Não obstante a popularidade da cláusula arbitral nos contratos internacionais, esse recurso ainda é pouco explorado pelas empresas brasileiras em seus contratos domésticos, sobretudo no setor minerário.
Conforme afiança o Comitê de Ministros do Conselho da Europa, a escolha do procedimento arbitral é especialmente recomendada em se tratando de matérias em que o nível de especificidade requer alto grau de qualificação técnica daquele que fornecerá o provimento às partes. [01]
A título de exemplo, nos Estados Unidos da América e em países da Europa, como Noruega e Reino Unido, a arbitragem é meio amplamente utilizado na apreciação de questões marítimas. Por essa via, substitui-se a jurisdição estatal por uma alternativa que garanta qualificação técnica compatível com a complexidade do objeto litigioso. [02]
Nesse mesmo raciocínio, a arbitragem revela-se como forma mais adequada à solução de controvérsias no campo da mineração.
A interpretação do Direito Minerário requer sensibilidade e profundo conhecimento do ramo por parte do operador do Direito, [03] de modo que a expertise do órgão julgador se apresenta como elemento fundamental para análise de demandas próprias à indústria da mineração.
Na arbitragem, esse fator é especialmente favorecido uma vez que seu procedimento faculta às partes a escolha dos julgadores a que será submetida a controvérsia.
Segundo o art. 13 da Lei 9.307/96, "pode ser árbitro qualquer pessoa capaz e que tenha a confiança das partes", [04] o que possibilita o desígnio de julgadores especializados, com formação técnico-científica afim ao litígio que se apreciará.
Por outro lado, a falta de familiaridade do Poder Judiciário com o Direito Minerário é marcante, revelada pela escassa jurisprudência dos tribunais sobre o assunto, e, sobretudo, pelas decisões que, não raro, contrariam princípios basilares que orientam o exercício de interpretação e aplicação do Direito Minerário.
Tal fato decorre da carência na formação dos juízes em relação à matéria, reflexo da própria ausência do Direito Minerário na grade curricular das instituições de ensino jurídico e da exclusão da disciplina dos editais de concurso para ingresso na magistratura.
Essa realidade conduz, muitas vezes, à equivocada aplicação de institutos do Direito Administrativo às controvérsias próprias do ramo da mineração, de modo que são desconsideradas a especialidade do objeto e das figuras do Direito Minerário, ramo autônomo da ciência jurídica. [05] É fundamental que o intérprete avalie a norma aplicável ajustada aos princípios constitucionais minerários que regem a atividade. [06]
Assim, a capacidade de escolha de árbitros especializados "possibilita que a arbitragem solucione o litígio diretamente no ponto em que está o conflito", [07] o que garante um provimento final ajustado à demanda apresentada pelas partes.
O fato de os procedimentos arbitrais serem mais céleres e desburocratizados também é de grande valia no campo da mineração.
A arbitragem diminui o desgaste gerado pela morosidade judiciária, e, em virtude da rapidez e precisão técnica na resolução dos conflitos, os custos indiretos decorrentes da demora e da insegurança são minimizados.
Para a mineração, esses fatores se tornam ainda mais relevantes, pois o exercício de transformação do recurso mineral inerte em benefícios econômicos e sociais representa uma atividade de alto risco. [08]
Há uma demanda de vultosos investimentos por parte do empreendedor, que não pode se desgastar em prazos dilatórios que comprometam o retorno do aporte financeiro realizado.
Ressalte-se também que a mineração, marcada pela rigidez locacional, obriga o exercício da atividade extrativa onde a própria natureza alocou o depósito mineralizado. [09] Dessa peculiaridade comumente decorrem conflitos com o superficiário do solo em que se encontra a área de pesquisa ou lavra, o que enseja a necessidade de uma intervenção rápida e eficiente do órgão julgador para se garantir o acesso à jazida ou mina.
Finalmente, cumpre destacar o caráter sigiloso da arbitragem, que resguarda o minerador da exposição diante do público e da mídia.
Não há, na arbitragem, a publicidade típica dos procedimentos instaurados perante o Judiciário. Conforme dispõe o art. 13, §6º da Lei 9.307/96, o exercício da atividade arbitral deve pautar-se pela "discrição", de que decorre o sigilo sobre os atos, documentos, informações e dados trazidos em litígio pelas partes.
Para a mineração, a confidencialidade providenciada pelo procedimento arbitral representa aspecto fundamental na preservação dos interesses dos investidores. Diante da expressividade dos investimentos requeridos e do longo prazo de maturação do empreendimento, o sigilo procedimental garante a minimização dos efeitos adversos que inevitavelmente decorrem das especulações elaboradas pelo público e mídia acerca do litígio em vias de resolução.
Ainda, a preservação das informações e documentos trazidos ao processo resguarda a condução dos negócios face à concorrência, já que o acesso a materiais como os de identificação e localização das reservas minerais por competidores poderia comprometer a administração estratégica dos interesses buscados pelo empreendimento.
De fato, especialização, a celeridade bem como o sigilo, inerentes ao procedimento arbitral, conferem benefícios concretos àqueles que optam por essa via de solução de controvérsias no campo da mineração.
Diante disso, parece-nos oportuna e recomendável a presença de cláusula compromissória arbitral nos contratos minerários, o que possibilita um provimento final verdadeiramente compatível com a natureza das pretensões apresentadas pelas partes litigantes.
Notas
- In Legislação no Âmbito da ONU e da União Européia, Curitiba: Juruá, 2002, p. 378. Cfr.: MARTINS, Pedro Batista, Acesso à Justiça. Aspectos Fundamentais da Lei de Arbitragem. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p.2.
- Estudos Sobre Arbitragem Comercial e Direito Marítimo, Almedina, Coimbra, dezembro de 2006. pp 69/74.
- FREIRE, William. Regime Jurídico dos Recursos Minerais no Direito Brasileiro.
- Art. 13º da Lei 9307/96.
- BLANCO, Alejandro Vergara. Principios y Sistema del Derecho Minero: estudio histórico-dogmático. Santiago: Editorial Jurídica de Chile, 1992. p.405; AYULO, Jorge Basadre. Derecho Minero Peruano. 4.Ed. Lima: Libreria Studium, 1985. p.32. FREIRE, William. Regime Jurídico dos Recursos Minerais no Direito Brasileiro.
- "Não se pode deixar de considerar, por exemplo, o interesse nacional na transformação do recurso mineral inerte em benefícios econômicos e sociais, o movimento necessário para a busca do desenvolvimento, de forma sustentável, a indissociável intervenção da exploração mineral no ambiente, a rigidez locacional e os Limites Legais de Tolerabilidade". (FREIRE, William. Regime Jurídico dos Recursos Minerais no Direito Brasileiro).
- MORAES, José Luis Bolzan de. Mediação e Arbitragem: alternativas à Jurisdição. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999. p. 17.
- PIEDRA CORREA, Carlos. Las servidumbres mineras. Santiago: Universitaria, 1962, p. 45.
- PIÑERA ECHENIQUE, José. Legislación minera: Fundamentos de la Ley Orgánica Constitucional sobre Concesiones Mineras. 2ª ed., Santiago, Chile, Editorial Jurídica de Chile, 1987, p. 30.