4. Conclusão
No final do século XIX e início do século XX, com o desenvolvimento da economia, da tecnologia e das intervenções danosas ao meio ambiente, parece que a pessoa coletiva se torna um instrumento para que a pessoa física atue tendo por objetivo seu crescimento econômico, financeiro e social. Nesse sentido, relativizando o princípio "societas delinquere non potest", o artigo 11º Código Penal Português alterado pela lei 59/2007 e outras leis extravagantes, assim como a lei brasileira por meio do artigo 173º e artigo 225º § 3º da Constituição de 1988 e a Lei 9.605, de 12 de Fevereiro de 1998 acolhem a responsabilidade penal da pessoa jurídica, visando, com isso, reprimir a criminalidade.
A teoria de que a pessoa jurídica é uma ficção e que ficções não podem ser responsabilizadas, e a teoria finalista da ação em que a responsabilização da pessoa coletiva não se efetiva pelo fato de inexistir culpabilidade, consciência sobre a ilicitude do fato e exigibilidade de conduta diversa são obstáculos à aplicação da legislação portuguesa e brasileira sobre a responsabilidade penal da pessoa coletiva, uma vez que foi criada por quem tem legitimidade para tanto, o legislador, e encontra-se em profunda sintonia com a Constituição Portuguesa e a Constituição Brasileira e com a vontade geral das nações, seja portuguesa ou brasileira.
A capacidade de atribuir à a pessoa jurídica o crime com base nos dispositivos legais acima mencionados é a mesma capacidade de atribuir a culpabilidade à pessoa física que, por vezes utiliza a ficção jurídica para elidir sua responsabilidade, visando o proveito econômico, efetivo ou potencial em conjugação com os interesses da empresa. Sendo perfeitamente cabível e aplicável a responsabilização das pessoas jurídicas.
Se Direito é fato, valor e norma, conforme ensina Miguel Reale, a responsabilização da pessoa jurídica é legítima de pleno Direito, pois a necessidade de proteção do sistema econômico, tributário e ambiental, amplamente lesado por entes coletivos, é uma realidade. O valor do equilíbrio financeiro e ecônomico e da preservação do meio ambiente são respeitados.
Portanto, não se pode falar no princípio da subsidiariedade, ou da ultima ratio do Direito Penal diante da atual criminalidade das pessoas individuais que utilizam a pessoa coletiva como um "escudo", pois é preciso orientar-se pelo perigo, uma vez que a repercussão do dano ao sistema econômico ou ao meio ambiente, por exemplo, poderá ser de grande intensidade que certamente medidas administrativas e civis do ente estatal não serão eficazes.
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Notas
- Estado de Direito Democrático é conceituado por J.J.Gomes Canotilho e Vital Moreira a partir de duas componentes, a componente do Estado de direito e a componente do Estado Democrático e não podem ser separadas uma da outra. Assim dispõe que o Estado de Direito é "sobretudo conglobador e integrador de um amplo conjunto de regras e princípios dispersos pelo texto constitucional, que densificam a idéia de sujeição do poder a princípios e regras jurídicas , garantindo aos cidadãos, liberdade, igualdade e segurança." E o Estado democrático "está baseado na soberania popular (art. 1º), porque o poder político é exercido através do sufrágio universal, igual, directo e secreto (art. 10º); é-o também porque assente na participação democrática dos cidadãos na resolução dos problemas nacionais (art. 9º/c), através de variadas formas e instâncias; é-o finalmente porque é um Estado descentralizado, através da autonomia local e regional (arts. 255º-2 e 235º-1). Mas o princípio democrático da CRP não se esgota nestas três componentes formal-organizatórias (democracia política); ele exige o seu desenvolvimento em outros campos: a democracia econômica, a social e a cultural." CANOTILHO, J.J. Gomes e MOREIRA, Vital. Constituição da República Portuguesa anotada, 4ª Ed., vol. 1, Coimbra, 2007, p. 204-206.
- Relevante mencionar os artigos destinados a proteção e garantia dos direitos fundamentais, como o direito à vida, à segurança, à integridade física e ao bem-estar social previstos nos artigos 24º e ss da Constituição da República Portuguesa de 1976 e artigo 5º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
- Pessoa jurídica é a nomenclatura utilizada pela doutrina e pelo ordenamento jurídico brasileiro.
- BACIGALUPO, Silvina, Las personas jurídicas como sujetos del derecho penal?, in Revista Peruana de Ciências Penales, nº 14, p. 30.
- A exemplo de Holanda, França e Dinamarca, em que a responsabilidade criminal das pessoas coletivas se encontra prevista nos respectivos códigos penais. BRANDÃO, Nuno. O regime sancionatório das pessoas colectivas na revisão do código penal. Separata da Revista do CEJ, 1º semestre, n. 8, edição especial, Almedina, 2008.
- MAURACH, Reinhart. Derecho penal : parte geral. Reinhart Maurach, Karl Heinz Gössel, Heinz Zipf; trad. Jorge Bofill Genzsch, Enrique Aimone Gibson, 1994.
- No direito romano as corporações eram denominadas de universitas e os seus membros de singuli.
- BITTENCOURT, Cezar Roberto. Reflexões sobre a responsabilidade penal da pessoa jurídica, in Coleção Temas Atuais de Direito Criminal, v. 2, São Paulo : Revistas dos Tribunais, 1999, p. 50 e ss.
- BITTENCOURT, Cezar Roberto, 1999, ob. Cit. P. 50 ss.
- GODINHO, Inês Fernandes, A responsabilidade solidária das pessoas coletivas em direito penal econômico, p. 102 e ss, Coimbra Editora, 2007. SCHECAIRA, Sérgio Salomão, Responsabilidade penal da pessoa jurídica, p. 22 e ss, RT, São Paulo, 1998, e BACIGALUPO, Silvina. La Responsabilidad penal de las personas jurídicas, Barcelona: Bosch, p. 50 e ss, 1998
- Teorias da Ficção da personalidade jurídica justificavam a impossibilidade de responsabilização penal das pessoas coletivas, porque as pessoas coletivas não possuíam capacidade de ação, pois sempre agiam por meio da pessoa física e o fato de a culpabilidade ser um juízo de censura ético-profissional oriunda da liberdade humana, da vontade livre, a culpa é própria das pessoas físicas.
- DIAS, Jorge de Figueiredo, Para uma dogmática do direito penal secundário, in Revista de Legislação e de Jurisprudência, nº 3714, p. 263 e s e nº 3720, p. 72.
- ANTUNES, Maria João. Responsabilidade Criminal das Pessoas Colectivas e Entidades Equiparadas – Alterações introduzidas pela Lei nº 59/2007. Estudos do Direito do Consumidor. Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Centro de Direito do Consumo. Edição n. 8, setembro, 2006, p. 166.
- Código Penal Português art. 11º: "Responsabilidade das pessoas singulares e colectivas
1 — Salvo o disposto no número seguinte e nos casos especialmente previstos na lei, só as pessoas singulares são susceptíveis de responsabilidade criminal.
2 — As pessoas colectivas e entidades equiparadas, com excepção do Estado, de outras pessoas colectivas públicas e de organizações internacionais de direito público, são responsáveis pelos crimes previstos nos artigos 152.º -A e 152.º -B, nos artigos 159.º e 160.º, nos artigos 163.º a 166.º, sendo a vítima menor, e nos artigos 168.º , 169.º, 171.º a 176.º, 217.º a 222.º, 240.º, 256.º, 258.º, 262.º a 283.º, 285.º, 299.º, 335.º, 348.º, 353.º, 363.º, 367.º, 368.º -A e 372.º a 374.º, quando cometidos:
a)Em seu nome e no interesse colectivo por pessoas que nelas ocupem uma posição de liderança; ou
b)Por quem aja sob a autoridade das pessoas referidas na alínea anterior em virtude de uma violação dos deveres de vigilância ou controlo que lhes incumbem.
3 — Para efeitos da lei penal a expressão pessoas colectivas públicas abrange:
a)Pessoas colectivas de direito público, nas quais se incluem as entidades públicas empresariais;
b)Entidades concessionárias de serviços públicos, independentemente da sua titularidade;
c)Demais pessoas colectivas que exerçam prerrogativas de poder público.
4 — Entende-se que ocupam uma posição de liderança os órgãos e representantes da pessoa colectiva e quem nela tiver autoridade para exercer o controlo da sua actividade.
5 — Para efeitos de responsabilidade criminal consideram-se entidades equiparadas a pessoas colectivas as sociedades civis e as associações de facto.
6 — A responsabilidade das pessoas colectivas e entidades equiparadas é excluída quando o agente tiver actuado contra ordens ou instruções expressas de quem de direito.
7 — A responsabilidade das pessoas colectivas e entidades equiparadas não exclui a responsabilidade individual dos respectivos agentes nem depende da responsabilização destes.
8 — A cisão e a fusão não determinam a extinção da responsabilidade criminal da pessoa colectiva ou entidade equiparada, respondendo pela prática do crime:
a)A pessoa colectiva ou entidade equiparada em que a fusão se tiver efectivado; e
b)As pessoas colectivas ou entidades equiparadas que resultaram da cisão.
9 — Sem prejuízo do direito de regresso, as pessoas que ocupem uma posição de liderança são subsidiariamente responsáveis pelo pagamento das multas e indemnizações em que a pessoa colectiva ou entidade equiparada for condenada, relativamente aos crimes:
a)Praticados no período de exercício do seu cargo, sem a sua oposição expressa;
b)Praticados anteriormente, quando tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou entidade equiparada se tornou insuficiente para o respectivo pagamento; ou
c)Praticados anteriormente, quando a decisão definitiva de as aplicar tiver sido notificada durante o período de exercício do seu cargo e lhes seja imputável a falta de pagamento.
10 — Sendo várias as pessoas responsáveis nos termos do número anterior, é solidária a sua responsabilidade.
11 — Se as multas ou indemnizações forem aplicadas a uma entidade sem personalidade jurídica, responde por elas o património comum e, na sua falta ou insuficiência, solidariamente, o património de cada um dos associados."
§ 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados, aplicando-se relativamente os crimes contra o meio ambiente, o disposto no art. 202, parágrafo 5º."