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A pensão por morte e a dinâmica da incapacidade laboral do segurado alcoólatra

12/04/2010 às 00:00
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Embora o alcoolismo seja reconhecido como doença pela Organização Mundial de Saúde, pode haver dificuldades em constatar este mal incapacitante no momento oportuno, para a produção dos devidos efeitos previdenciários.

Sumário:1 - Introdução, 2 - Os requisitos para a concessão de pensão por morte, 3 - O preenchimento dos requisitos da pensão por morte, 4 - A determinação da data inicial da incapacidade, 5 – Conclusão.


1 - Introdução

Embora o alcoolismo seja reconhecido como doença pela Organização Mundial de Saúde [1], pode haver dificuldades em constatar este mal incapacitante no momento oportuno, para a produção dos devidos efeitos previdenciários.

O alcoólatra, enquanto seu vício não alcança um estágio crônico, pode encontrar-se em uma situação nebulosa, no qual não tem condições de exercer uma atividade que mantenha sua qualidade de segurado, nem de recolher contribuições para este fim, ao mesmo tempo que sua incapacidade laboral, que lhe conferiria o direito ao gozo de benefício previdenciário, não é pericialmente atestada.

Nos casos em que ele vem a falecer por conta do vício, geralmente muitos anos depois de tê-lo adquirido, a autarquia previdenciária nega a concessão do benefício da pensão por morte aos seus dependentes, sob o fundamento de que o falecido não mantinha a qualidade de segurado no momento do óbito.

Assim, nossa intenção é discorrer sobre a dinâmica da incapacidade laboral dos viciados etílicos, sua influência na manutenção da qualidade de segurado, e a conseqüente repercussão na concessão do benefício previdenciário da pensão por morte.


2 - Os requisitos para a concessão de pensão por morte

A pensão por morte é devida ao conjunto dos dependentes de segurado que falecer, aposentado ou não. É prevista constitucionalmente no art. 201, incisos I e V, e disciplinada na Lei n.° 8.213/91, nos arts. 74 a 79, e no Decreto n.° 3.048/99, nos arts. 105 a 115.

Como se depreende desta definição legal, para a concessão do referido benefício previdenciário, deve ocorrer a morte de uma pessoa, que ostentava a qualidade de segurado no momento do falecimento, e que este segurado tenha deixado dependentes.

A morte pode ser real ou presumida, tendo esta uma disciplina própria no Direito Previdenciário, diversa daquela do Direito Civil. Nos termos do art. 78, da Lei n.° 8.213/91, a morte presumida será declarada judicialmente, pela Justiça Federal [2], após 6 meses de ausência do segurado, ou independentemente de declaração judicial ou de prazo, no caso de seu desaparecimento ocorrer em acidente, desastre ou catástrofe. A pensão paga em razão da morte presumida tem caráter provisório.

A qualidade de segurado se mantém enquanto este exercer atividade vinculada ao Regime Geral de Previdência Social ou enquanto continuar contribuindo. Contudo, cessado o exercício da atividade ou a contribuição, a lei concede um período de graça, no qual o segurado mantém esse status, bem como todos os direitos derivados desta qualidade, conforme regula o art. 15, da Lei n.° 8.213/91. Este período pode ter termo definido, como o prazo de 12 meses, prorrogável sob certos requisitos, até 36 meses, após a cessação das contribuições, para o segurado que deixar de exercer atividade remunerada abrangida pela Previdência Social (art. 15, inc. II, §§ 1° e 2°).

O período de graça também pode ser sem limite de prazo, para o segurado que está em gozo do benefício (art. 15, inc. I):

" Mantém a qualidade de segurado, independentemente de contribuições:

I - sem limite de prazo, quem está em gozo de benefício;"

A interpretação teleológica desta norma leva à conclusão de que estando preenchidos os requisitos para a concessão de um benefício previdenciário, há direito adquirido que não perece por falta de requerimento administrativo. Por conseqüência, enquanto perdurar o direito de estar no gozo de benefício, mesmo que não exercido, não há perda da qualidade de segurado.

Adaptando o citado art. 15, inc. I, com este entendimento, poder-se-ia dizer que mantém a qualidade de segurado, independentemente de contribuições, sem limite de prazo, quem está, ou deveria estar, em gozo de benefício [3]. Como este ponto será importante no desenvolvimento do presente artigo, citamos algumas decisões judiciais neste sentido:

"PREVIDENCIÁRIO. PERDA DA QUALIDADE DE SEGURADO. INOCORRÊNCIA. INCAPACIDADE PARA O TRABALHO. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.

I - Comprovada a incapacidade para o trabalho, não perde o obreiro a qualidade de segurado da Previdência social, por deixar de contribuir, fazendo jus ao benefício previdenciário, uma vez que a jurisprudência desta Eg. Corte é uníssona no sentido de que, não perde a qualidade de segurado aquele que deixou de contribuir por razões de saúde.

II - Agravo interno desprovido."

(AgRg no REsp 721.570/SE, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 19/05/2005, DJ 13/06/2005 p. 344)

"RECURSO ESPECIAL. PREVIDENCIÁRIO. NÃO RECOLHIMENTO DE CONTRIBUIÇÕES EM RAZÃO DE INCAPACIDADE PARA O TRABALHO. PERDA DA QUALIDADE DE SEGURADO. INOCORRÊNCIA. MATÉRIA PACIFICADA.

1. A Egrégia 3ª Seção desta Corte Superior de Justiça firmou já entendimento no sentido de que o trabalhador que deixa de contribuir para a Previdência Social por período superior a doze meses, em razão de estar incapacitado para o trabalho, não perde a qualidade de segurado.

2. "A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial." (Súmula do STJ, Enunciado nº 7).

3. Recurso especial improvido."

(REsp 543.629/SP, Rel. Ministro HAMILTON CARVALHIDO, SEXTA TURMA, julgado em 23.03.2004, DJ 24.05.2004 p. 353)

"PODER JUDICIÁRIO JUIZADO ESPECIAL FEDERAL PREVIDENCIÁRIO Seção Judiciária de São Paulo AUTOS ELETRÔNICOS DO PROCESSO N.º 2002.61.84.002080-4 RELATOR: JUÍZ FEDERAL AROLDO JOSÉ WASHINGTON RECORRENTE:. INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL – INSS RECORRIDA: SEVERINA CASSIANO DOS SANTOS DA SILVA

(. . .) Portanto, tendo recolhido contribuições previdenciárias por vários anos, consoante consta de sua CTPS, conclui-se que o mesmo reunira em vida todos os requisitos necessários à obtenção de, no mínimo, auxílio-doença. Trata-se do reconhecimento de um direito adquirido, o qual não se extingue por falta de exercício, Reconhecido o direito do segurado falecido ao benefício por incapacidade, surge como conseqüência o direito à pensão por sua morte, devida a seus dependentes, neste caso, sua esposa. Posto isso, nego provimento ao recurso do INSS. É o voto."

Terminado o período de graça, a perda da qualidade de segurado importa em caducidade dos direitos inerentes a essa qualidade, de acordo com o texto do art. 102, da Lei n.° 8.213/91, perdendo os dependentes o direito à pensão por morte. Entretanto, isto não ocorre quando o falecido já havia cumprido os requisitos para a obtenção de aposentadoria, por disposição do parágrafo segundo do mencionado artigo, cuja redação diz:

"Não será concedida pensão por morte aos dependentes do segurado que falecer após a perda desta qualidade, nos termos do art. 15 desta Lei, salvo se preenchidos os requisitos para obtenção da aposentadoria na forma do parágrafo anterior."

Esta é a situação em que o indivíduo já poderia estar aposentado, mas não procedeu com o requerimento administrativo. Este entendimento foi consolidado com a edição da Súmula n.° 416, pelo Superior Tribunal de Justiça, com o seguinte teor:

É devida a pensão por morte aos dependentes do segurado que, apesar de ter perdido essa qualidade, preencheu os requisitos legais para a obtenção de aposentadoria até a data do seu óbito." (DJe de 16.12.2009)

A relação dos dependentes com o segurado é de ordem econômica, seja esta presumida por lei, no caso dos dependentes preferenciais (cônjuge, companheira, companheiro e filhos, em certas condições), ou de necessária comprovação de dependência (pais ou irmãos), conforme estabelece o art. 16, da Lei n.° 8.213/91 e o art. 16, do Decreto n.° 3.048/99.

Os dependentes são titulares de direito próprio ao benefício previdenciário da pensão por morte; contudo, seu vínculo com o Regime Geral de Previdência Social se dá de forma indireta, por serem economicamente dependentes de um segurado.


3 - O preenchimento dos requisitos da pensão por morte

Resumindo os pontos anteriormente apresentados, os dependentes farão jus à pensão por morte nas hipóteses em que o falecido já havia preenchido os requisitos para a aposentadoria, ou quando mantinha a qualidade de segurado no momento do óbito.

Desta definição, aparentemente simples, pode-se encontrar grande dificuldade para se provar a manutenção da qualidade de segurado do alcoólatra. Para exemplificar com uma situação corriqueira, digamos que Tício, que por muitos anos foi um empregado eficiente e dedicado, começou a se tornar dependente da bebida.

Sua produtividade cai, o que culmina com sua demissão. O sentimento de culpa só faz progredir o círculo vicioso do álcool, afetando sua estabilidade emocional. Ele se torna incapaz de exercer qualquer atividade laborativa e recusa-se a submeter-se a um tratamento médico adequado, passando a perambular de bar em bar, para o desespero de sua esposa, que tem que sustentar sozinha a casa e os filhos.

Por ser uma pessoa fisicamente resistente, consegue levar esta vida errante durante quatro anos, tendo sido internado, neste ínterim, apenas duas vezes, para tomar soro, sendo logo liberado do hospital. Contudo, depois do referido período, sua saúde deteriora-se gravemente por conta de uma cirrose hepática alcoólica, que o obriga a ser internado por dois meses contínuos em um hospital, onde permanece até o seu falecimento.

Pelo ângulo das contribuições, Tício perdeu a qualidade de segurado, por ter havido a cessação das contribuições por mais de 36 meses.

Mas como a incapacidade laboral gera o direito à manutenção da qualidade de segurado, conforme foi exposto no item anterior, pode ser possível que não a tinha perdido até o momento do falecimento.

Portanto, para a obtenção da pensão por morte, os dependentes devem comprovar que o segurado estava incapacitado para o trabalho, e que teria o direito de gozar o correspondente benefício previdenciário.

Contudo, parece-nos razoável crer que diante dos laudos médicos existentes, correspondentes a duas rápidas internações para tomar soro em quatro anos, e dois meses de internação, faltariam elementos para que em uma perícia se pudesse concluir qual a data de início da incapacidade, de forma que esta acabaria sendo fixada em data próxima aos derradeiros meses do viciado.

Isto redundaria na constatação de que a incapacidade teria surgido depois da perda da qualidade de segurado (mantida nos 36 meses sem contribuição, na melhor das hipóteses), sendo que ele não teria feito jus à concessão de benefício por incapacidade.

Desta forma, pelo aspecto da contribuição, ou da incapacidade constatada exclusivamente por perícia médica, o indivíduo teria perdido a qualidade de segurado.


4 - A determinação da data inicial da incapacidade

Se Tício fosse viciado em uma poderosa droga ilícita, em vez do álcool, em curto espaço de tempo poderia estar incapacitado para o trabalho e morto, fato que, de uma consideração estritamente pericial, facilitaria a determinação da data inicial da incapacidade e da manutenção da qualidade de segurado até o momento do falecimento, garantindo o pagamento do benefício da pensão por morte aos dependentes.

Mas a Constituição prevê a proteção previdenciária contra o evento doença e morte, por certo sem fazer distinção entre aquelas cujos efeitos podem ser constatados mais rápida ou lentamente.

Parece que uma parcela da sociedade brasileira tem uma opinião contraditória sobre o consumo de álcool. Se o cair, beber e levantar é uma conduta aceitável, sendo até mesmo cantada em prosa e verso, o cair e não se levantar recebe forte desaprovação. Muitos vêem o ébrio habitual simplesmente como um indolente, que escolheu o ócio como modo de vida, por simples falta de caráter, recusando-se a trabalhar para sustentar a si e sua família.

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Esta visão não pode ser compartilhada pelo sistema previdenciário e, especialmente, pelo Poder Judiciário, para quem o alcoólatra deve ser enquadrado legalmente como um doente, com necessidades específicas ao tipo de mal que lhe acomete.

Afinal, segundo antiga lição do art. 5°, da Lei de Introdução ao Código Civil, o juiz, ao decidir, deve observar o bem comum e os objetivos buscados pela norma. Neste sentido, já se decidiu:

"RECURSO ORDINÁRIO - MANDADO DE SEGURANÇA - PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR - EMBRIAGUEZ HABITUAL NO SERVIÇO - COAÇÃO DO SERVIDOR DE PRODUZIR PROVA CONTRA SI MESMO, MEDIANTE A COLETA DE SANGUE, NA COMPANHIA DE POLICIAIS MILITARES - PRINCÍPIO DO ‘NEMO TENETUR SE DETEGERE’ - VÍCIO FORMAL DO PROCESSO ADMINISTRATIVO - CERCEAMENTO DE DEFESA - DIREITO DO SERVIDOR À LICENÇA PARA TRATAMENTO DE SAÚDE E, INCLUSIVE, À APOSENTADORIA POR INVALIDEZ - RECURSO PROVIDO.

( . . .)

3. A embriaguez habitual no serviço, ao contrário da embriaguez eventual, trata-se de patologia, associada a distúrbios psicológicos e mentais de que sofre o servidor.

4. O servidor acometido de dependência crônica de alcoolismo deve ser licenciado, mesmo compulsoriamente, para tratamento de saúde e, se for o caso, aposentado, por invalidez, mas, nunca, demitido, por ser titular de direito subjetivo à saúde e vitima do insucesso das políticas públicas sociais do Estado.

5. Recurso provido."

(RMS 18.017/SP, Rel. Ministro PAULO MEDINA, SEXTA TURMA, julgado em 09.02.2006, DJ 02.05.2006 p. 390)

"Compulsando o processo administrativo anexado por cópias nas fls. 56/146, tem-se que o Sr. Flávio era doente, vítima de alcoolismo, maltratava a família (fl. 66), a qual abandonou, passando a viver internado no Sanatório Oswaldo Cruz, de onde recebeu alta por indisciplina. Pois bem, o sanatório, local onde as pessoas estão, em tese, preparadas para cuidar dos pacientes dá alta a um deles por indisciplina. O que dizer, ou esperar, de uma família, que não possui preparo, nem esclarecimentos para cuidar de um doente, vítima do álcool?

Não é de se espantar a atitude da autora, ao se recusar a buscar o seu companheiro, pai de seus filhos no Hospital, por total desestrutura familiar. No caso concreto, não houve ruptura da união estável. Consta dos autos que o falecido não formou outra família, virou mendigo, fl. 77. Significa dizer que a autora teve que garantir, sozinha, a criação dos filhos. Ora, a autora teve que se manter e aos filhos pelos próprios, não escolheu esta situação. O fato de o seu companheiro ter se transformado em um andarilho, necessitando de internações hospitalares em função do alcoolismo, não descaracteriza a sua dependência econômica, a qual é presumida, na medida em que haja a união estável."

(Trecho da decisão monocrática no REsp N.° 985.420/RJ, MINISTRO PAULO GALLOTTI, julgado em 13.02.2008, DJ 22.02.2008)

Ademais, a prova da incapacidade não se faz exclusivamente por perícia médica, pois no sistema de livre convicção motivada do juiz, ele não está adstrito ao laudo pericial, por força do art. 131 e art. 436, ambos do Código de Processo Civil; é a incapacidade laboral, e não a perícia, o fundamento para a concessão do benefício previdenciário. Sobre o tema, Miguel Horvath Jr. traz a seguinte lição:

"Daniel Pulino afirma que ‘a aferição da invalidez não se resume, portanto, numa comprovação de ordem exclusivamente médica – embora esta seja uma condição necessária para a edição do ato de concessão do benefício compreendendo um juízo complexo, em que se deve avaliar a concreta possibilidade de o segurado retirar do próprio trabalho renda suficiente para manter sua subsistência em patamares, senão iguais, ao menos compatíveis com aqueles que apresentavam antes de sua incapacitação e, que foram objetivamente levados em consideração no momento da quantificação das suas contribuições para o sistema, - dentro, sempre, dos limites e de cobertura geral de previdência social. Não há como deixar de considerar, nesse juízo, as condições pessoais do segurado, confrontando-as com a possibilidade de engajamento em atividade laborativa apta a lhe garantir o nível de subsistência pertinente.’" (Direito previdenciário, Quarter Latin, São Paulo, 6ª ed., 2006, p. 205).

O consagrado doutrinador Wladimir Novaes Martinez não impõe restrições quanto ao agente motivador da incapacidade laboral, para os fins da concessão do auxílio-doença. Segundo ele: "Não importa a causa, se comum ou acidentária (acidente de trabalho, doença profissional, do trabalho ou de qualquer natureza), terá de ser, porém, obstativa do labor." (Curso de direito previdenciário. Tomo II – Previdência Social, 2ª ed., São Paulo, LTr, 2003, p. 696).

Portanto, se no exemplo de Tício, fosse tomado apenas a constatação pericial da incapacidade laboral, que ficou circunscrita a momento próximo aos seus derradeiros meses de vida, seria como considerar que a doença incapacitante é somente a cirrose hepática, e não o alcoolismo.

Ora, mas como o alcoolismo é uma doença, todo o período em que o segurado esteve incapacitado por conta do vício deve ser tomado em consideração, sob aquele aspecto abrangente de que a incapacidade laboral é a que impede o exercício de atividade que garanta a subsistência do segurado e sua família, conforme vêm decidindo os tribunais:

PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. LAUDO PERICIAL CONCLUSIVO PELA INCAPACIDADE PARCIAL DO SEGURADO. NÃO VINCULAÇÃO. CIRCUNSTÂNCIA SÓCIO-ECONÔMICA, PROFISSIONAL E CULTURAL FAVORÁVEL À CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. RECURSO DESPROVIDO.

1. Os pleitos previdenciários possuem relevante valor social de proteção ao Trabalhador Segurado da Previdência Social, devendo ser, portanto, julgados sob tal orientação exegética.

2. Para a concessão de aposentadoria por invalidez devem ser considerados outros aspectos relevantes, além dos elencados no art. 42 da Lei 8.213/91, tais como, a condição sócio-econômica, profissional e cultural do segurado.

3. Embora tenha o laudo pericial concluído pela incapacidade parcial do segurado, o Magistrado não fica vinculado à prova pericial, podendo decidir contrário a ela quando houver nos autos outros elementos que assim o convençam, como no presente caso.

4. Em face das limitações impostas pela avançada idade, bem como pelo baixo grau de escolaridade, seria utopia defender a inserção do segurado no concorrido mercado de trabalho, para iniciar uma nova atividade profissional, motivo pelo faz jus à concessão de aposentadoria por invalidez.

5. Agravo Regimental do INSS desprovido."

(AgRg no REsp 1055886/PB, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, QUINTA TURMA, julgado em 01/10/2009, DJe 09/11/2009)

"PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. QUALIDADE DE SEGURADO. PORTADOR DE DOENÇA INCAPACITANTE. ALCOOLISMO. DIREITO AO BENEFÍCIO. DEPENDÊNCIA ECONÔMICA DA ESPOSA PRESUMIDA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.

1-Não perde a qualidade de segurado aquele que é portador de doença incapacitante.

2-O alcoolismo é reconhecido pela medicina como grave patologia, de contornos incapacitantes.

3-Mantida a qualidade de segurado do falecido, é devida a pensão por morte a sua esposa, cuja dependência econômica presume-se (Lei n.º 8.213/91, art.16,I,§ 4.º).

4-Honorários advocatícios de 15% (quinze por cento) sobre o valor da condenação.

5-Apelação e remessa oficial improvidas."

(TRF3 - AC 479114, Proc. 1999.03.99.032054-0, Rel. JUIZA VALERIA NUNES, Segunda Turma, julgado em 24.06.02, DJ 21.10.02, p. 359)

Como o segurado não fez as necessárias perícias para a constatação da incapacidade decorrente do vício, quando em vida – se as tivesse feito não haveria questionamentos sobre a manutenção de sua qualidade de segurado – será necessário realizá-la indiretamente, o que é perfeitamente possível nestas circunstâncias, por meio dos relatórios médicos existentes, supridos, no que for necessário, por prova testemunhal que ateste um comportamento social típico da sua condição de doente.

Assim como se reconhece que o vício é uma doença, há que se reconhecer que um dos seus sintomas é a dificuldade do viciado em admiti-lo e submeter-se a perícias e tratamentos para sua constatação e cura. Suas famílias, como é natural, são sempre nutridas da esperança de que o viciado logo se recupere e volte a ter uma vida normal, não encontrando condições morais de coligir provas em vida para instruir requerimento previdenciário, preparando-se para a provável morte do segurado.

Na decisão colacionada a seguir, como se observa no voto do v. acórdão, a perícia foi substituída por provas indiretas:

"PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. SEGURADO INCAPAZ. ALCOOLISMO. PROVA INEQUÍVOCA. PERDA DA QUALIDADE DE SEGURADO. INOCORRÊNCIA.

Se o segurado já reunia os requisitos para aposentar-se, em virtude de incapacidade total e definitiva ocasionada pelo alcoolismo, é de rigor a concessão da pensão por morte aos seus dependentes. Apelação provida."

(TRF3 - AC 1065089, proc. 2005.03.99.046120-4, Rel. DES.FED. CASTRO GUERRA, Décima Turma, j. 23.05.06)

(. . .)

"Os prontuários e relatórios médicos dos Hospitais Dr. Osíris Florindo Coelho e Casa de Saúde Santana suprem a ausência de laudo pericial, porque permitem formar convencimento sobre a patologia que acometeu o segurado e ocasionou a incapacidade laborativa total e permanente (fs. 189/196 e fs. 231/246).

Desta forma, uma decisão administrativa ou judicial que indefira um pedido de concessão do benefício previdenciário da pensão por morte de um alcoólatra, com base exclusivamente em laudo pericial médico, pode estar incorrendo em um equívoco, por não ter apreciado a incapacidade desde o seu estágio inicial, em razão da própria limitação temporal do laudo.


5 - Conclusão

O alcoolismo é doença que não pode ser ignorada pelo sistema previdenciário, pois quando acomete um segurado de incapacidade laboral, gera o direito ao benefício correspondente e, na eventualidade de seu falecimento, o direito à pensão por morte para seus dependentes.

Contudo, em razão da lenta progressão deste mal no organismo, os relatórios médicos que atestam o vício incapacitante costumam surgir apenas quando o paciente se encontra em estado crônico, nos derradeiros momentos da vida, mas por conta de uma doença causada pelo vício, como uma cirrose hepática, que com ele não se confunde.

Ocorrendo o falecimento do alcoólatra nestas circunstâncias, faltarão elementos para que a perícia médica indireta possa concluir que o início da incapacidade aflorou em momento em que o segurado ainda mantinha esta qualidade.

Portanto, no pleito administrativo ou judicial do benefício da pensão por morte, tendo em vista a limitação temporal da perícia médica na hipótese em exame, deve-se dar especial relevo às provas de outra natureza, que possam levar à conclusão de que a incapacidade laboral do segurado já existia muito antes de que ele atingisse seus momentos derradeiros de vida, para que seus dependentes, que já passaram pelo calvário resultante do vício alcoólico do mantenedor da casa, não sejam vítimas da injustiça de ter o benefício indevidamente negado.


6 - Notas

[1] http://bvsms.saude.gov.br/html/pt/dicas/58alcoolismo.html.

[2] REsp 256.547/SP, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, SEXTA TURMA, julgado em 22/08/2000, DJ 11/09/2000 p. 303.

[3] A hepatopatia grave, que pode ter como causa o consumo excessivo de álcool, exclui a exigência de carência para a concessão de auxílio-doença ou de aposentadoria por invalidez, segundo a Portaria Interministerial MPAS/MS nº 2.998/01: http://www81.dataprev.gov.br/SISLEX/paginas/65/MPAS-MS/2001/2998.htm.


7 - Bibliografia

HORVATH Jr., Miguel. Direito previdenciário, Quarter Latin, São Paulo, 6ª ed., 2006.

MARTINEZ, Wladimir Novaes. Curso de direito previdenciário. Tomo II – Previdência Social, 2ª ed., São Paulo, LTr, 2003.

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Sobre o autor
Eduardo Felix da Cruz

Advogado, especialista em Direito Processual Civil pela Escola Superior de Advocacia da OAB/SP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CRUZ, Eduardo Felix. A pensão por morte e a dinâmica da incapacidade laboral do segurado alcoólatra. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2476, 12 abr. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14661. Acesso em: 29 mar. 2024.

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