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Filiação partidária e a responsabilidade do dirigente desidioso

07/03/2010 às 00:00
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Para que um cidadão possa ser candidato a cargo eletivo em nosso país, seja na eleição proporcional (vereador, deputado estadual e deputado federal), seja na eleição majoritária (prefeito, senador, governador e presidente), é necessário estar filiado a uma das vinte e sete agremiações políticas que possuem registro válido no Tribunal Superior Eleitoral. Tal vinculação se denomina filiação partidária.

A filiação partidária a um dos muitos partidos existentes induz na mente de eleitorado que aquele cidadão coaduna com a ideologia proclamada em seus respectivos estatutos, sendo estes reproduzidos pelos meios midiáticos no dia a dia da população, permitindo um acesso direto às diretrizes traçadas no plano político de tais associações.

A Constituição Federal, em seu artigo 14, § 3º, dispõe sobre as condições de elegibilidade:

Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:

§ 3º - São condições de elegibilidade, na forma da lei:

I - a nacionalidade brasileira;

II - o pleno exercício dos direitos políticos;

III - o alistamento eleitoral;

IV - o domicílio eleitoral na circunscrição;

V - a filiação partidária;

VI - a idade mínima de:

a) trinta e cinco anos para Presidente e Vice-Presidente da República e Senador;

b) trinta anos para Governador e Vice-Governador de Estado e do Distrito Federal;

c) vinte e um anos para Deputado Federal, Deputado Estadual ou Distrital, Prefeito, Vice-Prefeito e juiz de paz;

d) dezoito anos para Vereador.

Essas, portanto, são as condições para que o cidadão possa concorrer às eleições diretas que ocorrem periodicamente no Brasil de dois em dois anos.

Os partidos políticos possuem escalas hierárquicas em todo território nacional, já que necessariamente devem possuir conotação nacional [01]. Nesse escalonamento, o diretório nacional é a unidade de comando máxima no âmbito partidário, centralizando as principais decisões administrativas, políticas, intrapartidária, com poder decisório capaz de reformar as decisões das demais unidades. De forma intermediária, existe o diretório estadual que, dentre suas principais funções, dispõe sobre os órgãos de direção dos diretórios municipais, delegando poderes de representação para que o partido possua atuação direta junto ao eleitorado de determinado município.

A liberdade política se constitui na própria alma do partido, já que é através de sua posição ideológica definida que os cidadãos serão atraídos a filiar-se na agremiação. É princípio constitucional que o Estado não pode se imiscuir na chamada autonomia partidária, como forma de sepultar as graves violações perpetradas pelo regime militar contra a liberdade dos cidadãos. As chamadas decisões "interna corporis" estão a salvo da ingerência estatal, devendo os dissidentes recorrem às próprias regras partidárias com o fim de resolver suas pendências, sendo vedado ao Poder Judiciário atuar em matérias dessa espécie.

Dentro dessa autonomia, seria natural entender pela dispensabilidade da divulgação, pelos partidos políticos, da lista de filiados à sua agremiação, já que, a princípio, interessaria somente àquele o grupo de pessoas associadas. Seria, porque o prazo de filiação é imprescindível para que possa o cidadão concorrer a cargos públicos.

De modo geral, para que possa concorrer a cargos públicos, deve o cidadão estar previamente filiado a partido político há pelo menos um ano, sem o que não poderá exercer em sua plenitude a capacidade eleitoral passiva. No entanto, dentro ainda da autonomia partidária, a associação pode ainda estabelecer um prazo maior [02] para que possa concorrer a cargos públicos, não lhe sendo permitido, entretanto, a redução do referido prazo.

Para que se analise o tempo mínimo de filiação é que a Lei dos Partidos Políticos dispõe que, em "janelas" nos meses de abril e outubro de cada ano, possam os partidos políticos apresentar novas listas de filiação partidária aos cartórios eleitorais distribuídos por todo o país, devendo os diretórios municipais apresentar a relação respectiva na zona competente. Nos casos de partidos sem diretório municipal, havendo interesse, o diretório regional e o nacional poderão apresentar a relação. Dispõe a norma em comento:

Art. 19. Na segunda semana dos meses de abril e outubro de cada ano, o partido, por seus órgãos de direção municipais, regionais ou nacional, deverá remeter, aos juízes eleitorais, para arquivamento, publicação e cumprimento dos prazos de filiação partidária para efeito de candidatura a cargos eletivos, a relação dos nomes de todos os seus filiados, da qual constará a data de filiação, o número dos títulos eleitorais e das seções em que estão inscritos.     

§ 1º Se a relação não é remetida nos prazos mencionados neste artigo, permanece inalterada a filiação de todos os eleitores, constante da relação remetida anteriormente.

Tal dispositivo permite a renovação do quadro partidário, tanto com a inclusão de novos membros, como também a exclusão de alguns outros. Nesse ponto, a exclusão geralmente é feito a pedido do próprio cidadão, enquanto em alguns casos pode ocorrer após regular procedimento administrativo com normas estabelecidas no próprio estatuto da associação, sendo vedada a expulsão imotivada e sem que se permita defesa ao associado.

A realidade presente nas zonas, no entanto, mostra que só há interesse na apresentação das listas de filiação partidária em ano anterior às eleições respectivas, onde há uma imensa procura dos partidos por novos filiados, geralmente sem qualquer consciência política e se constituindo, muitas vezes, em apenas mais um número para inchar a agremiação municipal e, com isso, demonstrar força na corrida eleitoral, sobretudo no pleito municipal.

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E é justamente por conta dessa demanda sazonal que um parágrafo da lei 9.096/95, originalmente prevista como forma de garantir o exercício de direitos políticos, vem sendo utilizada como moeda de troca para reparar a incompetência dos órgãos de direção e, sobretudo, para burlar o prazo prévio de filiação partidária. Vejamos:

Art. 19. Na segunda semana dos meses de abril e outubro de cada ano, o partido, por seus órgãos de direção municipais, regionais ou nacional, deverá remeter, aos juízes eleitorais, para arquivamento, publicação e cumprimento dos prazos de filiação partidária para efeito de candidatura a cargos eletivos, a relação dos nomes de todos os seus filiados, da qual constará a data de filiação, o número dos títulos eleitorais e das seções em que estão inscritos.

§ 2º Os prejudicados por desídia ou má-fé poderão requerer, diretamente à Justiça Eleitoral, a observância do que prescreve o caput deste artigo. [03]

Percebe-se que o objetivo da lei é permitir que o cidadão, por conta de motivos espúrios, ou mesmo por desídia dos órgãos de direção, seja alijado da lista apresentada à Justiça Eleitoral, impedindo-o de concorrer ao pleito desejado. Porém, esta regra vem sendo utilizada de outra forma.

Muitas vezes as negociações são tão intensas que não há tempo para definir todos os possíveis candidatos a serem escolhidos futuramente em convenção. Então, o que vem acontecendo de fato é a apresentação de listas especiais de filiados, alegando o esquecimento por parte dos órgãos de direção em inserir seu nome na lista da agremiação. Tal método gera um custo operacional aos servidores da Justiça Eleitoral e mostra, sobretudo, o nível de que são dotados os nossos futuros administradores e parlamentares de valores éticos e morais, podendo se enxergar desde esse momento, um indício do que pode e vem acontecendo com os representantes eleitos pela população. De modo imoral, aproveita-se do instituto que visa assegurar a filiação partidária legítima para satisfazer seus próprios motivos.

Basta, por exemplo, peticionar ao Juiz Eleitoral alegando desídia do presidente do diretório partidário em inserir seu nome na lista partidária, juntando aos autos declaração do próprio co-autor da fraude (no caso, o presidente do partido) confirmando a suposta desídia, para que se faça inserir o cidadão no grupo de filiados.

O que vem acontecendo na prática destoa fortemente do móvel legal, fazendo com que aumente o descrédito nas instituições e, o que é pior, em nossos representantes que, em grande parte legisladores, não têm o menor interesse na reprovação da nefasta prática, tão presente no cotidiano da Justiça Eleitoral e que não beneficia ninguém mais senão eles próprios.

Estabelecer uma pesada multa ao dirigente partidário falsamente desidioso representaria, se não o fim, ao menos uma grande diminuição da ilegalidade. Não só a diminuição da fraude se alcançaria, como também veríamos o aumento da responsabilidade do dirigente na confecção da lista de filiados para se impedir a verdadeira desídia, não sendo de se descartar a importância como exemplo de uma pena pecuniária robusta.

A grave crise de legalidade perpetrada pelos escândalos e mais escândalos divulgados diariamente pela mídia, em todas as escalas de governo, faz com que seja necessária a adoção de medidas drásticas que impeçam, desde a origem, que pessoas mal intencionadas possam alçar à condição de detentor de mandato eletivo, de modo que acreditamos que a imposição de multa ao dirigente desidioso seria uma bom começo no difícil percurso de moralização.


Notas

  1. Art. 17. É livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana e observados os seguintes preceitos:
  2. I - caráter nacional;

  3. Lei 9.096/95. Art. 20. É facultado ao partido político estabelecer, em seu estatuto, prazos de filiação partidária superiores aos previstos nesta Lei, com vistas a candidatura a cargos eletivos.
  4. Grifo nosso.
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Sobre o autor
Rodrigo Moreira Cruz

Analista judiciário do TRE/BA, pós-graduado em Direito processual civil- UESC, pós-graduado em direito tributário- UFBA, doutorando em ciências jurídicas e sociais- UMSA - BUENOS AIRES

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CRUZ, Rodrigo Moreira. Filiação partidária e a responsabilidade do dirigente desidioso. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2440, 7 mar. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14459. Acesso em: 29 mar. 2024.

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