A decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a ilegitimidade da contribuição social dos inativos e pensionistas tem dado ensejo a inúmeras controvérsias. Sustenta-se, de um lado, que o Tribunal teria revisto a posição assumida em dois outros casos, referentes à contribuição de inativos e pensionistas, julgados em 1996. Em defesa da posição adotada pelo Tribunal, afirmam outros que alterações introduzidas pela reforma constitucional da Previdência (Emenda Constitucional nº 20) acabaram por isentar os aposentados e pensionistas do serviço público de toda e qualquer responsabilidade pela manutenção do seu regime de previdência.
Nas decisões proferidas em 1996, enfatizou o Tribunal que não só o art. 40, § 6º, que dispunha sobre a possibilidade de instituição de contribuição social sobre a remuneração, mas também o art. 40, § 4º, que determinava a revisão compulsória dos proventos dos inativos toda vez que houvesse alteração dos vencimentos do pessoal ativo, legitimavam a instituição de contribuição social para os servidores inativos e pensionistas.
Assim, o Ministro Gallotti, na Adin (Ação Direta de Inconstitucionalidade) 1.441, além de considerar que a Constituição autorizava a cobrança dos inativos (art. 40, § 6º), explicitou que a situação do servidor público era em tudo diferente daquela do segurado do regime geral de Previdência Social. Em um segundo caso (Adin 1.430), entendeu o Tribunal, também com base no art. 40, § 6º, e sobretudo no § 4º, que seria legítima a cobrança de contribuição social do pensionista.
Fica evidente aqui que o Tribunal atribuiu pouco significado à "letra da lei", optando claramente por uma interpretação contextualizada e sistemática do texto constitucional.
Ao revés, a recente decisão proferida pelo Supremo Tribunal na Adin 2.010 parece assentar-se na idéia de que as alterações introduzidas no art. 40 da Constituição seriam suficientes para justificar uma revisão de sua jurisprudência anterior. Assim, a não-reprodução do art. 40, § 6º, associada à disposição contida no art. 40, § 12, que manda aplicar, "no que couber", o regime geral da Previdência Social aos sistemas jurídicos de aposentadoria e pensões do servidor público, teria autorizado uma ampliação de benefícios em favor do servidor público. Segundo esse argumento, a cláusula contida no art. 195, II, da Constituição, que determina a não-incidência de contribuição sobre proventos de aposentadoria e pensões do regime geral, seria aplicável ao servidor público.
Não nos parece que essa seja a única leitura possível do texto constitucional. Se considerarmos que o art. 40, caput, determina a instituição de um modelo contributivo de previdência do servidor público, que o seu § 3º assegura o direito do servidor a se aposentar com base na última remuneração percebida na ativa (aposentadoria integral) e que o § 8º do aludido artigo, tal como o antigo § 4º da redação anterior, concede o direito de revisão dos proventos toda vez que houver alteração da remuneração do pessoal da ativa, temos de reconhecer que haveria elementos suficientes para manter a jurisprudência firmada em 1996. Até porque os regimes de aposentadoria dos servidores públicos e o regime geral de Previdência Social continuam antes e depois da revisão constitucional de 1998 marcadamente distintos. Enquanto os servidores públicos gozam dos benefícios já referidos, com direito à aposentadoria integral e à elevação real do valor dos proventos, os beneficiários do regime da Previdência Social estão submetidos a um teto de R$ 1.200 e fazem jus a reajustes apenas para recompor o valor real, nos termos do art. 14 da Emenda Constitucional nº 20.
Se, a despeito dessa remarcada diferença entre os dois regimes, todavia, se insistir na aplicação do disposto no art. 195, II, da Constituição, como conseqüência da aplicação do § 12 do art. 40, então há de se atentar para um fato peculiar. É que a aplicação simples da proibição de incidência de contribuição sobre proventos de inativos, constante do regime geral, aos servidores públicos, em vez de equiparar as relações entre os dois regimes, amplia as desigualdades entre os beneficiários dos dois sistemas.
Não é difícil perceber que o reconhecimento da imunidade pura e simples de aposentados e pensionistas em relação à contribuição previdenciária produz uma anomalia no sistema, equiparando situações jurídicas notoriamente desiguais. A aplicação da norma de remissão, do art. 40, § 12, conjugada com o art. 195, II, ampliou de forma desmedida as vantagens que o sistema constitucional concede aos aposentados do serviço público.
É possível admitir que o Tribunal até poderia ter chegado à conclusão de que a aplicação da disposição que exclui os aposentados e pensionistas da responsabilidade do regime geral de Previdência Social seria extensiva aos servidores públicos. Esse reconhecimento deveria vir acompanhado de ressalva relativa à necessária observância dos limites vigentes para os benefícios da Previdência Social (R$ 1.200). O não-estabelecimento dessa ressalva produz um resultado altamente insatisfatório, que não se compatibiliza com o princípio central da igualdade e com o postulado da justiça social constantes do texto constitucional.
Assim, para que se não atribua à norma de remissão (art. 40, § 12) um sentido aparentemente invertido, que leva a uma "soma de felicidades" para os servidores públicos, talvez devesse o Tribunal, no julgamento definitivo, rediscutir a questão com o objetivo de assentar, pelo menos, que a imunidade prevista no art. 195, II, beneficia apenas a parcela dos proventos até o limite estabelecido para o regime geral de Previdência, ou seja, R$ 1.200.