Tem sido travada uma guerra contra os editais de concursos que anunciam apenas a formação de cadastro de reserva, e não um número específico de vagas. Grandes sites e blogs têm promovido enquetes, várias matérias jornalísticas têm sido feitas, decisões judiciais sobre o tema têm sido mais divulgadas e até um antigo projeto de lei proibindo a prática está recebendo tratamento acelerado. As enquetes, como é previsível, resultam numa grande maioria, especialmente entre os iniciantes nos concursos, a favor da proibição. As matérias são quase sempre superficiais e repetitivas, mas as que noticiam as decisões sobre o assunto são bastante úteis, pois despertam muitos concurseiros para a busca de seus direitos. O projeto de lei, por fim, para não usar um adjetivo ofensivo, é inútil.
Qualquer pessoa que leia a proposta com atenção (
PLS 369/08), desde que detenha no mínimo o hábito de ler leis e observar o seu cumprimento, além de um pouco de experiência na administração pública, constatará que se trata de norma inócua. Depreende-se que o objetivo do projeto seja beneficiar o concurseiro, impedindo que o administrador, como frequentemente ocorria no passado, decida, ao seu talante, nomear ou não os candidatos aprovados, de acordo com o seu grau de proximidade ou com a temperatura das costas do seu protetor. Ocorre que o seu parágrafo único desdiz metade do que é dito no caput, ao permitir a convocação ilimitada dos aprovados. A outra metade fica por conta da criatividade dos que têm o hábito de burlar as leis. É evidente que o mau administrador (declaradamente o alvo da proposta, como se vê na justificação do projeto) poderá seguir com sua "maldade" sem problemas, bastando anunciar apenas uma vaga no edital, o que não será proibido. Caso seus desafetos sejam aprovados, não se convoca além de um, e caso seus apaniguados sejam, estica-se a convocação até a classificação deles. A única hipótese em que isso não daria certo é muito remota, como no caso de o primeiro colocado ser o indesejado.Demonstrado que a lei não traz benefícios, ao menos naquilo que a justificativa do projeto sustentou, vejamos, através de um exemplo, quanto ela prejudica a administração, os concurseiros, os cidadãos e o mercado do concurso.
A Caixa lançou recentemente edital para cadastro de reserva, e imagina-se, com fortes razões, que cerca de 5 mil pessoas serão convocadas. Do último concurso, também para cadastro de reserva, já foram chamados quase 2 mil, e ainda não expirou o prazo. Imaginemos se a lei já estivesse em vigor, e, temendo os limites impostos pelo absurdo decreto 6.944/09 (convocação até no máximo o dobro das vagas), mas, por outro lado, apavorado com os riscos da jurisprudência que tem sido firmada, especialmente no STJ (obrigatoriedade de convocação dentro das vagas), a caixa estabelecesse 500 vagas no edital. De cara muita gente já evitaria o concurso, fugindo do risco de reprovação, achando poucas as vagas, mas certamente mil pessoas seriam convocadas. E aí, você que ficou na classificação 1001 ou 1500, ficaria feliz ao ver alguém, que sequer fez o concurso, ou fez e foi reprovado, aparecer com um currículo, após ter sido indicado por algum gerente, e ocupar a vaga temporariamente? Ou ser contratado sem critérios para serviços terceirizados?
Esta é a monstruosidade que se mostra possível, ante a permissão do artigo 37, inciso IX da Constituição Federal, combinada, no Poder Executivo Federal, com a absurda reprovação automática criada pelo decreto 6944/09 (§ 1º do art. 16). O projeto hoje por muitos aplaudido e a jurisprudência dominante farão com que as vagas dos editais sejam poucas, enquanto que o mencionado decreto proibirá a contratação dos aprovados além do dobro das vagas. Como existe permissão constitucional para a contratação, já que esse emaranhado ocasionará a "necessidade temporária de excepcional interesse público", tudo estará dentro das leis. Os concurseiros serão diretamente lesados, a administração pagará mais por um serviço de menor qualidade, o cidadão será mal servido e o mercado de concursos sofrerá danos, pela redução da demanda, com a diminuição do interesse dos candidatos pela preparação para os concursos.
Os que são contra o cadastro de reserva desconhecem a existência de concursos recentes em que os nomeados são centenas de vezes mais que a quantidade prevista no edital. Baseiam-se na verdade única oferecida pelos prejudicados em alguns casos realmente injustos, e que nas palestras chamo de "verdade do golfinho". Sabemos que só reclama quem sofre, e o que prevalece como fato é aquilo de que mais se reclama.
A solução mais lógica pela via legal seria obrigar os editais a trazerem informações precisas sobre o quadro de pessoal, cargos vagos e providos, possibilidades concretas de aposentadorias durante a validade do certame, entre outras.
A solução pela via da qualificação do concurseiro seria fazê-lo entender que se aprende a cada concurso e se chega mais perto da aprovação, e que os cadastros de reserva, assim como as famosas "provas difíceis" e os "programas extensos" servem para eliminar alguns dos seus mais fortes concorrentes, que temem a reprovação e abrem as oportunidades para os ousados e persistentes.