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A contribuição previdenciária para inativos e pensionistas em face da EC 20/98

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01/04/1999 às 00:00
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VIII - PROGRESSIVIDADE

A Lei n.º 9.783, de 1999 estabeleceu escala progressiva de aliquotagem para a contribuição dos segurados pelo regime de previdência do art. 40. Assim fazendo, ofendeu o princípio de causa eficiente e de isonomia entre os contribuintes do mesmo regime, além de, na verdade, criar disfarçado tributo adicional sobre a renda.

Aplicam-se, ao caso, duas ordens de consideração.

Primeiro, que regras constitucionais básicas, em matéria tributária, são a da isonomia e a da proporcionalidade.

Todas as hipóteses de diferenciação de alíquotas, previstas nos diversos impostos, são expressamente autorizados pela própria Constituição. O Supremo Tribunal Federal tem rechaçado todas as tentativas de se estabelecer diferenciação constitucionalmente não autorizada. Por exemplo, não obstante o disposto no § 1º do art. 156, formou-se torrencial jurisprudência naquela Corte sobre a impossibilidade de qualquer laivo de progressividade no IPTU que não corresponda ao desiderato constitucional de assegurar o cumprimento da função social da propriedade.

Apenas em alguns casos, expressamente contemplados, a Magna Carta previu fossem os tributos progressivos. Estabeleceu como princípio geral o da proporcionalidade e como princípio específico o da progressividade. A progressão das alíquotas dos impostos não é admitida pela Constituição de 1988, senão nos casos expressamente especificados.

Preleciona AIRES FERNANDINO BARRETO (in Justiça Tributária, coletânea de temas do 1º Congresso Internacional de Direito Tributário, Vitória (ES), agosto de 1988):

"Especificamente quanto ao tema da progressividade, é preciso, antes de tudo, afastar a apressada conclusão, no sentido de que o disposto no art. 145, § 1º da Constituição Federal, ao impor a gradação dos impostos segundo a capacidade econômica do contribuinte, possa justificar a progressividade. (...) Versar o tema da progressividade das alíquotas exige, preliminarmente, se tenha presente que, na Constituição de 1988, há radical diferença entre graduação, progressão, seletividade e diferenciação dos impostos. (...) A graduação dos impostos decorre de sua proporcionalidade em relação à base tributável (imposto ad valorem). Essa proporcionalidade é, como sabido, obtida pela aplicação de uma alíquota única sobre base tributável variável; da aplicação desse mecanismo (graduação) resulta imposto a pagar em montantes tanto maiores quanto maior for a base tributável. Pela graduação, portanto, é que se realiza o princípio da capacidade contributiva. (...) A progressão, todavia, é matéria inteiramente diversa da simples graduação. (...) A progressividade opera-se pelo estabelecimento de alíquotas tanto maiores quanto o forem os níveis de intensidade ou de grandeza de um específico fator ou aspecto do fato tributário. A progressão, portanto, implica desigualação, na medida em que extrapassa a mera graduação (proporcionalidade) e, conforme o fator de discriminação utilizado, desconsidera o princípio da capacidade contributiva. Daí por que a progressividade somente pode ser legitimamente adotada: a) em razão de critérios extrafiscais ou ordinatórios e b) se restrita às situações e formas previstas, expressamente, na Constituição Federal."

De qualquer maneira, o dilema de se aplicar ou não a progressividade como forma de aferição da capacidade contributiva somente se apresenta quando se trata de impostos não vinculados. Não há que se falar em capacidade contributiva em matéria de tributos vinculados, que são decretados em razão de uma atividade específica do Estado e não em relação a características do contribuinte ou de um fato econômico a ele relacionado.

A contribuição para a previdência é tributo vinculado à prestação de benefícios previdenciários. Não tem qualquer correlação com redistribuição de renda. Não é redistributivista, e sim retributivista.

São oportuníssimas as palavras do saudoso GERALDO ATALIBA, em Hipótese de Incidência Tributária, 5º ed., Ed. Malheiros, 1980, pág. 171:

"Pode-se dizer que - da noção financeira de contribuição - é universal o asserto no sentido de que se trata de um tributo diferente do imposto e da taxa e que, por outro lado, de seus princípios informadores, fica sendo mais importante o que afasta, de um lado, a capacidade contributiva (salvo a adoção da h.i. típica e exclusiva de imposto) e, doutro, a estrita remunerabilidade ou comutatividade relativamente à atuação estatal (traço típico da taxa).

Outro traço essencial da figura da contribuição, que parece ser encampado - pela universalidade de seu reconhecimento e pela sua importância, na configuração da entidade - está na circunstância de relacionar-se com uma especial despesa, ou especial vantagem referidas aos seus sujeitos passivos (contribuintes). Daí as designações doutrinárias special assessment, contributo speciale, tributo speciale, etc.

Em outras palavras, se o imposto é informado pelo princípio da capacidade contributiva e a taxa informada pelo princípio da remuneração, as contribuições serão informadas por princípio diverso. Melhor se compreende isto, quando se considera que é da própria noção de contribuição - tal como universalmente entendida - que os sujeitos passivos serão pessoas cuja situação jurídica tenha relação, direta ou indireta, com uma despesa especial, a ela respeitante, ou alguém que receba da ação estatal um reflexo que possa ser qualificado como ´especial´."

No que concerne às fontes de custeio da previdência, a Magna Carta é absolutamente clara ao restringir, no § 9º do art. 195 (introduzido pela Emenda nº 20), autorização para diferenciação de alíquotas apenas das contribuições previstas no inciso I:

"§ 9º As Contribuições Sociais previstas no inciso I deste artigo poderão ter alíquotas ou bases de cálculo diferenciadas, em razão da atividade econômica ou da utilização intensiva de mão-de-obra."

A contrario sensu, resta absolutamente clara a vedação de igual tratamento para aquelas derivadas do inciso II, que são as contribuições sociais dos trabalhadores, para o regime geral de que trata o art. 201, e dos servidores públicos, para o regime próprio de que trata o art. 40. Além de clara, coerente, porque as contribuições do inciso I têm a natureza jurídica de tributos não vinculados, enquanto que as do inciso II têm a natureza de tributos vinculados (como, aliás, avaliza Sacha Calmon Navarro).

Segundo, a contribuição previdenciária, por natureza, é vinculada a uma contrapartida. Não tem qualquer correlação com a capacidade contributiva do segurado e sim com os benefícios que podem ser auferidos em retorno. Se os benefícios não são progressivos, ipso facto se entende que também a contribuição não o deva ser.

As aposentadorias e pensões dos servidores são concedidas e atualizadas segundo a regra da proporcionalidade. Guardam paridade com os vencimentos dos agentes públicos em atividade, sendo revistas sempre na "mesma proporção e na mesma data, sempre que se modificar a remuneração dos ativos..." (art. 40, § 8º, com a redação da Emenda nº 20).

Além disso, reza o § 5º do art. 195 que "nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total." A correspondência custo-benefício apresenta dupla face. Por um lado, limita a concessão de benefícios sem a prévia instituição das contribuições necessárias ou das fontes de custeio suficientes; por outro, impõe limitação ao aumento de contribuições sem causa eficiente, vale dizer, sem correlação com os benefícios.

Essas limitações têm perfeita e imediata aplicação quando são fixadas alíquotas progressivas para contribuições previdenciárias. Evidencia-se, nestes casos, o rompimento da relação custo-benefício, pois os benefícios não são progressivos, mas proporcionais à remuneração do agente público. Claramente importam em desvirtuamento da natureza da contribuição social, que passa significar verdadeira tributação adicional sobre a renda, desfigurando a natureza e a finalidade da exação, com infringência do princípio da isonomia tributária.

No caso de contribuição dos servidores públicos federais, o STF já se manifestou, ainda que indiretamente, pela impossibilidade constitucional de se imporem alíquotas diferenciadas.

Na ADIN n.º 790-4 DF, proposta pelo Procurador-Geral da República, discutiu-se a inconstitucionalidade do § 1º do art. 231 da Lei n.º 8.112, de 11-12-90, do seguinte teor:

"§ 1º A contribuição do servidor, diferenciada em função da remuneração mensal, bem como dos órgãos e entidades, será fixada em lei."

Na inicial e no parecer, o Procurador-Geral da República pugnou pela inconstitucionalidade do dispositivo, vez que o montante da contribuição deve atender à relação custo-benefício, sendo que estes não são progressivos, mas proporcionais à remuneração do contribuinte. A progressividade, segundo ele, implica o desvirtuamento da natureza da contribuição social, passando-se a ter verdadeiro adicional sobre a renda, contrariando-se, assim, os artigos 149 e 153, III, da CF.

A alegada inconstitucionalidade do § 1º do art. 231 foi negada (por maioria) apenas pelo fato de que os Senhores Ministros não viram, no texto atacado, obrigatoriedade à diferenciação por via de alíquotas progressivas, porque a diferenciação poderia ser feita exclusivamente por via de incidência de uma mesma alíquota sobre bases de cálculo diferenciadas, ou seja, a remuneração de cada servidor. Entretanto, restou bem claro que não seria admitido que a diferenciação se operasse por meio de variação de alíquotas. A seguir, alguns trechos de votos dos Senhores Ministros do STF:

I - Ministro Marco Aurélio (Relator): "Em um primeiro plano, constata-se que o texto não é explícito relativamente à forma da diferenciação nele contemplada, ou seja, junge-se à remuneração do servidor sem especificar, em si, o fator percentual. (...) Nada impede que o legislador ordinário venha a fazer a diferenciação preconizada de forma consequencial, isto é, tendo-a como resultado único e exclusivo do fato de a alíquota incidir sobre bases variáveis, considerados os níveis de vencimentos dos servidores."

(Os negritos não são do original);

II - Ministro Francisco Rezek: "Quanto ao § 1º do art. 231, meu ponto de vista é aquele que o parecer (do Procurador-Geral da República) exteriorizou. Esse § 1º induz à progressividade. Penso que o propósito social que se estaria desejando prestigiar de tal maneira - fazendo variar não apenas os montantes absolutos, em função de montantes também absoluto de retribuição mensal, mas fazendo variar as próprias alíquotas - já é atendido pela diferença de contribuição em seus números absolutos, e que a diferenciação de alíquota configura, tal como ponderou o Ministério Público, uma tributação sobre a renda que não se compatibiliza com as regras pertinentes da Constituição Federal."

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(idem);

III - Ministro Carlos Velloso: "Poderá ocorrer inconstitucionalidade material por parte do legislador, ao dar cumprimento ao que nele se contém. O legislador ordinário poderá entender - porque o § 1º não determina que haja de uma certa forma, nem ele está obrigado a respeitar o que se contém no § 1º do art. 231, que a diferenciação dar-se-á em razão da remuneração maior ou menor ou, em razão da base de cálculo e não da alíquota. Nestes termos, não haverá inconstitucionalidade material."

(Idem).

O Governo tem plena consciência da inconstitucionalidade material da progressividade. Tanto que, em risível tentativa de fugir àquela manifestação da Suprema Corte, fez revogar o art. 231 da Lei 8.112, de 1990, exatamente no contexto da Lei n.º 9.783, de 1999, que estabeleceu as alíquotas diferenciadas.


X - DESTINAÇÃO DO PRODUTO DA ARRECADAÇÃO E CONSEQUÊNCIAS SOBRE A CAUSA EFICIENTE

Conforme já assinalado antes, a contribuição dos servidores públicos, tal como instituída e agravada na Lei nº 9.783, de 1999, tem assento inconteste no art. 195. Se antes poderia haver discussão a respeito disso, agora não mais. O art. 12 da Emenda nº 20 deixa claríssima a subordinação, ao art. 195, das contribuições "destinadas ao custeio da seguridade social e dos diversos regimes previdenciários."

Acontece que a mesma Emenda nº 20 criou vedação absoluta para o emprego dos recursos arrecadados em finalidades diversas do pagamento de benefícios do regime geral. Eis o texto pertinente:

"Art. 1º A Constituição Federal passa a vigorar com as seguintes alterações:

..................................

Art. 167. São vedados:

..................................

XI - a utilização dos recursos provenientes das contribuições sociais de que trata o art. 195, I, a, e II, para a realização de despesas distintas do pagamento de benefícios do regime geral de previdência social de que trata o art. 201."

"Art. 12. Até que produzam efeito as leis que irão dispor sobre as contribuições de que trata o art. 195 da Constituição Federal, são exigíveis as estabelecidas em lei, destinadas ao custeio da seguridade social e dos diversos regimes previdenciários."

A leitura não deixa dúvida. Pelo art. 12, as contribuições então vigentes, para o custeio da seguridade social e dos diversos regimes previdenciários, continuaram exigíveis somente até a produção dos efeitos das novas leis pertinentes às contribuições de que trata o art. 195 - obviamente para custeio da mesma seguridade social e dos mesmos diversos regimes previdenciários.

A Lei nº 9.783, de 1999, é uma dessas novas leis, relativa ao regime previdenciário dos servidores públicos federais.

Entretanto, o produto de sua arrecadação, por força do inciso XI, acrescentado ao art. 167, somente pode ser utilizado para pagamento de despesas do regime geral de previdência de que trata o art. 201.

Ora, desta forma a própria Emenda nº 20 tira a causa eficiente para a cobrança da contribuição dos servidores e inviabiliza qualquer possibilidade de equilíbrio atuarial do regime previdenciário derivado do art. 40.

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Sobre o autor
Roberto Barbosa de Castro

auditor fiscal do Tesouro Nacional aposentado, ex-diretor-geral da ESAF, ex-coordenador-geral de Recursos Humanos do Ministério da Fazenda

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CASTRO, Roberto Barbosa. A contribuição previdenciária para inativos e pensionistas em face da EC 20/98. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 4, n. 30, 1 abr. 1999. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1456. Acesso em: 23 nov. 2024.

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