7. Considerações finais
À guisa de conclusão, são extraídos os seguintes
ensinamentos: a) a percepção dos verdadeiros fundamentos do direito é
importante, razão por que devem ser utilizados os antecedentes; b) a lei pode
ser entendida formal e materialmente; c) os paradigmas devem ser avaliados
sempre, de forma a melhorar a interpretação ou para serem rechaçados se
equivocados; d) até o conceito de Justiça é passível de interpretação,
pois dependente do local, tempo e cultura; e) a integridade do direito é uma
constatação, estando vinculada ao tempo, pois devem ser considerados os
motivos anteriores e posteriores à lei, até o momento do julgamento; f) o
método do juiz Hércules é trabalhoso, pois deve-se ter uma visão geral da
sociedade e do direito como historicidade.
REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS
BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da
Constituição. 7 ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério.
Tradução de Nelson Boeira. 2 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007. Título
original: Taking rights seriously.
DWORKIN, Ronald. O império do direito. Tradução de
Jefferson Luiz Camargo. 2 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007. Título
original: Law´s empire.
DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio.
Tradução de Luís Carlos Borges. 2 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
Título original: A matter of principle.
GARCIA, Emerson. Conflito entre Normas Constitucionais:
esboço de uma Teoria Geral. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.
GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição
de 1988: interpretação e crítica. 13 ed. São Paulo: Malheiros Editores,
2008.
OLIVEIRA, Marcelo Andrade Cattoni de. Ronald Dworkin: de
que maneira o direito se assemelha à literatura? In: TRINDADE,
André Karan, GUBERT, Roberta Magalhães e COPETTI NETO, Alfredo (org.). Direito
& literatura: ensaios críticos. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2008.
SAAVEDRA, Giovani Agostini. Jurisdição e democracia: uma
análise a partir das teorias de Jürgen Habermas, Robert Alexy, Ronald Dworkin
e Niklas Luhmann. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006.
STRECK, Lenio Luiz. Verdade e Consenso:
constituição, hermenêutica e teorias discursivas; da possibilidade à
necessidade de respostas corretas em direito. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008,
p. 229.
Notas
- "As teorias interpretativas de cada juiz se fundamentam em suas
próprias convicções sobre o ‘sentido’ – o propósito, objetivo ou
princípio justificativo – da prática do direito como um todo, e essas
convicções serão inevitavelmente diferentes, pelos menos nos detalhes,
daqueles de outros juízes". "(...) Juízes diferentes pertencem a
tradições políticas diferentes e antagônicas, e a lâmina das
interpretações de diferentes juízes será afiada por diferentes
ideologias". "[...] De repente, o que parecia incontestável é
contestado; uma nova interpretação – ou mesmo uma interpretação radical
– de uma parte importante da aplicação do direito é desenvolvida por
alguém em seu gabinete de trabalho, vendo-se logo aceita por uma minoria ‘progressista’.
Os paradigmas são rompidos, e surgem novos paradigmas" (DWORKIN, Ronald. O
império do direito. Tradução de Jefferson Luiz Camargo. 2 ed. São Paulo:
Martins Fontes, 2007. Título original: Law´s empire, p. 110, 111 e 112,
respectivamente).
- "A tese da única resposta correta é, sobretudo, uma questão de
postura ou atitude, definidas como interpretativas e auto-reflexivas,
críticas, construtivas e fraternas em face do Direito como
integridade, dos direitos individuais compreendidos como trunfos na
discussão política e do exercício da jurisdição por esse exigida; uma
questão que, para Dworkin, não é metafísica, mas moral e jurídica"
(OLIVEIRA, Marcelo Andrade Cattoni de. Ronaldo Dworkin: de que maneira o
direito se assemelha à literatura? In: TRINDADE, André Karan, GUBERT,
Roberta Magalhães e COPETTI NETO, Alfredo (org.). Direito & literatura:
ensaios críticos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, 21).
- "A tese da única resposta correta pressupõe,
indissociavelmente, uma reconstrução acerca do que é Direito moderno de uma
sociedade democrática compreendida como comunidade de princípios: o
Direito não se reduz a um conjunto de regras convencionalmente estabelecidas no
passado, nem se dissolve em diretrizes políticas a serem legitimadas em razão
de sua eficácia ótima. E também como interpretar o Direito: para além do
dilema entre descobrir ou inventar uma decisão, a tese segundo a qual o
raciocínio jurídico é um exercício de interpretação construtiva, de
que o Direito constitui a melhor justificação do conjunto das práticas
jurídicas, a narrativa que faz de tais práticas as melhores possíveis. A tese
da única resposta correta pressupõe, portanto, uma ruptura tanto com o
paradigma positivista de ciência e teoria do Direito, quanto uma ruptura com o
próprio paradigma positivista do Direito, que se esgotaram" (OLIVEIRA,
Marcelo Andrade Cattoni de. Ibidem, p. 22).
- DWORKIN, Ronald. O império do direito. Obra citada, p. 3.
- DWORKIN, Ronald, op. cit., p. 4.
- DWORKIN, ibidem, p. 9.
- DWORKIN, ibidem, p. 11.
- DWORKIN, ibidem, p. 19.
- DWORKIN, ibidem, p. 490.
- DWORKIN, ibidem, p. 492.
- Positivismo jurídico deve ser entendido como a corrente que entende
ser o Direito restrito às normas positivadas e, juspositivismo como a doutrina
que prega a formalização do Direito em um sistema fechado e hierárquico das
normas produzidas de acordo com o processo legislativo.
"Ele consiste fundamentalmente na identificação do ‘direito’
com o ‘direito positivo’. Direito natural, princípios de justiça e
conceitos semelhantes estão fora do campo da ciência do direito" (MONTORO,
André Franco. Introdução à Ciência do Direito. 24 ed. São Paulo: RT,
1997, p. 252.
"Para Kelsen, como vimos, o Direito não é senão um
sistema de preceitos que se concatenam, a partir da Constituição, que a norma
fundamental manda cumprir, até aos contratos privados e às sentenças. Desse
modo, a concepção kelseniana redunda em um monismo normativista, do ponto de
vista da atividade jurisprudencial. Consiste essa doutrina em dizer que para o
jurista a realidade não pode ser vista a não ser como um sistema de normas que
se concatenam e se hierarquizam. Todo mundo jurídico não é senão uma
seqüência de normas até atingir, sob forma de pirâmide, o ponto culminante
da norma fundamental, que é ‘condição lógico-transcendental’ do
conhecimento jurídico" (REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 17 ed.
São Paulo: Saraiva, 1996, p. 476).
- Para situar a questão no direito pátrio, o ordenamento jurídico é
um sistema aberto de regras e princípios. Conforme as seguintes lições:
"A Constituição passa a ser encarada como um sistema
aberto de princípios e regras, permeável a valores jurídicos suprapositivos,
no qual as idéias de justiça e de realização dos direitos fundamentais
desempenham um papel central. A mudança de paradigma nessa matéria deve
especial tributo à sistematização de Ronald Dworkin" (BARROSO, Luís
Roberto. Interpretação e aplicação da constituição. 7 ed. São
Paulo: Saraiva, 2009, p. 330).
Assenta Streck: "... a superação do modelo de regras
implica uma profunda alteração do direito, porque, através dos princípios,
passa a canalizar para o âmbito das Constituições o elemento do mundo
prático" (STRECK, Lenio Luiz. Verdade e
Consenso. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 229).
Pode-se, por final, aceitar a orientação de Dworkin quando
analisa o conceito de obrigação jurídica, para quem: "Podemos tratar os
princípios jurídicos da mesma maneira que tratamos as regras jurídicas e
dizer que alguns princípios possuem obrigatoriedade de lei e devem ser levados
em conta por juízes e juristas que tomam decisões sobre obrigações
jurídicas. Se seguirmos essa orientação, deveremos dizer que nos Estados
Unidos ‘o direito’ inclui, pelo menos, tanto princípios como regras" (DWORKIN,
Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução de Nelson Boeira. 2 ed. São
Paulo: Martins Fontes, 2007. Título original: Taking rights seriously, p. 46-7)
- Acrescenta: "Assim,
o padrão que estabelece que os acidentes automobilísticos devem ser reduzidos
é uma política e o padrão segundo o qual nenhum homem deve beneficiar-se de
seus próprios delitos é um princípio. A distinção pode ruir se
interpretarmos um princípio como a expressão de objetivo social (isto é, o
objetivo de uma sociedade na qual nenhum homem benefica-se de seu próprio
delito) ou interpretarmos uma política como expressando um princípio (isto é,
o princípio de que o objetivo que a contém é meritório) ou, ainda, se
adotarmos a tese utilitarista segundo a qual os princípios de justiça são
declarações disfarçadas de objetivos (assegurar a maior felicidade para o
maior número) [...] Os argumentos de princípio são
argumentos destinados a estabelecer um direito individual; os argumentos de
política são argumentos destinados a estabelecer um objetivo coletivo. Os
princípios são proposições que descrevem direitos; as políticas são
proposições que descrevem objetos" (DWORKIN, Ronald. Levando os
direitos a sério. Obra citada, p. 36 e 141).
- STRECK, Lenio Luiz. Verdade e Consenso. Obra citada, p. 306.
- Deve ser registrado que o conceito não é de todo adotado, pois
estaríamos em outro nível de desenvolvimento doutrinário e social que não
mais admite a positivação jurídica pura.
"... Dworkin sustenta que a indeterminação de regras
jurídicas obriga a recorrer a direitos ou argumentos principiológicos que se
encontram fora da ordem jurídica positiva, não podendo, assim, ser
identificados por meio de regra de reconhecimento, em sistemas jurídicos como o
brasileiro essa questão assume outra dimensão, isto é, a Constituição
abarca em seu texto um conjunto principiológico que contém a co-originariedade
– e nisso Habermas tem inteira razão – entre direito e moral, isto é,
aquilo que Dworkin parece buscar ‘fora’ do sistema, já está contemplado em
Constituições fortemente compromissárias e sociais como a brasileira" (STRECK,
Lenio Luiz, ob. cit., p. 315.
"Note-se que o arquétipo de positivismo utilizado por
Dworkin certamente é compatível com o pensamento oitocentista da revolução
francesa, que conferia absoluta preeminência à atividade legislativa e era
infenso à penetração de vetores axiológicos no sistema, máxime quando tal
se desse pela pena dos juízes. No entanto, não se harmoniza com o atual
estágio de evolução do pensamento positivista, sensível aos valores sociais
e à sua importância no delineamento da norma de conduta. Esses valores, em
verdade, penetrariam no sistema por meio das regras e dos princípios,
explícitos ou implícitos, nele integrados, não sendo necessário
atribuir-lhes uma individualidade existencial própria utilizando-se de
metáfora dos ‘princípios extra-sistêmicos" (GARCIA, Emerson. Conflito
entre Normas Constitucionais: esboço de uma Teoria Geral. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2008, p. 186).
"Os dois conjuntos de padrões apontam para decisões
particulares acerca da obrigação jurídica em circunstâncias específicas,
mas distinguem-se quanto à natureza da orientação que oferecem" (DWORKIN,
Ronald. Levando os direitos a sério. Ibidem, p. 39).
DWORKIN, Ronald. Ibidem, p. 39-40.
"Se duas regras entram em conflito, uma
delas não pode ser válida. A decisão de saber qual delas é válida e qual
deve ser abandonada ou reformulada, deve ser tomada recorrendo-se a
considerações que estão além das próprias regras. Um sistema jurídico pode
regular esses conflitos através de outras regras, que dão precedência à
regra promulgada pela autoridade de grau superior, à regra promulgada mais
recentemente, à regra mais específica ou outra coisa desse gênero. Um sistema
jurídico também pode preferir a regra que é sustentada pelos princípios mais
importantes" (DWORKIN, ibidem, p. 43).
DWORKIN, ibidem, p. 127 e ss.
Verifique-se a lição de Eros Grau: "... em
determinados casos, sobretudo nos casos dificultosos, quando os profissionais do
direito arrazoam ou disputam sobre direitos e obrigações legais, fazem uso de
pautas (standarts) que não funcionam como regras, mas operam de modo
diverso, como princípios, diretrizes (polices) ou outra espécie de
pauta. Propõe-se, então, a usar o vocábulo princípio genericamente,
para referir, em conjunto, aquelas pautas que não são regras; em outras
ocasiões, no entanto – adverte – é mais preciso, distinguindo entre princípios
e diretrizes" (GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na
Constituição de 1988: interpretação e crítica. 13 ed. São Paulo: Malheiros
Editores, 2008, p. 156).
DWORKIN, Ronald. O império do direito. Op. cit., p. 21.
STRECK, Lenio Luiz. Op. cit., p. 250.
"... quando mais de uma solução se apresentar a partir dessa
‘conduta interpretativa’, o juiz deverá optar pela interpretação que, do
ponto de vista da moral política, melhor reflita a estrutura das instituições
e decisões da comunidade, ou seja,a que melhor represente o direito histórico
e o direito vigente, sendo que esta seria, assim, a resposta correta para o caso
concreto" (STRECK, ibidem, p. 335).
"Esse ‘processo’ implica a máxima força dos princípios, em
que, por vezes, a coerência soçobra diante da integridade, até porque a
integridade – que também é um princípio – exige que as normas públicas
da comunidade sejam criadas e vistas, na medida do possível, de modo a
expressar um sistema único e coerente de justiça e eqüidade na correta
proporção, diante do que, por vezes, a coerência com as decisões anteriores
será sacrificada em nome de tais princípios (circunstância que assume
especial relevância nos sistemas jurídicos como o do Brasil, em que os
princípios constitucionais transformam em obrigação jurídica um ideal moral
da sociedade)" (STRECK, ibidem, p. 272-3).
DWORKIN, Ronald. O império do direito. Op.
cit., p. 25.
DWORKIN, ibidem, p. 61.
DWORKIN, ibidem, p. 63-64.
DWORKIN, ibidem, p. 89.
DWORKIN, ibidem, p. 276.
STRECK, Lenio Luiz. Obra citada, p. 301.
"Em sua maior parte, porém, os filósofos da justiça respeitam
e usam os paradigmas de sua época" (DWORKIN, Ronald. O império do
direito. Ibidem, p. 93).
DWORKIN, ibidem, p. 91.
"O direito como integridade nega que as manifestações do
direito sejam relatos factuais do convencionalismo, voltados para o passado, ou
programas instrumentais do pragmatismo jurídico, voltados para o futuro.
Insiste em que as afirmações jurídicas são opiniões interpretativas que,
por esse motivo, combinam elementos que se voltam tanto para o passado quanto
para o futuro; interpretam a prática jurídica contemporânea como uma
política em processo de desenvolvimento" (STRECK, Lenio Luiz. Ob. cit., p.
306).
DWORKIN, Ronald. O império do direito. Ibidem, p. 274.
DWORKIN, ibidem, p. 203.
STRECK, Lenio Luiz. Verdade e Consenso. Ibidem, p. 230
(grifos no original).
STRECK, ibidem, p. 233.
DWORKIN, Ronald. O império do direito. Ibidem, p. 271-272.
DWORKIN, ibidem, p. 274.
OLIVEIRA, Marcelo Andrade Cattoni de. Obra citada, p. 23.
STRECK, Lenio Luiz. Verdade e Consenso. Ibidem, p. 315.
DWORKIN, Ronald. O império do direito. Op.
cit., p. 379-380.
DWORKIN, ibidem,
p. 416. Confira-se, ainda, na mesma obra: "Podemos agora esquecer a imagem
que os juristas nostálgicos celebram do direito dentro e além do direito. O
direito que temos, o direito contemporâneo e concreto para nós, é determinado
pela integridade inclusiva. Esse é o direito do juiz, o direito que ele é
obrigado a declarar e colocar em vigor. O direito contemporâneo delimita suas
ambições para si próprio; esse direito mais puro é definido pela integridade
pura. Compõe-se de princípios de justiça que oferecem a melhor justificativa
do direito contemporâneo, posto que não são vistos a partir da perspectiva de
nenhuma instituição em particular, abstraindo, desse modo, todas as
restrições de eqüidade e de processo que a integridade inclusiva exige"
(p. 485). "O direito contemporâneo tateia em direção ao direito puro,
quando surgem estilos de decisão que parecem satisfazer a eqüidade e o
processo, trazendo o direito para mais perto de sua própria ambição; os
juristas declaram estar otimistas em relação a este processo quando afirmam
que o direito se purifica" (p. 485).
DWORKIN, ibidem, p. 419.
"Com efeito, com relação à LICC, na era dos princípios, do
neoconstitucionalismo e do Estado Democrático de Direito, tudo está a indicar
que não é mais possível falar em ‘omissão da lei’ que pode ser ‘preenchida’
a partir da analogia (sic), dos costumes (quais?) e dos princípios gerais de
direito". O direito é um sistema íntegro, capitaneado pelos princípios,
logo, não são as lacunas da lei que devem ser "preenchidas" pelos
princípios, mas ao inverso, os princípios é que informam, ou
"preenchem", o sistema positivado de regras. O positivismo jurídico
exige que todas as relações estejam previstas, para que haja uma vinculação
expressa à letra da lei, o que deve ser superado pois o ordenamento jurídico
é maior e mais complexo [...] "... o princípio da integridade está
umbilicalmente ligado com a democracia, exigindo que os juízes construam seus
argumentos de forma integrada ao conjunto do direito. Trata-se de uma garantia
contra arbitrariedades interpretativas. A integridade limita a ação dos
juízes; mais do que isso, coloca efetivos freios, através dessas comunidades
de princípios, às atitudes solipsistas-voluntaristas. A integridade é uma
forma de virtude política" (STRECK, Lenio Luiz. Verdade e Consenso.
Op. cit., p. 266).
DWORKIN, Ronald. O império do direito. Op.
cit., p. 427.
DWORKIN, ibidem, p. 476.
BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. E-RR
- 1040/2006-005-10-00, publicação: DJ - 09/05/2008. Relator: Ministra Maria
Cristina Irigoyen Peduzzi. Brasília. Disponível em: <http://brs02.tst.jus.br/cgi-bin/nph-brs?s1=4402125.nia.&u=/Brs/it01.html&p=1&l=1&d=blnk&f=g&r=1>.
Acesso em: 26/08/09. "PLANO DE CARGOS E SALÁRIOS – CARGO DE CONFIANÇA
BANCÁRIO – OPÇÃO DO EMPREGADO POR JORNADA DE OITO HORAS - CONTRARIEDADE AOS
PRINCÍPIOS DA IRRENUNCIABILIDADE E DA PRIMAZIA DA REALIDADE – ARTIGOS 9º E
444 DA CLT. 1. A discussão dos autos cinge-se à validade da opção do
Reclamante pelo cargo em comissão com jornada de oito horas, em confronto com o
que dispõe o art. 224 da CLT. 2. As peculiaridades da consolidação e
institucionalização do direito do trabalho, no contexto do Estado Social,
refletiram na formação de seus princípios basilares, como os da proteção do
trabalhador, da irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas e da primazia da
realidade. 3. O princípio da irrenunciabilidade decorre do próprio caráter
cogente e de ordem pública do direito do trabalho. Significa, nessa esteira,
que o trabalhador inclusive pela desigualdade econômica em que se encontra
perante o empregador não pode abrir mão dos direitos legalmente previstos.
Esse princípio tem por fim protegê-lo não apenas perante o empregador, mas
também com relação a si mesmo. Ou seja, o trabalhador não pode se despojar,
ainda que por livre vontade, dos direitos que a lei lhe assegura. 4. Por sua
vez, o princípio da primazia da realidade orienta no sentido de que deve ser
privilegiada a prática efetiva, a par do que eventualmente tenha sido
estipulado em termos formais entre as partes. Aliás, é justamente esse
princípio ao lado do princípio protetor - que matiza a aplicação do
princípio da boa-fé às relações trabalhistas. 5. Não se trata, nesse
último caso, de conflito entre princípios. Ao revés, necessário é, como
propõe Ronald Dworkin, buscar a decisão correta para o caso concreto, a partir
da conformação que os princípios abraçados pelo ordenamento jurídico devem
adquirir. 6. Nesse sentido, dois parâmetros são importantes. O primeiro é
afirmar a carga deontológica dos direitos, como condição necessária e
indispensável para levá-los a sério . O segundo é encarar o direito a partir
da premissa da integridade. 7. A premissa do direito como integridade é
relevante sobretudo quando se enfrenta uma questão jurídica como a presente em
uma perspectiva principiológica, o que, a seu turno, mostra-se ainda mais
importante no atual paradigma do Estado Democrático de Direito. 8. No caso dos
autos, a alegação de boa-fé das partes não tem o condão de conferir
validade à opção efetuada pelo Reclamante. A premissa do direito como
integridade impõe, com todas as suas conseqüências, a aplicação dos
princípios protetivo, da irrenunciabilidade e da primazia da realidade, os
quais conformam e justificam, de modo coerente, o direito do trabalho em nosso
ordenamento jurídico. 9. Assim, se os princípios protetivo e da primazia da
realidade matizam a aplicação do princípio da boa-fé às relações
trabalhistas, não há falar em boa-fé quando exatamente esses mesmos
princípios são contrariados. Em outras palavras, não há, na espécie, como
reconhecer boa-fé em prática que ofende os princípios protetivo e da primazia
da realidade. 10. A validade da opção discutida in casu encontra óbice
imediato no art. 444 da CLT, um dos corolários do princípio da
irrenunciabilidade. De fato, o preceito veda a estipulação de relações
contratuais de trabalho que contrariem as disposições de proteção ao labor
ainda que aparentem ser favoráveis ao empregado. Nesse sentido, é importante
recordar que a jornada do bancário está prevista no título III da CLT, que
trata exatamente Das Normas Especiais de Tutela do Trabalho. 11. A prática
narrada nos autos contraria também o art. 9º da CLT, que corresponde a um
desdobramento do princípio da primazia da realidade. A conduta adotada pelas
partes na hipótese vertente volta-se diretamente contra a aplicação dos
preceitos contidos na Consolidação das Leis do Trabalho. 12. Aliás, foi
exatamente o referido princípio que ensejou, no âmbito desta Corte, a edição
da Súmula nº 102, I: a configuração, ou não, do exercício da função de
confiança a que se refere o art. 224, § 2º, da CLT, dependente da prova das
reais atribuições do empregado , é insuscetível de exame mediante recurso de
revista ou de embargos. 13. Não é suficiente, assim, a declaração das partes
de exercício da função de confiança; indispensável é, portanto, a
correspondência da declaração de vontade à prática efetiva. 14. Entender
diversamente implicaria afastar, de forma casuística, os princípios da
irrenunciabilidade e da primazia da realidade, em detrimento, ainda, da
coerência do próprio direito do trabalho. 15. Vale acrescentar que não é
relevante à solução da controvérsia o valor eventualmente percebido pelo
Reclamante, na espécie, em contrapartida à opção pelo cargo em comissão com
jornada de oito horas. Tal argumento acarretaria nítido prejuízo à carga
deontológica do direito e à normatividade dos artigos 9º e 444 da CLT. 16.
Assim, na hipótese vertente, a opção feita pelo Reclamante é nula de pleno
direito, por contrariar os artigos 9º e 444 da CLT e os princípios da
irrenunciabilidade e da primazia da realidade. 17. Devido é, portanto, o
pagamento, como extras, das sétima e oitava horas diárias, em face do
reconhecimento do direito à jornada prevista no art. 224, caput, da CLT.
Embargos conhecidos e parcialmente providos" (Número único
proc: E-RR - 1040/2006-005-10-00, publicação: DJ - 09/05/2008, excerto do
voto. Maria Cristina Irigoyen Peduzzi - ministra-relatora.
Conforme voto do julgado mencionado.
BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. E-RR –
785683/2001, publicação: DJ - 29/07/2007. Relator: Ministra Maria Cristina
Irigoyen Peduzzi. Brasília, Subseção I Especializada em Dissídios
Individuais. Disponível em: <http://aplicacao.tst.jus.br/consultaunificada2/>.
Acesso em: 26/08/09. "TURNOS ININTERRUPTOS DE REVEZAMENTO – ALTERAÇÃO
DO CONTRATO DE TRABALHO – TURNOS FIXOS – SUPRESSÃO DE SOBREJORNADA –
SÉTIMA E OITAVA HORAS – DIREITO A INDENIZAÇÃO. 1. O ordenamento jurídico
prevê certas situações em que se justifica o exercício do ius variandi,
não gerando nenhum direito para o empregado ou dever para o empregador. Em
outras hipóteses, é reconhecida a validade da referida prerrogativa patronal,
mas há uma espécie de sanção – que não compromete, contudo, a validade do
ato - ao empregador, em favor do empregado. 2. Tais modificações das
condições de trabalho, pelo empregador, podem produzir dois efeitos (não-excludentes):
de um lado, há vantagem social; de outro, efeito, em regra pecuniário,
desfavorável ao empregado. O ordenamento jurídico prima pelo equilíbrio entre
ambos. Quando falta esse equilíbrio, há a previsão de sanção, de caráter
indenizatório, buscando seu restabelecimento. 3. Partindo da noção de direito
como integridade, percebe-se que as possibilidades de exercício do ius
variandi aceitas pelo ordenamento jurídico contêm implícitos os seguintes
princípios: se o benefício social advindo da alteração contratual compensa
eventual prejuízo sofrido pelo empregado, não há nenhuma sanção ao
empregador (como na hipótese da Súmula nº 265 desta Corte, que trata da perda
do direito ao adicional noturno, diante da mudança do turno de trabalho); do
contrário – isto é, se não há a referida compensação, por não existir o
benefício social, ou por ser este ínfimo -, o ordenamento impõe sanção ao
empregador, com o fim de restabelecer aquele equilíbrio (como no caso da
Súmula nº 291 do TST, pertinente à supressão das horas extras habituais). 4.
O labor em turnos ininterruptos de revezamento, em nosso ordenamento jurídico,
é considerado prejudicial ao empregado, pois compromete a saúde física e
mental, além do convívio social e familiar. Não por outra razão, a
Constituição da República, em atenção aos desgastes produzidos nesse
sistema de trabalho, assegura jornada reduzida de seis horas (art. 7º, XIV). 5.
Na hipótese de modificação do regime laboral, ou seja, do sistema de turnos
ininterruptos para o de turnos fixos, o benefício social daí advindo compensa
o prejuízo sofrido pelo empregado, decorrente do acréscimo da jornada, que
passará a ser de oito horas (não havendo, porém, alteração na remuneração
mensal). Nesse caso, o ordenamento jurídico reconhece o equilíbrio entre a
vantagem social e o aumento da duração do labor. 6. O caso vertente,
entretanto, contém uma peculiaridade: o Autor, embora submetido ao sistema de
turnos ininterruptos de revezamento, cumpria jornada de oito horas, devendo ser
remuneradas como sobrejornada a sétima e a oitava. Desse modo, a alteração
para o regime de turnos fixos – também com oito horas diárias – gerou
vantagem social que não compensa, per se, o decréscimo pecuniário
sofrido pelo empregado (produzido pela supressão da sobrejornada). Necessário
é, assim, o pagamento de indenização, que visa ao restabelecimento daquele
equilíbrio. Conclui-se, então, pela aplicação da Súmula nº 291 desta Corte
à espécie."
Confiram-se, ainda, os seguintes julgados:
TST-E-AIRR-1289/2001-020-15-40.0, TST-ED-RR-600.623/1999.0 e
TST-RR-714.856/2000.4.
14.A esse respeito, explicitando a necessidade de que os promotores e
procuradores sejam vocacionados, as preciosas palavras de Paulo Bonavides,
fazendo a distinção entre os dois Ministérios Públicos do Brasil – o da
Constituição e o do Governo: "Com efeito, há dois Ministérios Públicos
no Brasil; um é o da Constituição; o outro o do Governo. Um protege os
interesses da Sociedade e o povo o aplaude; o outro serve aos fins de quem
governa e o povo o reprova. O primeiro é a efígie da independência e da
isenção; advoga a causa social, tutela o bem comum, por isso, recebe os
louvores da opinião e do corpo de cidadãos. O segundo, ao revés, se mostra o
órgão do status quo, é instrumento submisso do Estado, máquina do
governo que o mantém debaixo de seu influxo preponderante. O MP da
Constituição é a maioria, a legitimidade, o colegiado da cidadania. O do
Governo é a minoria, a omissão, o engavetamento, a absência, a deserção nos
graves momentos constitucionais de crise do regime. Um é enaltecido, o outro
menosprezado. Aquele zela pela moralidade pública em todos os distritos da
governança política; este se rebaixa ao grau de servilismo, instrumento
inferior do Poder Executivo, o qual lhe nomeia o Chefe, em ordem a configurar,
pelos laços da sujeição estabelecida, o vício institucional gerador de toda
essa ruptura, que é a guerra civil interna nos quadros do Ministério Público,
responsável do divórcio entre a cúpula e as bases. Um guarda a liberdade, a
Constituição, a moral administrativa; o outro faz-se serventuário dos
desígnios executivos e se acolhe à sombra do paço presidencial onde cultiva a
intimidade do poder". (BONAVIDES, 2003, p. 383-385)