Indiscutível aberração jurídica, a Lei nº 9.783, de 28 de janeiro de 1999, estende aos pensionistas e servidores públicos civis inativos da União a obrigação de contribuir para o custeio da Previdência Social, a partir de 1º de maio de 1999, com alíquotas que variam entre 11% (onze por cento) e 25% (vinte e cinco por cento).
Se "direito é arte", como dizia Mário Moacyr Porto, está se revelando agora em sua face cômica, pois a norma em análise transforma credores em devedores e institui o inusitado princípio da contribuição sem benefício.
Violado encontra-se o princípio do devido processo legal em seu enfoque substancial ou substantive due process (Constituição Federal, art. 5º, LIV), pois foram contrariados os próprios fins admitidos e preconizados na Carta Magna, especialmente após a Emenda Constitucional nº 20, que passou a exigir obrigatoriamente a contribuição para o benefício, não admitindo, portanto, benefício sem contribuição, nem contribuição sem benefício.
Por outro lado, é inegável a ofensa a vários outros dispositivos constitucionais (v.g., arts. 150, IV, 154, I e 195, §§ 4º e 9º).
Caberá ao Poder Judiciário, com ou sem CPI, decidir tais questões com absoluta independência e imparcialidade, tornando concretos os comandos constitucionais abstratos.
Todavia, para se provocar utilmente a jurisdição, cumpre ao interessado utilizar-se da via processual adequada que, neste caso, é o Mandado de Segurança Preventivo, vacina processual com escopo puramente inibitório do ilícito, apoiada na Constituição Federal, art. 5º, incisos XXXV e LXIX ou LXX, no Código de Processo Civil, art. 461, e na Lei nº 1.533/51, art. 1º.
Ao impetrante, neste caso, restará demonstrar a existência de um ato abusivo ou contrário à Lei Maior, praticado por autoridade pública, assim como de um justo receio ou "ameaça atual e objetiva" (cf. Celso Agrícola Barbi) de se consumar uma lesão a um direito líquido e certo.
Embora não se possa objetar quanto à atualidade, dúvidas podem ser levantadas quanto à objetividade da ameaça ao direito dos pensionistas e inativos, cabendo a seguinte indagação: não estaria o MS voltado exclusivamente contra lei em tese (Súmula 266 do STF), faltando ao impetrante interesse de agir?
Para responder a esta questão, entretanto, deve-se fazer outra pergunta: a Administração irá perscrutar sobre a inconstitucionalidade da lei?
Como já decidiu o STJ (1ª T., Rel. Min. Demócrito Reinaldo, REsp nº 18.408-0-PE), a ameaça ao direito se caracteriza por "atos concretos ou preparatórios de parte da autoridade impetrada, ou, ao menos, indícios de que a ação ou omissão virá a atingir o patrimônio jurídico do impetrante".
O que se verifica objetivamente é que a Administração não deixará de cumprir uma lei por considerá-la inconstitucional, até porque, bem observa Eduardo Arruda Alvim, ao Judiciário - e não à Administração - cabe decidir se um comando legal é inconstitucional. "Administrar é aplicar a lei de ofício", como ensina Seabra Fagundes.
Tal constatação é ainda mais evidente na hipótese de tributo, tendo em vista o disposto no art. 142 do Código Tributário Nacional.
Aliás, tem-se admitido reiteradamente, em sede jurisprudencial, o MS preventivo para proteger o contribuinte diante da iminência de serem concretizados os efeitos de lei, tida como inconstitucional, que instituiu ou majorou tributo.
Incontestável, portanto, a viabilidade do MS preventivo no caso dos pensionistas e inativos, havendo a possibilidade, entretanto, na eventualidade de o ilícito se consumar no curso do procedimento, da vacina (MS preventivo) se transformar em remédio (MS repressivo), como já decidiu o STF (RTJ 99/1.041), sendo recomendável que tal conversão seja requerida, ad cautelam, na própria petição inicial.
Por fim, deve-se dizer que, tratando-se de situação que impõe uma tutela inibitória de urgência, é preciso que o impetrante requeira a concessão de uma medida liminar que antecipe, initio litis, o provimento final pleiteado, afastando, desde já, o estado de insegurança jurídica imposto pela malfadada lei.