegação de aplicação retroativa da lei, posto que a hipótese não é de retroação, mas de incidência imediata da norma.
Caso prevaleçam os argumentos do INSS, o que haveria seria um estabelecimento pelo legislador de uma discriminação entre os beneficiários. Haveria a coexistência de duas classes de pensionistas: uma primeira menos favorecida tendo em vista que já recebia o benefício antes do advento da Lei nº 9.032/95 e uma segunda privilegiada, recebendo percentual maior em relação ao benefício previdenciário de pensão por morte.
Esta situação que prevalece segundo entendimento do STF é discrepante considerando que não há justificativas jurídicas plausíveis para estabelecer tal discriminação; o aumento percentual para o beneficio da pensão por morte deve ser concedido de forma geral visto que as regras de custeio são uniformes, atingindo a todos os contribuintes.
Esse entendimento doutrinário, apesar de destoar do atual entendimento do STF, fortaleceu-se com a Emenda Constitucional nº 41/03 quando aposentados e pensionistas passaram a contribuir para o custeio do sistema previdenciário. Ao julgar constitucional esta emenda, o STF posicionou-se no sentido de que a previsão de novas fontes de custeio, assim como o aumento de alíquotas, têm incidência imediata, não sendo plausível se falar em direito adquirido ao não pagamento de tributos ou ao pagamento de alíquota mais benéfica.
Assim, conclui-se que se todos, inclusive inativos e pensionistas, estão sujeitos ao pagamento das contribuições, bem como aos aumentos de suas alíquotas, seria uma violação ao princípio da isonomia se o legislador fizesse distinção entre os beneficiários da pensão por morte visto que todos contribuem conforme as mesmas regras para financiar o sistema.
Desta forma, esta parte da doutrina considera que o aumento do percentual da concessão da pensão por morte, previsto pela Lei nº 9.032/95, deve-se aplicar a todos os beneficiários, inclusive aos que já percebiam o benefício anteriormente à edição da Lei nº 9.032/95.
Após analisar os dois entendimentos sobre a questão da retroatividade da norma previdenciária ou sua aplicação imediata em função da Lei nº 9.032/95 em relação à majoração do coeficiente para a pensão por morte, pude concluir que sob o aspecto jurídico a segunda corrente, contrária ao STF, é mais plausível visto que apresenta argumentos jurídicos mais concisos, levando em consideração toda a sistemática do nosso ordenamento jurídico.
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Notas
- Recurso Extraordinário 490.924-3 Rio de Janeiro. 09/02/2007. Tribunal Pleno.
- Recurso Extraordinário 490.924-3 Rio de Janeiro. 09/02/2007. Tribunal Pleno.
- Recurso Extraordinário 490.924-3 Rio de Janeiro. 09/02/2007. Tribunal Pleno.
- Recurso Extraordinário 536.407-1 Rio Grande do Sul. 17/04/2007. Segunda Turma.
- Disponível em: http://conjur.estadao.com.br/static/text/43678,1. Acesso no dia: 30/05/2007.
- Agravo regimental no recurso extraordinário 422.268-0 São Paulo. 31/05/2005.
- Agravo regimental no recurso extraordinário 422.268-0 São Paulo. 31/05/2005.