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A consecução do Estado Democrático de Direito no atual modelo de gestão pública.

Das campanhas eleitorais de 2010 na internet

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24/04/2010 às 00:00
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4 DOS NOVOS PARADIGMAS CONSTITUCIONAIS

Pode-se afirmar que as eleições indiretas, ocorridas em 1985, colocaram fim ao período da ditadura, dando início a uma nova era para o cenário brasileiro. Chamado de Nova República, tal período concretizou-se, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, que ficou conhecida como "Constituição Cidadã".

Tesseroli Filho (2009) explica que a alcunha foi dada pelo então deputado federal Ulysses Guimarães (1988), que na sessão da Assembleia Nacional Constituinte, em 27 de julho de 1988, quando da promulgação da Carta Política, afirmou: "Repito: essa será a "Constituição Cidadã", porque recuperará como cidadãos, milhões de brasileiros, vítimas da pior das discriminações: a miséria". 

Ainda pelo mesmo parlamentar (1988): "declaro promulgado o documento da liberdade, da democracia e da justiça social do Brasil". Isto porque, com a nova constituição, todos os direitos e garantias fundamentais, que foram ignorados durante duas décadas de governo militar, voltaram a integrar o ordenamento brasileiro, consolidando, assim, um novo período a ser marcado pelo poder do povo, exercido diretamente ou por meio de representantes.

Nessa linha, a Constituição Federal de 1988 prevê que o Brasil é um Estado Democrático de Direito, sendo que a definição de "estado de direito" surgiu da necessidade de limitar o poder pelo direito, como garantia dos indivíduos contra o arbítrio do modelo do estado absolutista.

Vale citar que as Revoluções Americana de 1776 e Francesa de 1789 ocorreram após um longo período de luta contra o absolutismo, pelos direitos fundamentais da humanidade, marcando a conquista dos direitos civis. É também desse período a Declaração do Homem, a qual privilegiava os interesses dos indivíduos, traçando, assim, uma nova vertente que tinha como fundamento certas garantias que seriam inalienáveis, as quais muitas não poderiam ser suprimidas pelo Estado.

A rigor, o princípio da legalidade reza a submissão de todo o Estado a uma limitação do poder pelo direito, sendo, assim, objeto de normas jurídicas. Medauar (2007, p. 25) esclarece, ainda, que:

Na verdade, hoje, a concepção do estado de direito liga-se a um contexto de valores e a ideia de que o direito não se resume na regra escrita. Seus elementos básicos são os seguintes: sujeição do poder público à lei e ao direito (princípio da legalidade); declaração e garantia dos direitos fundamentais; funcionamento de juízos e tribunais protetores dos direitos dos indivíduos; criação e execução do direito como ordenamento destinado a justiça e a paz social. (grifo nosso)

Oportuno ressaltar que, apesar de não está explícito, os direitos sociais têm relevância nessa nova administração, uma vez que o "estado social" é concebido quando há uma generalização dos instrumentos e das ações públicas de segurança e bem estar social, em prol do interesse público, conforme delineado na atual carta política.

Diante disso, é que se constata que o social reflete de plano, na administração, passando a ter funções de assistência e integração num todo, dando efetividade às normas de justiça e de direitos sociais previstos na constituição vigente, exigindo uma atuação mais energética do Estado a favor da sociedade. Neste sentido, Torres (2004, p. 27) assevera:

É interessante observar que, se a conquista dos direitos civis e políticos não implicou necessariamente o aumento do aparelho estatal, que permaneceu bem enxuto e restrito nos séculos XVII e XIX, a conquista dos direitos sociais exigiu uma total reformulação que implicou um intenso aumento do escopo de atuação da administração pública, que passa a atender as crescentes demandas de políticas públicas de inclusão social. (grifo nosso)

Posto isto, observa-se que as constituições do império não tratavam especificamente sobre a Administração Pública. Entretanto, com a expansão das atividades administrativas, a matéria passou a ser referenciada, havendo, inclusive, na Constituição Federal de 1988, um capítulo (VII) específico, intitulado "Da Administração Pública", contendo quatro seções.

Nessa linha, exemplificando, cita-se a redação dada pela Emenda Constitucional nº 19 de 1998, ao artigo 37 da Constituição vigente, o qual definiu que a Administração Pública baseia-se na legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, constituindo-se nos famosos princípios da administração pública.

Além dos princípios explícitos, a doutrina jurídica arrola outros, que para o deslinde desse trabalho merece destaque: os Princípios da Supremacia do Interesse Público e da Indisponibilidade do Interesse Público.

O primeiro refere-se à possibilidade da Administração emitir decisões arbitrárias, uma vez que a sua decisum é tomada a bem de toda a coletividade. O segundo traz a vedação da autoridade pública deixar de tomar providências, ou retardar providências que são relevantes ao atendimento do interesse público.

Torres (2004, p. 29) sintetiza bem todos os princípios da administração, discorrendo que:

Não basta mais desempenhar uma quantidade enorme de atribuições sociais, é preciso atender com eficiência, economicidade e agilidade o cidadão/eleitor, que cada vez mais exige uma administração pública a altura de suas importantes responsabilidades sociais.

4.1 DO PRINCÍPIO DA PARTICIPAÇÃO POPULAR

Conforme apontado, a atual Carta Magna intitula o Brasil como Estado Democrático de Direito, selando o início da redemocratização do país, garantindo a participação da sociedade nos atos decisórios, inclusive desde quando houve a elaboração da nova constituição.

A democracia passa a ser um dos pilares desse novo modelo de Estado, distinguindo-se dos demais (liberal e social) justamente por prever a participação popular nos atos decisivos no exercício do poder. Neste sentido, a democracia é uma forma de governo na qual o poder e a responsabilidade cívica são exercidos por todos os cidadãos, diretamente ou através dos seus representantes livremente eleitos.

Com efeito, após um longo período marcado pela centralização política, com a completa anulação dos papéis dos estados e municípios, durante o regime militar, o modelo apresentado, agora, pela Constituição Federal de 1988, que prima pela participação do cidadão nas decisões coletivas, defende a descentralização das políticas públicas como forma de garantir efetividade, eficiência e eficácia das ações estatais.

A doutrina jurídica explica que esse fenômeno, pelo qual a administração pública transfere competência decisória a outras esferas do poder público, é denominado descentralização administrativa. Para Medauar (2007, p. 57):

A descentralização administrativa significa a transferência de poderes de decisão em matérias específicas a entes dotados de personalidade jurídica própria. Tais entes realizam, em nome próprio, atividades que, em princípio, têm as mesmas características e os mesmos efeitos das atividades estatais. A descentralização administrativa implica, assim, a transferência de atividade decisória e não meramente administrativa.

No caso específico desse trabalho, a pessoa dotada de personalidade jurídica própria, citada pela autora, poderia ser o Conselho Municipal, as Associações de Bairro, os fóruns realizados para elaboração do orçamento participativo, dentre outros.

Nota-se que, para consecução do Estado Democrático de Direito, exige-se uma sociedade civil organizada, que paulatinamente vem sendo implantada no contexto brasileiro, haja vista que não há registros de observância dessa tradição, durante boa parte da história do país.

No que toca à manifestação da democracia no mundo, a mesma doutrinadora (2007, p. 24) ensina que:

A partir da década de 50 do século XX, começa a surgir a preocupação com uma democracia mais completa, com a democracia que transpõe o limiar da eleição de representantes políticos para expressar-se também no modo de tomada de decisão dos eleitos. Emergiu a ideia de que o valor da democracia depende também do modo pelo qual as decisões são tomadas e executadas. Verificou-se que havia, com freqüência, grande distanciamento entre as concepções políticas de democracia vigentes num país e a maneira com que ocorriam as atuações da Administração; perante esta, o indivíduo continuava a ser considerado como súdito, não como cidadão dotado de direitos. Passou haver, então, uma pregação doutrinária em favor da democracia administrativa, que pode ser incluída na chamada democracia de funcionamento ou operacional. Em vários ordenamentos estrangeiros e também no brasileiro muitas normas e medidas vem sendo implantadas para que a democracia administrativa se efetive. Isso porque o caráter democrático de um Estado, declarado na Constituição, deve INFLUIR SOBRE O MODO DE ATUAÇÃO da Administração, para repercutir de maneira plena em todos os setores estatais. (grifo nosso)

Com o crescimento estatal apontado no tópico anterior e o regime democrático, os países, para atingirem seu fim, passaram a editar dispositivos legais (leis, normas, decretos, instruções normativas, portarias), visando o monitoramento e enquadramento das condutas dos seus administradores públicos.

Desse modo, como bem expôs o filósofo Max Weber, a "Burocracia" seria uma técnica de administração pública necessária para o seu funcionamento, tendo em vista as características peculiares que a administração atua, sempre em prol dos interesses sociais, políticos, econômicos e culturais.

Ademais, a própria Constituição Federal de 1988 determina que a administração pública aja, tão-somente, com previsão legal – Princípio da Legalidade - exigindo que seus atos estejam de acordo com a norma, uma vez que a lei é a manifestação da vontade popular.

Destaca-se que, nesse sentido, a burocracia assume um papel de suma importância, sendo raramente reconhecido nas sociedades modernas. Segundo Torres (2004, p. 31):

No caso especifico do Brasil, a relação entre burocracia e democracia torna-se ainda mais intensa, uma vez que a tarefa de incorporação social ainda está inteira por fazer em pleno século XXI, com o desafio de superar uma herança histórica perversa de se colocar o Estado a serviço de pequenos grupos sociais privilegiados. Assim, o papel que se espera da administração pública brasileira é enorme e importantíssimo, haja vista que nenhuma outra instituição seria capaz de substituir o Estado nessa crucial tarefa de incorporação social da maior parte da população. Essas colocações são importantes para evitar e contrapor as equivocadas apostas minimalistas que defendem a redução do Estado no Brasil.(...) a tarefa que se apresenta para administração pública brasileira é hercúlea, ou seja, ela terá de garantir e propiciar incorporação de amplos setores sociais com uma velocidade e intensidade jamais vistas, buscando suplantar uma herança social altamente excludente. (grifo nosso)

O mesmo autor destaca, ainda, que a natureza da relação burocracia e democracia não invalida os esforços de trazer alguns instrumentos gerenciais para dentro da administração pública, posicionando-se favorável ao modelo híbrido, o qual vislumbra a harmonia entre os modelos gerencial e societal.

Isso porque nem todas as esferas da administração pública estão propensas a intervenção da sociedade civil organizada, haja vista que por imperar na administração um modelo técnico de atuação, exige-se um mínimo de qualificação dos "interventores", o que não estaria ao alcance do senso comum.

Por esse raciocínio é que a suposta burocracia imperativa não pode alijar a atuação do cidadão, que é o maior interessado no regime democrático, tampouco ser confundida, tendo em vista que aquela se faz necessária para atuação da própria administração pública. Logo, a burocracia não pode ser usada ao ponto de inibir a participação do cidadão comum. Neste diapasão, Douglas (2004, p. 33), com propriedade, resume, aduzindo que:

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(...) é preciso não confundir o debate acerca da modernização da administração pública brasileira com os impactos causados na burocracia pela operação do regime democrático. Também é desnecessário dizer que esse diagnóstico não invalida as importantes e cruciais medidas que visam dotar a administração pública brasileira de instrumentos operacionais que tragam efetividade, eficiência e eficácia as suas ações. Pelo contrário, esses processos caminham na direção, uma vez que o cidadão que vive em uma sociedade democrática crescentemente exigirá prestação de serviços através de uma administração pública cada vez mais profissional. (...) Todo esforço por transparência e participação é mais que válido e necessário, mas os limites dessas ações não podem ser esquecidos, sob pena de, mais tarde, desencadearem uma atitude excessivamente cética e desalentadora com relação a capacidade da sociedade de decidir sobre os destinos e o modo de operação da administração pública. (grifo nosso)

Portanto, constitui-se como desafio à administração a observação desses níveis técnicos, lançando mecanismos de proteção às instituições necessárias ao bom desempenho da máquina pública, porém não impedindo a ocorrência da participação em outros níveis da sociedade.

Outrossim, a Constituição Federal de 1988 avançou a mera enunciação dos princípios da Democracia e do Estado de Direito, estabelecendo uma série significativa de normas voltadas a respaldar a adoção de institutos participativos na Administração Pública. Esclarece Perez (2004, p. 213) que "é cada vez mais consensual no Brasil, assim como em outros países, a preocupação com o princípio da participação na Gestão Pública, assim como a sua eficiência e a legitimidade."

Além disso, a essência da Carta Política vigente visa elevar o país a um patamar mais civilizado de igualdade social. Desta forma, credita-se a inovação gerencial na administração pública, a inclusão do cidadão, enquanto sujeito ativo e consciente dos seus direitos nos processos decisórios como um todo, por ser o próprio cidadão detentor dos verdadeiros anseios públicos.

Em sendo assim, a "constituição cidadã" privilegiou métodos voltados à cultura do diálogo, favorecendo o trabalho da sociedade sobre ela mesma. Com isso, percebe-se que a administração depende da vitalidade das intervenções sociais e da dinâmica dos atores sociais.

Nesse pisar, Perez (2004, p. 221) assevera que "a administração assume hoje a função de harmonizar o comportamento dos atores sociais, procurando ser mais transparente, distanciando-se dos modelos burocráticos puramente gerenciais e neoliberais." 

Em razão disso, mecanismos de participação popular e o fortalecimento das instituições democráticas, em especial do Ministério Público, foram incorporados à nova "lei maior", confirmando a intenção do saudoso Ulysses Guimarães (1988), quando se pronunciou no sentido de que "esta Constituição terá cheiro de amanhã, não de mofo".

Cumpre ressaltar, todavia, que o processo de participação popular vem sofrendo severas críticas, repousando a maior delas sob a ideia de que o governo investe na participação popular e não cidadã. Acrescenta-se, aí, a complexidade, diversidade e dinamicidade da sociedade moderna, que exige um nível mínimo de capacitação do indivíduo para decidir questões, muitas vezes, que se apresentam de forma técnica, profunda e especializada.

Desse modo, haveria ausência de uma participação política, pois a sociedade brasileira seria carecedora das condições exigidas para sua caracterização, que, segundo Gomes (2005), seriam classificadas em cognitiva, cultural e instrumental. Sucintamente, acerca destas, destaca-se:

a) Condições cognitivas: aquelas relacionadas à informação e ao conhecimento, tanto aquelas que instruem sobre a natureza do Estado e da sociedade política, seus instrumentos, instituições e processos, quanto aquelas que aparelham para formar uma opinião suficientemente qualificada sobre as circunstâncias do jogo político, sobre as posições em disputa, sobre o estado do campo político;

b) Condições culturais: relacionada à cultura política, entendida como significados e valores socialmente compartilhados. Neste âmbito, lida-se com concepções disseminadas, imagens públicas dominantes, impressões e opiniões sobre matérias, posições e sujeitos, tudo o mais do domínio das representações, dos valores e do imaginário. Parece bastante comum a ideia de que convicções e representações podem ser importantes para promover ou desestimular a participação civil na política. Assim, se o público tem a impressão de que a sua intervenção política pode fazer alguma diferença para conduzir a decisão acerca dos negócios públicos, então, possivelmente, sentir-se-ão compelidos a produzir intervenções mais constantes e mais qualificadas. Na mesma linha, estaria a convicção de que a esfera civil é, ao fim e ao cabo, aquela que exerce a soberania política e que a ela estaria associada, essencialmente, como mandatária de um mandante civil, a sociedade política. Por fim, acredita-se que uma imagem adequada dos representantes do Estado e demais instituições, entendidos como coisa e serviços públicos, seria decisiva para uma cultura cívica de maior participação.

c) Condições instrumentais: referem-se aos meios e modos destinados a assegurar as oportunidades de participação política. A informação, aliada aos meios para sua obtenção, ainda são escassos, mas já são considerados reforços positivos quando confrontados com a experiência concreta de efetividade política da esfera civil, ou com um conjunto de oportunidades que obtêm êxito na extensão das oportunidades de participação democrática.

Malgrado haja críticas referenciadas, o fato é que as mesmas não devem ser vistas no intuito de acabar com o sistema que privilegia a participação de toda a comunidade, tendo em vista que, se pensar na história desse modelo, avanços significativos estão ocorrendo em prol da democratização dos direitos, operando-se a nova gestão pública, com a ideia de atender aos anseios dos cidadãos. Neste sentido, Torres (2004, p. 29) afirma:

Pouca relevância tem sido dada ao fato de que a reforma do Estado e a melhoria dos padrões de desempenho da administração pública são frutos da evolução da própria noção de cidadania, que exige do Estado uma prestação de mais e melhores serviços públicos. Dessa forma, seria mais apropriado entender o atual processo de reforma do Estado como a conseqüência natural da pressão que a operação do regime democrático gera sobre a administração pública. (...) a melhor análise contemplaria também um longo processo de desenvolvimento da ação estatal que se vem aperfeiçoando com a democratização do Estado moderno. (grifo nosso)

Oportuno esclarecer que o termo governabilidade é tratado com diversas acepções, a saber: que se refere à capacidade do governo de estabelecer políticas públicas para as situações críticas; que se refere à capacidade do governo para criar meios e recursos necessários a execução dessas políticas, desde a fase de implantação até a execução. Entretanto, independente do conceito que seja extraído, o fato é que a participação popular coaduna com o modelo de gestão em benefício da democratização. Sustentando essa idéia, cita-se Diniz (1997, p. 31):

(...) o conceito de governabilidade, tal como vem sendo utilizado pelas análises citadas, nada tem de incompatível com o funcionamento de formas mais participativas do governo democrático. Ao contrário, nessa nova acepção, o que se requer é o aprofundamento da democracia pela difusão de instrumentos de poder capazes de expressar o dinamismo da sociedade civil. Este aspecto, subutilizado no contexto da democracia brasileira, ao contrário de uma dificuldade a ser suprimida, passa a ser encarado como alvo de estratégias de alianças voltadas para a incorporação política. (grifo nosso)

Desse modo, as críticas devem ter a intenção de pressionar o Poder Público para que as mudanças sejam feitas no processo de participação política, pairando as arestas e, por conseqüência, adequando-se ao modelo ideal para realização do Estado Democrático de Direito, haja vista ser esta a referência dada pela Constituição Federal de 1988.

4.2 DOS DIREITOS POLÍTICOS

Conta a história, que os direitos tidos como fundamentais são frutos de intenso processo de luta, suor, daqueles marginalizados do século XVIII, contra as arbitrariedades cometidas pelo Estado.

Após a consagração dos direitos que visavam o tratamento digno, como o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, um dos fundamentos da "Constituição Cidadã" – o fim dos maus tratos, a garantia da intimidade, da propriedade, da liberdade e da vida – os operários passaram a lutar pelos direitos políticos, que lhes dariam a prerrogativa de intervir no processo de escolha dos governantes da época.

Para muitos historiadores, o século XIX é marcado pela conquista dos direitos políticos, emblematicamente caracterizada pela chegada ao sufrágio universal.

Os direitos políticos, previstos na Constituição Federal de 1988, consagram o sufrágio universal, assegurando a todos os nacionais, o direito de votar – independentemente da condição econômica, profissional, intelectual. Nos dizeres de Silva (2007, p. 140):

(...) os direitos políticos garantem a participação do povo no poder de dominação política por meio das diversas modalidades de direito de sufrágio: direito de voto nas eleições, direito de elegibilidade (direito de ser votado), direito de voto nos plebiscitos e referendos, assim como por outros direitos de participação popular, como o direito de iniciativa popular, o direito de propor ação popular e o direito de organizar e participar de partidos políticos. (grifo nosso)

Para elucidação desse trabalho, no tocante ao processo eleitoral brasileiro, interessa citar as seguintes Emendas Constitucionais: EC nº 4/93, a qual estabeleceu que a lei que alterasse o processo eleitoral somente seria aplicada um ano após a sua vigência; a EC Revisão nº 5/94, que reduziu para quatro anos o mandato presidencial; e a EC nº 16/97, a qual permitiu a reeleição dos chefes do Executivo para um único período subsequente.

Com a aprovação da Lei nº 9.504/97, pretendeu-se dar início a uma fase em que as normas das eleições seriam mais duradouras.

Desde o ano de 2000, o processo eleitoral é todo informatizado, sendo o Brasil pioneiro na utilização das urnas eletrônicas, dando, assim, agilidade e mais transparência nos atos que antecedem a divulgação dos resultados.

Vale informar que, além de permitir a maior participação democrática, no processo de eleição informatizado se observa todos os princípios já citados e que são norteadores da administração pública, insculpidos no artigo 37 da Constituição Federal, tendo em vista que, no deslinde de todo o processo, verifica-se a legalidade, a impessoalidade, a moralidade, a publicidade e a eficiência dos seus atos.

Logo, a possibilidade de campanha nos meios eletrônicos servirá também para moralizar esta etapa do processo eleitoral, trazendo mais transparência às eleições do país, tendendo ao comprometimento da sociedade na escolha de seus governantes, haja vista ser a beneficiária direta desses atores políticos.

4.3 DOS DIREITOS DE EXPRESSÃO E DE INFORMAÇÃO

Conforme reza a Constituição vigente, a democracia brasileira tem como fundamentos: a dignidade da pessoa humana e a cidadania; o pluralismo partidário e a consagração dos direitos políticos; a valorização do trabalho e da livre iniciativa; o poder advindo do povo, seja exercido diretamente, através de plebiscito, referendo, iniciativa popular, ou exercido indiretamente, por meio de representantes.

Atualmente, a democratização vivenciada em diferentes setores propicia a interdisciplinaridade do assunto, que, academicamente, vislumbra-se entre a teoria da Constituição e outras ciências, tal como política e filosofia do direito, sendo que nesta última pretende-se estabelecer critérios materiais e princípios de justiça para a atual forma de governo.

Nesse sentido, visando estabelecer os critérios de justiça para atuação da sociedade democrática contemporânea, destaca-se John Rawls (1993), filósofo americano, que formulou a teoria da justiça, estabelecendo dois princípios, quais sejam: (1) o princípio da igualdade, em que cada pessoa deve ter igual direito a mais ampla liberdade, desde que respeite os direitos dos demais; (2) o princípio da diferença, onde as desigualdades sociais e econômicas devem ser arranjadas de forma a corresponder a uma razoável expectativa de que todos se beneficiarão e que "serão ligadas" a posições e postos abertos a todos.

Considerando que tais princípios são aplicados à estrutura básica da sociedade, ou seja, distribuem direitos e obrigações, o primeiro princípio deve ser observado irrestritamente para que seja viável à garantia das liberdades fundamentais de modo universal e imparcial. Basicamente, as liberdades mais importantes são: política (votar e ocupar cargos públicos); expressão e reunião; consciência e de pensamento; e da pessoa (integridade pessoal, proteção contra a agressão física e psicológica).

Desse modo, a noção de justiça num Estado Democrático de Direito passa pelo balizamento das liberdades individuais supramencionadas, as quais merecem análises minuciosas, que serão expostas no próximo tópico.

4.3.1 Dos Conceitos

Conforme dito, a doutrina jurídica ensina que os direitos de expressão e de informação, previstos em textos constitucionais, sem nenhuma forma de censura prévia, constitui uma das características das atuais sociedades democráticas, sendo, inclusive, considerada como termômetro do regime democrático.

Em razão disso, é possível encontrar a liberdade de expressão e informação em diversos documentos internacionais, a saber: a Declaração dos Direitos Humanos de 1948, aprovada pela ONU (art. 19); o Convênio Europeu para a proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais, aprovado em Roma no ano de 1950 (1 e 2); a Convenção Americana de Direitos Humanos -Pacto San de José da Costa Rica.

Basicamente, os direitos de expressão e de informação compreendem, respectivamente, a faculdade de expressar livremente ideias, pensamentos e opiniões; e o direito de comunicar e receber informações verdadeiras sobre os fatos, que podem ser considerados "noticiáveis", sem impedimentos nem discriminações.

Considerando que tais direitos tutelam objetos diferenciados, a doutrina e a prática forense têm assentado relevância na distinção entre os conceitos, assumindo-se de grande importância para a densificação do âmbito de proteção, bem como para a demarcação dos limites e responsabilidades decorrentes do exercício desses direitos fundamentais.

Exemplificando, temos que, enquanto os fatos são susceptíveis de prova da verdade, de opiniões ou juízos de valor, devido a sua natureza abstrata, não podem ser submetidos à comprovação.

Denota-se, daí, que o direito de expressão tem o âmbito de proteção mais amplo do que o direito de informação, vez que aquela não está sujeita, no seu exercício, ao limite interno da veracidade aplicável a este último.

Cumpre informar que o limite supracitado, quando aplicado ao direito de informação, refere-se à verdade subjetiva, sendo certo que no Estado Democrático de Direito o que se exige do sujeito é um dever de diligência ou apreço pela verdade, no sentido de que seja contactada a fonte dos fatos noticiáveis e verificada a seriedade da notícia antes de qualquer divulgação. Em resumo, a veracidade do direito à informação constitui um problema de cunho profissional.

Desse modo, o âmbito de proteção constitucional ao direito de informação compreende tanto os atos de comunicar, quanto os de receber livremente informações pluralistas e corretas, visando proteger não só o emissor, mas também o receptor do processo da comunicação.

Se no início, os direitos de expressão e de informação estavam ligados à dimensão individualista da manifestação do pensamento e da opinião, a evolução destes direitos, especialmente com o reconhecimento do direito ao público de estar suficiente e corretamente informado, àquela dimensão individualista-liberal, foi acrescida a outra dimensão de natureza coletiva: a de que as liberdades de expressão e de informação contribuem para a formação da opinião pública pluralista, cada vez mais essencial para o funcionamento dos regimes democráticos.

Assim sendo, os direitos de expressão e de informação, acrescidos dessa perspectiva de instituição que participa de forma decisiva na orientação da opinião pública na sociedade democrática, passam a ser estimados como elementos condicionadores da democracia pluralista e como premissas para o exercício de outros direitos fundamentais.

Em conseqüência, no caso de embate com outros direitos fundamentais ou bens de posição constitucional, os tribunais constitucionais têm decidido que, a priori, as liberdades de expressão e de informação gozam de posição privilegiada quanto aos demais princípios constitucionais.

4.3.2 Dos Conceitos na Constituição Federal de 1988

Antes de adentrar ao proposto neste tópico, cumpre salientar que o Brasil, desde a Constituição do Império, previa a garantia da liberdade de expressão, preservando-a até a Constituição de 1937.

Todavia, tal princípio constitucional desapareceu do ordenamento, ganhando espaço à censura, que foi adotada como meio de reprimir a liberdade de expressão, impedindo a publicação ou a reprodução de determinadas informações, durante boa parte da Era Vargas e do Regime Militar.

Nota-se, que a censura obsta o regular funcionamento da democracia, uma vez que proíbe a livre circulação de ideias, opiniões, fatos e o pluralismo político, ideológico e artístico, impondo uma visão autocrática e unilateral de ideias e opiniões.

Por violar os direitos de  expressão  e  de informação, fundamentais a consecução do Estado Democrático de Direito brasileiro, a censura tornou-se incompatível com a forma de governo adotada pela carta política de 1988, sendo extirpada do cenário político.

Com efeito, analisando a Constituição vigente, os direitos de expressão e de informação estão regulados pelos artigos 5° e 220, sendo, para apreciação do nosso trabalho, necessário saber:

- Artigo 5°, inciso IV: é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;

- Artigo 5°, inciso IX: é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;

- Art. 5°, inciso XIV: é assegurado a todos o acesso a informação e resguardo do sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional;

- Art.220: a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerão restrição, observado o disposto nesta Constituição. O parágrafo primeiro informa que nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no artigo 5°, incisos IV, V, X, XIII e XIV. O parágrafo segundo veda toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.

Malgrado a constituição vigente preveja ampla liberdade de expressão e informação, sabiamente, o legislador constituinte previu limitações ao uso de tais direitos, tendo em vista a inexistência de um direito absoluto, já que mesmo os direitos constitucionais sofrem limitações, seja por outros direitos, seja por valores coletivos da sociedade igualmente amparados pela própria Constituição.

Exemplificando o exposto seria no caso da atuação dos profissionais dos meios de comunicação. Neste sentido, a melhor interpretação ensina que os direitos de expressão e de informação atingem o seu nível máximo de proteção, quando exercidos por tais profissionais, como qualquer outro direito fundamental, não sendo absoluta, sofrendo, portanto, limitações.

Além do limite interno mencionado anteriormente, noutro tópico acerca da veracidade da informação, os direitos de expressão e de informação devem estar compatibilizados com os direitos fundamentais dos cidadãos afetados pelas opiniões e informações, bem como, ainda, com os outros bens constitucionalmente protegidos, tais como: moralidade pública, saúde pública, segurança pública, integridade territorial, etc.

Ademais, pelo fato da liberdade de expressão e informação desfrutar do status de direito fundamental, o Poder Público, ao pretender restringir o âmbito de proteção dessas liberdades, para atender os limites supracitados, terá que justificar a necessidade da intervenção e só poderá efetivar a restrição por meio de lei (reserva de lei explicita ou implícita autorizada pela constituição). 

A restrição deverá, ainda, satisfazer a máxima da proporcionalidade, mantendo de forma intacta o núcleo essencial da liberdade de expressão e informação.

Nesse esteio, urge citar que a doutrina jurídica classifica os limites dos direitos de expressão e de informação em externos e internos, estando o primeiro previsto no artigo 220, §1°, da Constituição Federal, o qual enumera como limites externos: a vedação do anonimato, o direito de resposta, a indenização por danos materiais e morais, os direitos à honra e à privacidade (intimidade, vida privada e a imagem). Sobre estes, valem as seguintes informações:

- A proibição do anonimato visa assegurar a identidade do comunicador, propiciando a garantia da responsabilidade civil por danos materiais e morais eventualmente causados pela informação a terceiros;

- O direito de resposta assegura a retificação da informação falsa ou defeituosa, "proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem". Constitui-se como uma das mais importantes garantias ao direito à liberdade de expressão, sendo todos titulares desse direito (pessoas físicas ou jurídicas, públicas ou privadas). Vale ressaltar que a proteção à honra, que significa a valoração da dignidade da pessoa feita por ela mesma (subjetiva), ou na consideração dos outros (objetiva) já era regulada pelo Código Penal, nos artigos 138 a 140, não sendo inovação da atual constituição;

- Os direitos à intimidade, privacidade e à imagem, resumidamente chamados de direitos à privacidade, constituem uma novidade da Constituição Federal vigente. Em resumo, a intimidade significa a proteção do modo de ser da pessoa ou de esfera da sua personalidade que não deve chegar ao conhecimento do público sem o consentimento da pessoa; a privacidade seria uma proteção mais ampla que a intimidade, protegendo os aspectos mais secretos da personalidade; por fim, a imagem significa a faculdade que tem a pessoa de dispor de sua aparência física e só pode ser divulgada com o seu consentimento.

No que toca a limitação interna, a liberdade de expressão, como já se viu, abrange a liberdade de externar ideias, pensamentos e opiniões que, por sua natureza abstrata, não são susceptíveis de comprovação, distinguindo-se do direito de comunicar e receber informações sobre fatos que, dado a sua natureza, são passíveis de comprovação.

Dessa forma, o direito à informação tem como limite interno a veracidade dos fatos divulgados. Todavia, essa veracidade refere-se à verdade subjetiva e não à verdade objetiva, exigindo um dever do comunicador diligenciar, entrando em contato com a fonte dos fatos para verificar a seriedade da noticia antes de qualquer divulgação.

O saudoso Rui Barbosa, em sua famosa conferência "A imprensa e o dever da verdade" já afirmava que a sociedade tinha o direito de ser informada corretamente. No âmbito jurídico, já há defensores da tese de que se trata de um direito difuso à informação verdadeira, possibilitando o direito a qualquer cidadão de postular a retificação de informação falsa.

A título de ilustração, vale mencionar que os tribunais das sociedades democráticas, onde, evidentemente, não exista censura, ensinam que em havendo conflito principiológico entre os direitos de expressão / informação com os direitos da privacidade, adota-se a técnica do balancing of interest – Corte Norte Americana – que se opera pela conferência da existência de dois requisitos: (1) separação dos assuntos públicos dos assuntos privados, analisando que se essa liberdade tem o propósito de desencadear o debate público e a formação da opinião pública, não há motivo para conceder essa mesma liberdade para as notícias que se refiram, estritamente, ao âmbito privado, preservando as partes envolvidas no processo; (2) se o comunicador agiu com diligência, no sentido de produzir uma notícia honesta, deve gozar de presunção de veracidade, não incidindo tal presunção a comunicação que revele desprezo pela verdade.

Em sendo assim, os direitos de expressão e de informação assumem relevância para consecução do Estado Democrático de Direito, sendo imperioso surgimento e/ou a manutenção de canais que propiciem o acesso da população às informações de interesse público.

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Sobre o autor
Priscyla Mathias Scuassante

advogada, especialista em Gestão Pública, pela Universidade Federal do Espírito Santo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SCUASSANTE, Priscyla Mathias. A consecução do Estado Democrático de Direito no atual modelo de gestão pública.: Das campanhas eleitorais de 2010 na internet. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2488, 24 abr. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14719. Acesso em: 25 dez. 2024.

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