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A contribuição previdenciária para inativos e pensionistas em face da EC 20/98

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01/04/1999 às 00:00

Resumo:


  • A Lei nº 9.783/99 estabeleceu alíquotas uniformes de 11% para servidores ativos, inativos e pensionistas da União, com adicionais temporários progressivos baseados na faixa de vencimentos e proventos, além de isenções para inativos e pensionistas com base na idade e invalidez.

  • A constitucionalidade dessa lei é questionável, pois pode violar direitos adquiridos, o princípio da causa eficiente, a definição constitucional de contribuintes do regime previdenciário, o princípio isonômico, a necessidade de lei complementar para novas fontes de custeio, a vedação de tributos com base de cálculo própria de outros já existentes e o uso de tributo com efeito de confisco.

  • Além disso, a progressividade da contribuição previdenciária para servidores públicos federais pode ser considerada inconstitucional, pois não se alinha com o princípio de igualdade tributária e pode configurar um tributo adicional sobre a renda, desrespeitando o princípio do não-confisco e a vedação de tratamento desigual entre contribuintes em situação equivalente.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

I - INTRODUÇÃO

A Lei nº 9.783, de 28 de janeiro de 1999, instituiu a alíquota uniforme de 11% para todos os servidores ativos, inativos e pensionistas da União. Além disso, instituiu adicionais temporários (até dezembro de 2002) de 9% sobre a parcela de vencimentos e proventos compreendida entre R$ 1.200,00 e R$ 2.500,00 e de 14% sobre a parcela excedente a esse valor. Criou faixas de isenção para as parcelas de até R$ 600,00 para inativos e pensionistas, isenção que se eleva para R$ 3.000,00 quando o inativo ou pensionista tenha mais de 70 anos ou tenha sido inativado por invalidez.

Em resumo, estendeu a obrigação de contribuir aos inativos e pensionistas e criou, verdadeiramente, uma escala progressiva de contribuição, por via de adicionais temporários.

O cotejo do conteúdo da citada lei com as disposições constitucionais, principalmente as regentes da matéria tributária e da matéria previdenciária (esta reformada profundamente pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998) põe em evidência uma quantidade significativa de ilegitimidades do que, fatalmente, decorrerá seu afastamento do mundo jurídico por declaração de inconstitucionalidade.

Um sumário das inconstitucionalidades encontradas poderia ser listado como abaixo:

1 - ofensa ao direito adquirido do segurado, mediante o pagamento prévio de um número definido de contribuições, à percepção de um benefício igualmente definido no texto constitucional (art. 40, §§ 1º e 3º);

2 - ofensa ao princípio da causa eficiente para criação ou majoração de contribuição, em razão da desvinculação custo-benefício no caso dos aposentados (art. 40, c/c art. 195, § 5º), em razão da falta de prévia definição legal de modelo atuarial (art. 40) e em razão de instituição de alíquotas diferenciadas (art. 195, § 5º);

3 - ofensa à definição constitucional dos destinatários (e contribuintes) do regime previdenciário, ou seja, servidores titulares de cargo efetivo (art. 40, caput e § 12, c/c art. 195, II);

4 - ofensa ao princípio isonômico, em razão do tratamento diferenciado entre segurados do regime especial e do regime geral (art. 40, caput, c/c art. 195, II, art. 5º e art. 150, II) e entre segurados do regime do art. 40 em razão da imposição de alíquotas progressivas (art. 150, II);

5 - ofensa à obrigatoriedade de lei complementar para instituição de fonte nova de custeio para a previdência (art. 195, § 4º, c/c art. 154, I) ou, alternativamente, à obrigatoriedade de lei complementar e de observância de anterioridade plena (art. 149, c/c art. 146, III e 150 III);

6 - ofensa à vedação de criação de novo tributo com fato gerador ou base de cálculo próprios dos já existentes (art. 195, § 4º, c/c art. 154, I);

7 - ofensa à não autorização constitucional para instituição de alíquotas diferenciadas (art. 195, § 9º);

8 - utilização de tributo com efeito de confisco (art. 150, IV);

9 - contrariedade à mens legis e à mens legislatoris, apurada pela interpretação integrativa dos textos constitucionais e pela interpretação dos registros históricos dos trabalhos parlamentares na votação da Emenda Constitucional nº 20, de 1998.


II - EVOLUÇÃO HISTÓRICA

A Emenda 20 operou radical transformação na natureza do regime de aposentadoria dos servidores públicos, que se iniciara no século passado como benesse concedida aos militares, estendida aos funcionários civis invalidados para o trabalho, sendo gradativamente ampliada para alcançar outras hipóteses, como o simples cumprimento de determinado tempo de serviço ou atingimento de certa idade.

O conceito, de início claro e depois subjacente, era de um prêmio aos bons funcionários. O Estatuto de 1939 ainda subordinava a concessão ao arbítrio do Governo: "...e forem julgados merecedores desse prêmio, pelo bons e leais serviços prestados à administração pública." (DL nº 4.693 e DL nº 8.253, este de 29-11-45). MÁRIO MASAGÃO definia a aposentadoria como "a situação do funcionário público desligado definitivamente do exercício do cargo, por invalidez, ou como prêmio por longo tempo de serviço, e que continua a perceber, até o fim da vida, o estipêndio, integral ou reduzido, conforme o caso" (Revista de Direito Administrativo, vol. 79, pág. 249). MARCELLO CAETANO, completa sua definição de aposentadoria com a expressão "...mediante a atribuição de uma pensão vitalícia cuja importância é proporcional ao número de anos de serviço prestado ou correspondente a sacrifícios extraordinários feitos pelo interesse geral." (Curso, vol. II, pág. 254). HELY LOPES MEIRELLES não distoa: "a aposentadoria é a prerrogativa da inatividade remunerada, reconhecida aos funcionários que já prestaram longos anos de serviço público, ou se tornaram incapacitados para suas funções." (Direito Administrativo Brasileiro, 1964, pág. 388).

Até o advento da Emenda 20, a natureza da aposentadoria dos servidores sempre foi premial, sem embargo de que, sendo fundada na Constituição e no sistema legal, fosse direito subjetivo dos servidores. Contudo, sempre decorreu de liberalidade do Estado e nunca deixou de ser um prêmio ao servidor que cumpria determinados pressupostos de invalidação, de tempo de serviço ou de idade. Por comodidade contábil, ou não, (visto que o Estado que paga os vencimentos que ele próprio fixa como ato de príncipe é o mesmo que pagará os proventos) o fato é que, até a Emenda n.º 3, de 1993, nunca houve a preocupação de se cobrar contribuição do servidor. (A contribuição para o IPASE que anteriormente se cobrava, e continuou a ser cobrada mesmo depois da extinção daquele instituto, era destinada a custear despesas de saúde e o fundo de pensões dos dependentes). A despesa com inativos sempre foi considerada (inclusive no orçamento e na contabilidade pública) como despesa de pessoal. A doutrina e a jurisprudência sempre consideraram o inativo como espécie do gênero servidor, tanto que, mesmo após inativado e desligado do cargo, podia ser punido (inclusive com a cassação da aposentadoria) assim como chamado a fazer reposições ou indenizações à Fazenda, etc.. Enquanto na ativa, percebia pro labore facciendo. Uma vez inativado, os estipêndios tinham a natureza de pro labore facto.

J. E. Abreu de Oliveira acentua o caráter de continuidade da relação jurídica entre o Estado e o servidor, mesmo após a inativação. Nesse contexto, "o provento do aposentado tem a mesma natureza jurídica do vencimento, deste sendo uma continuação ou prolongamento". Citando exemplos concretos e doutrina de países como a Bélgica, França, Espanha, México, Argentina, Estados Unidos, conceitua o provento como uma parcela diferida dos vencimentos devidos durante a fase ativa. (Aposentadoria no Serviço Público, Freitas Bastos, 1970, pág. 149)

No Brasil, as Constituições simplesmente determinavam: "o funcionário será aposentado:" (e seguiam-se os pressupostos). Aliás, a Constituição de 1988 foi a primeira a trocar o termo funcionário pelo de servidor.

A Emenda n.º 3, de 1993, introduziu no art. 40, da CF, o § 6º, iniciando a transição ao determinar que os servidores deveriam contribuir para compartilhar a despesa com os aposentados. Iniciou-se, então, ainda embrionário, um regime de repartição simples: os ativos contribuindo para ajudar a manter os inativos. Todavia, o regime não deixou, mesmo assim, de ser premial. Ou, pelo menos, os doutrinadores não registraram a mudança. O STF, ainda em dezembro de 1994, editou acórdão considerando que o aposentado não poderia exercer cargo público sob pena de incorrer em acumulação, aludindo claramente a que se deveria considerar que, virtualmente, ele continuava servidor e ocupando cargo.

Todavia, a Emenda n.º 20, de 1998, completou a transição, e, vale dizer, radicalmente.

Não se trata de mero acaso. Na proposta inicial da reforma da previdência, o Governo pretendia simplesmente extinguir o regime de aposentadoria dos servidores, unificando-o no regime da previdência geral. No curso do processo legislativo a proposta foi mitigada para um regime próprio, porém o mais aproximado possível com o do regime geral. É bastante elucidativo o seguinte trecho do Relator da reforma no Senado Federal, Senador Beni Veras" ao descrever o projeto substitutivo que submetia à votação:

"...o estabelecimento de critérios similares para os regimes do servidor público e do INSS e a remissão ao artigo que trata do servidor público para as diversas situações específicas, o que tornou meu Substitutivo uma proposta uniforme e coerente para todos os cidadãos, ainda que contemplando diferentes regimes;"

Além da natureza contributiva e atuarial, diversos dispositivos fazem a ponte entre ambos. O mais explícito é o §12 do art. 40, que manda aplicar, no que couber, "os mesmos requisitos e critérios fixados para o regime geral de previdência social". A rigor configura-se, hoje, um único regime geral, universal, de previdência social (art. 201) que passa a conviver com regimes especiais para os servidores (art. 40), de características muito semelhantes. O regime geral fornece as normas gerais, que se aplicam inclusive aos regimes especiais naquilo que não esteja especificado em suas próprias normas especiais. Aplica-se, no caso, a mesma doutrina pertinente à vigência simultânea de leis gerais e leis especiais.

Pela primeira vez na história, a CF subordinou a aposentadoria de seus servidores a um regime previdenciário de base contributiva e atuarial.

O câmbio é radical. O referencial doutrinário e jurisprudencial que informavam o regime premial não é mais adequado para o novo regime.

A aposentadoria do servidor deixa de ser um prêmio, uma benesse do Estado, passa a ser contraprestação ao pagamento de contribuições, as quais inclusive, devem ser calibradas de tal sorte a proporcionar equilíbrio financeiro e atuarial ao regime.

O regime premial cede lugar ao regime de seguro social.

Antes, o Estado era devedor da aposentadoria por liberalidade sua. Agora, é devedor porque se apossa da contribuição, mero prêmio do seguro social. Antes, o Estado pagava prêmio de aposentadoria ao servidor que se invalidava ou envelhecia. Agora, é o servidor que paga ao Estado o prêmio do seguro e, em contrapartida, torna-se credor dos benefícios da aposentadoria. Antes da Emenda nº 20, o aposentado continuava servidor, inclusive para fins disciplinares. E agora? Ter-se-á tornado inconstitucional, por exemplo, o instituto da cassação de aposentadoria?

Mais: pode o Estado, após a Emenda nº 20, de 1998, instituir contribuição daquele a quem já é devedor, exatamente para cobrir parte das despesas com o débito que ele, Estado, tem que pagar ao mesmo contribuinte?

Ao assim fazer, não estará o Estado cometendo simples confisco ou cobrança sem causa eficiente, visto que nenhuma contrapartida oferece a essa contribuição arrecadada? Já que está contribuindo, o aposentado poderá obter novo benefício, em contrapartida? Não, até porque isso é expressamente vedado no § 6º do art. 40.


III - A NATUREZA PREVIDENCIÁRIA E CONTRIBUTIVA DO REGIME

O art. 40 da CF, com a redação dada pela Emenda n.º 20, determina que o aos servidores titulares de cargos efetivos é assegurado "regime previdenciário de caráter contributivo".

Isso implica radical inovação na matéria, visto que, até então as aposentadorias dos servidores federais enquadravam-se no conceito "premial", em face do que todo o referencial doutrinário e jurisprudencial antes aplicável se torna inadequado.

Antes, as Constituições diziam que "o servidor será aposentado..." (em tais ou quais condições e requisitos). Agora, diz que o servidor será aposentado se abrangido (§ 1º do art. 40) por um regime previdenciário de caráter contributivo. Até então, o principal requisito era o "tempo de serviço". Agora, o principal requisito é o "tempo de contribuição".

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Antes, o servidor recebia um prêmio pelos serviços prestados.

Agora, ele paga, previamente, um prêmio de seguro social para usufruir proventos na inatividade.

São da essência de um regime previdenciário contributivo o prévio pagamento das contribuições, que correspondem ao custo do seguro e a estrita vinculação causal entre tais contribuições e os benefícios, tal como se verá a seguir:

1 - o prêmio do seguro, isto é, as prestações que são ônus do segurado, são pagas previamente.

A Constituição impõe como requisito para auferir o benefício a verificação prévia de que o segurado contribuiu antes da concessão. Segundo o art. 40, o direito ao benefício, calculado segundo as regras que especifica, se constitui (além do requisito combinado de idade) com o recolhimento prévio da contribuição, durante tantos ou quantos anos. A Constituição não prevê nenhuma hipótese de contribuição a posteriori. Por exemplo, mesmo que o servidor cumpra, antes, o requisito de idade, ainda assim não pode ser aposentado sob a condição de que continue pagando a contribuição. O direito ao benefício somente se configura e se constitui com seu prévio pagamento. Uma vez configurado, é direito adquirido. Os benefícios podem, então, ser auferidos sem qualquer nova prestação, porque já foram previamente pagas todas as contribuições exigidas e já se encerrou o período aquisitivo de direitos. Nenhum direito novo nascerá para o segurado em troca de novas contribuições.

Antes da Emenda nº 20, o direito à aposentadoria se constituía com o implemento da condição de tempo de serviço. Uma vez constituído, o direito se considerava adquirido e nenhuma outra obrigação adicional ao pressuposto cuja condição já fora implementada, poderia ser criada posteriormente. Por exemplo, seria claramente inconstitucional por ofensiva ao direito adquirido uma lei que viesse a criar obrigação de prestação de serviço para o servidor já aposentado, ou de sua reversão ao serviço ativo (salvo por vício na concessão). Os pressupostos de invalidação definitiva, de implemento de idade e de implemento de tempo de serviço eram condições necessárias e suficientes para a constituição do direito. Nenhuma lei poderia, após a constituição do direito, exigir complementos em relação àqueles pressupostos.

Após a Emenda nº 20, o mesmo raciocínio se aplica aos novos pressupostos agora inscritos no art. 40 da Constituição. Afora o pressuposto de invalidação definitiva, agora o direito à aposentadoria se constitui e ingressa no patrimônio jurídico do servidor com o implemento das condições de idade e de tempo de contribuição. Essas são as novas condições necessárias e suficientes para o aperfeiçoamento e aquisição do direito. Assim como, antes, seria inconstitucional a lei que criasse obrigações de prestação de serviço para os aposentados, agora é inconstitucional a lei que cria nova contribuição em complemento ás contribuições já implementadas nos termos do art. 40 da Constituição, com a redação da Emenda nº 20.

Sequer pode-se argumentar que muitos dos atuais servidores e muitos dos atuais aposentados não contribuíram efetivamente durante todo o tempo para adquirirem o direito à aposentadoria, nos novos termos exigidos pela Constituição e que isso justificaria a imposição posterior do encargo. Acontece que a Emenda nº 20 cuidou de estabelecer presunção juris tantum dessa contribuição, pela equivalência do tempo de serviço cumprido, verbis:

"Art. 4º Observado o disposto no art. 40, § 10, da Constituição Federal, o tempo de serviço considerado pela legislação vigente para efeito de aposentadoria, cumprido até que a lei discipline a matéria, será contado como tempo de contribuição."

Isso significa que todos os atuais servidores ativos estão em situação regular e que todos os atuais aposentados estão absolutamente quites com sua obrigação contributiva, na exata proporção de seus respectivos tempos de serviço considerados para a aquisição do direito ao benefício. Para os efeitos do art. 40 da Constituição Federal, todos os atuais aposentados contribuíram integralmente para a aquisição do direito aos proventos. Nada mais lhes pode ser exigido.

Essa é a própria lógica do seguro, agasalhada pela Constituição. Ofende a lógica e a Constituição que, depois de pagas as condições para obtenção do benefício (que é previamente definido) possa o segurador continuar cobrando o prêmio do seguro. Fazendo isso, ele está simplesmente sonegando o pagamento de parte do benefício previamente definido em norma constitucional e estendendo a obrigação do segurado para além do que a Constituição determinou para a constituição do seu direito.

A Constituição diz que o servidor contribua durante trinta e cinco anos para fazer jus aos proventos integrais. A Lei nº 9.783, de 1999, instituidora de contribuição para o aposentado, das duas uma: ou está estendendo o prazo de contribuição para trinta e seis, trinta sete, quarenta, cinqüenta, setenta anos - ou está diminuindo aritmeticamente o valor dos proventos, que, assim, deixam de ser integrais, configurando-se confisco por via oblíqua. Aliás, na Exposição de Motivos que acompanhou a mensagem presidencial que resultou no Projeto de Lei nº 4.898/99 e, posteriormente, na Lei nº 9.783, o Governo indica claramente a intenção de confisco:

"A instituição de contribuição previdenciária para os servidores públicos inativos é da maior relevância para corrigir as distorções existentes. Como atualmente eles deixam de contribuir ao se aposentarem, a remuneração líquida dos inativos acaba sendo mais elevada que a dos ativos."

A Emenda nº 20, em dois momentos, fornece indicação clara de que em matéria de contribuição do segurado, o seu pagamento por um determinado número de anos é condição necessária e suficiente para o aperfeiçoamento do direito à aposentadoria integral: tanto o § 1º do art. 3º quanto o § 5º do art. 8º conferem imunidade contributiva ao segurado que, tendo já contribuído pelo tempo suficiente, permaneça em serviço.

A Lei nº 9.783 também assim o reconhece, ao conferir isenção de caráter idêntico. Todavia, merece registro enfático que, a título de estimular o retardamento do pedido de aposentadoria, a citada lei incorre em absurda e inexplicável contradição jurídica. Ao conceder a isenção (na verdade, estendendo, no tempo a imunidade que a Emenda nº 20 já outorgara) ficou reconhecido pelo legislador ordinário o que o constituinte já explicitara: afora o pressuposto combinado de idade, a contribuição por determinado número de anos é o quanto basta para aperfeiçoar o direito ao benefício. Tendo contribuído por trinta e cinco anos, nem um centavo se há de exigir do segurado, porque já pagou o que tinha de pagar; já quitou previamente o que lhe competia pagar e adquiriu o direito de reclamar, quando lhe aprouver, o benefício da aposentadoria integral. Ora, a Lei nº 9.783 reconhece que o segurado já cumpriu a sua parte - a condição necessária e suficiente - mas volta a confiscar-lhe parte do benefício quando finalmente ele se dispõe a usufruí-lo.

2 - há estrita vinculação causal entre contribuição e benefício.

A contribuição somente se explica e se justifica ante a perspectiva da sua retribuição em forma de benefício, assim como o benefício somente se torna direito mediante a prévia contribuição. São dois termos da mesma equação. Um não existe sem o outro. Nem há contribuição sem benefício, nem benefício sem contribuição. A cobrança de contribuição do aposentado fere essa lógica e subverte a vinculação causal, porque não há nenhuma perspectiva de benefício que lhe vá ser dada em contrapartida. A Lei nº 9.783, de 1999 trata, então, de cobrança sem causa eficiente.

Em um regime previdenciário contributivo, necessariamente, há correlação entre custo e benefício. Regime contributivo é, por definição, retributivo.

No regime anterior à Emenda nº 20, a contribuição não era pressuposto para obtenção do direito aos proventos. Os pressupostos limitavam-se ao cumprimento de tempo de serviço, idade ou invalidação. A contribuição, introduzida pela Emenda nº 3, de 1993, era como uma obrigação acessória e não, propriamente, um pressuposto para a concessão da aposentadoria. Com a Emenda nº 20, não há mais benesse do Estado. A prévia contribuição é requisito para a aquisição do direito. Uma vez adquirido justamente com base na contribuição, o direito está protegido contra nova obrigatoriedade contributiva.

Aplica-se, agora, plenamente, o que já se enunciava para a previdência geral. No dizer do Ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, "a regra segundo a qual nenhum benefício da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total, corresponde à relativa exigibilidade de causa eficiente para a majoração, sob pena de esta última discrepar do móvel que lhe é próprio, ligado ao equilíbrio atuarial entre contribuições e benefícios, implicando, aí sim, um adicional sobre a renda do trabalhador." (j. em 26-02-93, DJ 23-0493, pág. 06918).

No bojo da Representação nº 1.077, de 28-03-84, que feriu a constitucionalidade de aumento de taxa judiciária no Estado do Rio de Janeiro, no voto do Relator Ministro Moreira Alves afirmava: "Como já se acentuou - a taxa judiciária, em face do atual sistema constitucional, taxa que serve de contraprestação à atuação dos órgãos da justiça cujas despesas não sejam cobertas por custas e emolumentos, tem ela - como toda taxa, um caráter de contraprestação - um limite, que é o custo da atividade do Estado, dirigido àquele contribuinte (...) O que é certo, porém, é que não pode taxa dessa natureza ultrapassar uma equivalência razoável entre o custo real dos serviços e o montante a que pode ser compelido o contribuinte a pagar, tendo em vista a base de cálculo estabelecida pela lei e o quantum da alíquota por esta fixado." (apud Contribuição de Servidores, Paulo José Leite Farias, Correio Braziliense, 22-02-99).

Segundo a doutrina tributária, a contribuição previdenciária tem o caráter de tributo vinculado. Na falta de perspectiva futura do benefício correspondente não há que arcar o aposentado com a contribuição. Muito menos para o custeio do seu próprio benefício. Seguro social é, essencialmente, pacto entre gerações.

A natureza de tributo vinculado (à semelhança de taxa) da contribuição previdenciária decorre de ensinamentos dos maiores tributaristas, a exemplo de GERALDO ATALIBA (in Hipótese de Incidência Tributária, 2º ed., 1975, pág. 202), ALFREDO AUGUSTO BECKER (in Teoria Geral do Direito Tributário, S. Paulo, Ed. Saraiva, pág. 330), ROQUE ANTÔNIO CARRAZA (in Curso de Direito Constitucional Tributário, 3º ed., 1991, pág. 304), IVES GANDRA MARTINS (in Sistema Tributário na Constituição de 1988, 3º ed., 1991, pág. 125) e PAULO DE BARROS CARVALHO (in Curso de Direito Tributário, 5º ed., 1991, pág. 38).

A contribuição para o custeio da seguridade social do servidor tem características de uma taxa paga em contrapartida a uma dada prestação que lhe é posta à disposição. E, como bem lembra IVES GANDRA MARTINS, "as contribuições especiais não podem ser cobradas, por sua vinculação, além dos custos necessários aos serviços e finalidades a que se destinam." Contrario sensu, se a contribuição é cobrada em desvinculação com o futuro benefício, reveste-se, na verdade (a despeito de seu nomem juris) de tributo desvinculado, à semelhança do imposto de renda. E como tal, sua validade fica condicionada ao crivo dos pertinentes requisitos constitucionais.

O festejado Professor SACHA CALMON considera que a contribuição social do segurado da previdência "é sinalagmática, é paga justamente para que o pagante possa aposentar-se. Alcançada a aposentadoria, cessa a obrigatoriedade de contribuir." (Correio Braziliense, 03-02-99). Na verdade, reafirmação de sua posição doutrinária, (de resto, excelente síntese da doutrina universal) tal como, por exemplo, exarada no 1º Congresso Internacional de Direito Tributário - IBET, realizado em Vitória (ES) em agosto de 1998, ao desenvolver o tema "As "Contribuições Especiais no Direito Tributário Brasileiro": "Dentre as sociais ressaltam as previdenciárias, pagas por todos os segurados proporcionalmente aos seus ganhos, para garantirem serviços médicos, auxílios diversos e aposentadorias. Estas são as verdadeiras contribuições que podem ser incluídas na espécie dos tributos vinculados a uma atuação específica do Estado, relativamente à pessoa do contribuinte (...) Nas contribuições previdenciárias, o caráter sinalagmático da relação jurídica é irrecusável. Nas demais contribuições, inclusive as sociais, este aspecto inexiste." (in Justiça Tributária, coletânea dos temas tratados no citado Congresso. O destaque não é do original).

O parágrafo único do art. 2º da Lei nº 9.783, ao conferir caráter temporário aos adicionais de 9% e de 14% à contribuição, eleva ao extremo a desvinculação entre contribuição e benefício e, por isso, ressalta seu caráter de inconstitucionalidade. Não há como exigir acréscimo temporário de contribuição se nenhum acréscimo temporário correspondente haverá no benefício. A ofensa à retributividade é inegável e escancarada. Rompe-se claramente a relação custo-benefício. Não há qualquer resquício de causa eficiente para tal cobrança adicional.

Não merece acolhida o argumento de que, por ter direitos iguais aos do servidor ativo, o inativo deva contribuir em igual medida. A uma, porque não existe essa igualdade de direitos, vez que o aposentado, ao contrário do servidor ativo, não tem o principal direito em um regime previdenciário, que é uma futura aposentadoria (pois que já tem a sua, adquirida segundo os requisitos legais e constitucionais exigidos) e, a duas, porque a regra de paridade entre remuneração dos ativos e proventos dos inativos, nada mais é que regra de atualização de valores. Eventual acréscimo que sua aplicação provoque em relação à simples atualização de valores não deve ser objeto de nova contribuição, pois que isso terá decorrido de regra antes fixada e seu conteúdo, portanto, integrou o direito adquirido ao benefício. Poderia até ser moralmente justificável exigir-se do aposentado uma contribuição para sustentar os acréscimos de vantagem que viessem a ser incorporados aos seus proventos, visto que a Súmula 359 do STF reza que tais proventos são fixados quando da decretação da inativação, mas, obviamente, essa contribuição teria que guardar relação com os acréscimos e jamais ser idêntica à dos servidores ativos. Contudo, essa contribuição teria que ser autorizada pelo texto constitucional, o que não ocorre.

Essa autorização constitucional inexiste e a não existência decorreu de expressa vontade do Plenário da Câmara dos Deputados, deliberando na qualidade de poder constituinte derivado, tal como se vê na justificação do Destaque para Votação em Separado assinado por todos os líderes da bancada governista, o qual acarretou a supressão do dispositivo que permitia a cobrança de contribuição de inativos e pensionistas:

"Entendimentos firmados entre os Líderes dos Partidos da base de apoio ao Governo, com a expressa concordância do Poder Executivo, através de seu Líder, Deputado Luís Eduardo, concluíram que a cobrança de contribuição previdenciária de aposentados ou pensionistas da União, após o segurado ter cumprido todos os requisitos funcionais pecuniários e temporais estabelecidos legalmente como necessários à obtenção desse benefício, é indevida."

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Sobre o autor
Roberto Barbosa de Castro

auditor fiscal do Tesouro Nacional aposentado, ex-diretor-geral da ESAF, ex-coordenador-geral de Recursos Humanos do Ministério da Fazenda

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CASTRO, Roberto Barbosa. A contribuição previdenciária para inativos e pensionistas em face da EC 20/98. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 4, n. 30, 1 abr. 1999. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1456. Acesso em: 22 dez. 2024.

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