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A inspeção do trabalho e sua competência para autorizar a prorrogação da jornada de trabalho em atividades insalubres

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Procede-se a análise de natureza técnica, legal e constitucional das normas de proteção à saúde do trabalhador e sua relação com o espaçamento da jornada de trabalho.

O presente texto objetiva demonstrar o relevante papel social da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego na prevenção de agravos à saúde do trabalhador, por meio de seus auditores-fiscais do trabalho, em particular, no que tange a sua competência para autorizar a prorrogação da jornada de trabalho em atividades insalubres, após proceder aos necessários exames locais e à verificação dos métodos e processos de trabalho.

Para tanto, procede-se a análise de natureza técnica, legal e constitucional das normas de proteção à saúde do trabalhador e sua relação com o espaçamento da jornada de trabalho.

Realiza-se, assim, a leitura da jornada e duração laborais e de sua importância no tocante à construção e implementação de uma consistente política de saúde do trabalhador.

Deve-se iniciar a abordagem da questão em análise pela leitura atenta do artigo 60 da CLT, em virtude de se tratar de dispositivo de norma trabalhista que contém institutos e princípios emanados da Constituição da República e que se espraiam e entrelaçam no âmbito mais amplo do ordenamento jurídico laboral.

Art. 60 - Nas atividades insalubres, assim consideradas as constantes dos quadros mencionados no capítulo "Da Segurança e da Medicina do Trabalho", ou que neles venham a ser incluídas por ato do Ministro do Trabalho, Indústria e Comércio, quaisquer prorrogações só poderão ser acordadas mediante licença prévia das autoridades competentes em matéria de higiene do trabalho, as quais, para esse efeito, procederão aos necessários exames locais e à verificação dos métodos e processos de trabalho, quer diretamente, quer por intermédio de autoridades sanitárias federais, estaduais e municipais, com quem entrarão em entendimento para tal fim.

O artigo 189 da CLT define como atividades ou operações insalubres aquelas que, por sua natureza, condições ou métodos de trabalho, exponham os empregados a agentes nocivos à saúde, acima dos limites de tolerância fixados em razão da natureza e da intensidade do agente e do tempo de exposição aos seus efeitos.

Como decorrência desse enunciado, poderíamos inferir que todos os agentes nocivos à saúde do trabalhador são suscetíveis de mensuração, o que, no estágio atual da ciência, não tem a menor validade. Basta lembrar que os agentes biológicos, constantes do Anexo 14, da NR-15 do MTE, embora caracterizadores de insalubridade, não se submetem a um limite de tolerância.

Ademais, conveniências de ordem econômica podem justificar o retardamento na fixação de vários limites de tolerância relativos a certos agentes químicos ou físicos causadores de insalubridade.

Há, ainda, casos de agentes passíveis de mensuração, que, no entanto, ainda não convém amarrá-los a níveis de tolerância por motivos de ordem econômica ou tecnológica. Nestes casos, seria de bom tom que o legislador admitisse, expressamente, o critério qualitativo para a constatação da insalubridade.

O Ministério do Trabalho e Emprego usando amplamente da faculdade que lhe deferiu o artigo 200 da CLT de estabelecer disposições complementares às normas de que trata o Capítulo V, o Título II, da CLT, usou os critérios qualitativo e quantitativo na elaboração da Portaria nº 3.214/78. Nesse ato administrativo estão reunidos os agentes agressivos com limites de tolerância que se referem a determinadas condições sob as quais é executado o trabalho e as quais a maioria dos trabalhadores pode ficar exposta, diariamente, sem dano a sua saúde.

O anexo 11, NR-15 do MTE, da Portaria nº 3.214/78, que estabelece critérios para caracterização de insalubridade, fixou limites de tolerância para 126 agentes químicos, valores estes baseados nos estabelecidos pela American Conference of Governamental Industrial Hygienists (ACGIH) em 1978, devidamente corrigidos para a jornada de trabalho brasileira, que, na época, era de 48 horas semanais.

É importante comentar que os limites de tolerância estabelecidos no Anexo 11 merecem revisão urgente, uma vez que estão totalmente defasados com relação aos fixados atualmente pela ACGIH, além de que a jornada de trabalho no Brasil é de 44 horas semanais e não mais 48. 1

Nosso país tem adotado os padrões da ACGIH. Convém salientar, no entanto, que a adoção dos limites de tolerância da ACGIH devem ser corrigidos através da fórmula Brief & Scala, uma vez que a jornada de trabalho no Brasil é de 8 horas diárias e 44 horas semanais, enquanto os limites da ACGIH são para jornada de 8 horas por dia e 40 semanais. Assim sendo, o limite de tolerância, por exemplo, de 10 mg/m3, recomendado pela ACGIH para poeira de cimento, deverá ser corrigido no Brasil, em virtude de sua jornada semanal de trabalho, para 8,8 mg/m3. 2

Como os anexos da NR-15, que relacionam os agentes insalubres, sofreram poucas alterações desde 1978, quando foi publicada a Portaria 3.214, eles estão hoje totalmente defasados com a realidade técnica no atual estado da arte, pois, como é sabido, a cada ano vão sendo atualizados limites de tolerância, com base nos conhecimentos científicos que vão sendo adquiridos ao longo do tempo. É exemplo dessa defasagem o caso do monômero de cloreto de vinila, utilizado na fabricação de PVC. No anexo 11 da NR-15 está estabelecido para esse agente químico um limite de 156 ppm. Todavia, há muitos anos a ACGIH adota como limite de tolerância para essa mesma substância apenas 1 ppm. 3

Repise-se que, mesmo para a jornada de trabalho de 8 horas diárias e 44 semanais, os limites de tolerância encontram-se defasados, deduzindo-se daí que os atuais limites suplicam a redução dos seus valores para a nossa atual jornada.

Sendo assim, mister se faz que o Ministério do Trabalho e Emprego efetue uma revisão completa de todos os anexos da referida NR, para que seja exigido o cumprimento dos padrões que realmente protejam a saúde dos trabalhadores. 4

Do exposto, não bastasse constatar que os atuais limites de tolerância reclamam a diminuição de seus valores, é fácil concluir que submeter o trabalhador aos atuais limites, francamente defasados, em período de sobrejornada, em muitos casos, ver-se-á configurado caso de risco grave e iminente à saúde do trabalhador, exigindo do Superintendente Regional do Trabalho e Emprego, à vista do laudo técnico do auditor-fiscal do trabalho, que demonstre essa situação, a interdição imediata das atividades desenvolvidas em estabelecimento ou setor de serviço na empresa em que essas condições forem confirmadas, conforme prescrição do artigo 161 da CLT.

O Tribunal Superior do Trabalho editou a Súmula 349 sobre o assunto, com o seguinte teor:

TST Enunciado nº 349 - Res. 60/1996, DJ 08.07.1996 - Mantida - Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003

Validade do Acordo ou Convenção Coletiva de Compensação de Jornada de Trabalho em Atividade Insalubre

A validade de acordo coletivo ou convenção coletiva de compensação de jornada de trabalho em atividade insalubre prescinde da inspeção prévia da autoridade competente em matéria de higiene do trabalho (art. 7º, XIII, da CF/1988; art. 60 da CLT).

Este é o entendimento do TST, tendo como supedâneo o inciso XIII do art. 7º da Constituição da República. Essa compreensão se firma na idéia de que não se pode dizer que o comando legal expresso no art.60 da CLT seja norma de segurança e medicina do trabalho, pois esta norma está inserida na Seção II (Da Jornada de Trabalho) do Capítulo II, do Título II, da CLT, que trata da duração do trabalho, e não no Capítulo V do mesmo título, que prescreve norma sobre medicina e segurança do trabalho (artigos 154 a 223). Entende, assim, o TST, que o artigo 60 da CLT e o inciso XIII do artigo 7º da Constituição Federal versam sobre a mesma questão, havendo, portanto, uma única condição para a prorrogação do horário de trabalho em atividade insalubre : a existência de negociação coletiva de trabalho. 5

Entende-se , porém, que o caminho hermenéutico trilhado pelo TST, neste particular, não é isento de críticas. Conforme previsão feita no artigo 196 da Constituição da República, a saúde, à qual se acham umbilicalmente inseridas a segurança e a medicina do trabalho, é direito de todos e dever do Estado.

Todos os dispositivos pertinentes a essa matéria, tratada na Ordem Social, os artigos 193 a 204 da Constituição da República, revelam a preocupação que teve o legislador constituinte em programar um complexo ideário para atendimento desse direito indisponível, a saúde, que está diretamente relacionada com o mais importante direito humano: a vida. 6

Aborda-se o tema em foco sob a ótica do direito do trabalho e deve-se atentar ao que preconiza o art. 1ª , inciso IV, da Constituição da República ao proclamar que um dos direitos fundamentais no Estado Democrático de Direito são os valores sociais do trabalho, e, também, o art. 6º, caput dispõe que "os direitos sociais são a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, [...], na forma da Constituição."

Ainda em sede de direito constitucional, estabelece a Carta Magna como direito dos trabalhadores a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança (art.7º,inc.XXII, CF/88). Essas normas são imperativas, cogentes e de ordem pública porque o interesse a que visam protegem não só o individual, mas a sociedade como um todo. 7

O artigo 626 da CLT estabelece, como regra geral, que incumbe ao Ministério do Trabalho e Emprego a fiscalização pelo fiel cumprimento de suas normas e declara competir às Delegacias Regionais do Trabalho (atuais SRTE) a promoção e a fiscalização das normas de segurança e medicina do trabalho.

Art. 626 - Incumbe às autoridades competentes do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, ou àquelas que exerçam funções delegadas, a fiscalização do fiel cumprimento das normas de proteção ao trabalho.

Parágrafo único - Os fiscais dos Institutos de Seguro Social e das entidades paraestatais em geral dependentes do Ministério do Trabalho, Industria e Comercio serão competentes para a fiscalização a que se refere o presente artigo, na forma das instruções que forem expedidas pelo Ministro do Trabalho, Industria e Comercio.

A Convenção n. 81 da Organização Internacional do Trabalho vigorante no país desde 29 de maio de 1956 dispõe sobre a inspeção do trabalho na indústria e no comércio e é incumbida de: velar pelo cumprimento das disposições legais relativas às condições de trabalho e à proteção dos trabalhadores no exercício da sua profissão; dar assessoria aos empregadores e aos empregados sobre a maneira mais efetiva de cumprirem as disposições legais; levar ao conhecimento da autoridade competente as deficiências ou abusos que a lei não previu.

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O artigo 9º da Convenção n.155 da OIT, tratando, também, da fiscalização do trabalho, determina que o controle da aplicação das normas relativas à saúde e segurança deve estar assegurado por um sistema de inspeção apropriado e suficiente. Já o inciso II, do referido artigo, assevera que esse sistema deve prever sanções adequadas em caso de infração. Por outro lado, o seu art. 10 dispõe que devem ser tomadas medidas no sentido de orientar os parceiros sociais com o objetivo de ajudá-los a cumprir as obrigações legais.

Neste mesmo sentido e com o fim de acompanhar a efetivação das normas de saúde e segurança do trabalhador, tem-se normas como o artigo 160 da CLT que preconiza que nenhum estabelecimento poderá iniciar suas atividades sem prévia inspeção e aprovação das respectivas instalações pela autoridade regional competente em matéria de segurança e saúde do trabalho.

A legislação trabalhista dá, ainda, outros exemplos de poderes de autorização conferidos à inspeção do trabalho, como os relativos ao trabalho aos domingos, artigos 68 e 70 da CLT, à redução de intervalo para repouso e alimentação, § 3º, do artigo 71 da CLT e ao trabalho em atividades insalubres, artigo 60 e foco da presente análise.

Na verdade, o papel institucional da inspeção do trabalho tem esteio na Constituição Federal, com fulcro no seu artigo 21, inciso XXIV. Sua missão institucional é bem definida e não se confunde com a de outras instituições afins. Em síntese, ao magistrado do trabalho compete aplicar a lei aos casos concretos que lhes são apresentados (pressupõe-se a ação/reclamação e o processo), ao ministério público do trabalho incumbe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, e ao auditor-fiscal do trabalho compete orientar e fiscalizar, administrativamente, o cumprimento das normas legais de proteção ao trabalho. 8

É a inspeção do trabalho uma das manifestações do poder de polícia administrativa, que age limitando ou regulando a atividade dos particulares e eventualmente, se necessário, age por meio da coação, a fim de proteger o todo social e suas partes contra danos que podem originar-se da atividade humana.

Neste conceito, estão presentes as idéias predominantes de prevenção e do perigo. A prevenção é para impedir que os perigos se transformem em danos. Logo, a fiscalização do trabalho se reveste de particular importância no direito do trabalho, porque não é suficiente a edição de leis especiais para a proteção do trabalhador, importa, também, fiscalizar o cumprimento dessas leis e torná-las efetivas.

Trata-se de interesse público que confere ao Estado o direito e o dever de exercer funções fiscalizadoras, sobretudo quando se tratar de norma legal protetora da saúde e da integridade física do trabalhador.

Neste sentido, colacionam-se duas jurisprudências que podem aclarar o entendimento sobre a relevância do Ministério do Trabalho e Emprego e o seu papel na produção e fiscalização de normas de proteção ao trabalhador:

Ministério do Trabalho e Emprego. Previsão constitucional e legal para instituir Normas Regulamentadoras sobre segurança e medicina do trabalho. Nos termos do Art. 7º, inciso XXII, da CF/88, a matéria sobre segurança e medicina do trabalho pode ser regulamentada por normas, e não, necessariamente, por lei no sentido estrito, as quais, por sua vez, podem ser editadas pelo poder executivo. A teor do Art. 200 da CLT, cabe ao Ministério do Trabalho estabelecer disposições complementares às normas de que trata este capítulo, tendo em vista as peculiaridades de cada atividade ou setor de trabalho, especialmente sobre: I. Medidas de prevenção de acidentes e os equipamentos de proteção individual em obras de construção, demolição ou reparos. Tal dispositivo cuida de delegação de atividade administrativa e não legislativa, o que não se insere nas competências dos ministros do estado, a teor do Art. 87, parágrafo único, inciso II, da Constituição Federal. TRT 3ª R., RO 000483-2005-108-03-00-8, 8ª T., Rel. juiz Heliberton de Castro, DJMG 3.9.05.

Normas de proteção ao trabalhador. Fiscalização. Administração Pública. Poder de Polícia. De acordo com o art. 200 da CLT, incumbe ao Ministério do Trabalho estabelecer disposições complementares às normas relativas à proteção ao trabalho, dentre outras, sobre prevenção de acidentes e equipamentos de proteção individual em obras de construção, demolição e reparos (inciso I). O art. 155, inciso II, também da CLT, prevê, ainda, que cabe ao órgão de âmbito nacional competente coordenar, orientar, controlar e supervisionar a fiscalização e as demais atividades relacionadas com a segurança e medicina do trabalho em todo território nacional, inclusive a Campanha Nacional de prevenção de Acidentes do Trabalho. Pertence à Administração Pública o dever de fiscalizar as condições de segurança do trabalho e, consequentemente, o de aplicar penalidades pelo descumprimento às respectivas normas, atribuição que decorre do poder de polícia, consistente em atividade limitadora do exercício de direitos individuais em benefício do interesse coletivo. Esse poder se exerce pela regulamentação de leis e controle de sua aplicação em caráter preventivo, por meio de notificações, licenças e alvarás, ou repressivo, mediante imposição de medidas corcitivas. Constatada a irregularidade, sem que a hipótese exigisse a dupla visita (com notificação prévia à autuação) – foi correta a imposição da multa. Recurso a que se nega provimento. TRT 9ª Reg. REPA 80058-2005-001-09-00-9 – (Ac. SE 09975/06) – Relª Juíza Marlene T. Fuverki Suguimatsu. DJPR 4.4.06, p.258).

Infere-se das jurisprudências citadas que o Ministério do Trabalho e Emprego exerce tanto a regulamentação de leis sobre a saúde do trabalhador, quanto o controle de sua aplicação, visando garantir sua efetivação.

Atualmente, existe um grande desafio constitucional de integração na área de saúde e do trabalho. A saúde tem uma ação complementar à ação do trabalho, tendo como obrigação o estabelecimento de ações de vigilância sanitária quanto à saúde do trabalhador e de colaboração na proteção do meio ambiente do trabalho.

O desafio a ser superado é o de se transcender a fragmentação que existe entre as instituições envolvidas com a saúde do trabalhador. Essas instituições, como o MTE, INSS, FUNDACENTRO e SUS, devem integrar ações visando desenvolver uma cultura nacional de saúde e segurança.

Essa fragmentação, fruto de uma abordagem científica francamente ultrapassada, conduz a sofismas como as contraposições entre trabalho e saúde, saúde e segurança do trabalho, gerando a impressão de se tratar de realidades diversas, quando se está, de fato, diante de uma só. 9

A questão em análise decorre, por outro lado, das discussões realizadas, no atual estado da arte, sobre os critérios e parâmetros adotados na fixação da atividade insalubre e na sua neutralização, no empoderamento técnico de seus operadores, tendo em vista sua matriz técnico-conceitual. Esse aspecto da agenda científica deve avançar no confronto entre dados clínicos e epidemiológicos no âmbito dos agravos à saúde do trabalhador. Só haverá uma compreensão mais ampla dos dados clínicos e epidemiológicos dos processos de adoecimento no trabalho se houver uma real auditagem técnica, com inspeções e análises permanentes in loco.

A caracterização da insalubridade na empresa é feita com base na análise de possibilidade, típica dos procedimentos científicos. A NR-7, ao considerar a necessidade de controle da saúde coletiva, observa: o PCMSO deverá considerar as questões incidentes sobre o indivíduo e a coletividade de trabalhadores, privilegiando o instrumental clínico-epidemiológico na abordagem da relação entre saúde e trabalhador.

Assim sendo, exsurge a missão institucional do auditor-fiscal do trabalho, em desenvolver atividade junto à empresa tendente a eliminar ou a neutralizar a condição insalubre em que ela se encontra, conforme artigo 191, parágrafo único, da CLT.

Neste contexto, o seguinte Enunciado foi aprovado pela 1ª Jornada de direito material e Processual na Justiça do Trabalho, encerrada no dia 23.11.07, no TST: Enunciado n. 50 – Insalubridade. Expedição de ofício à DRT. Constatada a insalubridade em ação trabalhista, o juiz deve oficiar a Delegacia Regional do Trabalho para que a autoridade administrativa faça cumprir o disposto no art.191, parágrafo único, da CLT.

Não poderia ser de outro modo. A SRTE é o órgão que encampa, naturalmente, a atribuição de zelar pela saúde e segurança do trabalhador. Sua ação deve ser preventiva, indo para além da lógica do pagamento do adicional de insalubridade. O que se deseja é a manutenção da integridade física do trabalhador e não a paga pela sua saúde comprometida.

O direito comparado põe de manifesto que, por toda parte, se dispensa tratamento especial ao empregado sujeito a condições insalubres. Passando em revista o procedimento de vários países no que tange à insalubridade e à periculosidade, verifica-se ser prevalecente o entendimento de que se deve sanear os ambientes de trabalho. Os adicionais, nesta perspectiva, são irrelevantes. 10

No Brasil persiste ainda o adicional de remuneração para atividades insalubridades (inc.XXIII,art.7º,da CF/88) que não deve ser entendido como a paga pela saúde do trabalhador, uma vez que este dispositivo deve se harmonizar ao comando constitucional contido no inc.XXII, do mesmo artigo 7º, que preconiza ser direito do trabalhador a redução dos riscos inerentes ao trabalho.

O nosso país, de dimensões continentais, dividi-se em regiões geo-econômicas diferenciadas e cada uma delas apresenta suas peculiaridades. Assim sendo, o auditor-fiscal do trabalho deve proceder aos necessários exames locais e à verificação de métodos e processos de trabalho, conforme artigo 60 da CLT, a fim de concluir pela viabilidade ou não da prorrogação da jornada de trabalho em condições insalubres.

Ainda que, por força do que preconiza a Súmula n. 349 do TST, prevaleça o entendimento de que não se exige a prévia inspeção do local de trabalho por autoridade competente como pré-requisito da legitimidade da celebração de acordo ou convenção coletiva para compensação de horário em jornada insalubre, a autoridade trabalhista não está impedida de proibir, a posteriori, o trabalho adicional na atividade insalubre se ficar comprovado o risco à vida ou à saúde do trabalhador.

Para tanto, o auditor-fiscal do trabalho conta com o instrumento legal da interdição, previsto no artigo 161 da CLT, e, em pleno vigor:

Art. 161 - O Delegado Regional do Trabalho, à vista do laudo técnico do serviço competente que demonstre grave e iminente risco para o trabalhador, poderá interditar estabelecimento, setor de serviço, máquina ou equipamento, ou embargar obra, indicando na decisão, tomada com a brevidade que a ocorrência exigir, as providências que deverão ser adotadas para prevenção de infortúnios de trabalho.

Depreende-se, do exposto, que são pressupostos da decisão do delegado do trabalho (atual superintendente regional do trabalho e emprego): o risco grave e iminente para o trabalhador; o laudo técnico elaborado por quem de direito e o estudo preliminar das providências destinadas a evitar acidente ou grave comprometimento à saúde do trabalho.

Não obstante a esta medida de natureza extrema apresentada, pode, ainda, o auditor-fiscal do trabalho notificar a empresa para eliminar ou neutralizar as condições que desencadeiam o ambiente insalubre.

Nesta perspectiva, a autoridade administrativa deve se nortear pelo que preconiza o item 9.3.5.4, da Norma Regulamentadora nº 9 do MTE, com fulcro no artigo 191 da CLT, com o seguinte texto:

9.3.5.4. Quando comprovado pelo empregador ou instituição, a inviabilidade técnica da adoção de medidas de proteção coletiva ou quando estas não forem suficientes ou encontrarem-se em fase de estudo, planejamento ou implantação ou ainda em caráter complementar ou emergencial, deverão ser adotadas outras medidas obedecendo-se à seguinte hierarquia:

a)  medidas de caráter administrativo ou de organização do trabalho;

b)  utilização de Equipamento de Proteção Individual - EPI.

O item mencionado ao se referir a medidas de caráter administrativo ou de organização do trabalho traz em seu bojo a idéia de redução de exposição do trabalhador a determinado agente insalubre. Esta medida segue uma ordem de preferência e deve ser adotada em momento anterior à utilização do equipamento de proteção individual, que só deve ser usado em caso daquela medida não ter sido suficiente para prevenir o trabalhador dos riscos aos quais ele está exposto.

Assim sendo, o auditor-fiscal do trabalho pode notificar a empresa e determinar a redução da exposição do trabalhador ao agente insalubre, o que ela poderá fazer, por exemplo, implantando rodízio na atividade. Esse comportamento é justificado pelo direito natural à vida.

Essa foi a linha de raciocínio adotada na 1ª Jornada de Direito Material e Processual na Justiça do Trabalho, encerrada no dia 23.11.07, no TST, como pode se inferir do seguinte enunciado nela aprovado: Enunciado n. 49 – Atividade Insalubre. Prorrogação de jornada. Negociação coletiva. Invalidade. O art. 60 da CLT não foi derrogado pelo ar. 7º, XIII, da Constituição da República, pelo que é inválida cláusula de convenção ou acordo coletivo que não observe as condições nele estabelecidas.

Deve-se insistir, a título de argumentação, que não há qualquer incompatibilidade entre o texto constitucional vigorante e a exigência celetista de vistoria administrativa prévia para pactuação de sobrejornada ou compensação de horários em situações laborais insalubres. Uma larga multiplicidade de normas constitucionais coloca a saúde e segurança do obreiro em patamar destacado e superior a interesses protegidos por outras normas jurídicas, inclusive trabalhistas (ilustrativamente, arts.7º,XXII,194,196,197,200,II,C F/88). Pelo texto magno, a saúde e segurança laborais são direito subjetivo obreiro, constituindo, ainda, parte integrante e exponencial de uma política de saúde pública do país.

Não há, ao revés, na Constituição qualquer indicativo jurídico de que tais valores e objetivos possam ser descurados em face de qualquer processo negocial coletivo. Na verdade, esta é uma das mais significativas limitações manifestadas pelo princípio da adequação setorial negociada, informador de que a margem aberta às normas coletivas negociadas não pode ultrapassar o patamar sociojurídico civilizatório mínimo característico das sociedades ocidental e brasileira atuais. Nesse patamar, evidentemente, encontra-se a saúde pública e suas repercussões no âmbito empregatício. 11

As normas de medicina e segurança do trabalho são parcelas imantadas por uma tutela de interesse público, que a sociedade democrática não concebe ver reduzida em qualquer segmento econômico-profissional, sob pena de se afrontarem a própria dignidade da pessoa humana e a valorização mínima deferível ao trabalho (arts. 1º, III e 170, caput, CF/88).

Efetivamente, os avanços dos estudos e pesquisas sobre a saúde e segurança laborais têm ensinado que a extensão do contato do indivíduo com certas atividades ou ambientes é elemento decisivo à configuração do potencial efeito insalubre de tais ambientes ou atividade. Essas reflexões têm levado à noção de que a redução da jornada e da duração semanal do trabalho em certas atividades ou ambientes constitui medida profilática importante no contexto da moderna medicina laboral, ou seja, as normas jurídicas concernentes à duração do trabalho já não são mais, necessariamente, normas estritamente econômicas, uma vez que podem alcançar, em certos casos, a função determinante de normas de saúde e segurança laborais, assumindo, portanto, o caráter de normas de saúde pública.

A Constituição da República apreendeu, de modo exemplar, essa nova leitura a respeito da jornada e duração laborativas e do papel que têm no tocante à construção e implementação de uma consistente política de saúde no trabalho. Por essa razão é que a Carta de 1988, sabiamente, arrolou como direito dos trabalhadores a "[...] redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança." (art.7º, XXII).

Pela mesma razão é que a ação administrativa estatal, por meio de normas de saúde pública e de medicina e segurança do trabalho que venham reduzir o tempo lícito de exposição do trabalhador a certos ambientes ou atividades não é inválida, nem ilegal, nem inconstitucional. Ao contrário, é francamente autorizada e determinada pela Constituição, através de inúmeros dispositivos que se harmonizam organicamente. Citem-se, por exemplo, o mencionado art. 7º, XXII, que se refere ao direito à redução dos riscos do trabalho por meio de normas de saúde, higiene e segurança; o art. 194, caput, que menciona a seguridade social como "conjunto integrado de ações de iniciativas dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde..."; o art.196, que coloca a saúde como "direito de todos e dever do Estado, garantido, mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos..."; o art. 197, que qualifica como de "relevância pública as ações e serviços de saúde...";cite-se, finalmente, o art.200, II, que informa competir ao sistema único de saúde "executar as ações de vigilância sanitária e epidemiológica, bem como as de saúde do trabalhador".

É importante enfatizar que o maior ou menor espaçamento da jornada (e duração semanal e mensal do labor) atua, diretamente, na deterioração ou melhoria das condições internas de trabalho na empresa, comprometendo ou aperfeiçoando uma estratégia de redução dos riscos e malefícios inerentes ao ambiente de prestação de serviços. A modulação da duração do trabalho é parte integrante de qualquer política de saúde pública uma vez que influencia, exponencialmente, na eficácia das medidas de medicina e segurança do trabalho adotadas na empresa. Do mesmo modo que a ampliação da jornada (inclusive com a prestação de horas extras) acentua, drasticamente, as probabilidades de ocorrência de doenças profissionais ou acidentes do trabalho, sua redução diminui, de maneira significativa, tais probabilidades da denominada infortunística do trabalho. 12

De tudo que foi exposto, chega-se às seguintes inferências:

a)o art.60 da CLT foi recepcionado pela atual Constituição da República;

b)ainda que se considere o que preconiza a Súmula n. 349 do TST, o auditor-fiscal do trabalho não está impedido de proibir, a posteriori, a prorrogação de trabalho na atividade insalubre se ficar comprovado o risco à vida ou à saúde do trabalhador, tendo, inclusive, o poder-dever de fazê-lo;

c) não deve prosperar norma de negociação coletiva que afronta direitos de indisponibilidade absoluta, como as normas de medicina e segurança do trabalho, sob pena de se ver afrontada a própria dignidade do trabalhador.


REFERÊNCIAS

1 CORRÊA, Márcia Angelim Chaves; SALIBA, Tuffi Messias. Manual prático de avalição e controle de gases e vapores: PPRA. 3. ed. São Paulo: LTr, 2009. p. 31.

2 SALIBA, Tuffi Messias. Manual prático de avaliação e controle de poeira e outros particulados: PPRA. 3. ed. São Paulo: LTr, 2007. p. 40.

3 SAAD, Eduardo Gabriel; SAAD, José Euardo Duarte; BRANCO, Ana Maria Saad C. CLT comentada. 43. ed. atual. rev. amp. São Paulo: LTr, 2010. p. 317.

4 SAAD, Eduardo Gabriel; SAAD, José Euardo Duarte; BRANCO, Ana Maria Saad C. CLT comentada. 43. ed. atual. rev. amp. São Paulo: LTr, 2010. p. 317.

5 MARTINS, Sergio Pinto. Comentários às súmulas do TST. 6 ed. São Paulo: Atlas, 2009. p. 235.

6 FERRARI, Irany; MARTINS, Melchiades Rodrigues. CLT: doutrina – jurisprudência predominante e procedimentos administrativos: segurança e medicina do trabalho artigos 154 a 201. São Paulo: LTr, 2007. p. 15.

7 FERRARI, Irany; MARTINS, Melchiades Rodrigues. CLT: doutrina – jurisprudência predominante e procedimentos administrativos: segurança e medicina do trabalho artigos 154 a 201. São Paulo: LTr, 2007. p. 16.

8 REIS, Jair Teixeira dos. Processo administrativo do trabalho: doutrina e prática. São Paulo: LTr, 2009. p. 14.

9 MACHADO, Jorge; SORATTO, Lúcia; CODO, Wanderley (Org.). Saúde e trabalho no Brasil: uma revolução silenciosa: o NTEP e a previdência social. Petrópolis: Vozes, 2010. p. 29-30.

10 SAAD, Eduardo Gabriel; SAAD, José Eduardo Duarte; BRANCO, Ana Maria Saad C. CLT comentada. 43. ed. atual. rev. amp. São Paulo: LTr, 2010. p. 325.

11 DELGADO, Maurício Godinho. Introdução ao Direito do trabalhador. 2. ed. São Paulo: LTr,1999. p.163-165.

12 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 4. ed. São Paulo: LTr, 2005. p. 831-832.

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Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AMORIM JUNIOR, Cléber Nilson Ferreira. A inspeção do trabalho e sua competência para autorizar a prorrogação da jornada de trabalho em atividades insalubres. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2473, 9 abr. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14656. Acesso em: 2 nov. 2024.

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