O inquérito policial é um procedimento inquisitorial e meramente descritivo, no qual, ao final, a autoridade que o presidiu irá relatar todas as diligências que foram providenciadas em seu curso, devendo, portanto, apenas relatar, eximindo-se de proferir sua opnio delicti, a qual, com todo o respeito, é irrelevante, tendo em vista que aquele legitimado constitucionalmente para fazer tal juízo e conseqüentemente promover ou não a ação penal pública incondicionada é o órgão do Ministério Público (CF, art. 129, I). Até aqui, nenhuma novidade. O próprio CPP reafirma a irrelevância da opinião do delegado(a) sobre a (in)existência do delito ou de quem seja seu autor, no momento em proíbe terminantemente o arquivamento do inquérito pela autoridade policial (art. 17).
Após produzir toda prova possível e dentro do prazo concedido por lei para a conclusão do inquérito, deve a autoridade policial remeter os autos para o Ministério Público, e este, caso entenda estar subsidiado por um lastro probatório que lhe forneça indícios de autoria e materialidade delitiva, deverá denunciar o(s) réu(s), tornando-se, assim, o dominus litis.
Feitas estas considerações preliminares, podemos chegar à seguinte conclusão: ouvir a autoridade policial que presidiu o inquérito, como testemunha, nada acrescenta à resolução do conflito jurisdicional, tendo em vista que o máximo que ela tem a oferecer é sua opinião, e esta é irrelevante ao processo penal que se pretende em um Estado Democrático de Direito, posto que o imputado somente deve ser considerado culpado em virtude de prova concreta que demonstre a existência do crime e corrobore a sua autoria/participação no delito.
Dito de outra forma: qual a relevância em ouvir a autoridade policial que não teve contato visual (ou de qualquer outro sentido) com o exato momento em que foi cometido o crime e que vai, no máximo, relatar o resultado das diligências realizadas na fase do inquérito (informações estas que já estão contidas no relatório do procedimento inquisitorial)? Para esclarecer tais diligências, e principalmente as perícias, podem fazê-lo com muito mais precisão os próprios peritos.
Em quase todos os procedimento penais, a mera oitiva do delegado em nada acrescentaria para a prolação do édito condenatório, já que o bom juiz togado jamais o proferiria com base na mera opnio delicti daquele que presidiu o inquérito policial. Mas no Tribunal do Júri, como diria um velho dito popular, "o buraco é mais embaixo". Isso porque os jurados não necessitam esclarecer os motivos de sua decisão. E a acusação, ciente deste fato, arrola alguém que nada tem a acrescentar em termos de prova, mas que, certamente, pode influenciar decisivamente um juiz leigo, com base apenas no argumento de autoridade.
E essa técnica mandrakiana de proceder foi utilizada de forma sutil pela acusação no Caso Nardoni, visto que a delegada depôs por quatro horas seguidas e disse ter 100% de certeza da culpa dos réus na morte da pequena Isabella, afirmando que a cada diligência ela tinha mais convicção da culpa do casal. Agora pergunte-se: será que a delegada que presidiu o inquérito de um crime que comoveu o país e que a todo momento era exposta na mídia afirmando possuir um juízo de certeza sobre a autoria dos indiciados, dividindo seu íntimo juízo de convicção também com juízes leigos, têm muita ou pouca influência sobre a decisão dos jurados? Apesar de a resposta ser "muita", questione-se, agora, sobre a qualidade dessa certeza toda que afirma ter a delegada: ela é ou não baseada em um "achismo convicto"? Para esclarecer as provas, únicas aptas a corroborar tal certeza, a oitiva dos peritos podem fazê-lo com melhor precisão, pois trazem dados do mundo fenomênico, e não da superstição.
Com a devida vênia, deveria o juiz-presidente, diante do arrolamento da autoridade policial como testemunha, indeferi-la, qualificando-a como irrelevante, utilizando, por analogia ao procedimento sumariante, o art. 400, §1°, do CPP:
§ 1º As provas serão produzidas numa só audiência, podendo o juiz indeferir as consideradas irrelevantes, impertinentes ou protelatórias (grifos nossos).
Veja que a crítica deste trabalho não é à íntima convicção dos jurados (apesar de o autor deste trabalho acreditar piamente que a ausência de motivação nada tem de garantia fundamental, este não é o objeto da presente reflexão) e sim ao modo como a acusação, esquecendo-se que ser um bom órgão acusador não possui qualquer relação direta com a quantidade de condenações proferidas, manipula a transformação de uma mera opinião em meio de prova, retomando o método medieval de fazer processo penal.