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Genocídio tributário do servidor inativo

01/06/1999 às 00:00
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A Lei nº 9.783, de 28 de janeiro de 1999 (D.O.U. de 29/01/99 - Seção I) ao instituir a contribuição social do servidor público civil inativo e dos pensionistas dos Três Poderes da União, com alíquotas que variam de 11% (onze por cento) a 25% (vinte e cinco por cento) da totalidade do provento ou da pensão (arts. 1º e 2º), para atender à ganância capitalista globalizada e insaciável da agiotagem internacional, comandada pela ditadura do Fundo Monetário Internacional - FMI, a quem o Governo Federal reverencia, qual servil refém, não visa, desenganadamente, "à manutenção do regime de previdência social dos seus servidores" (como proclama, em termos oficiais), posto que já inativos esses servidores, mas, concorre, de forma brutal, para o aniquilamento de suas vidas e a negação de seus direitos humanos fundamentais.

Tal lei se apresenta, assim, no cenário jurídico nacional, com flagrante inconstitucionalidade, contrariando os fundamentos do Estado Democrático de Direito e de Justiça, por atentar contra os valores sociais do trabalho, a dignidade da pessoa humana, a cidadania e a soberania nacional, obstruindo a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, como quer o povo brasileiro, através de nossa Lei Fundamental (CF, arts. 1º, I a IV e 3º, I).

O povo brasileiro - fonte material de todo poder, no Estado Democrático - não negocia nem mercadeja sua soberania, por nenhum preço.

De resto, não há dúvida de que essa exação tributária abusiva e letal tem caráter confiscatório, ferindo a garantia constitucional do art. 150, IV, da Carta Magna, bem assim, contrariando as limitações constitucionais da irretroatividade e da anterioridade tributária (CF, art. 150, III, a e b), aniquilando o direito adquirido e o ato jurídico perfeito dos inativos e dos pensionistas (CF, arts. 5º, XXXVI e 150, caput), protegidos por cláusula constitucional de eternidade (CF, art. 60, § 4º, IV).

O ato de aposentadoria é um ato jurídico perfeito, protegido, constitucionalmente, contra as violações do legislador ordinário.

De ver-se, assim, que a garantia fundamental do direito adquirido (CF, art. 5º, XXXIV), guiada, na aposentadoria, pelo princípio tempus regit actum, não autoriza a tributação em foco sobre os proventos do aposentado, com base na isonomia remuneratória do parágrafo 8º do artigo 40 da Lei Suprema, tendo em vista que a norma, ali, referida não admite aplicação aos inativos, com efeitos negativos da "reformatio in pejus", mas, tão-somente, a interpretação que lhes for favorável, in bonam partem, exatamente, para que a aposentadoria seja usufruída como um direito, conquistado pelo trabalhador, e não como uma pena a ser cumprida, até a morte, pelo infeliz que, durante quase toda a sua vida, serviu ao povo, na oficialidade do Estado.

Como imposto disfarçado e confiscatório, a contribuição dos inativos, ora, instituída pela natimorta Lei nº 9.783/99, estrangula, ainda, a limitação constitucional dos arts. 195, § 4º e 154, I, da Lei Maior, desprezando, no ponto, a exigência formal de lei complementar, no que se afigura, também, sob esse aspecto, flagrantemente inconstitucional.

Verifique-se, ainda, a literal e expressa afronta ao princípio da isonomia, na redação do art. 4º da malsinada Lei nº 9.783/99, com a determinação de que "o servidor público ativo que permanecer em atividade após completar as exigências para a aposentadoria voluntária e integral, nas condições previstas no art. 40 da Constituição Federal, na redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 15 de dezembro de 1998, ou nas condições previstas no art. 8º da referida Emenda, fará jus à isenção da contribuição previdenciária até a data da publicação da concessão de sua aposentadoria, voluntária ou compulsória".

Ora, nos termos da lei supratranscrita, o servidor ativo, que completar as exigências legais para sua aposentadoria ficará isento da contribuição nela prevista, ao aposentar-se, perderá essa isenção e haverá de submeter-se à contribuição assassina. Configura-se, aí, na incoerência do texto legal, uma flagrante quebra da igualdade dos sujeitos destinatários da isenção contributiva.

Parecem-nos oportunas, aqui, as observações de Rui Barbosa, sempre atual em todos os temas do direito Público, como o que se destaca no texto seguinte:

"O cidadão, que a lei aposentou, jubilou ou reformou, assim como a quem ela conferiu uma pensão, não recebe esse benefício, à paga de serviços que esteja prestando, mas a retribuição de serviços que já prestou, cujas contas se liquidaram e encerraram com um saldo a seu favor, saldo reconhecido pelo Estado com estipulação legal de lhe amortizar mediante uma renda vitalícia, na Pensão, na Reforma, na Jubilação ou na Aposentadoria.

O Aposentado, o Jubilado, o Reformado, o Pensionista do Tesouro, são credores da Nação, por títulos definitivos, perenes e irretratáveis. Sob um regime, que afiança os direitos adquiridos, santifica os contratos, submete ao cânon da sua inviolabilidade o Poder Público, e, em garantia deles, adstringe as Leis à Norma Tutelar da irretroatividade, não há consideração de natureza alguma, juridicamente aceitável, moralmente honesta, socialmente digna, logicamente sensata, pela qual se possa autorizar o Estado a não honrar a dívida, que com esses credores contraiu, obrigações que para com eles firmou...

A Aposentadoria, a Jubilação, a Reforma, são Bens Patrimoniais, que entraram no ativo dos beneficiados como renda constituída e indestrutível para toda a sua vida, numa situação jurídica semelhante à de outros elementos da propriedade individual, adquiridos, à maneira de usufruto, com a limitação de pessoas, perpétuas e intransferíveis.

Na espécie das Reformas, Jubilações ou Aposentadorias, a renda assume a modalidade especial de crédito contra a Fazenda, e, por isto mesmo, a esta não seria dado jamais exonerar-se desse compromisso essencialmente contratual, mediante um ato unilateral da sua autoridade."

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(Obras Completas - Casa Rui Barbosa - republicada in Voz Ativa da ASA-CD, fev.1999).

Por último, há de ver-se que o colendo Tribunal Federal da 1ª Região, através de sua douta 3ª Turma, já decidiu, por unanimidade, a questão, em face da imposição inconstitucional da Medida Provisória nº 1.415/96, na inteligência de que "a contribuição instituída pela MP 1.415/96 infringe o direito adquirido dos inativos, porquanto seus proventos não podem sofrer qualquer alteração, levando-se em consideração que já foram incorporados ao patrimônio de seus titulares. O suporte fático capaz de ensejar o direito à aposentadoria já foi preenchido, qual seja, o exercício de cargo efetivo durante o tempo prefixado constitucionalmente (III). De igual modo, o desconto da contribuição questionada infringe o princípio da irredutibilidade de benefícios (art. 194, parágrafo único, inciso IV, da CF/88), porquanto não pode o aposentado sofrer um desconto não previsto constitucionalmente nos seus proventos (IV) - AMS nº 97.01.00.016047-0/DF - Julg. em 06/08/97.

Se o Governo do Brasil, através de sua indecifrável equipe econômica, atentasse, com respeito, para os fundamentos do Estado Democrático de Direito, que a nossa Constituição consagrou, em nome da vontade soberana do povo brasileiro (CF, arts. 1º, 2º, 3º e 4º), não permitiria que bilhões de reais da receita pública fossem canalizados para o tapume financeiro de bancos falidos pela ação estelionatária de "colarinhos brancos", que financiam a agiotagem globalizada em nosso planeta, gerando o "confisco difuso" dos meios de sobrevivência popular e o genocídio tributário do servidor inativo, ante à falência das instituições oficiais de previdência.

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Sobre o autor
Antônio Souza Prudente

juiz do Tribunal Regional Federal da 1ª Região especialista em Direito Privado e Processo Civil pela USP e em Direito Processual Civil, pelo Conselho da Justiça Federal (CEJ/UnB), mestrando em Direito Público pela AEUDF/UFPE, Professor

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PRUDENTE, Antônio Souza. Genocídio tributário do servidor inativo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 4, n. 32, 1 jun. 1999. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1450. Acesso em: 22 dez. 2024.

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