O Artigo 482, alínea f, da CLT é categórico quando caracteriza a embriaguez como uma das razões que justificam a demissão do empregado por Justa Causa:
"Constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador:
... embriaguez habitual ou em serviço".
No entanto a embriaguez habitual não ocorre necessariamente no serviço, uma vez que a pessoa acometida dessa patologia embriaga-se comumente em todos os dias e ocasiões. A embriaguez habitual, na maioria das vezes, acontece fora da empresa, onde o empregado não tenha cometido irregularidades que afetem sua relação de trabalho. Entretanto, o vício a que se entrega fora do labor conduz à perda da confiança do empregador, descrédito que já vem também dos próprios membros da família e da sociedade como um todo.
O álcool é uma substância psicoativa que pode interferir de forma significativa no funcionamento do cérebro e, consequentemente, vir a comprometer as funções cognitivas de um indivíduo, como memória, concentração, atenção, capacidade de planejamento, abstração e execução de ações complexas, dentre outras, o que por conseguinte e evidentemente prejudica o desempenho e o rendimento do trabalhador.
O alcoólatra não tem domínio sobre a bebida alcoólica, isto é, não controla a vontade de beber. O alcoolismo é doença reconhecida formalmente pela Organização Mundial de Saúde (OMS). É uma enfermidade progressiva, incurável e fatal, que consta no Código Internacional de Doenças (CID), com as classificações 291 para psicose alcoólica, 303 para síndrome de dependência do álcool e 305 para abuso do álcool sem dependência.
Analisando por esse ângulo, será justo despedir por justa causa um trabalhador que sofre de uma doença que ataca o sistema nervoso central, ficando o mesmo impossibilitado para muitas atividades da vida funcional e obter recursos para o seu próprio sustento e de sua família?
De fato, por muito tempo tem sido esse o entendimento predominante da sociedade, vez que há uma previsão legal.
A embriaguez habitual, mais comumente em serviço, caracteriza falta grave e justifica o rompimento do contrato do trabalho por parte do empregador. Porém, hoje, tanto a doutrina como a jurisprudência, em face da evolução das pesquisas no campo das ciências médicas, vêm considerando a embriaguez não mais como um desvio comportamental, mas como verdadeira patologia.
Sendo assim, é digno e justo distinguir a hipótese em que o agente sofre do vício do alcoolismo (embriaguez habitual) da hipótese em que, não sendo alcoólatra, comparece embriagado ao local de trabalho.
Para o jurista Wagner Giglio, é habitual a embriaguez que se manifesta todas as semanas, ou em mais de um dia por semana, sendo que, por sua própria natureza, exige a reiteração de faltas. Sua melhor configuração dependerá, na maioria dos casos, de punições anteriores a agravar a conduta do faltoso.
Os tribunais já têm se manifestado de maneira diferenciada com relação a esse assunto.
Algumas sentenças judiciais trabalhistas classificam a embriaguez como falta superior à desídia, como se destaca na sentença proferida na Justiça do Trabalho da 12ª Região:
"A desídia por faltas não é atitude de mesma gravidade que outras hipóteses legais, tais como improbidade, violência ou embriaguez. Em determinadas circunstâncias, pode e inclusive deve ser relevada. Assim, por exemplo, se a empresa exige jornada excessiva, se não cumpre a sua parte não pagando pontualmente os salários, se não oferece os meios necessários para o trabalho, enfim se existem razões paralelas que expliquem as faltas. Nessas hipóteses, não pode a empresa agir com excesso de rigor apenas para a parte contrária, esquecendo-se de suas falhas e punindo as do empregado. Por outro lado, ainda que não existam razões extralegais que justifiquem as faltas do empregado, estas podem ser relevadas se são poucas, eventuais ou se ocorreram em dias de pouca demanda, por exemplo".
Já em outra sentença, também proferida na 12ª. Região, foi ressaltado o preterdolo, como segue:
" O empregado pode não ter consciência das atitudes que toma sob o estado de embriaguez, mas é plenamente responsável por embriagar-se. Trata-se do preterdolo, ou seja, dolo no antecedente e culpa no conseqüente. Portanto, deve arcar com as conseqüências de seus atos. A reclamação agiu corretamente, tanto recorrendo à intervenção policial, quanto realizando a rescisão contratual por justa causa".
O Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, nesse sentido se manifestou com a linha de raciocínio de que para se tomar uma atitude de demissão com pena máxima, deve-se dar primeiro importância ao passado funcional do empregado:
"JUSTA CAUSA. EMBRIAGUEZ. GRAVIDADE. O passado funcional do reclamante, reputado bom empregado, sem punições disciplinares anteriores, nos termos da testemunha da própria ré, induz ao entendimento de que merecia maior precaução da empresa na aplicação da pena máxima, que não possibilitou sua reabilitação, com advertência ou outras medidas de prevenção, como até mesmo a dispensa simples." (TRT 2ª Reg., no RO nº 02950340339, ac. da 7ª T. nº 02970028381, rel. Juiz Gualdo Formica, julgado em 27/01/1997, in DJ-SP de 06/03/1997)".
O Tribunal do Trabalho da 3ª Região tem entendido a embriaguez como doença e que, nessa situação, o empregado não deve ser demitido por justa causa:
"ALCOÓLATRA – JUSTA CAUSA – NÃO CARACTERIZAÇÃO – A hipótese capitulada na letra f do art. 482 da CLT não pode ser confundida com o alcoolismo, que é doença e, como tal, tem de ser tratada. Neste caso não há caracterização da justa causa para a dispensa do empregado como aliás vem decidindo a mais recente jurisprudência de nossos Tribunais." (TRT 3ª Reg., no RO nº 3.517/1992, ac. da 4ª T., rel. Juiz Nereu Nunes Pereira, in DJ-MG de 05/02/1994, p. 97)".
Na esteira destes últimos entendimentos, o alcoolismo e o uso de outras drogas são considerados doenças nascidas também do desajuste social, cabendo à sociedade, como um todo, combater e solucionar os casos já vitimados.
Assim, esperamos ver o dia em que o empregador, ao invés de despedir por justa causa um empregado viciado/doente, causando maiores transtornos na sua vida e da sua família, será constrangido por lei a encaminhá-lo a um instituto para tratamento e recuperação.