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A invalidade das provas digitais no processo judiciário

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22/03/2010 às 00:00
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4.Exame de Provas

Como o tema deste trabalho assenta-se na validade das provas digitais, precisamos abranger qual a necessidade das provas e como se forma o juízo de convicção a partir destas provas.

Conforme já visto, as provas não são obrigatórias [02] em nosso país. O magistrado pode definir sua sentença pelo seu próprio convencimento. Mas, quando há a necessidade de uma prova, devemos entender como é formada a cognição.

4.1.Cognição

O exame de provas se faz pela cognição. É por meio dela que se forma o convencimento. Para se desenvolver o convencimento, são imprescindíveis as atividades de percepção e juízo. No direito italiano, base do direito brasileiro, encontra-se a divisão da cognição em duas fases: inspeção e avaliação das provas.

Sobre esses elementos objetivos (objeto e fonte ou meio da prova), deve ser exercitada a atividade do sujeito (e, quando se tratar de prova judicial, da agência), a fim de que sirvam para proporcionar a prova. As fases para tal atividade são sempre duas: percepção e juízo. Existe percepção, mesmo quando a prova for indireta, sempre que se exercitar sobre a fonte de prova e não sobre o fato por provar. Há juízo mesmo quando a prova for direita, porque do que o órgão judicial percebe deve argüir se existe o não o fato por provar. Estas duas fases da atividade do verificador recebem, na doutrina das provas, os nomes de inspeção e de avaliação (CARNELUTTI, 2000, p. 545-546).

Independente se a prova for indireta ou direta, isto é, necessitar de complementação ou não, passa-se pela inspeção e, depois, faz-se a avaliação.

4.2.Hierarquia de provas e Princípio do Livre Convencimento

Para descrever o procedimento, é importante lembrar que no direito brasileiro não há hierarquia entre provas. Todas as provas têm a mesma força, e não há uma que sobressaia em relação à outra. O Princípio do Livre Convencimento Motivado vem de nossa Constituição e reflete na legislação processual (PINHEIRO, 2009, p. 157). O art. 131 do CPC nos diz que "o juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes nos autos, ainda que não alegados pelas partes; mas deverá indicar, na sentença, os motivos que lhe formaram o convencimento" (BRASIL, 1973).

Encontramos também, nesse mesmo sentido, nossa legislação penal, a princípio mais rigorosa. Podemos confirmar neste parágrafo:

A livre apreciação da prova não significa a formação de uma livre convicção. A análise a ponderação do conjunto probatório são desprendidas de freios e limites subjetivamente impostos, mas a convicção do julgador deve basear-se nas provas coletadas. Em suma, liberdade possui o juiz para examinar e atribuir valor às provas, mas está atrelado à elas no tocante à construção de seu convencimento em relação ao deslinde da causa. E, justamente por isso, espera-se do magistrado a indispensável fundamentação de sua decisão, expondo as razões pelas quais chegou ao veredicto absolutório ou condenatório, como regra (NUCCI, 2009, p. 19).

Portanto, em nosso direito, mesmo que haja o livre convencimento, o juiz deve descrever os motivos que o levaram a decidir daquela forma.

Em sentido contrário, os Estados Unidos valorizam as provas dependendo de sua hierarquia, como encontramos em Pinheiro (2009. p. 157). No sistema jurídico norte-americano, temos três tipos de prova:

a)Real evidence: evidências materiais, objetos físicos que podem ser levados à corte, como, por exemplo, a arma de um crime;

b)Documentary evidence: evidência documental, contendo duas regras:

-best evidence rule: o documento original deve ser sempre apresentado em juízo;

-parol rule: quando a prova é um documento assinado por duas partes, é valido somente o que está escrito, e nenhum acordo verbal poderá modificá-lo.

a)Testimonial evidence: testemunha de fatos.

Voltando ao Brasil, embora a hierarquia não esteja prevista em nossa legislação processual, Theodoro Júnior (2004, p. 408) lembra que, de início, já se faz uma separação entre documentos públicos e privados, onde aquele tem maior poder sobre este. Os documentos públicos, gerados por atos solenes que têm forma substancial, apresentam supremacia sobre qualquer outra prova, e não podem ser substituídos por nenhum outro meio de convicção.

Nota-se que então há "forças" probantes entre os diferentes tipos de prova. Existem especificidades em cada tipo de prova apresentado, dependendo também do tipo de decisão que se invoca. Encontra-se uma multiplicidade de critérios definidos, conforme se observa:

Há normas que dizem respeito à forma de sua elaboração, se por meio de instrumento público, de documento público ou através de documento firmado diretamente entre privados, ou, ainda, se era exigida, para a constituição do ato jurídico, a forma escrita. Outras ditam o tratamento jurídico a ser considerado em face de questões concernentes à autenticidade do documento, como aquelas que estabelecem o tratamento das cópias e das certidões em face do documento original, ou, ainda, ao questionamento da presença de tal atributo. Dois outros grupos de regras igualmente relevantes são aqueles que comportam comandos relacionados à força probante dos documentos no que se refere ao seu conteúdo (dispondo quanto aos efeitos atribuídos à data em que os mesmos são firmados e à sua autoria) e à função por eles exercida (em especial, a documentos destinados à comunicação de informações e a escrituração contábil e comercial da atividade empresarial). (REICHELT. 2001, p. 257).

Esses critérios demonstram as diferenças na força probatória entre os tipos de prova existentes.

4.3.Força Probatória dos Documentos

Primeiramente, devemos saber que o documento aponta um fato, tendo conteúdo representativo. E, como nos ensina Carnelutti (2000, p. 514) "sendo a representação sempre obra do homem, o documento mais do que uma coisa, é um opus (resultado de um trabalho)". Pela representatividade, necessitamos definir sua confiabilidade.

Desde o início do século passado, dividimos os documentos em públicos e privados, pois há diferença em relação às suas forças probantes. Esta divisão ainda hoje é bastante relevante quando valoramos a prova.

Na teoria das provas, busca-se sempre a prova perfeita. Os documentos públicos são os que têm mais valor, chegando perto desta perfeição. Nesse sentido encontramos uma citação clássica a respeito dos documentos públicos, chamados de provas literais autenticas:

Ninguém pode impugnar a grande importância da prova perfeita, qualquer que seja a forma pela qual se opere; porém, a prova literal autêntica é a que tem ainda mais subido valor.

No nosso reino, as leis, tanto antigas como modernas, têm procurado estabelecer quais os casos nos quais se deve exigir a prova literal, e todas tendem a empregar os meios para que ela seja preferida, sempre que seja possível; e isto, não só para que terminem os processos existentes, mas também para que se evitem outros novos, para o que muito já contribuído, e cada vez contribuirá mais, a legislação hipotecária (CASTRO, 2000, p. 103).

Na falta da prova documental pública, o mesmo autor cita a prova particular, que se faz pelos escritos particulares nos termos, pela forma e para os efeitos prescritos em direitos. Mas estes são mais sujeitos a fraudes (CASTRO, 2000, p. 103).

Por isso, segundo Montenegro Filho (2009, p. 493), "a força probante dos documentos depende da sua origem (documento público e documento particular) e da sua forma (originais e cópias)".

Vemos esta regra explícita no art. 373 do nosso CPC: "o documento particular, de cuja autenticidade se não duvida, prova que o seu autor fez a declaração, que lhe é atribuída" (BRASIL, 1973). Este artigo presume verdadeira a declaração feita pelo documento particular.

Além dos escritos particulares, temos outros tipos de provas em nosso Código Civil:

Art. 225. As reproduções fotográficas, cinematográficas, os registros fonográficos e, em geral, quaisquer outras reproduções mecânicas ou eletrônicas de fatos ou de coisas fazem prova plena destes, se a parte, contra quem forem exibidos, não lhes impugnar a exatidão (BRASIL, 2002).

Trataremos, tanto os escritos particulares como reproduções de imagens e sons, como documentos particulares neste trabalho.

Agora pretendemos abordar o motivador desse trabalho: a alegação de falsidade.

4.4.Falsidade

A contestação mais temida de uma prova documental é a alegação de sua falsidade. Segundo Castro (2000, p. 255): "É, em geral, indispensável, para que os documentos particulares façam prova em juízo, que a parte que deles quer servir-se prove a verdade do seu objeto, se a parte contrária nega a sua veracidade".

Em nosso direito, a falsidade consiste em (art. 387 do CPC):

a)formar documento não verdadeiro;

b)alterar documento verdadeiro (BRASIL, 1973).

A veracidade dos documentos é presumida, desde que não haja impugnação quanto à sua falsidade. A falsidade pode ser alegada quando há defeitos no negócio jurídico, que podem ser causados por erro, dolo ou coação.

Não havendo impugnação ao documento, é considerado verdadeiro, representando presunção relativa, que cede a qualquer momento do processo, quando demonstrado que o documento foi obtido por erro, dolo ou coação (arts. 138 e ss, 141 e ss, 151 e ss, todos do CC, com o trato de cada vício, como defeitos do negocio jurídico). (MONTENEGRO FILHO, 2009, p. 465).

Da mesma forma, nosso direito penal exige perícia, conforme art. 235 do CPP: "A letra e firma dos documentos particulares serão submetidas a exame pericial, quando contestada a sua autenticidade" (BRASIL 1941).

Tanto no direito penal quanto no civil, a falsidade de um documento pode ser alegada a qualquer tempo e em qualquer grau de jurisdição. Para essa alegação dá-se o nome de incidente de falsidade. Havendo um incidente de falsidade, esta deve ser comprovada através de exame pericial. Durante a perícia, o processo principal é suspenso. Ao final do incidente, o juiz deve declarar a falsidade ou a autenticidade do documento.

O detalhamento deste procedimento está em nosso CPC:

Da Argüição de Falsidade

Art. 390. O incidente de falsidade tem lugar em qualquer tempo e grau de jurisdição, incumbindo à parte, contra quem foi produzido o documento, suscitá-lo na contestação ou no prazo de 10 (dez) dias, contados da intimação da sua juntada aos autos.

Art. 391. Quando o documento for oferecido antes de encerrada a instrução, a parte o argüirá de falso, em petição dirigida ao juiz da causa, expondo os motivos em que funda a sua pretensão e os meios com que provará o alegado.

Art. 392. Intimada a parte, que produziu o documento, a responder no prazo de 10 (dez) dias, o juiz ordenará o exame pericial.

Parágrafo único. Não se procederá ao exame pericial, se a parte, que produziu o documento, concordar em retirá-lo e a parte contrária não se opuser ao desentranhamento.

Art. 393. Depois de encerrada a instrução, o incidente de falsidade correrá em apenso aos autos principais; no tribunal processar-se-á perante o relator, observando-se o disposto no artigo antecedente.

Art. 394. Logo que for suscitado o incidente de falsidade, o juiz suspenderá o processo principal.

Art. 395. A sentença, que resolver o incidente, declarará a falsidade ou autenticidade do documento (BRASIL, 1973, grifo nosso).

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Desta forma, para a arguição da falsidade, devemos utilizar a perícia.

4.3.Perícia

Caso a autenticidade de um documento seja questionada, a questão deve ser resolvida por um perito, nomeado pelo juiz, de preferência entre os técnicos dos estabelecimentos oficiais especializados. O perito deve fazer um laudo baseado em exame, vistoria ou avaliação.

Mesmo que o juiz não tenha que se restringir ao laudo pericial para formar sua convicção, a importância da perícia é bastante reconhecida:

Sem exame, não podem os documentos ter efeitos probatórios. A essa inspeção sensorial é apenas porta aberta à compreensão do conteúdo intelectual, que é nenhuma na inspeção sensorial da coisa. Se está em causa a materialidade do documento, como se dele é falso ou falsificado, aquela inspeção não basta; mas o que então se prova não se prova por meio de "prova documental", e sim por meio de inspeção ocular, ou outra, ou por meio de perícia. É a coisa, e não o documento, que se examina; examina-se o documento sem se ir até o seu conteúdo intelectual, ou se analisa materialmente esse conteúdo (PONTES DE MIRANDA, 1997, p. 357).

O objetivo da perícia é esclarecer questões técnicas, que ultrapassam o conhecimento do julgador, conforme podemos confirmar:

A perícia é espécie de prova que objetiva fornecer esclarecimentos ao magistrado a respeito de questões técnicas, que extrapolam o conhecimento científico do julgador, podendo ser de qualquer natureza e originada de todo e qualquer ramo do saber humano, destacando-se os esclarecimentos nas áreas de engenharia, da contabilidade, da medicina e da topografia (MONTENEGRO FILHO, 2009, p. 479).

Caso o juiz, após a primeira perícia, ainda não tenha formado sua convicção, pode pedir uma segunda perícia. Esta segunda perícia não substitui o resultado da primeira, mas sim a complementa, podendo o juiz apreciar o valor de ambas em separado.

Vale lembrar que, voltando ao assunto de hierarquia de provas, há uma certa prevalência da prova pericial sobre outras provas. Segundo Pinheiro (2009, p. 172), essa preferência "decorre do fato de a prova pericial ser produzida a partir de fundamentação científica, não dependendo de interpretações subjetivas". Essa força da prova pericial impede seu desprezo não motivado:

Uma vez e admitida e produzida, embora possa ser desprezada ou mitigada pelo magistrado em face de outras provas que constam nos autos (art. 436), dando ao fato, com maior firmeza, probabilidade de sua ocorrência de modo diverso, anotamos que esse desprezo não pode ocorrer sem embasamento, sob pena de caracterização do cerceamento do direito de defesa da parte que demonstrou o interesse na colheita da prova específica. (MONTENEGRO FILHO, 2009, p. 481).

Demonstra-se que a perícia é fundamental para as provas digitais. Pode-se haver presunção, mas esta presunção é um argumento bastante fraco:

Quando, afinal, chega-se às presunções partindo-se das provas históricas, através das contra-senhas, desaparece não apenas a função representativa, mas também a função indicativa das provas; a relação entre a prova e o fato por provar não é desejada pelo homem, mas imposta pela natureza, e a ação do homem manifesta-se exclusivamente indagando-se sobre ela (CARNELUTTI, 2000, p. 543).

Portanto, quando há a presunção na cognição, a prova perde tanto a função representativa quanto a indicativa, sugerindo que a perícia é essencial para se provar a autenticidade ou falsidade de um documento.

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Sobre o autor
Breno Minucci Lessa

Bacharel em Direito. Pós-graduado em Gerência de Tecnologia da Informação. Atua há 15 anos em TI de empresas multinacionais de grande porte.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LESSA, Breno Minucci. A invalidade das provas digitais no processo judiciário. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2455, 22 mar. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14555. Acesso em: 19 abr. 2024.

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