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Justificativas para os direitos dos magistrados.

As férias anuais de 60 dias e o princípio da compensação

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04/05/2010 às 00:00
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7. Distinções e proposta de igualização

Certamente seria desconfortável e causa para se sentir um usurpador, caso um juiz comentasse criticamente outras atividades profissionais para as quais não tem formação acadêmica, nem conhecimento ou experiência, a não ser aquela comum que todos – ou grande parte das pessoas – têm pelo simples fato de viver em sociedade e se relacionar com profissionais de distintas áreas. No campo das agruras, dificuldades, rotina, direitos e deveres, um magistrado provavelmente não se sentiria à vontade para falar de engenheiros, arquitetos, médicos ou dentistas, pois milita na área do Direito, na qual, sim, tem formação acadêmica e experiência. Da mesma forma quanto a outras profissões, como jornalistas e economistas.

Entretanto, diante do que tem sido publicado em jornais, revistas e páginas na web, tem-se a impressão que os profissionais destas outras áreas, externas às carreiras jurídicas, especialmente jornalistas, economistas e empresários se acham investido de autoridade, conhecimento e experiência para falarem da produtividade e da rotina/atividade profissional dos juízes, dificilmente para falar bem e elogiar, mas sim para criticar, julgar e condenar.

Volta e meia aparece gente obscura, usando os veículos de comunicação, notadamente os jornais, para publicar textos dando puxões de orelhas e conselhos aos juízes e ao Poder Judiciário, implícita ou explicitamente qualificando a todos de preguiçosos, irresponsáveis e inconscientes, como se estivessem a se referir a criminosos ou malandros e não a gente séria, trabalhadora e idônea em sua esmagadora maioria.

Os críticos argumentam em seus escritos como se a atividade judicante fosse de importância secundária e devesse ser tratada com menoscabo e como se os juízes devessem sentir vergonha de serem juízes. Revelam preconceito e discriminação a uma carreira de Estado de suma relevância numa sociedade democrática. Juiz não faz leis e não se autoconcede direitos. O máximo que pode fazer é lutar pela manutenção ou pela ampliação de direitos através do exercício do diálogo e de uma argumentação sólida e serena. A decisão cabe ao Legislativo que é soberano para incluir ou excluir direitos da magistratura.

Frequentemente são divulgadas criticas quanto à remuneração dos juízes, o regime previdenciário e os demais direitos de que são titulares, como se fossem coisas espúrias, imorais ou imerecidas, pregando-se a igualização com os trabalhadores em geral, demonstrando desinformação e desconhecimento quanto às grandes diferenças existentes entre aqueles e esses que justificam compensações, ou as conhecendo e, de má-fé, não as revelando porque não interessam às suas teses.

Diante desse quadro de ignorância ou de maledicência, cumpre esclarecer a opinião pública que não se deve igualizar coisas distintas, representando estreiteza de raciocínio sustentar que juízes devem ter os mesmos direitos que os demais trabalhadores. Nem entre as diversas categorias profissionais do setor privado existe esta igualização.

Os juízes podem ser somente juízes, além de ser permitido pela Constituição que exerçam o magistério, sendo que podem ter apenas um cargo de professor em uma instituição privada ou pública. Além disso, não está proibido que publiquem sua produção científica em forma de livros ou artigos em revistas especializadas mediante percepção de direitos autorais. Mas é só.

Os demais trabalhadores do setor privado não têm esta restrição, podendo ter quantos empregos ou ocupações puderem dar conta. Juiz não pode ser filiado a partido político e não pode ser candidato a cargo eletivo, ou seja, não pode se envolver em nenhuma atividade político-partidária. Juiz não pode ser empresário ou administrar empresas, podendo, quando muito, ser sócio cotista sem poderes de administração e gerenciamento. Juiz não pode ser síndico e nem ocupar cargo em diretoria de qualquer organização pública ou privada, exceto nas próprias associações de magistrados.

Prefeitos, vereadores, governadores, deputados e senadores não têm limitação quanto às suas ocupações, podendo – e isso ocorre com expressiva parcela deles – acumular quantas atividades profissionais ou ocupações quiserem, desenvolvendo-as simultaneamente.

O empresário eleito para deputado federal não deixa de ser empresário. O mesmo se diga do advogado, do engenheiro, do arquiteto, do médico, do dentista e de qualquer outra profissão. Podem acumular quantas atividades quiserem e puderem. Além disso, não são integrantes de uma carreira profissional, ao passo que os juízes sim. Os juízes, em regra, "vivem" (sustentam a si e a sua família) com sua remuneração e permanecem na carreira até a morte ou aposentadoria.

Enfocado o assunto da perspectiva dos agentes políticos dos outros poderes da República, estas são razões mais que suficientes para que haja tratamento legal diferenciado em relação à remuneração e períodos de descanso, que nem se aproximam do que pode ser chamado de privilégios. Os juízes têm mais restrições em suas vidas que supostos privilégios.

Evidente que a remuneração, o regime previdenciário, os direitos e deveres dos magistrados são definidos pela Constituição e pela lei e, assim, cabe ao Congresso Nacional a regulamentação.

Portanto, se for entendido que os magistrados devem ser igualados aos demais trabalhadores em geral, tendo em vista que sua atividade não apresenta distinções que justifiquem diferenciações, que isso seja feito para todas as profissões que hoje tem tratamento legal diferenciado (médicos, dentistas, engenheiros, arquitetos, jornalistas etc.).

Acredito que a maioria dos juízes – não tenho procuração ou autorização para falar em nome deles - aceitariam a redução dos seus direitos atuais, desde que houvesse igualização também quanto aos seus deveres e, por conseguinte, a extensão de direitos concedidos às outras pessoas (a eles negados hoje).

Em outros termos, mais detalhados, alguns exemplos:

a) possibilidade de exercerem quantas profissões ou ocupações quiserem (autonomia da vontade e liberdade individual sem restrições) e puderem dar conta (inclusive atividade empresarial com poderes de administração); b) possibilidade de atividade político-partidária, inclusive como candidatos a cargos eletivos ou promoção de campanhas políticas para os candidatos de sua preferência; c) limitação de jornada de trabalho (8 horas diárias e 44 horas por semana); d) recebimento de horas extras com os adicionais legais quando excederem a 44 horas de trabalho por semana ou quando trabalharem em domingos e feriados e em regime de plantão (sobreaviso); e) adoção de cartão-ponto ou outro meio equivalente para controle de sua jornada de trabalho; f) não cobrança de metas de produtividade para além do que é possível dentro de sua jornada de trabalho; g) garantia efetiva de descanso semanal (pelo menos um dia por semana); h) direito de greve; i) direito a negociação coletiva através de sindicatos; j) direito à livre manifestação de pensamento, inclusive para criticar quem quiserem sem o risco de sofrer punições disciplinares; k) recebimento de adicional noturno, com a respectiva redução legal da hora noturna (quando, comprovadamente, trabalharem entre 22h de um dia e 5h do dia seguinte); l) recebimento de adicional de insalubridade e adicional de periculosidade quando as condições de trabalho os justificarem; m) direito a freqüentarem quaisquer lugares que desejarem, independentemente se isso importa ou não em desprestígio à sua autoridade e às instituição a que pertencem; n) direito de não residir na Comarca, se assim desejar, mas onde lhe for mais conveniente.

Enfim, que os juízes tenham os mesmos direitos e deveres conferidos às demais pessoas de outras profissões e que todas as diferenças de direitos e deveres entre as profissões sejam abolidas.

Afinal, para os críticos que não conseguem identificar nenhuma diferença que explique as compensações da carreira da magistratura, os juízes não são "melhores" nem "diferentes" de ninguém e devem ser tratados pela lei do mesmo modo que os outros trabalhadores.

Em isso ocorrendo, creio que os juízes aceitarão de bom grado que as férias anuais sejam reduzidas de 60 para 30 dias, que o descanso nos feriados seja somente naqueles em que todos – em tese - descansam (os nacionais definidos em lei geral) e que seja eliminado o período de recesso natalino (na Justiça do Trabalho e na Justiça Federal, de 20 de dezembro de um ano a 06 de janeiro do ano seguinte).

Parece-me que são estes os tais privilégios que desfrutam os juízes e que têm provocado a inveja e a indignação de alguns que, não se sabe de que forma, os têm vinculado à produtividade, qualidade e eficiência do Judiciário.

Sinceramente, não vejo relação alguma entre uma coisa e outra, a não ser no sentido contrário ao que é pregado habitualmente: a retirada de direitos dos juízes e a manutenção dos deveres e restrições em número maior que às pessoas de outras profissões poderão provocar desestímulo na carreira, e por efeito, piora nos serviços judiciários.

Basta saber se esta igualização em direitos e deveres será boa para a sociedade e preservará o interesse público em geral. Receio que não é uma boa idéia.

Parece-me que no afã de criticar os supostos privilégios dos juízes estão esquecendo que tudo decorre de um sistema que em data anterior à sua instituição foi objeto de reflexão.

Estudos realizados da perspectiva do interesse público levaram à conclusão de que os direitos e deveres dos juízes, do modo como acabaram sendo concebidos e fixados em lei, atendiam não apenas aos interesses dos próprios juízes, mas além desses, e principalmente, aos interesses da coletividade, mormente em relação a uma prestação jurisdicional comprometida com o ordenamento jurídico-constitucional, seus valores e princípios, que pudesse ser realizada sem pressões de ordem econômica ou política, ou de qualquer outra natureza, preservando a independência e a imparcialidade dos magistrados pela existência de mecanismos capazes de assegurá-las, não em benefício dos juízes, mas sim em favor da sociedade, dos jurisdicionados.


8. Conclusões

Em conclusão ao acima exposto, encerrando este trabalho:

a)a magistratura, enquanto carreira de Estado, não tem como integrantes profissionais melhores que os de outras profissões, apenas apresentando distinções que justificam o tratamento jurídico a eles dispensado pela lei e pela Constituição;

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b)No ordenamento jurídico nacional há dezenas de profissões regulamentadas por lei, assim como em convenções ou acordos coletivos de trabalho, cujos direitos são em número maior que os de outras categorias profissionais, sem que isso implique em privilégio ou em situação de injustiça;

c)Os juízes não nascem juízes e não são obrigados a serem juízes, mas sim, decidiram se graduar em Direito e optaram por uma carreira de Estado de conformidade com os ditames legais e constitucionais, o que, em tese, está disponível a todos os brasileiros se assim quiserem;

d)Os juízes não devem sentir vergonha do que são profissionalmente apenas porque parte da sociedade e da mídia acha que desfrutam de privilégios.

e)Lutar pela manutenção ou ampliação de direitos é legítimo para qualquer categoria profissional num regime democrático de direitos;

f)Os magistrados não fazem leis e não se autoconcedem direitos, cabendo este papel ao Poder Legislativo, podendo, quando muito, argumentar e dialogar com os demais Poderes, porém, a decisão final não lhes cabe;

g)Os magistrados não são trabalhadores comuns e nem servidores públicos comuns, entre outras razões, pela relevância, grau de responsabilidade, natureza, forma de execução e repercussões de sua atividade profissional;

h)Os magistrados de carreira são profissionais que ingressam no serviço público através de aprovação em concurso público e não por critérios políticos ou de outra natureza;

i)Os magistrados devem ganhar bem e se revestirem de algumas garantias constitucionais como forma de ficar assegurada a independência e a imparcialidade do Judiciário e das suas decisões;

j)A remuneração dos magistrados deve ser compatível com aquela que teriam na iniciativa privada em atividade profissional equivalente;

k)A magistratura, por força de lei, impõe aos seus integrantes algumas restrições quanto a direitos e deveres e sua liberdade individual, inclusive os fazendo menos cidadãos que as demais pessoas (não podem desenvolver atividade político-partidária, p. ex.), de modo que alguns supostos privilégios, a exemplo das férias anuais remuneradas de 60 dias, compõem um conjunto de compensações, até mesmo criando uma situação que possa ser atrativa aos graduados em direito e que desejam fazer carreira na magistratura;

l) A redução do período de férias ou de quaisquer outros direitos dos juízes, mantendo-se as restrições indicadas acima, em médio e longo prazos, importará em desestímulo para o ingresso dos melhores profissionais na carreira e para a realização da atividade judicante pelos atuais juízes, podendo provocar diminuição e não aumento de produtividade, em nada contribuindo para o aperfeiçoamento da prestação jurisdicional;

m)Os direitos que alguns têm e outros não, somente por esta razão, não podem embasar a opinião corrente de que se tratam de privilégios as compensações atribuídas pela lei aos juízes;

n)Muitos que criticam os direitos dos juízes estão mal informados e desconhecem a rotina e as limitações legais da carreira, baseando-se apenas no que ouviram falar, valorizando somente o que entendem ser privilégios, mas desconsiderando os aspectos que desfavorecem a carreira da magistratura;

o)Os juízes, em sua maioria, certamente aceitariam a redução ou até mesmo a eliminação dos supostos privilégios se fossem igualados em todos os direitos e deveres aos demais trabalhadores, inclusive com a abolição das diferenças hoje existente entre as diversas profissões, estabelecidas em leis (profissões regulamentadas).

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Sobre o autor
Mauro Vasni Paroski

Juiz titular da 7a. Vara do Trabalho de Londrina - PR. Especialista e Mestre em Direito pela Universidade Estadual de Londrina - PR. Doutorando em Direitos Sociais na Universidad de Castilla-La Mancha - ESPANHA.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PAROSKI, Mauro Vasni. Justificativas para os direitos dos magistrados.: As férias anuais de 60 dias e o princípio da compensação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2498, 4 mai. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14800. Acesso em: 20 dez. 2024.

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