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A importância da Comissão Europeia na formulação dos principais tratados europeus

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20/03/2010 às 00:00
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A INFLUÊNCIA DA COMISSÃO EUROPEIA NO PROCESSO POLÍTICO DE FORMULAÇÃO E REFORMA DOS TRATADOS COMUNITÁRIOS

A ideia de formulação e reforma de tratados está relacionada com a capacidade de deliberação e com a delegação de poder a determinadas instituições europeias.

O processo de integração Europeu se desenvolveu pelo fato de governos apontarem diferentes ênfases em assuntos diversos e, com isso estarem preparados a não atingir seus objetivos em determinados assuntos, mas alcançar suas metas em outros mais relevantes ao interesse nacional. O resultado desse processo de desenvolvimento da União Europeia foi a gradual adição de novas competências à União Europeia pelos Estados membros e o consequente aumento de poder executivo da Comissão.

O Tratado de Paris de 1951, por exemplo, que estabeleceu a Comunidade do Carvão e do Aço foi, essencialmente, um acordo entre a França e a Alemanha. Em consonância com a reconstrução e reindustrialização alemã, a França buscou aproveitar tal cenário para promover a produção e distribuição da sua indústria de aço e carvão. Tendo em vista assegurar tais objetivos, os Estados membros em questão delegaram certos poderes ao corpo supranacional, a Alta Autoridade, precursora da Comissão Europeia como relatado anteriormente. Robert Schuman e Jean Monnet foram os principais idealizadores de tal projeto.

A distribuição e produção comum de aço e de carvão poderiam ser governadas através de reuniões ministeriais dos membros de governo, mas Schuman e Monnet argumentaram que tais arenas intergovernamentais poderiam sofrer desacordos, indecisões e procrastinações à medida que cada governo tenderia a defender seus próprios interesses. Com isso, Schuman e Monnet assinalaram que a eficiência no processo de tomada de decisão poderia ser garantida, apenas, pela delegação de responsabilidades a um corpo supranacional e pelo gerenciamento político de tal corpo. A combinação da tomada de decisão no âmbito intergovernamental e pela iniciativa e gerenciamento político pelo âmbito supranacional executivo presente no Tratado de Paris serviu de modelo para os Tratados posteriores.

Outro importante Tratado assinado foi o Tratado de Roma de 1957 que estabeleceu a Comunidade Econômica Europeia (CEE) e a Comunidade Europeia de Energia Atômica (Euratom), conforme relatado anteriormente.

Na Comunidade Econômica Europeia, o processo de barganha ocorreu entre o objetivo alemão de criar um mercado comum e o objetivo francês de criar mecanismos de proteção para seus produtos agrícolas através da Política Comum Agrícola. Para alcançar tais objetivos foi delegado por meio deste Tratado em questão, à Comissão Europeia poder de iniciativa no mercado comum e na administração da Política Comum Agrícola. Outra inovação trazida pelo Tratado de Roma foi a adoção de um procedimento legislativo que torna mais fácil para o Conselho aceitar as propostas da Comissão Europeia ao invés de recusá-las. Tal inovação permite que a Comissão tenha significantes poderes de agenda-setting no estabelecimento de regras reguladoras do mercado comum.

Em 1986, foi assinado o Ato Único Europeu com o objetivo de progredir na integração europeia e formar o mercado europeu unificado. Porém, um dos principais empecilhos para alcançar tais objetivos era o fato de as decisões, no âmbito europeu, serem tomadas através da unanimidade de votos. Assim, a Conferência Intergovernamental do Ato Único Europeu tinha como uma das suas principais metas a alteração do Tratado de Roma que previa a unanimidade de votos nos processos de tomada de decisão. Através dessa Conferência houve uma ampliação das situações em que o Conselho poderia deliberar por maioria qualificada e não por unanimidade de votos. [12]

O Presidente da Comissão Europeia, Jacques Delors, defendia a União Econômica e Monetária como um passo importante no processo de integração. Para equilibrar os avanços da união comercial de que beneficiariam diretamente os empresários, propôs a aprovação de uma Carta Social [13] que garantisse benefícios sociais mínimos aos trabalhadores europeus.

Em Luxemburgo no ano 1986 foi assinado o Ato Único Europeu que passou a vigorar em julho de 1987.

As mudanças estruturais necessárias para a renovação e prosseguimento do processo de integração europeu ocorreram através do Ato Único Europeu devido a capacidade de Comissão Europeia em liderar o processo político juntamente com o apoio transnacional das elites industriais que exerciam substancial influência sobre os governos nacionais. Apesar, de os governos nacionais configurarem também como atores importantes neste processo de negociação do Ato Único Europeu, eles não desempenharam um papel decisivo para o sucesso dessas negociações. A Comissão, com o apoio destes grupos transnacionais, foi capaz de mobilizar grupos governamentais para formar o mercado único europeu. (Sandholtz; Zysman, 1994, p.98).

Assim, a Comissão Europeia juntamente com as lideranças de grandes empresas transnacionais europeias foram os precursores para as mudanças e para o desenvolvimento das relações regionais na integração europeia em 1992. Nos processos de negociação intergovernamentais, durante o Ato Único Europeu, a Comissão não apenas promoveu mecanismos para tais negociações como também tomou iniciativas que possibilitaram vários progressos positivos para a integração europeia como, por exemplo, a publicação do Livro Branco de 1985 que previa prazos para a formação do mercado único interno.

O Ato Único Europeu foi um marco na transformação da década de 80 para a de 90. Aprovado pelos europeus, este documento inicia uma integração ligada à liberalização do mercado europeu e a reforma dos procedimentos decisionais europeus, objetivando um mercado interno unificado.

Os Estados membros delegam poderes a organizações supranacionais como a Comissão Europeia para diminuir os custos transnacionais de se fazer política através do monitoramento das instituições. Apesar disso, percebe-se, através da analise do Ato Único Europeu, receio dos Estados membros em delegar poderes a instituições supranacionais nas áreas particularmente ligadas a soberania ou a segurança nacional, ou seja, aquelas áreas ligadas ao segundo e terceiro pilar do Tratado de Maastricht.

Quanto menos atrativo é o status quo e quanto maior são as expectativas de ganhos com o aumento da cooperação, maior será o incentivo aos governos de agregar-se ou delegar poder a determinadas instituições.

O nível de risco político para governos individuais ou grupos de interesses com preferências determinadas são minimizados pelos bons resultados da cooperação. Os governos possuem incentivos para delegar poder de decisão apenas quando existe pequena probabilidade de que os efeitos cumulativos distribuídos de decisões delegadas ou conjuntas não serão contrários aos interesses primordiais do governo nacional.

No jogo de interesses, como no caso do Ato Único Europeu, percebe-se que a imparcialidade da Comissão Europeia em relação aos interesses de determinados Estados membros e grupos de interesses se torna questionável na prática. A habilidade de selecionar determinadas propostas dentre várias propostas viáveis conferiu à Comissão Europeia considerável poder no processo político decisório europeu. Este poder é particularmente decisivo quando o status quo não é atrativo. Apesar de a Comissão Europeia operar sobre circunstâncias limitadoras e de pressão política, ela é, geralmente, capaz de avançar nas negociações.

O Tratado da União Europeia, conhecido também como Tratado de Maastricht, assinado em 1992, institucionalizou o plano da Comissão Europeia para a União Econômica e Monetária. Com tal medida, novos fundos foram prometidos para as políticas de coerção, a política social da União Europeia foi fortalecida, novas proteções para a área social, de saúde, educação e transporte foram introduzidas e a cidadania da União Europeia foi estabelecida. Mais uma vez foi delegado à Comissão o poder de iniciativa legislativa a administração de tais políticas. Contudo, o Conselho recusou-se em delegar força executiva à Comissão nos dois novos pilares que eram separados do pilar principal da Comunidade Europeia.

Com relação ao Tratado de Amsterdã, assinado em 1997, a maior inovação trazida foi a transferência de provisões para o estabelecimento da livre circulação de pessoas na Comunidade Europeia como cumprimento de parte do Tratado da União Europeia. Os governos notaram que as provisões oferecidas através do pilar da justiça e assuntos de política doméstica no Tratado de Maastricht falharam. Para resolver tal situação, os governos acordaram novamente em delegar direitos em relação à política de iniciativa à Comissão Europeia, mas também autorizou que tais políticas de iniciativa poderiam ser realizadas pelos Estados membros.

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Assim, a delegação seletiva de poderes políticos e administrativos à Comissão pelos governos dos Estados membros foi um dos principais motivos facilitadores para a formulação e assinatura dos Tratados europeus foi. A barganha interestatal e cooperação europeia permitiu o fortalecimento do processo integratório europeu.


REFERÊNCIAS

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Site oficial da União Europeia: http://europa.eu.int/index_pt.htm


Notas

  1. Esta data é celebrada anualmente como o Dia da Europa de acordo do dados oficiais do site da UE.
  2. No Tratado de Maastricht, foi a primeira vez que o termo União Europeia foi utilizado oficialmente.
  3. Disponível em: http://europa.eu.int/index_pt.htm . Acesso 20.04.07.
  4. Os 27 os Estados membros da EU, quais sejam, Bulgária (Balgarija), Bélgica (Belgique), República Checa (Ceská Republika), Dinamarca (Danmark), Alemanha (Deutschland), Estónia (Eesti), Grécia (Ellas), Espanha (España) França (France), Irlanda (Ireland), Itália (Italia), Chipre (Kypros-Kibris), Letónia (Latvija), Lituânia (Lietuva), Luxemburgo(Luxembourg), Hungria (Magyarország), Malta (Malta), Países Baixos (Nederland), Áustria (Österreich), Polónia (Polska), Portugal (Portugal), Roménia (România), Eslovénia (Slovenija), Eslováquia (Slovensko), Finlândia (Suomi), Suécia (Sverige), Reino Unido (United Kingdom). Disponível em: http://www.eurocid.pt. Acesso 08.03.08.
  5. Disponível em: http://europa.eu.int/index_pt.htm . Acesso 20.02.08.
  6. HIX, Simon (1990). The Political System of the European Union. St. Martin’s Press. New York.p.2.
  7. HIX, Simon (1990). The Political System of the European Union. St. Martin’s Press. New York.p.2.
  8. HIX, Simon (1990). The Political System of the European Union. St. Martin’s Press. New York.p.3.
  9. HIX, Simon (1990). The Political System of the European Union. St. Martin’s Press. New York.p.3.
  10. HIX, Simon (1990). The Political System of the European Union. St. Martin’s Press. New York. p.4.
  11. As externalidades negativas ocorrem quando políticas de uma nação impõem custos domésticos a uma outra como, por exemplo, protecionismo e desvalorização competitiva. Já as externalidades positivas ocorrem quando políticas de uma nação geram benefícios a uma outra.
  12. Disponível em http://www.historiasiglo20.org/europortug/actounico.htm. Acesso em 24/09/2005.
  13. A Carta comunitária dos direitos sociais, conhecida como Carta Social, foi aprovada em 1989, na forma de uma declaração, por parte de todos os Estados membros com exceção da Inglaterra. É um instrumento político que dispõe sobre o respeito de determinados direitos sociais nos Estados que fazem parte da União Europeia.

Disponível em http://www.historiasiglo20.org/europortug/actounico.htm. Acesso em 24/09/2005.

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Sobre a autora
Verônica Vaz de Melo

Mestre em Direito Público na linha de pesquisa "Direitos humanos, processos de integração e constitucionalização do Direito Internacional" pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Analista internacional graduada em Relações Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.Especialista lato sensu em Direito Público pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Advogada graduada pela Faculdade de Direito Milton Campos.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MELO, Verônica Vaz. A importância da Comissão Europeia na formulação dos principais tratados europeus. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2453, 20 mar. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14559. Acesso em: 26 abr. 2024.

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