1 INTRODUÇÃO
O ordenamento jurídico pátrio, nos últimos anos, passou a incorporar elementos normativos acerca da disciplina e regulamentação do processo digital. Com base na legislação existente sobre a informatização do processo judicial, busca-se realizar uma análise hermenêutica do artigo 11, §6º da Lei 11.419/06, de modo a identificar uma interpretação plausível e em conformidade com a Constituição da República Federativa do Brasil.
Para isso, fez-se necessário um estudo exploratório-bibliográfico, compreendendo legislação, doutrina e jurisprudência. Utilizando-se da análise do conteúdo obtido na pesquisa, procedeu-se às interpretações necessárias e pertinentes ao objeto de estudo.
Nesse sentido, abordaram-se, de início, as principais informações acerca do princípio constitucional da publicidade dos atos processuais, apresentando a sua referência legislativa e as lições de doutrinadores processualistas. Fomentou-se a exposição do tema à luz da concepção do neoconstitucionalismo apresentados pelos doutrinadores pesquisados.
Após isso, registram-se os pontos pertinentes ao processo eletrônico, citando, em breve síntese, os posicionamentos do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil quanto à restrição imposta pelo dispositivo artigo 11, § 6º, da Lei 11.419/06. Apresentam-se, assim, os argumentos dessas instituições acerca da restrição dos autos processuais prevista pelo artigo em comento.
Ato contínuo, apresentam-se os principais preceitos pertinentes à interpretação da legislação infraconstitucional conforme à Constituição, expondo, em breve síntese, os elementos que embasam essa modalidade de exegese, retomando-se a concepção do neoconstitucionalismo.
Por fim, explicitou-se o sentido do dispositivo legal em estudo, compatível com os ditames processuais, principalmente, com a publicidade dos atos processuais. Citando, assim, a experiência do Juizado Especial Federal da 4ª Região, no que se refere à permissibilidade de consulta aos autos do processo eletrônico por qualquer cidadão.
2 A APLICAÇÃO DE RECURSOS TECNOLÓGICOS NO ÂMBITO DOS PROCESSOS JUDICIAIS
É cediço que a revolução tecnológica está, gradativamente, sendo implementada nos vários âmbitos da sociedade contemporânea. No âmbito do direito, alguns doutrinadores, mediante exame superficial, afirmam que a informática torna-se necessária ao melhor dinamismo das ações do Poder Judiciário. Outros, no entanto, expõem uma reflexão crítica, questionando o alcance dos princípios de direito processual dentro de um modelo de processo digitalizado.
Conforme exposição de Lira (2004), a utilização da informática constitui elemento imprescindível para a atuação do Poder Judiciário, semelhante aos outros serviços prestados pelos órgãos estatais. Para esse autor, portanto, as inovações tecnológicas aplicadas à prestação jurisdicional apresentam pontos positivos, como a facilitação do acesso à justiça e celeridade no processamento dos autos.
Apresentando posição distinta, Greco (2001) afirma que os instrumentos da informática aplicados ao processo provocam inevitável questionamento acerca da utilidade de alguns princípios do direito processual, como contraditório e publicidade.
Nesse afã, necessário esclarecer que a utilização de instrumentos do meio eletrônico na rotina forense perfaz-se como um aspecto já consolidado. De fato, inicia-se com a substituição das máquinas de escrever pelos programas de edição de texto na elaboração de peças e termos processuais.
Tem-se, pois, num primeiro momento, os recursos tecnológicos utilizados como fim de garantir simplicidade e agilidade à marcha processual, mantendo-se, ainda, a utilização de autos baseados no processo físico (de papel). Nessa fase, apesar dos documentos serem elaborados pelo computador, havia a imprescindibilidade de sua impressão e juntada nos autos do processo físico para compor os autos correspondentes.
Assim, torna-se possível o armazenamento digital das informações acerca das movimentações do processo, permitindo-se o acompanhamento processual dos autos por meio de um sistema operacional, como o Sistema da Automação Judicial (SAJ) utilizado no Poder Judiciário do Estado do Rio Grande do Norte.
Ademais, Greco (op. cit.) acrescenta a este modelo a possibilidade de consulta à jurisprudência dos tribunais estaduais, regionais e superiores. Para o autor mencionado, esse tipo de instrumento facilita acesso às informações oficias sobre o andamento dos processos, bem como aos avanços da jurisprudência pátria. Pode-se citar, ainda, a tecnologia push, por meio da qual os tribunais expedem e-mails aos advogados, informando-os o andamento dos processos cadastrados em seus sistemas.
No entanto, o ápice desta cadeia evolutiva de modernização do processo judicial constitui-se na substituição dos autos em papel por autos processados integralmente pelo meio eletrônico. Conforme aduz Parentoni (2007), com a utilização de documentos eletrônicos, dentro de sistema de processamento eletrônico dos autos do processo, alcance-se maior agilidade e eficiência à prestação jurisdicional.
Com semelhante posicionamento, Marcacini (2006) aduz que a inserção de novos elementos tecnológicos na dinâmica processual perfaz-se como uma situação promissora, face à agilização dos procedimentos para a garantia da almejada celeridade processual, prevista constitucionalmente. Conclui esse autor que a utilização de recursos da informática pode proporcionar ganho de tempo, trabalho e recursos materiais à dinâmica forense.
Nesse contexto, é possível afirmar que o ordenamento jurídico pátrio, nos últimos anos, passou a incorporar elementos normativos acerca da disciplina e regulamentação do processo digital. Apesar do mérito resguardado às legislações existentes, cumpre esclarecer que respeitável inovação aplicada ao campo jurídico tem seu nascedouro com a promulgação da Lei nº. 11.419/06 que versa sobre a informatização do processo judicial.
De acordo com Abrão (2009), o escopo desta lei constitui-se na regulamentação do processo eletrônico, de modo a permitir que toda informação – do início ao final do procedimento – seja armazenada virtualmente. É, pois, o primeiro diploma legal que traz diretrizes para o processo desvinculado, totalmente, do meio físico (autos de papel).
Em seu artigo 11, §6º, o diploma legal supracitado restringe às partes da lide (cadastradas no sistema de processamento dos autos no processo eletrônico) o direito de conhecer dos documentos referentes ao seu processo.
Desse modo, depreende-se que o conteúdo dos autos do processo não é plenamente acessível a todos os cidadãos, conforme estabelece a Constituição Federal e dispõe o princípio da publicidade dos atos processuais. Resta configurada, assim, violação aos preceitos vigentes na ordem jurídica. Diante disto, imprescindível que se institua uma interpretação adequada do dispositivo em comento, de modo a não violar o preceito constitucional supramencionado.
3 DA PUBLICIDADE DOS ATOS PROCESSUAIS
Diante da exposição de Didier (2008) é imprescindível reconhecer que há uma renovação do Direito Constitucional, neoconstitucionalismo, marcada por alguns fatores: força normativa da Constituição, bem como dos princípios e enunciados relacionados aos direitos fundamentais; expansão da jurisdição constitucional; desenvolvimento de uma nova hermenêutica constitucional.
À luz da exposição do doutrinador supracitado, é possível inferir que o estudo do direito processual sofreu a influência do neoconstitucionalismo, de modo que o processo passa a ser visto sob uma perspectiva constitucional. Destarte, para além da concepção de princípios constitucionais, a doutrina moderna fez referência a direitos fundamentais processuais.
Outrossim, o processo deve estar adequado à tutela efetiva dos direitos fundamentais (dimensão subjetiva, que atribui posição jurídica de vantagem a seus titulares), bem como ser estruturado de acordo com os direitos fundamentais (dimensão objetiva, considerado com valores básicos e consagrados na ordem jurídica).
Nesse afã, a publicidade dos atos processuais, antes de princípio, deve ser reconhecida como direito fundamental que visa ao controle da opinião pública sobre a atuação dos servidores/magistrados do Poder Judiciário. À luz deste entendimento, pode-se citar a sua previsão legal no artigo 93, IX da Constituição da República Federativa do Brasil.
Segundo Montenegro Filho (2007), por esse dispositivo, entende-se que as partes e seus respectivos advogados têm acesso a todas as informações do processo, sendo-lhe garantida a presença em todos os atos da demanda.
Em exposição sobre o princípio, Nery Júnior (2007) aduz que o processo é público, de modo a permitir o acesso de todos os cidadãos aos autos, embora a participação no procedimento respectivo seja restrita às partes e seus procuradores, ao juiz, aos membros do Ministério Público e aos serventuários da justiça.
Discorrendo sobre as funções primordiais desse princípio, Cretella Neto apud Montenegro Filho (2007, p. 38), expõe:
O princípio da publicidade dos atos processuais foi adotado por todas as modernas leis processuais, servindo para permitir, além da fiscalização dos atos processuais e das condutas dos magistrados e litigantes, pela opinião pública, também uma função educativa, facilitando a divulgação das idéias jurídicas e elevando o grau de confiança da comunidade na administração da Justiça.
Conforme dispõe Tavares (2007), com a mudança perpetrada pela Emenda Constitucional (EC) nº 45/2004, apenas poderá ser afastado tal preceito diante do atendimento a dois requisitos cumulativos: o fundamento da limitação à publicidade estar na garantia do direito à intimidade do interessado; a restrição imposta não prejudique o direito público à informação.
Depreende-se, pois, o caráter não absoluto dos direitos e garantias individuais, por meio do qual o legislador reformador visou a aplicação dos postulados da ponderação, ou seja, da mensuração, entre direitos fundamentais em conflito, de qual deve prevalecer. Nesse sentido, cabe expor o posicionamento do Supremo Tribunal Federal que reconhece que:
Os direitos e garantias individuais não têm caráter absoluto. Não há, no sistema constitucional brasileiro, direitos ou garantias que se revistam de caráter absoluto, mesmo porque razões de relevante interesse público ou exigências derivadas do princípio de convivência das liberdades legitimam, ainda que excepcionalmente, a adoção, por parte dos órgãos estatais, de medidas restritivas das prerrogativas individuais ou coletivas, desde que respeitados os termos estabelecidos pela própria Constituição. O estatuto constitucional das liberdades públicas, ao delinear o regime jurídico a que estas estão sujeitas - e considerado o substrato ético que as informa - permite que sobre elas incidam limitações de ordem jurídica, destinadas, de um lado, a proteger a integridade do interesse social e, de outro, a assegurar a coexistência harmoniosa das liberdades, pois nenhum direito ou garantia pode ser exercido em detrimento da ordem pública ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros. (grifo nosso) [01]
À luz da exposição de Tavares (op. cit.), pode-se afirmar que a reforma procedida pela EC nº 45/2004 visou apenas a equacionar, previamente, a colisão entre os princípios específicos mencionados (publicidade versus intimidade ou privacidade). Diante da solução adotada, pode-se inferir que houve uma preferência pelo interesse público à informação, mas, por força da teoria constitucional, há a necessidade da ponderação de valores conflitantes no caso concreto (para resguardar o direito à intimidade).
4 DO ARTIGO 11, §6º DA LEI Nº. 11.419/06
De início, imprescindível reconhecer, conforme expõe Abrão (op. cit.), que o processamento digital dos autos constitui elemento por meio do qual há a substituição do meio físico por instrumentos disponibilizados pela área de informática, como forma de armazenamento de dados.
Assim, "os elementos do processo eletrônico transmitem, desde a inicial, até a decisão final, com trânsito em julgado, uma série de etapas e procedimentos, livres de papel, ou de volumes" (ABRÃO, op. cit., p. 09). Com a Lei nº. 11.419/06, houve o disciplinamento das diretrizes necessárias ao desenvolvimento desse modelo de processamento integralmente desvinculado dos autos de papel.
Imprescindível esclarecer que o processamento eletrônico dos autos no Poder Judiciário, utiliza-se da rede mundial de computadores, permitindo o acesso por intermédio de redes internas e externas. Assim, os usuários - magistrados, servidores da justiça, advogados e partes – necessitam ser previamente cadastrados perante a entidade certificadora.
Conforme expressa Abrão (op. cit.), o cadastro prévio das partes do processo no sistema de processamento eletrônico dos autos constitui-se como meio hábil para o acesso aos dados, bem como para conferir legitimidade às petições enviadas (discriminando o autor processual, advogado ou serventuário – que a elaborou).
Quanto a este ponto específico (validade do documento enviado digitalmente), faz-se mister expor o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no julgamento do Agravo Regimental nos Embargos de Declaração no Recurso Especial nº 1015543:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. PETIÇÃO ELETRÔNICA ASSINADA DIGITALMENTE. POSSIBILIDADE. RECURSO IMPROVIDO.
1. Encontrando-se a petição eletrônica assinada digitalmente, porquanto se trata de credenciado, conforme permite a Lei 11.419/06 e a Resolução 9/07do Superior Tribunal de Justiça, é dispensável a assinatura de próprio punho do advogado. 2. Agravo regimental improvido. [02]
Ultrapassando essas disposições preliminares sobre o cadastramento das partes no sistema correspondente, cumpre analisar a permissibilidade conferida aos usuários do processo eletrônico, no que se refere ao conteúdo do processo (movimentação dos autos e teor das petições, decisões e documentos juntados).
Atinente à rede interna, utilizada pelos serventuários, não há qualquer indagação, visto que é permitido o acesso à integra dos autos (conteúdo e movimentações). No entanto, para os usuários da rede externa, convém expor o teor do artigo 11,§6º:
Os documentos digitalizados juntados em processo eletrônico somente estarão disponíveis para acesso por meio da rede externa para as respectivas partes processuais e para o Ministério Público, respeitado o disposto em lei para as situações de sigilo e de segredo de justiça. [03]
Realizando uma interpretação gramatical, depreende-se que aos usuários da rede externa (partes, advogados e Ministério Público), a lei impõe restrição de que essas pessoas apenas tenham acesso aos autos do processo cuja lide compõem como parte, patrono, fiscal da lei (Ministério Público).
É manifesto, pois, que delimitando os sujeitos que terão acesso aos "documentos digitalizados" que instruem os autos do processo desenvolvido por meio eletrônico, o dispositivo em comento induz à compreensão de que há violação ao princípio constitucional da publicidade dos atos processuais (artigo 93, IX da Constituição Federal).
Nesse afã, com o intuito de compreender o conteúdo e extensão do dispositivo legal, expõem-se posicionamentos díspares acerca da interpretação obtida da análise do artigo 11,§6º da Lei 11.419/06.
4.1 Interpretação realizada pelo Conselho Nacional de Justiça
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), posicionando-se acerca do artigo 11,§6º, argumenta no sentido de que este dispositivo é compatível com o ordenamento jurídico brasileiro, uma vez que recai na exceção prevista no próprio artigo 93, IX (segredo de justiça).
Nesse sentido, necessário apresentar o conteúdo da decisão prolatada no Processo de Controle Administrativo explanado por esta instituição:
PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. QUESTÃO DE ORDEM. DIREITO DE VISTA DOS PROCESSOS DIGITAIS. INCIDÊNCIA DA RESTRIÇÃO DO ART. 11, § 6º, DA LEI Nº 11.419/2006. Nos processos digitais, o acesso à íntegra dos autos é limitado às partes, constituindo mais uma exceção à regra geral de liberdade de acesso dos advogados aos processos, independentemente de procuração. Questão de ordem resolvida no sentido da edição de enunciado administrativo para uniformizar a orientação de acesso restrito dos autos eletrônicos às partes cadastradas e seus respectivos advogados. (grifo nosso) [04]
Corroborando seu posicionamento, esse órgão expôs o enunciado administrativo nº. 11 que dispõe: "Nos processos digitais findos ou em curso perante o Conselho Nacional de Justiça, o acesso à integra dos autos é limitado às partes e seus advogados constituídos e ao Ministério Público (Lei nº. 11.419/06, artigo 11,§6º)" [05]
Depreende-se, dessa concepção, que a publicidade dos atos processuais esquiva-se para dar lugar ao direito à intimidade (artigo 5º, X da Lei Maior), sob a presunção de que, com a facilidade de divulgação proporcionada pela internet, o acesso aos autos completos do processo pode comprometer o direito supra assegurado pela Constituição. Assim, diante a ponderação de valores, o CNJ pugna pela prevalência de proteção à intimidade das partes, resguardada, em nosso ordenamento jurídico, pela garantia do segredo de justiça.
4.2 Posicionamento do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil
Mediante a interposição de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº. 3880, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil questiona alguns dispositivos da lei nº. 11.419/06. Apesar de, especificamente, não impugnar o artigo 11, §6º, consta, nesse documento, ideias norteadoras da incompatibilidade do dispositivo com o princípio constitucional da publicidade dos atos processuais. Nesse sentido, necessário expor trecho da petição inicial da ADI nº. 3880:
Os preceitos processuais, em especial o primeiro, ao acabarem com o diário de justiça impresso em papel, limitando o conhecimento dos atos processuais apenas aqueles que disponham de computador ligado à internet estão a restringir indevidamente a publicidade do processo. [06]
À luz desse posicionamento, pode-se inferir que a restrição das partes ao conhecimento dos atos processuais oriundos de processo digital acaba por, consequentemente, restringir, de modo indevido, a publicidade dos atos processuais. Para essa instituição, pois, a publicidade dos atos processuais deve prevalecer.
5 DA INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO
De acordo com Tavares (op. cit., p. 77), "a interpretação do Direito é a operação intelectiva por meio da qual a partir da linguagem vertida em disposições (enunciados) com força normativa o operador do Direito chega a determinado e específico conteúdo". Assim, a determinação do sentido e alcance das expressões de direito, como o processo que visa perquirir a concreta função reguladora das normas, realiza-se por meio da interpretação.
Para Hesse apud Clève e Freire (2003), o ato de interpretar é condicionado à existência de passagens obscuras (ou que induzam dúvidas quanto o seu significado), reservando-se ao intérprete a determinação do conteúdo material da norma constitucional ou decorrente dessa. Nesse sentido, aduzem os autores que a interpretação constitucional perfaz-se de criatividade, restando completo o conteúdo da norma com a sua aplicação no caso concreto.
Segundo Canotilho (1991, p. 220), o método hermenêutico concretista:
(...) vem a realçar e iluminar vários pressupostos da tarefa interpretativa: (1) os pressupostos subjetivos, dado que o interprete desempenha um papel criador (pré-compreensão) na tarefa de obtenção do sentido do texto constitucional; (2) os pressupostos objetivos, isto é, o contexto actuando o interprete como operador de mediações entre o texto e a situação em que se aplica; (3) relação entre texto e contexto com a mediação criadora do interprete transformando a interpretação em ‘movimento de ir e vir’ (circulo hermenêutico).
Destarte, pode-se inferir que o método hermenêutico concretista oferece um catalogo de princípios que otimizam a atividade de interpretação da Constituição, sendo, pois, imprescindíveis no processo de concretização constitucional. Dentre tais princípios, tem-se o princípio da unidade da Constituição, cujo teor demonstra a concepção de que ela perfaz-se como um sistema unitário de normas.
Para Tavares (op. cit.), o entendimento do Direito como unidade corresponde a um pressuposto inarredável da atividade interpretativa, visto que decorre da própria Constituição. Ou seja:
A unidade do Direito é o resultado da força da Constituição. Isto porque o intérprete é obrigado a partir sempre das normas constitucionais, adequando, sempre que necessário, as normas infraconstitucionais ao conteúdo específico da Constituição. Daí decorre, inclusive, a denominada interpretação conforme a Constituição, uma das mais relevantes orientações interpretativas. (TAVARES, op. cit. 78)
Imprescindível, retomar, nessa ocasião concepção do neoconstitucionalismo à luz da exposição de Góes (2007). Destarte, não cabe ao intérprete contemporâneo restringir o seu campo de atuação à norma-dado ("prius da interpretação constitucional), com o objetivo de realizar a Constituição. Nesse sentido, o intérprete necessita captar o verdadeiro sentido expresso pelo texto constitucional a partir da incidência dos elementos fáticos do caso concreto.
Destarte, a hermenêutica deve-se pautar pela concepção de que a Constituição ocupa o grau último da ordem jurídica, ressaltando-se a supremacia da Lei Magna perante a legislação infraconstitucional. Pode-se citar, nesse contexto, a interpretação conforme a Constituição como meio hábil a garantir a unicidade imprescindível ao ordenamento jurídico.
Conforme dispõem Canotilho (op. cit.), este método de interpretação ganha relevância autônoma quando a utilização dos vários elementos interpretativos não permite a obtenção de um sentido inequívoco dentre os vários significados da norma. À luz desse método, é possível estabelecer que, diante de uma norma infraconstitucional que conduza a mais de uma interpretação possível, o intérprete deverá, inequivocamente, escolher o sentido que seja condizente com o disposto na Constituição. Assim, deverá optar, portanto, pela interpretação que consagre, ao final, a constitucionalidade.
5.1 Interpretação do artigo 11,§6º da Lei 11.419/06 conforme à Constituição
Atinente à formação e desenvolvimento do processo eletrônico, pode-se afirmar que há fases e etapas, às quais devem ser asseguradas os princípios constitucionais e processuais garantidos ao modelo de processamento por meio de autos físicos (de papel).
Conforme dispõe Didier (op. cit.), a Constituição Federal estabelece a possibilidade de restrição à publicidade dos atos processuais, mas não permite a eliminação desta garantia (considerada, pelo autor, como direito fundamental à publicidade).
Nesse sentido, sendo a Lei nº. 11.419/06 uma norma infraconstitucional, sua interpretação deve obrigatoriamente estar em conformidade com os princípios fundamentais da Lei Suprema. Não poderá conduzir, pois, ao entendimento de supressão total da publicidade dos atos processuais praticados no modelo de processo eletrônico.
No que concerne ao artigo 11,§6º, seu teor demonstra, conforme exposto alhures, que "os documentos digitalizados juntados em processo eletrônico somente estarão disponíveis para acesso por meio da rede externa para as respectivas partes processuais e para o Ministério Público".
Depreende-se, pois, que a expressão "documentos digitalizados" não pode ser interpretada de maneira ampla (abarcando todo o conteúdo do processo eletrônico), porque conduz ao entendimento de cessação da publicidade do processo.
Destarte, a interpretação do artigo em comento que se compatibiliza com o preceito constitucional da publicidade dos atos processuais deve ser orientada pela compreensão restritiva do termo "documentos digitalizados". Assim, tal elemento deve ser interpretado de modo a abarcar tão-somente os documentos que traduzam informações pessoais que devem ser mantidas em segredo de justiça.
Diante desse posicionamento, far-se-ia necessário, à luz da exposição de Didier (op. cit), a ponderação a posteriori do conflito entre direito à informação e proteção à intimidade (distinto da análise a priori realizada pelo artigo 93, IX da Constituição Federal).
Sendo assim, caberia às partes pugnarem pela manutenção do seu direito à privacidade (limitando o acesso aos autos do processo no qual litigam), bem como aos magistrados analisarem o conflito (entre os direitos fundamentais) expostos no caso concreto (conferindo ou não a limitação do acesso aos documentos das partes).
Ademais, uma vez delimitados os documentos, juntados as processo eletrônico, não passível de consulta pela rede externa do sistema eletrônico, caberia aos profissionais da informática elaborarem algum instrumento que impedisse o acesso aos documentos respectivos.
Dessa forma, estar-se-ia garantindo a preservação do princípio da publicidade dos autos processuais (mesmo que em patamares mínimos, sem acarretar a sua eliminação), bem como a garantia do direito à intimidade das partes (mediante a vedação de acesso a alguns documentos).
5.2 Experiência dos Juizados Especiais Federais da 4ª Região
Nesse contexto, cumpre citar a experiência procedida no âmbito dos Juizados Especiais Federais da 4ª Região, nos quais, por meio da Resolução nº. 13 do Tribunal Regional Federal de 11 de março de 2004, é permitida a consulta pública dos autos via internet, independentemente de senha.
Depreende-se, pois, que em tais órgãos do Poder Judiciário não há a vedação de acesso aos autos em face da utilização da rede mundial de computadores. Tem-se, assim, a compreensão de que os autos digitais contribuem para a celeridade e economia do processo, justificando-se a permissibilidade de qualquer cidadão consultar os autos, mesmo não integrando a lide correspondente.
Há apenas a ressalta de não ser possível o acesso aos autos acobertados pela garantia do segredo de justiça, fator distinto, pois, da impossibilidade de consulta a todos os autos processados pelo processo eletrônico (sob o argumento de preservação da intimidade das partes garantido pelo segredo de justiça. Destarte, em tal modelo, permite-se a concretização do princípio constitucional da publicidade dos atos processuais, permitindo que qualquer cidadão possa acessar os processos que não estejam amparados pelo segredo de justiça.