Sumário:
I – INTRODUÇÃO. II – SISTEMATIZAÇÃO DO DIREITO PROCESSUAL.III – OS PÓLOS DE SISTEMATIZAÇÃO DO DIREITO PROCESSUAL: 3.1. NOÇÃO; 3.2. A AÇÃO; 3.3. O PROCESSO; 3.4. A JURISDIÇÃO; IV – CONCLUSÕES; V – Bibliografia.I - INTRODUÇÃO
O Direito Processual vem ao longo do tempo se desenvolvendo segundo métodos próprios de cada época e corrente doutrinária, inclusive levando em consideração as implicações políticas e sociais vigentes em determinado sistema normativo. Assim é que passamos pela fase em que o direito processual era mera extensão do direito material, pela fase da autonomia do direito processual, até que chegamos à fase da instrumentalidade do direito processual, como decorrência do evolver dos estudos científicos em torno do processo.
E, em se tratando de estudos que guardam certo rigor científico, pelo menos a partir da segunda fase acima indicada, logicamente que os processualistas teriam que adotar um método, uma postura metodológica, enfim, uma forma racional de sistematizar os estudos em matéria processual. Daí a necessidade de se identificar o objeto investigado, o centro das preocupações do jurista.
Cada ciência se ocupa preponderantemente de certas categorias de fatos que mais de perto lhe dizem respeito e constituem o seu objeto típico. E qual é o objeto do direito processual? São os institutos jurídicos de direito processual, que constituem as suas grandes unidades sistemáticas.
Dentre os institutos processuais, três ganharam relevância e se destacaram ao ponto de se tornarem pólos metodológicos de sistematização do direito processual. Para alguns, este pólo de investigação é a ação. Para outros, a jurisdição. Terceira corrente encontra no processo a respostas para os seus questionamentos sobre a matéria.
Sem dúvida alguma que os três institutos citados são de suma importância para o direito processual, e cada vez mais se faz necessário que se aprofundem os estudos em torno deles, como forma de aprimorar o sistema de direito processual que temos em vigor.
Destarte, tentaremos neste trabalho vislumbrar as várias facetas metodológicas do direito processual, destacando as principais correntes sobre o tema, e tentando, mesmo que de forma superficial, destacar as principais vantagens e críticas a estas teorias.
O objetivo do trabalho é, portanto, fazer com que ao final tenhamos condição de alcançar posicionamento acerca do seguinte questionamento: qual instituto é o principal pólo metodológico de sistematização do direito processual?
II – SISTEMATIZAÇÃO DO DIREITO PROCESSUA
..Veja-se que nessa fase, que remonta ao direito romano, inexistia qualquer preocupação com a sistematização do direito processual, havendo apenas mero estudo do procedimento (procédure).
O direito processual era tão somente decorrência do direito material violado, sendo a "actio" romana a base de todo o sistema processual que adotou tal postura, que nem se poderia chamar de "metodológica". Esta implicava que o direito material surgia com a jurisdição, o que significava um sincretismo patente, sem qualquer preocupação com a natureza intrínseca de cada instituto.
É o primeiro momento de sistematização do Direito Processual, a fase do sincretismo, da confusão entre o direito processual e o direito material, entre os planos substancial e processual do ordenamento estatal.
Cabe, neste momento, transcrever as palavras de Cândido Dinamarco, que sobre este momento escreveu as seguintes linhas:
"Chegou-se à idéia do direito processual como ciência, mediante um iter de desligamento das matrizes conceituais e funcionais antes situadas no direito material e cuja inadequação somente principiou a ser sentida conscientemente a partir da metade do século passado. O influxo racionalista do ‘século das luzes’ haveria de permitir, também nesse campo, a visão dos fenômenos que durante todo o curso da História das instituições permaneceram ocultos à percepção dos juristas. As transformações políticas e sociais havidas na Europa desde o século anterior tinham sido capazes de alterar a fórmula das relações entre o Estado e o indivíduo, com a ruptura de velhas estruturas – e isso foi responsável pelas primeiras preocupações em definir os fenômenos do processo, onde assoma a figura do juiz como agente estatal, a partir de premissas e conceitos antes não revelados à ciência dos estudiosos que se debruçavam sobre o "direito judiciário civil" (mera procédure). Tinha-se até então a remansosa tranqüilidade de uma visão plana do ordenamento jurídico, onde a ação era definida como o direito subjetivo lesado (ou: o resultado da lesão ao direito subjetivo), a jurisdição como sistema de tutela aos direitos, o processo como mera sucessão de atos (procedimento); incluíam a ação no sistema de exercício dos direitos (jus quod sibi debeatur, judicio persequendi) e o processo era tido como conjunto de formas para esse exercício, sob a condução pouco participativa do juiz. Era o campo mais aberto, como se sabe, à prevalência do princípio dispositivo e ao da plena disponibilidade das situações jurídico-processuais - , que são direitos descendentes jurídicos do liberalismo político então vigorante (laissez faire, laissez passer et le monde va de lui meme)".
Como bem salientado pelo Ilustre processualista, essa fase do sincretismo jurídico, caracterizado pela confusão entre o material e o processual, teve no século XIX os seus momentos de agonia, suplantada que foi pela teoria autonomista. É o segundo momento de sistematização do direito processual, a segunda fase, onde efetivamente firmou-se o direito processual como ciência, distinta do direito material.
Surge, então, a ciência do direito processual, resultante da separação entre direito material e direito de ação, distinguindo-se daquela pelos seus sujeitos, objeto, pressupostos. A famosa polêmica WINDSHEID X MÜTHER foi o ponto de partida de todo o esforço autonomista, servindo como pano de fundo da discussão acerca da natureza das ações do direito moderno. A ação já não era mero instrumento de direito material, voltado apenas para garantir o direito violado do particular. O foco agora é a própria prestação jurisdicional, onde não se tem apenas a participação das duas partes em litígio, mas do juiz, como legítimo representante do poder estatal [03].
Chegou-se, enfim, a um ponto de maturidade do direito processual, que alcançou grandes progressos em sua estruturação, definindo-se, então, os seus principais institutos, como ação, processo, jurisdição, além de restarem definidas todas as sua premissas metodológicas, sistematizando-se todo o seu arcabouço.
Ocorreu, porém, a exacerbação do tecnicismo científico, tendo o processo passado a ser estudado como um fim em si mesmo. Era inevitável que diante de tal postura, que destoava sobremaneira da estrutura social existente, com suas barreiras de acesso ao judiciário, as desigualdades reinantes, e a total negativa de direito aos menos favorecidos, que viessem a surgir novos críticos, que apontavam a inexistência de efetividade como a principal característica do processo moderno.
O aspecto ético passa a dominar as investigações dos processualistas, que tentam ir além do tecnicismo, buscando até mesmo uma conotação deontológica. É a fase do instrumentalismo processual, definida por Dinamarco como
"o núcleo e a síntese dos movimentos pelo aprimoramento do sistema processual, sendo consciente ou inconscientemente tomada como premissa pelos que defendem o alargamento da via de acesso ao judiciário e eliminação das diferenças de oportunidades em função da situação econômica dos sujeitos, nos estudos e propostas pela inafastabilidade do controle jurisdicional e efetividade do processo, nas preocupações pela garantia da ampla defesa no processo criminal ou pela igualdade em qualquer processo, no aumento da participação do juiz na instrução da causa e da sua liberdade na apreciação do resultado da instrução" [04].
Com efeito, a jurisdição e os seus resultados passaram a ser o centro dos estudos do processo, na busca incessante pela sua efetividade. Cabe, neste momento, citar jurista de tomo no que pertine ao pensamento "instrumentalista", Cândido Rangel Dinamarco, que de forma lapidar dá contornos definitivos a esta doutrina, conforme vemos no excerto abaixo, extraído, mais uma vez, da brilhante obra A Instrumentalidade do Processo:
"A negação da natureza e objetivo puramente técnicos do sistema processual é ao mesmo tempo afirmação de sua permeabilidade aos valores tutelados na ordem político-constitucional e jurídico-material (os quais buscam efetividade através dele) e reconhecimento de sua inserção no universo axiológico da sociedade a que se destina. As premissas culturais e político-jurídicas da atualidade repelem, v.g., a distinção da eficácia probatória do testemunho, a partir do status societatis de quem o presta; repelem também o valor das provas legais de fundo supersticioso, que nos soam como pitoresca reminiscência do obscurantismo medieval; de palpitante atualidade é a questão das provas obtidas por meio ilícito, que a preservação das liberdades constitucionalmente asseguradas levou o Constituinte a proibir que sejam acolhidas no processo. Na experiência brasileira mais recente temos o modo como os tribunais vieram a repensar o princípio da demanda e o da fidelidade da liquidação à sentença liquidanda: foi preciso, sem ultrajar substancialmente esses princípios, repudiar a interpretação nominalista da demanda civil de conteúdo pecuniário, bem como da sentença que a acolhe - , para permitir a atualização dos valores monetários e defender o credor eficazmente do mal inflacionário. Outra relevantíssima ilustração da afirmada infiltração de valores na vida dos processos é dada pelo modo prudente como os tribunais brasileiros dimensionaram o efeito da revelia: nem mesmo a intenção manifesta do legislador, em preceitos trazidos ao ordenamento positivo no corpo do Código de Processo Civil, foi capaz de determinar a aplicação rígida dessa rigorosíssima sanção processual, com as injustiças e distorções a que daria causa e sem o fiel cumprimento dos propósitos a que institucionalmente voltado o processo e o exercício da jurisdição " [05].
Veja-se, pois, o notável progresso da ciência processual no decorrer dos séculos até alcançar o estágio atual, onde predomina a visão instrumentalista do processo.
Como decorrência de toda essa evolução, verificamos que em determinadas fases a visão do processualista se voltou com maior força para determinado instituto, fazendo prevalecer determinada atitude metodológica em detrimento de outras. Em alguns momentos, o direito processual sequer era ciência. Logo em seguida, vem a autonomia da ação, imprimindo dinâmica à relação jurídica processual, como fruto da autonomia do direito processual em relação ao direito material. E, por fim, chega-se ao ponto em que se busca a sistematização do processo em torno da efetividade da jurisdição, resultando na fase instrumentalista da ciência processual.
No decorrer de toda esta evolução, definiram-se os institutos fundamentais do direito processual, o tripé sob o qual assenta todo o sistema científico: Jurisdição, Ação e Processo. Na concepção de Ramiro Podetti, é trilogia estrutural de conceitos básicos, abrangendo apenas os três institutos retrocitados. Ainda não se dava realce ao jus exceptionis (direito de defesa), talvez por certo ranço da fase privatista do direito processual. A trilogia prepondera na organização das obra de grandes processualistas italianos, como Chiovenda, Calamandrei, Liebman, e, época recente, Virgílio Mandrioli. É uma visão um pouco mais "unitária" do fenômeno processual.
Já entre os Alemães há uma minimização da importância da ação, uma vez que se dá mais importância ao objeto do processo (Streitgegenstand). A ação estaria, portanto, fora do objeto do processo, consistindo quase que uma categoria apartada.
Neste ponto, entramos na seara do que se denominou de pólos de sistematização do direito processual, como sendo aquelas grandes unidades sobre as quais se assenta o sistema processual. São pontos de convergência das diversas unidades que compõem a ciência processual, na visão do Professor Cândido Rangel Dinamarco, que acrescenta ainda a DEFESA como ponto convergente dos estudos em matéria processual.
"Embora, pois, não constitua novidade alguma a mera indicação dos quatro institutos fundamentais aqui considerados, de bastante valia sistemática é o modo como a eles se chegou neste estudo (método estritamente processual, a partir da relação jurídica que integra o conceito de processo). Todas as demais unidades sistemáticas que integram e dão forma ao corpo da norma processual convergem àquelas grandes categorias e, para serem corretamente compreendidas dentro do sistema, é indispensável que sempre as reportemos ao nível dos institutos fundamentais" [06].
Neste ponto, ousamos discordar do Eminente Jurista citado. É que a defesa constitui apenas variação do direito de ação, vista sob a ótica do demandado. Não se trataria, portanto, de pólo de sistematização, dado que estaria englobado no próprio direito de ação, como parte deste.
Com efeito, e sem mais delongas, urge que adentremos com mais profundidade no ponto crucial do presente trabalho, aquele que merece maior percuciência investigativa, o centro das nossas atenções: os pólos metodológicos de sistematização do direito processual.
III - OS PÓLOS METODOLÓGICOS DO DIREITO PROCESSUAL
Com efeito, nós podemos, dentro da curta história do Direito Processual, distinguir momentos e fases distintas em termos metodológicos, momentos em que os estudos de direito processual se sistematizaram em torno de um ângulo específico do processo, de uma matiz normativa e doutrinária preponderante.
Data de meados do século XI o início das investigações em torno do direito processual, coincidindo exatamente com a época da renovação dos estudos romanísticos, seja, num primeiro momento, utilizando-se o "instrumental" vindo do direito romano, seja, em seguida, abeberando-se do direito canônico.
A partir daí teremos a divisão em pelo menos três fases, segundo a corrente predominante dentre os processualistas: a ) a fase do sincretismo, onde não se distinguia o direito material do processual, e os estudos se limitavam ao mero procedimento, sem qualquer ambição científica; b) autonomista, de caráter conceitual, foi o momento forte dos estudos processuais, com a definitiva desvinculação do direito material e afirmação do direito processual como ciência; c) instrumentalista, corrente mais moderna do pensamento processual, é critica, deslocando o ponto de vista do processo para os resultados práticos, não pelo seu aspecto puramente técnico-dogmático, mas também tomando por base os princípios basilares do direito processual
Em todo esse evolver, encontramos posturas metodológicas diferenciadas de se encarar o processo, ora intensificando suas matizes em torno de um instituto processual, ora em outro. Segundo Dinamarco [07], "...temos o costume de separar esses fatos e essas relações em grupos, considerando certas grandes unidades sistemáticas interligadas por alguma razão de afinidade que justifique a distinção".
O resultado de todo esse trabalho foi a sistematização do direito processual em torno de institutos chaves, "astros" basilares no todo dessa constelação que é o processo. São as grandes unidades sistemáticas reunidas por algo que as torna afins. No dizer de Jhering, seriam a "ossatura" do direito processual. Sob estes institutos se realizaram todos os estudos de sistematização do direito processual, e por isso podemos denominá-los de pólos metodológicos do direito processual, ou institutos basilares do direito processual.
A maioria dos autores indicam três institutos como os fundamentais do direito processual, que são a jurisdição, o processo e a ação. Outros, como Dinamarco, acrescentam a defesa como pólo metodológico [08].
Em suma, os pólos metodológicos são aquelas áreas do direito processual onde se concentram a maior gama de estudos do jusprocessualista; são os institutos sob os quais estaria "orbitando" todo o sistema de direito processual na visão de dado autor ou corrente.
Dinamarco nos relata com bastante propriedade as fase metodológicas por que passamos. Diz por exemplo, que quando o direito processual deixou de ser apenas procedimento e passou a ganhar ares de ciência, com a identificação de uma relação jurídica processual, "deixou-se o método preponderantemente descritivo e casuístico dos atos e forma do processo [09]" .
Hodiernamente tenta-se resgatar o processo, através de correntes doutrinárias que afirmam ser este não apenas instrumento da jurisdição, mas residindo "em todo procedimento realizado em contraditório, repudiada nesse sistema a validade metodológica da relação jurídica processual " [10]. Entretanto, é corrente repudiada pela grande maioria dos processualistas, conforme veremos a seguir.
Passaremos agora a tecer alguns comentários sobre as posturas metodológicas mais adotadas no estudo destes institutos chaves, excetuando a defesa, que, no nosso entender, estaria incluída no direito de ação, como um extensão deste.
3.2. A AÇÃO
3.2.1. POSTURA METODOLÓGICA.
Os estudos em torno da ação datam de épocas remotas, tendo, inclusive, alcançado certo desenvolvimento no direito romano, onde haviam as "actio", embora ainda como um apêndice do direito material.
Corrente é o conceito de que a ação seria o "direito ao exercício da atividade jurisdicional, ou o poder de exigir esse exercício" [11] . O jurisconsulto Celso, na L. 51, D., de obligationibus et actionibus, define ação da seguinte forma: "mas a ação não é outra coisa que o direito de perseguir em juízo aquilo que se deve".
Clássica é distinção feita por Pontes de Miranda entre ações de direito material e as de direito processual. Vejamos:
"O remédio jurídico processual é que toca ao processo. Fácil é verifica-lo quando se está no campo do direito internacional privado: se o indivíduo tem pretensão e ação, no sentido de direito material, responde a lei dominadora do negócio jurídico; qual o remédio jurídico processual que cabe, responde a lei do foro. Nos Estado de duplo direito, a matéria das ações toca ao poder que faz o direito material, ao passo que os remédios dependem dos legisladores do direito processual. Infelizmente, encambulham-se sob o nome genérico de "ações" o que significa estar em situação de exercer em juízo a pretensão e o que constitui o remédio processual. Quando se diz "as ações são especiais ou ordinárias", distinguiram-se os remédios, e não pretensões. As categorias "ações reais, ações pessoais" pertencem ao direito material" [12].
O genial Pontes de Miranda, sem sombra de dúvida, deslocava o centro das suas investigações em matéria processual para o instituto da ação, de maneira que poderíamos até dizer que, para ele, aquela seria o instituto fundamental do direito processual.
Esta é a postura metodológica clássica, vigorante por muitos anos nos estudos processuais. Cândido Rangel Dinamarco, entretanto, no seu livro sobre os Fundamentos do Processo Civil Moderno, criticando tal postura metodológica, considera a ação "instituto exclusivo do direito processual (jurisdicional)". Para ele, a teoria da ação teria desdobramentos em todos os outros institutos desse ramo do direito, conforme podemos ver no excerto infra-transcrito:
"Os elementos constitutivos que identificam as demandas propostas (ato inicial de exercício da ação) apresentam-se, desde logo, como fatores decisivos na determinação da competência. Depois, valem para conceituar a conexão (conexidade objetiva) e, por essa via, voltam a influir na competência (prorrogação) sendo significativos também na disciplina do litisconsórcio, da reunião de processos, etc. É com base neles que se determina o âmbito do provimento que será lícito proferir (nunca extra ou ultra petita, nem por fundamentos diferentes dos fatos narrados), a área coberta pela litispendência, os limites da coisa julgada como óbice às repetições de julgamentos, etc. Há reflexos na prejudicialidade e na admissibilidade da declaração incidental relativa a relações jurídicas prejudiciais (ação declaratória incidental). As espécies de ações ou de demandas, determinadas com fulcro na natureza do petitum feito, refletem-se também na classificação processual dos processos (cognitivo, executivo). Também por toda parte se vêem projeções das condições da ação e da
falta de alguma delas (carência de ação)" [13].
Esta corrente, baseada numa visão privatista do processo, onde predomina o interesse pessoal do demandante, e não do Estado, ganha ainda hoje cada vez mais adeptos, mormente quando se encontra em voga princípios como o do "acesso à justiça", da "indeclinabilidade do poder jurisdicional", etc.
3.2.2. FUNDAMENTOS.
A Ação continua sendo, mesmo na atualidade, o fascínio dos juristas. Inicialmente, era a ação um mero apêndice do direito material, o que a tornava objeto de estudo dos civilistas. Depois, passou-se para a fase autonomista, onde os processualistas é que passaram a investigá-la e sistematizá-la. Por fim, na esteira das ondas renovatórias do processo, e principalmente em razão da difusão da corrente instrumentalista, passou a ação a ser preocupação também dos constitucionalistas, até porque os princípios basilares do direito processual, pelo menos na Constituição da República Federativa do Brasil, ganharam ares de princípios ou garantias constitucionais.
Tal fascínio é herança do velho sistema romano das actiones, que fora repassado para os sistemas jurídicos de origem latina, principalmente no direito italiano, de onde partiu para ganhar o mundo.
Seu fundamento está, portanto, em sede constitucional, dada a existência das garantias do devido processo legal e do acesso ao judiciário. "Ela tem um significado de superlativa grandeza em sede de direito processual civil moderno, porque uma das características fundamentais do Estado-de-Direito reside precisamente na abertura do Poder Judiciário ao exame da pretensões de toda ordem e qualquer valor e no acesso a ele por qualquer pessoa, de qualquer condição social ou econômica, num crescendo que é bem uma das mais visíveis diretrizes políticas da atualidade." [14]
3.2.3. CONSEQÜÊNCIAS
Esta postura metodológica encara o processo de maneira privatista, não levando em consideração os escopos do processo e da jurisdição, de forma que se desloca todo o foco de atenção para o demandante e seu pedido. No dizer do multicitado Dinamarco, "é o culto ao método do processo civil pelo autor" [15].
3.2.4. CRÍTICAS.
As crítica mais contundente assacada contra essa corrente é aquela que considera extremamente perigoso para o processo civil moderno e fundado na isonomia das partes o deslocamento das atenções para apenas uma das partes da relação jurídica processual: o autor.
Diz-se que o se preocupar demasiadamente com a ação implica em visão privatista do sistema processual, como se o instrumento judiciário existisse apenas para garantir o direito do demandante.
Para os críticos, a ação não se presta a tão somente declarar a existência de um direito lesionado, em detrimento das garantias legais do contraditório e da ampla defesa, bem como dos escopos superiores da jurisdição.
Neste sentido, importa trazer à baila os ensinamentos do Prof. Dinamarco [16], que alinha pelo menos três críticas à referida postura:
a) o processo não existe para promover a tutela jurisdicional em benefício do demandante.
b) a ação tem toda essa relevância apenas na relatividade histórica de sistemas, como os modernos em geral, onde prepondera o sistema da demanda. Ou seja, onde o impulso do processo fica a cargo das partes. No processo penal, por exemplo, esta postura já teria tanta relevância quanto no processo civil, em razão do impulso oficial do processo penal.
c) só no processo civil é que se sente o valor institucional da ação, na sua instrumentalidade aos direitos e garantias. Como já dito, no processo penal a ação tem outra relevância, tendo em vista que a garantia constitucional da ampla defesa e do contraditório são objeto de tutela mediante o valor processo, e não ação.
Diante de toda esta discussão, exsurge o entendimento de que a ação merece apenas relevância relativa, não influenciando de forma absoluta o direito processual, mas tão somente naqueles institutos que dizem respeito ao aspecto ativo da demanda, principalmente no quer pertine às condições da ação e do autor.
3.3. O PROCESSO.
3.3.1. POSTURA METODOLÓGICA.
Entre os alemães prepondera a colocação do processo como pólo metodológico do direito processual. Para eles, o processo seria o principal centro de irradiação de influências dentro do processo, com projeção em pelo menos quatro institutos de direito processual: coisa julgada, litispendência, alteração e cúmulo de demandas).
Para Antônio Scarance Fernandes, "o processo constitui o pólo metodológico do direito processual, aquele do qual irradiam os outros institutos fundamentais: jurisdição, ação e defesa" [17]. No seu entender, o processo seria o centro de todas as relações surgidas no seio do processo, "o palco no qual devem se desenvolver, em estruturação equilibrada e cooperadora, as atividades do Estado (jurisdição) e das partes (autor e réu)".
Seria o processo, portanto, o ponto convergente de todas as atividades pelas partes da relação jurídica processual.
"O excessivo realce à predominância da jurisdição sobre as partes é reflexo do exagerado intervencionismo estatal. Prestigiar a ação é ressaltar a atividade do autor em detrimento da atuação do estado e da defesa. Colocar a defesa como a razão do processo e, também, valorizar uma das partes da relação jurídica processual em prejuízo da outra. O processo é o ponto de convergência e de irradiação. É nele e por meio dele que alguém pode pleitear a afirmação concreta de seu direito" [18].
3.3.2. FUNDAMENTAÇÃO.
A fundamentação de tal postura metodológica estaria também em sede constitucional, em face da previsão das garantias do devido processo legal, abrangendo elas as garantias das partes e da atividade jurisdicional.
Seria também uma decorrência lógica da evolução dos estudos processuais que se iniciaram no momento em que o processo não passava de mero procedimento. Posteriormente, passou a ser relação jurídica. E por fim, afirmou-se como entidade complexa, abrangendo em seu conceito o próprio procedimento.
Para esta corrente, o processo seria não apenas um procedimento, mais um procedimento animado pelas idéias do devido processo legal, cujos consectários são o contraditório e a ampla defesa.
3.3.3. CONSEQÜÊNCIAS.
A principal conseqüência é a de que o processo constituiria garantia das partes envolvidas na relação jurídica processual. Garantia sim, e constitucional, em face da previsão expressa da carta da república do devido processo legal e outros princípios.
Nesta perspectiva, seria o processo garantia ativa, posto ser assegurado a qualquer um que pretenda afirma um direito em juízo. E este instrumento estaria, portanto, disponibilizado aos utentes, que poderiam fazer dele uso quando pretendessem reparar alguma suposta lesão ou ameaça a direito.
Sob o ângulo passivo, o processo seria a garantia contra o arbítrio, a ilegalidade, o abuso e a prática de atos ilegais pelas partes. Seria, pois, instrumento vital a garantia a isonomia das partes, e o direito natural que todos possuímos de ter um julgamento justo e de acordo com as leis legitimamente vigentes no País.
Nesse sentido, importa trazer à baila valioso excerto do livro Processo Penal Constitucional, de Antônio Scarance Fernandes, cuja transcrição passamos a fazer:
"Greco Filho, de forma interessante, fala em processo como garantia ativa e garantia passiva. É garantia ativa "porque, diante de alguma ilegalidade, pode a parte dele utilizar-se para a reparação dessa ilegalidade. Nesse sentido existe a garantia do hábeas corpus, contra a violação do direito de locomoção sem justa causa, o mandado de segurança, contra a violação do direito líquido e certo não ampara do por hábeas corpus, a garantia geral da ação, do recurso ao Judiciário, toda vez que houver lesão a direito individual etc.’. É garantia passiva ‘porque impede a justiça pelas próprias mãos, dando ao acusado a possibilidade de ampla defesa contra a pretensão punitiva do Estado, o qual não pode impor restrições à liberdade sem o competente e devido processo legal. Ainda, é o processo garantia passiva quando impede a justiça privada, isto é, garante que a submissão ao direito de outrem não se fará por atividade deste, mas por atividade solicitada ao Judiciário, que examinará o cabimento e a legitimidade de tal pretensão’. Coloca, nessa distinção, o processo como centro de gravidade do direito processual, a ele relacionado a atividade do réu, do autor e do juiz. [19]"
Seria o processo, pois, o objeto central dos estudos de direito processual.
3.3.4. CRÍTICAS.
Dinamarco desmistifica tal corrente ao considerar que o processo é mero instrumento do direito processual e da jurisdição, não maior relevância do que esta.
Sob o ângulo do instrumentalismo, corrente doutrinária defendida e difundida por este autor, o processo seria apenas um meio para se alcançar determinados fins previstos exteriormente ao sistema.
"Nem o processo merece tal colocação, porque não é fonte substancial de emanação e alvo de convergência das idéias, princípios e estruturas que integram a unidade do direito processual. Dentro de um sistema que em si mesmo é instrumental, ele é o instrumento por excelência, prestando-se ao exercício de uma função que também está a serviço de certos objetivos (exteriores ao sistema). Isso destitui o processo, como instituto, de maior expressão substancial, anda dentro do sistema que integra. E, por isso, o processo em si próprio, como conjunto ou modelo de atos, traz profunda e indisfarçável marca de formalismo. A idéia de procedimento é inseparável do conceito de processo. Colocar como pólo principal do sistema esse instituto assim marcadamente formal e potencialmente instrumental conduziria aos extremos de incluir na teoria geral áreas jurídicas até onde não chega a utilidade desta (e sem qualquer proveito para a boa compreensão das diversas espécies de direito processual); não fosse assim, chegaria a própria teoria geral do processo até a disciplina dos negócios jurídicos, o que não seria capaz de enriquecer conhecimentos ou aprimorar soluções. Não-obstante se diga teoria geral do processo e se continue sempre a dizer direito processual, tem-se no fundo e essencialmente a disciplina do poder e do seu exercício e esse é o fator de unidade que reúne numa teoria os institutos, fenômenos, princípios e normas de diversos ramos aparentemente distintos e independentes entre si" [20].
O tecnicismo e o formalismo do processo seriam, sem sombra de dúvidas, as principais razões apresentadas por Dinamarco para criticar a postura metodológica que o coloca como pólo central do direito processual.
3.4. A JURISDIÇÃO.
3.4.1. POSTURA METODOLÓGICA.
A Jurisdição, em conceituação básica, seria o poder com que o estado substitui as atividades dos litigantes ou interessados e possibilita a pacificação de uma situação de conflito. Devido a sua importância, estaria também a jurisdição incluída no trio que compõe o tripé do direito processual, e que inclui ainda a ação e o processo.
A possibilidade que possui o Estado de impor suas decisões às partes é que, de forma imperativa, é que torna a jurisdição uma das expressões do poder estatal, que mesmo sendo uno e insuscetível de divisão, é revelado de acordo com a faceta que se apresenta em determinados momentos e fases.
Neste sentido, seria a jurisdição o grande instituto do direito processual, levando-se em conta que seria o próprio fim do processo. É a jurisdição um poder do estado, e, como tal, merece melhores cuidados investigativos. É o que defende tal corrente.
Para Dinamarco [21], o exercício do poder estatal estaria centrado, fundamentalmente, em duas premissas básicas: a) o compromisso estatal de prestar o seu serviço; b) nas limitações ao exercício deste poder, a fim de se evitarem os abusos e ilegalidades.
3.4.2. FUNDAMENTAÇÃO.
Segundo o citado autor, "a promessa reside fundamentalmente na garantia constitucional da inafastabilidade da tutela jurisdicional, perante a qual são ilegítimas as restrições à faculdade de lamentar situações desfavoráveis e ao poder de exigir solução; a garantia da celebração do processo como condição prévia a imposição de pena (nulla poena sine judicio) e o direito de petição (ou de representação) também são partes integrantes desse compromisso" [22].
E diz mais:
"Das limitações, tem-se primeira manifestação no veto ao exercício espontâneo da jurisdição, seja no cível ou no criminal (a garantia do processo acusatório é uma das maiores conquistas do processo penal moderno); limitações generosas e de grande alcance político são também aquelas inerentes à garantia do juiz natural, do contraditório, ampla defesa, isonomia. A tudo isso há de manter-se atento o juiz, sob pena de ser ilegítimo o exercício da jurisdição" [23].
Conclui o citado o autor da seguinte forma:
"...o valor do processo reside na capacidade que tenha de dar livre curso ao exercício adequado efetivo e eficiente da ação e da defesa, para que também a jurisdição, em clima de equilíbrio e como resultado do contraditório regular, produza os efeitos desejados pela ordem jurídica e sócio-política. [24]"
Com efeito, o autor desconsidera a importância do processo e da ação, que somente seriam relevantes quando considerados em cotejo com os escopos da jurisdição, sendo, portanto, meros instrumentos para o alcance dos efeitos sociais e políticos impingidos à função jurisdicional.
3.4.3. CONSEQÜÊNCIAS.
Essa visão metodológica implica numa postura publicística do processo, em que a jurisdição seria instrumento para que o estado alcance os fins que lhe são próprios. Segundo Dinamarco, "a preponderância metodológica da jurisdição, ao contrário do que se passa com "a preferência pela ação ou pelo processo, corresponde a preconizada visão publicista do sistema, como instrumento do Estado, que ele usa para o cumprimento de objetivos seus" [25].
Tais escopos seriam pelo menos de três ordens: sociais, políticos e jurídico. Dentre todos, a pacificação social seria o de maior relevância, o fim último da atuação jurisdicional. "A pacificação é o escopo magno da jurisdição e, por conseqüência, de todo o sistema processual (uma vez que todo ele pode ser definido como a disciplina jurídica da jurisdição e seu exercício). É um escopo social, uma vez que se relaciona com o resultado do exercício da jurisdição perante a sociedade e sobre a vida gregária dos seus membros e felicidade pessoal de cada um" [26].
A doutrina moderna aponta outros escopos do processo, como a educação para o exercício de direitos; a preservação do valor liberdade e do ordenamento jurídico; a atuação da vontade concreta do direito, etc.
Com efeito, todo o sistema processual estaria voltado para a consecução destes objetivos, que são próprios da jurisdição, enquanto instituto que corresponde a uma faceta da função estatal, que corresponde ao poder estatal de dirimir os conflitos sociais.
3.4.4. CRÍTICAS.
A critica que poderia ser feita a este postura metodológica é a de que o direito processual não se atem somente à regulamentação do poder jurisdicional, tendo aplicação em outros setores estatais e não estatais.
Surge nova doutrina que defende a existência do direito processual negocial, também objeto de estudo da ciência do processo. O direito processual negocial, que estaria fora do âmbito estatal, não foi contemplada pelo Professor Dinamarco em suas considerações, o que implica, no entender desta corrente, gritante falha.
Além disso, olvida-se também nesta ótica a existência de outros direitos processuais estatais não jurisdicionais, como o Direito Processual Administrativo, o Direito Processual Legislativo, o Direito Processual Político, onde não se fala em jurisdição. O Direito Processual Jurisdicional seria apenas mais uma espécie de direito processual.
Na ótica do iminente Prof. e Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Piauí Francisco Antônio Paes Landim Filho, o direito processual não estatal não trabalha com a jurisdição. Em suas aulas, ensina o Jurista Piauiense que a jurisdição poderia sim, ser o pólo metodológico de sistematização do direito processual JURISDICIONAL, não dos outros. O ilustre professor defende, portanto, que o processo é o pólo metodológico de sistematização do Direito Processual Estatal ou não estatal, devido a sua abrangência maior e o seu alcance direto em todos esses ramos do direito processual [27].