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Considerações sobre a organização civil dos consumidores

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30/04/2010 às 00:00
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A política pública de defesa do consumidor ainda precisa de investimentos, para que, através da promoção da educação para o associativismo e o consumo ético, o consumidor ganhe autonomia e hábitos favoráveis ao mercado de consumo.

1 – Introdução

Diante do mês de comemorações das conquistas consumeristas, imprescindível se faz refletir sobre a necessidade de fortalecimento de um dos instrumentos de defesa do consumidor mais plural, democrático e independente dentre todos aqueles previstos no artigo 5° da Lei Federal n.º 8.078/90, que disciplina o Código de Proteção e Defesa do Consumidor: as associações de defesa do consumidor.

As organizações civis de consumidores têm sido objeto de pesquisa porque a política pública de defesa do consumidor ainda precisa de investimentos, para que, através da promoção da educação para o associativismo e o consumo ético, o consumidor ganhe autonomia e hábitos, que por si só, contribuirão para a melhoria do mercado de consumo.

Nas linhas abaixo, relatando inicialmente um pouco da experiência norte-americana, destacarei a importância histórica da união de esforços para que em nosso modo de produção, nas palavras do escritor Carlos Drumond de Andrade, (no poema "Eu, etiqueta"), não sejamos "coisificados", ou seja, tratados tão somente como destinatários de produtos e serviços, disponibilizados por corporações que podem não listar como prioridades a segurança e a qualidade de produtos e serviços colocados no mercado de consumo.

Também é possível perceber, que a maioria das organizações consumeristas brasileiras foram criadas durante o processo de redemocratização (inclusive, ao longo deste texto, estão disponibilizados os endereços eletrônicos das entidades integrantes do Fórum Nacional de Entidades Civis de Defesa do Consumidor para que o leitor possa conhecer um pouco de tais organizações).

Outra constatação é que, em regra, tais movimentos atuam com pouquíssimos recursos financeiros e, mesmo assim, conseguem resultados significativos, que melhoram a qualidade de vida do consumidor brasileiro.

Quanto à história do movimento de consumidores no Brasil se buscará, nesta produção, destacar como foram criadas as entidades de defesa do consumidor mais conhecidas. Tal estudo será feito humildemente, em concordância com o entendimento do doutrinador Marcelo Soares Sodré que ressalta que este trabalho ainda não foi realizado com muita eficiência e sensibilidade:

A história do movimento de defesa dos consumidores no Brasil é uma história a ser contada. Com o detalhe e especificidade que era de desejar, tal trabalho não foi ainda realizado. Isto já é significativo no sentido de comprovar a fragilidade teórica com que este assunto tem sido tratado.

Por uma questão metodológica, neste estudo não se destacará o movimento consumerista em outros países da América Latina apesar de sua relevância, pois tem bases semelhantes às brasileiras.


2 – A necessidade de organizar a sociedade

Como organizar uma sociedade marcada por profunda crise ética, somada a um individualismo exacerbado, tão maléfico, que torna quase que obsoletas as tão valiosas conquistas democráticas como, por exemplo: espaços em conselhos, consultas e audiências públicas?

Evidentemente que temos bons exemplos pelo Brasil de participações qualificadas de representantes de consumidores em conselhos. A atuação da ABCCON-MS no Conselho Estadual de Energia Elétrica da Enersul - Estado de Mato Grosso do Sul é um deles, porém, em regra, a atuação das entidades neste setor é discreta e desarticuladas dos outros integrantes do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor.

Fato é que os espaços de participação enquanto mecanismos de controle social são imprescindíveis para a democracia e sua efetivação depende da organização dos cidadãos.

Ainda há outras dificuldades, como a necessidade de criação de instrumentos de fiscalização que separem o joio do trigo, ou seja, que permita à sociedade identificar quando uma associação de consumidores tenha sido criada ou desvirtuada para fins imorais, como por exemplo, a promoção político-partidária, favorecimento de determinadas empresas e pessoas, escritório de advocacia disfarçado, ou até mesmo para desvio de recursos públicos.

A entidade civil é um mecanismo importante, pois a nossa sociedade é de consumo, a confecção dos produtos é seriada, os fornecedores produzem o que querem, quando e como desejam, é a livre iniciativa (fundamento da ordem econômica – art. 170, caput, da Constituição Federal). Apesar de comumente fazerem pesquisas para descobrir os desejos do consumidor, os fornecedores, não veem o consumo sob a ótica do consumo enquanto necessidade (prevista no artigo 4° do CDC) – mas sim, trabalham com a ideia de criar necessidades, ou seja, aguçar a vontade de consumir.

À medida que os consumidores se organizam por meio de boicotes, convenções coletivas de consumo, participação em conselhos, consultas e audiências públicas de forma qualificada, acompanhamento de projetos de lei, campanhas de informação, difusão dos mecanismos de fiscalização e denúncias, provocação da imprensa e mídias alternativas, dentre outras várias ações conjuntas, ocorre um maior fortalecimento desse grupo e sua voz passa a ecoar nos ouvidos dos fornecedores despertando nestes um maior respeito àqueles que estão no outro extremo das relações de consumo.

A poderosa força das entidades civis de defesa do consumidor está no fato de as saudáveis não se confundirem com o governo, e nem se "casarem" com empresas, possuindo total independência e lisura, elementos estes necessários para o desenvolvimento de um trabalho de qualidade em prol do consumidor e da própria sociedade em geral.

A história tem mostrado que se organizar é preciso, e que há resultados significativos que beneficiam mesmo os que não se organizam.


3 – Breve histórico

O movimento consumerista nasceu nos Estados Unidos da América (EUA), devido aos aspectos econômicos imperantes naquele país. Importante ressaltar que não se trata de ignorar os movimentos existentes em outros países, mas sim que a história consumerista vivida nos EUA influenciou todo o Ocidente em matéria de defesa do consumidor.

Nas palavras do doutrinador José Geraldo Brito Filomeno, ao comentar o artigo 4° do Código de Proteção e Defesa do Consumidor na obra Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto:

Não é por acaso, aliás, que o chamado "movimento consumerista", tal qual nós o conhecemos hoje, nasceu e se desenvolveu a partir da segunda metade do século XIX, nos Estados Unidos, ao mesmo tempo que os movimentos sindicalistas lutavam por melhores condições de trabalho e do poder aquisitivo dos chamados "frigoríficos de Chicago".

Em 1872 foi editada a primeira lei norte-americana de proteção ao consumidor, que tinha como finalidade tachar os atos fraudulentos do comércio.

Já em 1890, diante de um clima de agitações sociais por causa do descontentamento do povo americano face à extrema liberdade das corporações, foi editada a Lei Antitruste, conhecida como "Lei Shermann", primeira lei dos Estados Unidos da América de combate ao monopólio de empresas que objetivavam dominar todas as etapas de produção de bens, controlando preços, praticando o truste.

Sobre o assunto, destacamos o fato da "Lei Shermann" ter sido editada há aproximadamente um século antes do Código Brasileiro de Proteção e Defesa do Consumidor, como observa o doutrinador Rizzatto Nunes:

Anote-se essa observação: nos Estados Unidos, que hodiernamente é o país que domina o planeta do ponto de vista do capitalismo contemporâneo, que capitaneia o controle econômico mundial (cujo modelo de controle tem agora o nome de globalização), a proteção ao consumidor havia começado em 1890 com a Lei Shermann, que é a lei antitruste americana. Isto é, exatamente um século antes do nosso CDC, numa sociedade que se construía como sociedade capitalista de massa, já existia uma lei de proteção ao consumidor.

No ano seguinte, 1891, foi criada a primeira entidade civil de que se tem registro, a "New York Consumer’s League", que marcou a união entre os interesses dos trabalhadores e consumidores, conforme ensina o doutrinador José Geraldo Brito Filomeno: "Entretanto, embora coevos, os movimento trabalhista e consumerista acabaram por cindir-se, mais precisamente pela criação da Consumer’s League, em 1891[...]."

Vale ressaltar que o movimento consumerista lutou inicialmente por garantias específicas no âmbito dos Direitos Humanos, no dizer do doutrinador Hélio Zaghetto Gama, "teve origem nas lutas dos grupos sociais contra as discriminações de raça, sexo, idade e profissões vividas no final do século XIX e no início do século XX."

Podemos perceber a clara vinculação entre a luta dos trabalhadores e os direitos dos consumidores, isto porque os representantes dos trabalhadores perceberam que a melhor pressão aos patrões seria aquela que mexesse com os seus lucros.

Sobre estes primeiros movimentos consumeristas sabe-se que organizavam boicotes às empresas que desrespeitavam direitos de trabalhadores e de consumidores, conforme informação contida no "Guia de Mobilização para o Consumidor-Cidadão publicado pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC) em 2006:

Campanhas e boicotes são importantes instrumentos de mobilização social, e o movimento consumerista está repleto de exemplos que comprovam sua eficácia. O próprio movimento inicia-se com uma campanha na qual o boicote era um dos elementos. Para protestar contra as más condições de trabalho nos Estados Unidos no fim do século XIX, os consumidores norte-americanos elaboravam listas que continham os nomes das empresas que respeitavam os direitos trabalhistas e pregavam o boicote àquelas que não faziam parte da lista. Deu certo!

Já no século XX, a pressão ao mercado norte americano não parou nos sindicatos de trabalhadores, pois as Entidades Civis e também os próprios Conselhos Profissionais, percebendo a possibilidade de vantagens econômicas, passaram a lutar pela edição de normas e regulamentos pelo Estado, visando o melhoramento dos produtos e serviços.

Destaco que visando proteger a concorrência o governo norte-americano criou em 1914 um órgão público para a promoção de defesa da concorrência a Federal Trade Commission.

Após a Segunda Guerra Mundial, a defesa do consumidor se ampliou mais ainda com o surgimento de movimentos ativistas em vários países, conforme o ensinamento de Hélio Zaghetto Gama:

No pós-guerra de 1945 e 1947, os movimentos de defesa do consumidor espalharam-se pelo Canadá e pela Europa. Organizações ativistas foram criadas na Dinamarca ("Conselho do Consumidor"), na Inglaterra, na Alemanha, na França, na Bélgica e na Áustria. No final da década de 50 organizações foram criadas na Austrália e no Japão.

O movimento consumerista ganhou forte apelo público na década de 1960 nos Estados Unidos, graças, por exemplo, à atuação do advogado Ralf Nader, que desafiou a indústria automobilística norte-americana ao comprovar que os fabricantes de veículos não se preocupavam com a segurança do consumidor e que preferiam pagar indenizações para os poucos consumidores que ajuizavam ações judiciais. Com isto Ralf provocou a realização do primeiro recall da história. Sobre isto escreveu o especialista em Direito do Consumidor Vitor Vilela Guglinski. in verbis:

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Merece especial referência a figura de Ralph Nader, jovem advogado americano responsável pelo primeiro recall de que se tem notícia, e pela quebra do paradigma de indenizações tarifadas no direito norte - americano. A história jurídica dos EUA dá conta de que aquele causídico ajuizou uma ação contra a fabricante de automóveis Ford após um defeito de fabricação em um de seus automóveis, o qual apresentava defeito em seu sistema elétrico, provocando a produção de fagulha num dos fios que conduzia eletricidade ao farol traseiro do veículo, sendo que tal falha se dava próxima ao tanque de combustível do mesmo, provocando sua explosão.

Após uma família ter sido vitimada pelo evento, culminando com a morte do filho do casal, Ralph Nader ingressa com uma ação indenizatória contra a empresa, sendo, então, auxiliado por um ex - contador da empresa como testemunha no processo, o qual revelou ao Juízo da causa que a fabricante do veículo preferia pagar as indenizações pelos danos causados, inclusive por morte, (raramente ultrapassava US$10.000,00) do que chamar os veículos para reparar o defeito. O êxito na demanda fez com que Nader conseguisse o pagamento de uma indenização milionária à família vitimada, além de uma determinação judicial no sentido de que os veículos defeituosos fossem recolhidos pela Ford para os devidos reparos.

Em 1965, Ralf Nader publicou o livro "Inseguro em Qualquer Velocidade", ocasião em que registrou a despreocupação da indústria automobilística com a segurança dos consumidores. Com sua atuação impulsionou o Congresso americano a editar uma série de leis que envolveram segurança de veículos em 1966.

Em seus sites http://www.nader.org/ e http://www.votenader.org/, pode-se constatar que Ralf Nader continua sendo um ativista importante para os americanos, tendo inclusive concorrido à Presidência dos Estados Unidos em 1996, 2000, 2004 e 2008, por partidos independentes.

Também no início da década de 1960 foi fundada a entidade "Internacional Organization of Consumers Unions" (IOCU) que atualmente é conhecida como "Consumers International", que tinha como principal objetivo a "internacionalização, sistematização e racionalização dos testes dos produtos" conforme ensina o doutrinador Marcelo Gomes Sodré.

Convém registrar o dia 15 de março de 1962, data do discurso no qual o então Presidente norte-americano John F. Kennedy, enunciou a existência de direitos fundamentais do consumidor. "[...] Posteriormente, esta data do ano foi consagrada como Dia Internacional do Consumidor [...].". Nesta ocasião, foram reconhecidos os direitos do consumidor à segurança, informação, ao direito de escolha e ao direito de ser ouvido.

Nos dias atuais os consumidores norte-americanos continuam se organizando, sendo importante mencionar os vários movimentos de boicote que promoveram mudanças de comportamento em grandes corporações, como por exemplo "Nike" e "Macdonalds".

Em resumo, em se tratando de organização de consumidores, respeitados os processos históricos e culturais, há muito a aprender com a experiência norte-americana.

3.2 - Destaques da Organização dos Consumidores Brasileiros

Ao traçar a visão panorâmica do que tem sido a organização de consumidores no Brasil percebe-se que as associações atuam em diversas frentes: judicial, administrativa, extrajudicialmente, educação popular e científica, beneficiando seus associados e a sociedade como um todo.

Concordo com a visão do doutrinador José Geraldo Brito Filomeno, na obra Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto, de que as associações são como: "verdadeiras caixas de ressonância que podem desencadear não apenas o encaminhamento de seus reclamos aos órgãos públicos competentes, como também movimentos populares de reivindicação".

No Brasil, a maioria das entidades de consumidores surgiu com o movimento de redemocratização na década de 1980, porém, não se pode ignorar que na década de 1930 já havia mobilizações sociais, conforme registrado no "Guia de Mobilização para o Consumidor-Cidadão", publicado pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC): "As primeiras mobilizações sociais em torno das questões de consumo no Brasil surgiram na década de 1930, ainda de forma muito tímida, para protestar contra a escassez de produtos."

Nesse contexto é relevante destacar a tragédia provocada pelo uso do medicamento Talidomida. O assunto merece registro porque evidencia o elevado grau de vulnerabilidade do consumidor, bem como um exemplo de indiferença com a vida humana por conta de uma desenfreada busca pelo lucro, onde se contou inclusive com a omissão das autoridades públicas brasileiras.

A tragédia ocorreu inicialmente na Alemanha em 1960 quando o medicamento denominado Talidomida, indicado para o tratamento de náuseas e vômitos em gestantes, apresentou efeitos teratogênicos. Apesar da constatação, somente em 1961 é que a droga começou a ser retirada de circulação naquele país.

O que merece destaque é o fato de que no Brasil a comercialização somente cessou em 1965, ou seja, cinco anos depois da descoberta dos problemas causados pela droga. Frise-se, somente depois de inúmeras mortes e nascimento de crianças com deficiências físicas, é que alguma providência foi tomada. Um verdadeiro descaso para com o ser humano, na realidade, o que importava era a lógica do lucro, a qualidade do produto e a saúde do consumidor eram coisas com as quais os fornecedores não se preocupavam.

Vários movimentos de consumidores surgiram no mundo para amparar as muitas famílias lesadas. No Brasil foi fundada em 1973, a Associação Brasileira das Vítimas da Talidomida (ABVT) que travou uma verdadeira batalha judicial, tendo conseguido que o governo brasileiro editasse a Lei 7.070/82 que autorizou o poder executivo a conceder pensão especial, mensal, vitalícia e intransferível, aos portadores da síndrome da talidomida. Em 1993, a Lei Federal 8.686/93 reajustou o valor da referida pensão especial.

Além da ABVT, várias outras entidades de defesa do consumidor surgiram na década de 1970, como por exemplo, a Associação de Defesa e Orientação do Consumidor de Curitiba (ADOC) e a Associação de Proteção ao Consumidor de Porto Alegre (APC) ambas criadas em 1976.

No ano de 1976, a instalação de uma CPI do Consumidor na Câmara dos Deputados provocou a difusão nacional da necessidade de estruturação da defesa do consumidor no Brasil. Na histórica obra "...mas sem perder a ternura: A história dos 25 anos do Movimento das Donas de Casa e Consumidores de Minas Gerais", constatei:

É importante ressaltar a criação, em 1976, de uma CPI do Consumidor na Câmara dos Deputados. Essa ação fez com que o assunto fosse abordado nacionalmente pela imprensa e repercutisse em vários estados brasileiros. Além disso, houve o envolvimento de amplos setores do governo e da sociedade, enquanto a CPI chegou a importantes conclusões, como a sugestão do então presidente Geisel da criação do Instituto Nacional de Defesa do Consumidor; criação de comissões permanentes de defesa do consumidor na Câmara Federal; e proposição de criação de justiça do Consumidor, atendendo parecer do jurista Clóvis Ramalhete.

Outras iniciativas da sociedade organizada seguiram-se, culminando na seguinte resposta estatal: criação do primeiro Procon em 1976, um órgão público peculiar responsável pelo desencadeamento da política de defesa do consumidor que deu certo e que existe até os dias atuais, apesar de algumas deficiências.

Este primeiro Procon foi criado em São Paulo, e esta política passou a estimular a criação de outros Procons nas outras Unidades da Federação, bem como Associações de Defesa do Consumidor, conforme se pode verificar novamente na já citada obra ...mas sem perder a ternura: A história dos 25 anos do Movimento das Donas de Casa e Consumidores de Minas Gerais:

Josué Rios ressalta que o número de entidades que participaram dos encontros nacionais realizados pelos Procons era admirável. De acordo com matéria publicada pela Revista Consumidor, (Ano IX, n° 59), o "IX Encontro Nacional de Entidades de Defesa do Consumidor, realizado em agosto de 1988, em Recife, reuniu 60 instituições que lutavam pela defesa do consumidor. Rios explica que estes encontros nacionais foram de grande relevância para o movimento pela conquista de uma lei de proteção ao consumidor. "Através deles, era possível aumentar cada vez mais a divulgação da reivindicação dos consumidores, bem como ampliar a troca de informações entre todas as entidades e personalidades ligadas ao tema, enriquecendo, assim, as propostas que vieram posteriormente a constituir a nova legislação".

É fácil identificar na década de 1980 o surgimento de vários movimentos consumeristas devido ao contexto exposto na síntese histórica apresentada. Detalhando a matéria, o doutrinador Carlos Alberto Bittar, em sua obra: "Direitos do Consumidor", apontou:

A nível federal e estadual, diferentes entidades de defesa de interesses de consumidores, e em áreas específicas, foram criadas ao longo dos tempos, em especial, em épocas mais recentes, com os planos de estabilização da economia editados desde 1986, que desnudaram a ineficiência do esquema tradicional de proteção ao consumidor, mesmo diante do trabalho doutrinário e jurisprudencial de relevo desenvolvido no equacionamento de casos concretos de abusos contra os seus direitos.

De forma perspicaz o doutrinador José Geraldo Brito Filomeno ensina que embora o Brasil, bem como a América Latina, não tenham tradição associativista, "tais movimentos são a demonstração, sobretudo de uma nova consciência para a constituição de cada vez maior número de entidades de defesa do consumidor".

Atrevo-me a acrescentar que os movimentos de consumidores, normalmente não são "amados" pelas autoridades públicas, pois serviram e servem como mecanismo de pressão política para criação e estruturação dos sistemas de defesa do consumidor, estimulando, por exemplo, a criação de Procons nos municípios onde defende que sejam criados cargos públicos acessíveis através de concurso público, para técnicos, conciliadores e advogados especializados.

Cito, a título de exemplo, a campanha da ABCCON-MS pela criação em Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, da Vara de Direitos Difusos, pela manutenção do Juizado do Consumidor, e pela criação de um Procon Municipal em Campo Grande.

Em consonância com a proposta deste tópico, onde se optou por fazer destaques, menciono o Movimento das Donas de Casa de Minas Gerais (MDC-MG), fundado em 1983 precipuamente por mulheres que atenderam um chamado do Procon Minas Gerais que, através da mídia, afirmou a necessidade de organização de consumidores diante da alta inflação vivida no Brasil naqueles tempos.

Uma vez criada a Associação, já no seu discurso de posse, a presidenta Lúcia Pacífico Homem destacou a necessidade de atuação sobre a lista dos produtos congelados pelo governo Sarney. A primeira ação foi justamente fiscalizar a referida lista. Com o slogan "Donas de Casa Vão à Luta", foram a campo, e conseguiram ser ouvidas por muitos supermercadistas sem a intromissão do governo.

Em setembro de 2008 o MDC-MG completou 25 anos de existência, sendo reconhecido como referência nacional em organização de mulheres em prol da proteção e defesa do consumidor.

Outra inquestionável referência nacional é o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC), fundado em 1987, não somente uma associação de pessoas, que promove ações civis públicas e realiza pesquisas com muita eficiência, mas também um fomentador de criação e estruturação de outras associações de defesa do consumidor no Brasil.

São incontáveis as campanhas lideradas pelo IDEC para a sociedade, cito como exemplos que podem ser verificados no site da entidade.: "leite saudável para todos" (1990) que exigia mais qualidade no leite; o "caladão" (2004), que estimulava o consumidor a não utilizar o telefone em determinados horários; "fora pneus usados" (2006) visando impedir que pneus descartados pela União Europeia viessem para o Brasil e a campanha "Contra o calote do plano verão" (2008), contras as articulações dos bancos na tentativa de escapar da obrigação de pagar os expurgos inflacionários aos consumidores.

A criação do IDEC seguiu exemplos internacionais, como se verifica na publicação comemorativa da instituição: "IDEC – vinte anos construindo a cidadania", sendo narrado que seus fundadores se inspiraram em "[...] organizações estrangeiras ligadas à IOCU (International Organization of Consumers Unions que depois se tornou Consumers International) cujos princípios e forma de atuação, Marilena conhecia [...]".

A respeitabilidade do IDEC é tão significativa que em 2008, o Superior Tribunal de Justiça – STJ, lançando mão de um novo instituto criado no Código de Processo Civil pela lei 11.672/08, que permite agilizar o julgamento de recursos repetitivos, convidou a entidade para se manifestar em um processo que se refere às cláusulas de contratos bancários sobre juros remuneratórios, capitalização de juros, mora, comissão de permanência e inscrição do nome do consumidor no SPC.

Outra entidade que merece destaque por trazer constantemente importante contribuição científica para a estruturação da defesa do consumidor no Brasil é o Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor (BRASILCON), fundado em setembro de 1990, integrado pelos mais respeitados doutrinadores consumeristas do Brasil.

A organização edita a Revista de Direito do Consumidor e sua fundação teve a seguinte diretriz: "funcionar como um ponto de convergência de todos aqueles que, de uma forma ou de outra, mas sempre dentro de uma perspectiva científica, se preocupassem com a proteção do consumidor". Este registro está na apresentação da edição número um da Revista de Direito do Consumidor.

O Brasilcon já atuou como amicus curiae em importantes ações judiciais de interesse do consumidor, como por exemplo: A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) proposta pela Confederação Nacional do Sistema Financeiro (CONSIF), objetivando a declaração de inconstitucionalidade do parágrafo segundo do artigo 3° do CDC.

Em Mato Grosso do Sul há que se destacar a atuação da Associação Brasileira da Cidadania e do Consumidor do Estado de Mato Grosso do Sul (ABCCON-MS), criada em 2001, que tem atuação judicial marcante no combate às lesões cometidas pelas concessionárias de serviços públicos, com destaque para um boicote realizado contra a maior operadora de telefonia do Estado intitulado "14 NEM LIGO – Em respeito aos consumidores lesados pela Brasil Telecom".

Registra-se também a existência do Fórum Nacional de Entidades Civis de Defesa do Consumidor - FNECDC, que reúne 21 entidades de defesa do consumidor, em 12 Estados do país que, apesar dos poucos recursos, atua de forma expressiva, definindo pautas nacionais para a atuação dos movimentos de consumidores brasileiros. Eis seus objetivos:

O objetivo do Fórum é fortalecer o movimento de defesa do consumidor, promovendo a ampliação da capacidade de representação das entidades; articulação das entidades para potencializar uma ação conjunta, além de propugnar pela aplicação de princípios éticos, tais como a independência, transparência democrática e a solidariedade pelas organizações que integram o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor. Longe de reunir todas entidades civis que clamam hoje defender os direitos do consumidor, o Fórum procura destacar-se pela adesão de suas filiadas aos princípios que defende.

As entidades civis atuam de forma vigilante com relação à manutenção das conquistas da Lei Federal 8.078/90, pois tem sido rotineira a organização dos fornecedores nos mais diversos setores, por exemplo, bancos, consórcios e imóveis, a fim de eliminar ou diminuir o alcance de normas consumeristas, tentando por todos os meios promover alterações específicas no Código de Defesa do Consumidor para reduzir o seu alcance.

As 21 entidades que, neste início de 2010, integram o Fórum Nacional de Defesa do Consumidor são as seguintes:

a)ABCCON/MS – Associação Brasileira da Cidadania e do Consumidor do Estado de Mato Grosso do Sul – Campo Grande – MS – criada em 2001;

b)ABED/CE – Associação Brasileira de Economistas Domésticos – Fortaleza - CE

c)ABRACON – Associação Brasileira do Consumidor – Rio de Janeiro e Niterói, criada em 1997;

d)ACOPA/PR – Associação dos Consumidores de Produtos Orgânicos do Paraná – Pinhais – PR, criada em 2002;

e)ACV – Associação Cidade Verde – Porto Velho – RO, criada em 1998;

f)ADCB/JE/BA – Associação das Donas de Casa da Bahia – Jequié;

g)ADECCON/PE – Associação de Defesa da Cidadania e do Consumidor de Pernambuco, criada em 1999;

h)ADOC – Associação de Defesa e Orientação do Cidadão – Curitiba – PR, criada em 1976;

i)ADOCON – Associação Catarinense de Defesa dos Direitos da Mulher, Donas de Casa e Consumidor – Florianópolis - SC;

j)ADOCON/TB – Associação das Donas de Casa, dos Consumidores e da Cidadania de Tubarão – SC, criada em 1996;

k)ADUSEPS – Associação dos Usuários de Seguros, Planos e Sistemas de Saúde – PE;

l)CDC – Centro de Defesa do Consumidor do Rio Grande do Norte – Natal;

m)DECONOR – Comitê de Defesa do Consumidor Organizado de Florianópolis - SC

n)FEDC/RS – Fórum Estadual de Defesa do Consumidor – Rio Grande do Sul;

o)ICONES – Instituto para o Consumo Educativo Sustentável – Belém – Pará;

p)IDEC – Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor – São Paulo – SP, criada em 1987;

q)MDC/MG – Movimento das Donas de Casa de Minas Gerais – MG, criada em 1993.

r)MDCC/GO – Movimento das Donas de Casa de Goiás – Belo Horizonte, criada em 2002;

s)MDCC/RS – Movimento das Donas de Casa do Rio Grande do Sul – Porto Alegre, criada em 1988.

t)MDCCB – Movimento de Donas de Casa e Consumidores da Bahia – Salvador;

u)VIDA BRASIL – Valorização do Indivíduo e Desenvolvimento Ativo, Fortaleza – CE, criada em 1996.

Além das entidades do Fórum, merece destaque o site www.reclameaqui.com.br, que tem sede em Campo Grande-MS, e funciona como uma antena de registro de reclamações, pois permite que pela internet a sociedade perceba os fornecedores mais reclamados e o mais interessante, a postura dos mesmos diante da irregularidade apresentada pelo consumidor.

Para finalizar, importante destacar que nos últimos vinte e cinco anos as mais diversas entidades de defesa do consumidor brasileiras, apesar das inúmeras dificuldades estruturais, têm atuado de forma marcante em várias frentes, sobretudo, no setor de serviços públicos (bancos, água, energia, telefonia), numa luta incansável pelo respeito ao consumidor e pelo equilíbrio nas relações de consumo, principalmente com relação à qualidade dos produtos e serviços, modicidade tarifária e reconhecimento de todos os direitos básicos previstos no art. 6.º da lei 8.078/90.

Sem sombra de dúvidas, as conquistas e avanços decorrentes da atuação das entidades civis de defesa dos consumidores foram muito expressivas ao longo destes últimos anos, porém, ainda há muito que se fazer para que o consumidor seja realmente respeitado com a dignidade e cidadania que merece.

Para tanto, é preciso que todos nós façamos a nossa parte, afinal de contas, como disse John Kennedy, em 15 de março de 1962: "consumidores, por definição, somos todos nós". Assim, cada cidadão, independentemente do que seja ou faça, pode e deve colaborar para a maior concretização dos direitos consumeristas, integrando ou apoiando uma entidade de defesa do consumidor, fazendo controle social no seu entorno, contribuindo para a efetivação dos valiosos espaços de participação criados na democracia brasileira. Isso é algo possível que requer apenas vontade e disposição.

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Sobre a autora
Patricia Mara da Silva

Advogada. Vice-Presidente da associação brasileira da cidadania edo consumidor do Estado de Mato Grosso do Sul- ABCCON/MS

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Patricia Mara. Considerações sobre a organização civil dos consumidores. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2494, 30 abr. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14780. Acesso em: 19 mar. 2024.

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