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A objetivação do controle difuso de constitucionalidade

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25/05/2010 às 00:00
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3. Da causa petendi aberta

A par das alterações legislativas acima apontadas, houve outra evolução (ou melhor, o STF encontra-se em processo de evolução), desta vez de entendimento, no que toca aos requisitos de admissibilidade do Recurso Extraordinário, especificamente voltada ao prequestionamento.

No caso, o STF tem relativizado (ainda que de forma vacilante e com posicionamentos divergentes) a necessidade de a matéria já haver sido discutida pelas instâncias inferiores, de modo a permitir o seu conhecimento originariamente pela Corte, sob o argumento de que a discussão acerca da constitucionalidade ou não de determinada norma deve ser travada de forma ampla – causa petendi aberta.

Tal entendimento foi defendido pela Ministra Ellen Gracie, no julgamento do Agravo Regimental no Agravo de Instrumento nº 375.011/RS, 05 de outubro de 2004, no qual Sua Excelência se manifestou expressamente sobre a transformação do recurso extraordinário em remédio de controle abstrato de constitucionalidade, e sob esse fundamento dispensou o requisito do prequestionamento para prestigiar o posicionamento do STF em matéria de controle de constitucionalidade. Assim lavrou-se a ementa:

AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. SERVIDORES DO MUNICÍPIO DE PORTO ALEGRE. REAJUSTE DE VENCIMENTOS CONCEDIDO PELA LEI MUNICIPAL 7.428/94, ART. 7º, CUJA INCONSTITUCIONALIDADE FOI DECLARADA PELO PLENO DO STF NO RE 251.238. APLICAÇÃO DESTE PRECEDENTE AOS CASOS ANÁLOGOS SUBMETIDOS À TURMA OU AO PLENÁRIO (ART. 101 DO RISTF).

1.Decisão agravada que apontou a ausência de prequestionamento da matéria constitucional suscitada no recurso extraordinário, porquanto a Corte a quo tão-somente aplicou a orientação firmada pelo seu Órgão Especial na ação direta de inconstitucionalidade em que se impugnava o art. 7º da Lei 7.428/94 do Município de Porto Alegre – cujo acórdão não consta do traslado do presente agravo de instrumento –, sem fazer referência aos fundamentos utilizados para chegar à declaração de constitucionalidade da referida norma municipal.

2.Tal circunstância não constitui óbice ao conhecimento e provimento do recurso extraordinário, pois, para tanto, basta a simples declaração de constitucionalidade pelo Tribunal a quo da norma municipal em discussão, mesmo que desacompanhada do aresto que julgou o leading case.

3.O RE 251.238 foi provido para se julgar procedente ação direta de inconstitucionalidade da competência originária do Tribunal de Justiça estadual, processo que, como se sabe, tem caráter objetivo, abstrato e efeitos erga omnes. Esta decisão, por força do art. 101 do RISTF, deve ser imediatamente aplicada aos casos análogos submetidos à Turma ou ao Plenário. Nesse sentido, o RE 323.526, 1ª Turma, rel. Min. Sepúlveda Pertence.

4.Agravo regimental provido. (grifos nossos)

Do corpo do voto, destaque-se:

Com efeito, o Supremo Tribunal Federal, em recentes julgamentos, vem dando mostras de que o papel do recurso extraordinário na jurisdição constitucional está em processo de redefinição, de modo a conferir maior efetividade às decisões.

Recordo a discussão que se travou na Medida Cautelar no RE 376.852, de relatoria do Ministro Gilmar Mendes (Plenário, por maioria, DJ de 27.03.2003). Naquela ocasião, asseverou Sua Excelência o caráter objetivo que a evolução legislativa vem emprestando ao recurso extraordinário, como medida racionalizadora da efetiva prestação jurisdicional.

Registro também importante decisão tomada no RE 298.694, rel. Min. Pertence, por maioria, DJ 23/04/2004, quando o Plenário desta Casa, a par de alterar antiga orientação quanto ao juízo de admissibilidade e de mérito do apelo extremo interposto pela alínea "a" do permissivo constitucional, reconheceu a possibilidade de um recurso extraordinário ser julgado com base em fundamento diverso daquele em que se lastreou a Corte a quo.

Esses julgados, segundo entendo, constituem um primeiro passo para a flexibilização do prequestionamento nos processos cujo tema de fundo foi definido pela composição plenária desta Suprema Corte, com o fim de impedir a adoção de soluções diferentes em relação à decisão colegiada. É preciso valorizar a última palavra – em questões de direito – proferida por esta Casa. (grifos nossos)

Mais recentemente, acerca do tema, bastante elucidativo foi o pronunciamento do Ministro Gilmar Ferreira Mendes no julgamento do RE 582.760/RS, o qual se passa a reproduzir, na parte que interessa, in litteris:

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (PRESIDENTE) - Senhores Ministros, acompanho a integralidade do voto da eminente Ministra Relatora. Faço-o tendo em vista inclusive as novas premissas que tem assentado este Tribunal em matéria de recurso extraordinário.

Tal como já destaquei, o Tribunal não se tem, na verdade, atido a mais – e aí, diria eu, felizmente – àquela ortodoxia do recurso extraordinário apenas como matéria de caráter subjetivo, ou como elemento de defesa de caráter subjetivo. Pelo contrário, a partir de várias decisões, temos tido a manifestação do Tribunal no sentido de, especialmente quando se trata da inconstitucionalidade ou da constitucionalidade, se manifestar, a despeito daquela manifestação não aproveitar o caso concreto. Cito, então, vários precedentes. Claro, alguns não se referem a recursos extraordinários, mas todos dizem respeito ao controle incidental de normas.

(...)

Nesta mesma linha – e aqui nós adentramos no terreno do RE -, no RE 102.553, da relatoria do Ministro Francisco Rezek, RTJ 120.725, o Tribunal assumiu de novo a condição de titular da guarda da Constituição para examinar a constitucionalidade de outras normas, ainda que isso não interessasse ao recorrente. Tratava-se da apreciação de uma resolução do Senado que versava matéria de alíquota do ICMS.

No caso, a terminologia adotada, o Tribunal conheceu do recurso extraordinário do contribuinte, negou-lhe provimento, declarando, porém, a inconstitucionalidade da resolução questionada.

(...)

São inúmeros os casos em que o Tribunal tem se pronunciado no sentido de uma causa petendi aberta ao que leva a uma ruptura com a tendência de estrita subjetivação do recurso extraordinário.

Exatamente como Sua Excelência propõe.

A Corte tem admitido a possibilidade de conhecer do recurso extraordinário sem vincular-se à fundamentação do caso específico.

Cito vários precedentes, como já mencionado: RE 298.694, da relatoria do Ministro Sepúlveda Pertence; RE 172.058, da relatoria do Ministro Marco Aurélio; RREE 416.827 e 388.830, ambos da minha relatoria.

De modo que, com esses fundamentos, acompanho na integralidade o voto da eminente Ministra relatora. E muitos desses precedentes se desenvolveram antes do advento da Emenda 45, de 2004. Hoje, essa objetivação é uma decorrência, embora o caso específico tenha singularidades, por que não houve aqui o reconhecimento da repercussão geral – isto foi assinalado por todos -, mas hoje é evidente que a objetivação do recurso extraordinário é um imperativo deste modelo de repercussão geral.

Deste modo, pedindo, claro, vênias a toda a maioria já formada, eu gostaria de relembrar essa doutrina do Tribunal a propósito do tema. Manifesto-me, claro, com todos os encômios, e integralmente me associo à manifestação de Sua Excelência a Ministra relatora. (grifos nossos)

Clara, portanto, a tendência pela superação do requisito do prequestionamento como necessário ao conhecimento do Recurso Extraordinário, justamente pela razão desde o início deste estudo declinada, a objetivação do controle difuso ou concreto de constitucionalidade.


4. Conclusão

Diante da mutação legislativa (tanto constitucional quanto infraconstitucional) acima indicada, entendemos por consolidado em nosso Ordenamento Jurídico o caráter objetivo conferido ao controle difuso ou concreto de constitucionalidade.

Tal estrada foi aberta com alterações pontuais no Código de Processo Civil (Lei nº 9.756/98 e Lei nº 10.352/01) e pavimentada por meio da Emenda Constitucional nº 45/04, introdutora dos institutos da repercussão geral e da súmula vinculante.

A par disso, o recente posicionamento do STF vem flexibilizando o antes imprescindível prequestionamento para o Recurso Extraordinário, alicerçado no entendimento de que o controle de constitucionalidade deve ser feito com base no amplo conhecimento da matéria e não adstrito aos termos da discussão travada no processo intersubjetivo. Introduz-se, deste modo, a figura da causa petendi aberta ampliando ainda mais as pistas da estrada da objetivação do controle difuso ou concreto de constitucionalidade.

Acreditamos que o caminho traçado seguiu por um rumo necessário e inevitável. A redemocratização trazida à tona pela Constituição de 1988 tendia a uma asfixia do próprio sistema por ela criado, um processo paradoxal de autofagia que levaria o sistema de controle da constitucionalidade, próprio do Supremo Tribunal Federal, ao colapso, uma vez que já não mais era possível digerir, em tempo hábil e com a segurança que se espera, o elevado número de RREE que chegavam diuturnamente àquela Corte Suprema.

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Destarte, os fatos foram expostos (objetivação do controle difuso ou concreto de constitucionalidade), mas suas conseqüências ainda são incertas. Há implicações correlatas ao novel modelo que precisam ser amadurecidas em nosso Ordenamento Jurídico e assimiladas pela sociedade destinatária, tais como o pleno acesso ao Poder Judiciário (art. 5º, XXXV, da CF/88), os princípios do contraditório e ampla defesa (art. 5º, LV, da CF/88), mitigados com dita objetivação do RE, bem como a participação do amicus curiae como figura legitimadora desse novo paradigma. Todavia, tais questionamentos não cabem nestas páginas, devendo ser objeto de outro estudo e de outro artigo jurídico.


Notas

  1. MADOZ, Wagner Amorim. O recurso extraordinário interposto de decisão de Juizados Especiais Federais. Revista de Processo, São Paulo: RT, 2005, nº 119, p. 75-76.

  2. NEGRÃO, Theotônio, GOUVÊA, José Roberto F. Código de Processo Civil e Legislação Processual em Vigor. São Paulo: Saraiva, 2005, 37ª Ed.

  3. NERY JUNIOR, Nelson, NERY, Rosa Maria Andrade. Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, 8ª Ed. P. 902: "Quando o plenário do STF ou o plenário ou órgão especial do próprio tribunal, onde foi ou poderia ter sido suscitado o incidente, já tiverem se pronunciado sobre a constitucionalidade ou inconstitucionalidade da lei questionada, não há necessidade de o órgão fracionário (câmara, turma, câmaras reunidas, grupo de câmaras, seção etc.) remeter a questão ao julgamento do plenário ou órgão especial. Nesse caso, o órgão fracionário pode aplicar a decisão anterior do plenário do STF ou do próprio tribunal, que haja considerado constitucional ou inconstitucional a lei questionada. Trata-se de medida de economia processual."

  4. STF – Primeira Turma – RE 190.728/SC – Rel. Min. Ilmar Galvão, Diário da Justiça, Seção I, 30 de maio de 1997, decisão por maioria.

  5. STF – Segunda Turma – AgRgAI 168.149/RS – Rel. Min. Marco Aurélio, Diário da Justiça, Seção I, 04 de agosto de 1995, decisão unânime.

  6. MENDES, Gilmar Ferreira ET AL., op cit, p. 1087-1088.

  7. RE 228.844/SP, Rel. Maurício Corrêa, DJ de 16-6-1999; RE 221.795, Rel. Nelson Jobim, DJ de 16-11-2000; RE 364.160, Rel. Ellen Gracie, DJ de 7-2-2003; AI 423.252, Rel. Carlos Velloso, DJ de 15-4-2003; RE 345.048, Rel. Sepúlveda Pertence, DJ de 8-4-2003; RE 384.521, Rel. Celso de Mello, DJ de 30-5-2003. Referências extraídas de MENDES, Gilmar Ferreira ET AL., Op Cit, p.1088, nota 95.

  8. STF – Plenário – HC 82.959/SP – Rel. Min. Marco Aurélio, Diário da Justiça, Seção I, 01 de setembro de 2006. Acórdão: Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os ministros do Supremo Tribunal Federal, em sessão plenária, sob a presidência do ministro Nelson Jobim, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria, em deferir o pedido de habeas corpus e declarar, incidenter tantum, a inconstitucionalidade do § 1º do artigo 2º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, nos termos do voto do relator, vencidos os ministros Carlos Velloso, Joaquim Barbosa, Ellen Gracie, Celso de Mello e Nelson Jobim, Presidente. O Tribunal, por votação unânime, explicitou que a declaração incidental de inconstitucionalidade do preceito legal em questão não gerará conseqüências jurídicas com relação às penas já extintas nesta data, pois esta decisão plenária evolve, unicamente, o afastamento do óbice representado pela norma ora declarada inconstitucional, sem prejuízo da apreciação, caso a caso, pelo magistrado competente, dos demais requisitos pertinentes ao reconhecimento da possibilidade de progressão.

  9. Ambos os informativos foram extraídos do site do Supremo Tribunal Federal nos links: http://www.stf.jus.br//arquivo/informativo/documento/informativo454.htm

  10. http://www.stf.jus.br//arquivo/informativo/documento/informativo463.htm

  11. Fonte: Relatórios Anuais, Secretaria de Informática e Secretaria de Gestão Estratégica do Supremo Tribunal Federal, extraído de MENDES, Gilmar Ferreira ET AL., op cit, p. 956-957.

  12. Modernamente, é universal a compreensão de que tanto em Estados federais quanto em Estados unitários, de família romano-germânica ou anglo-saxã, é imprescindível a existência de um tribunal de cúpula, responsável pela manutenção da integridade do direito, mediante a uniformização da sua interpretação.

  13. Ocorre que desde o início do século passado se notam nos tribunais de cúpula dos diversos países as conseqüências da massificação das relações jurídicas, gerada, fundamentalmente, pela revolução industrial. Como é natural, o incremento do número de relações jurídicas acarreta diretamente o aumento do número de demandas levadas ao Poder Judiciário, o que, combinado com o movimento mundial pelo acesso à justiça, deflagrado na segunda metade do século XX, vem contribuindo sobremaneira para o assoberbamento dos tribunais em todos os quadrantes do globo.

    Diante desse fenômeno, as nações viram-se na contingência de adotar medidas que amenizassem os efeitos nocivos da sobrecarga de trabalho de suas cortes supremas. É difícil conceber, hoje em dia, algum país que não tenha adotado medidas para estabelecer filtros ao acesso de recursos a elas dirigidos. (DANTAS, Bruno. Repercussão Geral: Perspectiva Histórica, Dogmática e de Direito Comparado: Questões Processuais. Coleção Recursos no Processo Civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 89-90)

  14. Lúcio Bittendourt, O Controle Jurisdicional da Constitucionalidade das Leis, 2ª Ed., Rio de Janeiro, Forente, 1968, apud MEIRELLES, Hely Lopes, Mandado de Segurança, São Paulo: Malheiros, 2008, 31ª Ed., p.584.

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Sobre o autor
Filipo Bruno Silva Amorim

Procurador Federal, atualmente exercendo o cargo de Vice-Diretor da Escola da Advocacia-Geral da União. Bacharel em Direito pela UFRN. Especialista em Direito Constitucional pela UNISUL. Mestre em Direito pelo Centro Universitário de Brasília (UniCEUB).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AMORIM, Filipo Bruno Silva. A objetivação do controle difuso de constitucionalidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2519, 25 mai. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14812. Acesso em: 27 nov. 2024.

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