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Princípio da confiança e função jurisdicional.

Proteção constitucional contra divergências e mutações jurisprudenciais

22/05/2010 às 00:00

Resumo:


  • O princípio da confiança, embora não expresso, é deduzido do texto constitucional e está associado à segurança jurídica, sendo fundamental para a estabilidade das relações sociais e estatais.

  • A proteção da confiança é um dever geral de cooperação e respeito mútuo entre sujeitos em contato, e se reflete na jurisprudência e na necessidade de evitar divergências interpretativas do Direito pelos tribunais.

  • O princípio da confiança exige que o Poder Judiciário respeite as expectativas legítimas e a previsibilidade dos atos jurídicos, contribuindo para a segurança jurídica e a coerência do sistema legal.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Os debates correntes da Ciência Jurídica tangenciam o princípio da confiança e o colocam, muitas vezes, como uma "antiga novidade" que clama por uma clara e eficaz posição nos ordenamentos jurídicos em geral, e no brasileiro em particular.

1. Introdução.

Os debates correntes da Ciência Jurídica tangenciam o princípio da confiança e o colocam, muitas vezes, como uma "antiga novidade" que clama por uma clara e eficaz posição nos ordenamentos jurídicos em geral, e no brasileiro em particular.

Se, no ramo do Direito Privado, ou do Direito Civil, ele parece atingir um patamar lúcido e talvez incontroverso de regência e aplicação, a partir da compreensão do instituto da boa-fé objetiva, isso não pode ser dito da dogmática do Direito Público, apesar do notável esforço de renomados administrativistas, como Almiro do Couto e Silva [01] e Rafael Maffini [02], além de outros ilustres [03], em explanar seus lindes no âmbito do Direito Administrativo [04].

É perceptível, no âmbito da atuação do Poder Judiciário, no exercício empírico de sua função precípua, a falta de um adequado tratamento desse postulado, circunstância que revela a premência de uma dialética para o caso, mormente se temos diante o modelo de jurisdição constitucional erigido pela Constituição da República de 1988, e ulteriores reformas, calcado na eficácia normativa dos princípios constitucionais.

O propósito, pois, é lançar ideias sobre o significado do princípio da confiança frente à atuação-fim do Poder Judiciário brasileiro, capazes de colocá-lo como instrumento de tutela contra as divergências de teses que se avultam em seu interior, e de proteção a situações jurídicas em face das mutações de jurisprudência verificadas em seu espaço de ação.


2. Compreensão do princípio

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A proteção da confiança é postulado que, conquanto não expresso, se deduz do texto constitucional, de normas expressas nele ou de outros princípios dele decorrentes.

Desponta aqui o princípio da segurança jurídica, que, a despeito de também não estar expresso na Constituição, é tido como subprincípio do Estado de Direito [06], previsto no art. 1º da Carta Política de 1988. Atrela-se ao sentido da força das regras estabelecidas e da sua aptidão para reger situações que se verificam sob sua regência, ocasionando estabilidade nas relações sociais e estatais. Traduz-se na manutenção do status quo ante contra alterações no cenário normativo, conferindo certeza e previsibilidade nas relações que repercutem juridicamente. Está materializado nas regras do direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada (art. 5º, XXXVI) e da vedação à retroatividade das leis penais e tributárias (art. 5º, XL, e art. 150, III, Constituição da República).

Se a segurança jurídica é, assim, princípio constitucional, é certo inferir que a confiança também há de o ser, por compor o sentido subjetivo de seu âmbito de regulação, o da previsibilidade e calculabilidade dos atos e fatos jurídicos, segundo reluzem as lições de Gomes Canotilho:

"O homem necessita de segurança para conduzir, planificar e conformar autônoma e responsavelmente a sua vida. Por isso, desde cedo se consideravam os princípios da segurança jurídica e da proteção à confiança como elementos constitutivos do Estado de Direito. Estes dois princípios – segurança jurídica e proteção da confiança – andam estreitamente associados, a ponto de alguns autores considerarem o princípio da proteção da confiança como um subprincípio ou como uma dimensão específica da segurança jurídica. Em geral, considera-se que a segurança jurídica está conexionada como elementos objetivos da ordem pública – garantia de estabilidade jurídica, segurança de orientação e realização do direito – enquanto a proteção da confiança se prende mais com as componentes subjetivas da segurança, designadamente a calculabilidade e previsibilidade dos indivíduos em relação aos efeitos jurídicos dos actos." [07][08]

Além dos princípios do Estado de Direito e da segurança jurídica, tira-se também a confiança legítima da noção de solidariedade social, insculpida no art. 3º, I, da Constituição da República [09]. É entendida, deveras, como valor que, normatizado, estatui um dever geral de cooperação e respeito mútuo entre sujeitos que estejam em contato, em busca dos interesses próprios ou comuns. Se assim é, torna-se veraz que a surgência de um dever de não trair a crença e expectativa legitimamente depositada na conduta de alguém dimana, também, do princípio da solidariedade social, como se afigura luzente.

Esse cenário fundamental de nascença do princípio da confiança não reduz o papel de instrumentos constitucionais relevantíssimos, como a súmula vinculante e a repercussão geral, e outros arrolados mais adiante, que apontam, de modo particular, para sua eficácia na função jurisdicional do Estado, tema específico deste trabalho.


4. Eficácia negativa e eficácia positiva sobre a função jurisdicional

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Os meios institucionais de aplicabilidade do princípio da confiança no seio da atividade jurisdicional se apresentam abundantes. Desde institutos tradicionais, como as regras de conexão e prevenção de competência, até os mais atuais, como a repercussão geral e súmula vinculante, inserem-se no corpo de normas que afirmam - e confirmam - a regência da confiança legítima na atividade do Poder Judiciário brasileiro. Calha inventariar os institutos de maior relevo para a explicitação desse âmbito de regulação do princípio em testilha:

1.Incidente de deslocamento de competência: cuida-se de instituto que, a teor do art. 555, § 1º [19], do Código de Processo Civil - CPC, propicia ao relator do recurso no tribunal sugerir que ele seja julgado pelo órgão regimental competente, se o escopo for prevenir ou solucionar divergência dentro do tribunal. É quase explícita a vocação do instituto em tela: assegurar que a divergência surgida no mesmo órgão jurisdicional não arranhe a confiança dos jurisdicionados. Imagine-se que uma pessoa deseje adentrar com uma ação para ver protegido direito que entenda ter e logo se depare com uma controvérsia no tribunal, que vai julgar eventual recurso contra a sentença, sobre a tese jurídica a ser defendida. Necessário, então, a fim de resgatar a confiança do cidadão na postura do Estado-Tribunal, que essa divergência seja logo sanada pelo órgão interno competente.

2.Incidente de uniformização de entendimento: com fim semelhante ao deslocamento de competência, o incidente de uniformização, regulado pelos arts. 476 a 479 do CPC [20][21], é cabível [22] sempre que se verificar, em qualquer julgamento proferido pelo tribunal, divergência a respeito da interpretação do direito. Se a decisão do tribunal for tomada por maioria absoluta dos votos, será ela objeto de súmula. Se o for adotada por maioria simples, poderá valer como jurisprudência dominante do tribunal. Fixado o entendimento prevalente, sumulado ou não, surge o dever do tribunal de aplicá-lo para casos futuros que se apresentem em seu âmbito, pena de trair a confiança depositada na conduta então assumida. Se o tribunal houver por bem "evoluir" em sua compreensão no Direito, deverá respeitar os fatos e atos jurídicos praticados quando vigente o entendimento anterior, na esteira da eficácia negativa do princípio da confiança.

3.Ações coletivas: são ações que se prestam à proteção dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos. Particularizam-se por permitir que, mediante iniciativa de uma única pessoa ou órgão, sejam tutelados direitos de diversos sujeitos, determinados ou não. Com elas, é propiciado um julgamento uniforme para todos os titulares de direitos em relações jurídicas difusas e coletivas, evitando decisões discrepantes entre si, atentatórias à confiança dos jurisdicionados [23].

4.Recurso especial: desse relevante meio impugnativo se utiliza o Superior Tribunal de Justiça - STJ, nos termos do art. 105 da Constituição, para uniformizar a interpretação do direito federal, cumprindo com seu papel de guardião da lei federal neste país de dimensão continental. É certo, pois, que o exame da matéria em seu bojo se cinge à questão jurídica decidida, de modo a conferir interpretação mais adequada à norma federal, sem descer às questões fático-probatórias examinadas pelo tribunal inferior. Entendimentos já uniformizados, e que vierem a compor súmula de jurisprudência, configuram óbice à admissão do recurso de apelação, se vierem a ser aplicados pelo juiz na decisão recorrida, conforme o § 1º do art. 518 do CPC [24], na redação acrescentada pela Lei nº 11.276/2006. Com a edição da Lei nº 11.672/2008, a nuança uniformizadora do recurso atinge particular realce por estipular, na redação dada ao 543-C do CPC [25], o julgamento uniforme dos recursos especiais repetitivos, aqueles que veiculam a mesma matéria controvertida nos tribunais de segunda instância. Isso permite concluir que, se a proteção da confiança não se concebia só pelo regramento constitucional e infraconstitucional então vigente do instituto em causa, a reforma processual veio de restabelecer sua vocação nata: conferir segurança, previsibilidade e confiança aos jurisdicionados no que toca à interpretação da lei federal brasileira.

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5.Instrumentos do controle de constitucionalidade: a tutela da confiança em face do Poder Judiciário atinge seu ponto mais alto no controle de constitucionalidade das leis e atos normativos. A assertiva baseia-se na eficácia contra todos e no efeito vinculante das decisões do Supremo Tribunal Federal – STF proferidas nas ações do controle concentrado (ação direta de constitucionalidade, ação declaratória de constitucionalidade e arguição de descumprimento de preceito fundamental), e das súmulas editadas pelo tribunal na forma do artigo 103-A, da Constituição da República [26]. Deveras, sempre que houver controvérsia e discrepância sobre a constitucionalidade de leis ou outros atos do Poder Público, a questão pode ser levada, atendidos os requisitos previstos na lei para cada instrumento de controle concentrado [27], diretamente ao Supremo Tribunal Federal, para que resolva a contenda constitucional em decisão com observância obrigatória para os outros órgãos do Poder Judiciário e da Administração Pública. Também as reiteradas decisões do STF proferidas em recursos extraordinários, ou em ações originárias, num único sentido interpretativo do texto constitucional, devem propiciar, segundo o prisma da eficácia positiva da confiança, a edição de súmula vinculante, a que também devem observância os referidos órgãos públicos. Por certo, sob a ótica da eficácia negativa do princípio em discussão, o próprio STF não poderá mais, por via de regra, afastar-se do entendimento adotado e, em caso de mutação jurisprudencial, deverá respeitar as situações jurídicas constituídas sob a égide do entendimento anterior, pela perspectiva negativa do princípio da confiança. Cabe registro a regra da repercussão geral, a exigir que a tese posta no recurso extraordinário, a fim de que seja admitido, repercuta, do ponto de vista jurídico, social, político ou econômico, para além dos interesses subjetivos da causa, conforme o art. 543-A, do CPC [28]. Isso enseja um tratamento único da matéria objeto da controvérsia constitucional. A repercussão geral envolve também disciplina semelhante à do recurso especial repetitivo, segundo o art. 543-B [29], do mesmo Codex.

6. Embargos de divergência: é o recurso admissível somente perante o Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça, e se presta a superar divergência interna dentro dessas cortes de superposição, no que respeita à interpretação de norma constitucional e de lei federal, respectivamente. É meio de impugnação de valioso alcance para a supressão de divergência nas cortes que têm como missão constitucional unificar entendimentos. No entanto, não vem sendo suficientemente utilizado para esse mister, dada a expressiva ocorrência de julgamentos discordes em órgãos internos do STF e STJ.


6. Limites

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As ideias veiculadas nessas linhas arrefecem a concepção vetusta que restringe a proteção da confiança dos jurisdicionados apenas à garantia da imutabilidade da coisa julgada, segundo a regra exposta no inciso XXXVI, do art. 5º da Constituição Brasileira, alhures transcrito.

A vocação do postulado, como ressai das arguições expendidas, extrapola esse âmbito e vai tutelar legítimas expectativas frente a posições interpretativas do Direito assumidas pelos órgãos jurisdicionais, além de estatuir um dever geral de supressão das divergências originadas na atividade hermenêutica dos tribunais.

Os argumentos postos estão sustentados, em ligeira síntese, na extração ou dedução do valor confiança de regras e princípios expressos no texto da Constituição, estes com a força normativa que lhes é inerente no Estado Constitucional de Direito, e em novéis institutos exsurgidos na reforma processual e constitucional, recente ou não, que prestigiam a confiança dos jurisdicionados ao estipularem mandados de uniformização da atividade interpretativa das leis e da Constituição.

Com o extraordinário poder e relevo da jurisdição constitucional no cenário político e jurídico deste país, capaz até de suprir omissões legislativas e editar normas gerais e abstratas ou regedoras de situações concretas, mostra-se premente encetar uma grande discussão sobre as balizas oferecidas pelo princípio da confiança à atividade jurisdicional na sua força criativa do Direito.

Possam, então, as linhas aqui produzidas integrar um diminuto espaço desse longo, imenso e impostergável debate.


8. Bibliografia

  1. SILVA, Almiro do Couto e. O princípio da segurança jurídica (proteção à confiança) no Direito Brasileiro e o direito da Administração Pública de anular seus próprios atos administrativos: o prazo decadencial do art. 54 da Lei do Processo Administrativo da União (Lei nº 9.784/99). Revista Eletrônica de Direito do Estado. Número 2 – abril/maio/junho de 2005 – Salvador - Bahia – Brasil
  2. MAFFINI, Rafael. O princípio da Proteção Substancial da Confiança no Direito Administrativo. Porto Alegre: Editora Verbo Jurídico, 2006.
  3. Ver, entre outros: NOBRE JÚNIOR, Edilson Pereira. O Princípio da Boa-Fé e sua Aplicação no Direito Administrativo Brasileiro. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2002.
  4. A afirmativa se restringe especificamente ao princípio da confiança, como está claro, porque, no que toca à noção de segurança jurídica, é bastante desenvolvida a doutrina ao seu respeito, notadamente quanto à concepção técnico-jurídico do direito adquirido.
  5. MARTINS-COSTA, Judith. A proteção da legítima confiança nas relações obrigacionais entre a Administração e os particulares. Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Vol. 22. Porto Alegre: UFRGS, set., 2002, p. 236.
  6. Segundo Rafael Maffini, do princípio ou sobreprincípio do Estado de Direito defluem vários outros, os quais, em conjunto, numa circularidade virtuosa, formam a significação jurídica do Estado de Direito. Para ele, podem-se resumir tais subprincípios, segundo a orientação do STF, através de cinco principais formas de manifestação, entre elas a juridicidade e a segurança jurídica. (ob. cit. p. 221)
  7. CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 2000, p. 256.
  8. No mesmo sentido, a valiosa lição de Almiro do Couto e Silva: "A segurança jurídica é entendida como sendo um conceito ou um princípio jurídico que se ramifica em duas partes, uma de natureza objetiva e outra de natureza subjetiva. A primeira, de natureza objetiva, é aquela que envolve a questão dos limites à retroatividade dos atos do Estado até mesmo quando estes se qualifiquem como atos legislativos. Diz respeito, portanto, à proteção ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada. Diferentemente do que acontece em outros países cujos ordenamentos jurídicos freqüentemente têm servido de inspiração ao direito brasileiro, tal proteção está há muito incorporada à nossa tradição constitucional e dela expressamente cogita a Constituição de 1988, no art. 5º., inciso XXXVI. A outra, de natureza subjetiva, concerne à proteção à confiança das pessoas no pertinente aos atos, procedimentos e condutas do Estado, nos mais diferentes aspectos de sua atuação". Ob. cit.
  9. "Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;"
  10. Por certo, a eficácia do princípio pode ir bem mais além da proteção contra divergências e mutações jurisprudenciais, de que se fala, tal como acontece com a "teoria do fato consumado", capaz de fazer valer decisão liminar do Poder Judiciário que guarde eficácia por enorme tempo, fazendo exsurgir uma crença legítima sobre sua validade jurídica, diante de sua permanência e presunção de adequação às normas legais.
  11. Potencializa a proteção da confiança o próprio princípio da publicidade dos atos judiciais, que assegura o acesso dos jurisdicionados a notícias dos entendimentos dos tribunais, gerando daí o dever de coerência com as teses assumidas, mesmo que não sejam dirigidas para o sujeito específico que venha a invocar o princípio da confiança para manutenção da tese publicada anteriormente.
  12. A proposta de uma eficácia positiva do princípio se inspira nas ideias de Judith Martins-Costa, constantes do texto "Re-significação do princípio da segurança jurídica na relação entre o Estado e o Cidadão" publicado na R. CEJ, Brasília, n. 27, p. 110-120, out./dez. 2004, e de Rafael Maffini, integrantes do livro já citado.
  13. Segundo José Adércio Leite Sampaio, as sentenças transitivas de aviso prenunciam uma mudança de orientação jurisprudencial, deixando de ser aplicadas ao caso ou ação no curso do qual são proferidas. De acordo com o constitucionalista, nos Estados Unidos, a adoção de efeitos prospectivos está, em regra, associada à mudança de orientação jurisprudencial (prospective overulling). Afirma que esse poder de a Suprema Corte limitar a retroatividade dos comandos de suas decisões decorre da política judiciária adotada, imposta pela segurança jurídica, sendo relativamente freqüente o seu emprego em decisões que traduzam alteração do entendimento de questões processuais penais. In SAMPAIO, Adércio Leite Sampaio; CRUZ, Álvaro Ricardo de Souza (coord). Hermenêutica e jurisdição constitucional. Belo Horizonte: Del Rey, 2001. p. 159-194.
  14. "Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (....) XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;"
  15. À jurisdição constitucional é conferida a incumbência de editar e criar regras para o caso concreto justamente pela força normativa dos princípios constitucionais no cenário pós-positivista que impera. Segundo Canotilho, os princípios hauridos na Constituição têm natureza normogenética porque são fundamentos de regras, isto é, são normas que estão na base ou constituem razão de regras jurídicas, desempenhando, por isso, uma função normogenética fundamentante. (citado em MENDES, Gilmar; COELHO, Inocêncio; BRANCO, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 32.
  16. "Art. 5º (....) XL - a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu;"
  17. "Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...) III - cobrar tributos: a) em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado;"   
  18. Note-se que, em relação ao administrador público na esfera federal, integrante em regra do Poder Executivo, já se vê a proteção contra novas interpretações normativas estampada no art. 2º, inciso XIII, da Lei nº 9.784/99, que veda sua aplicação retroativa. Se há, então, proteção segura contra o Legislador e o Administrador, por que então o terceiro Poder, o Judiciário, ficaria imune ao princípio da confiança legítima?
  19. "Art. 555 (...) § 1o Ocorrendo relevante questão de direito, que faça conveniente prevenir ou compor divergência entre câmaras ou turmas do tribunal, poderá o relator propor seja o recurso julgado pelo órgão colegiado que o regimento indicar; reconhecendo o interesse público na assunção de competência, esse órgão colegiado julgará o recurso."
  20. "Art. 476.  Compete a qualquer juiz, ao dar o voto na turma, câmara, ou grupo de câmaras, solicitar o pronunciamento prévio do tribunal acerca da interpretação do direito quando:   I - verificar que, a seu respeito, ocorre divergência; II - no julgamento recorrido a interpretação for diversa da que Ihe haja dado outra turma, câmara, grupo de câmaras ou câmaras cíveis reunidas.   Parágrafo único.  A parte poderá, ao arrazoar o recurso ou em petição avulsa, requerer, fundamentadamente, que o julgamento obedeça ao disposto neste artigo. Art. 477.  Reconhecida a divergência, será lavrado o acórdão, indo os autos ao presidente do tribunal para designar a sessão de julgamento. A secretaria distribuirá a todos os juízes cópia do acórdão. Art. 478.  O tribunal, reconhecendo a divergência, dará a interpretação a ser observada, cabendo a cada juiz emitir o seu voto em exposição fundamentada. Parágrafo único.  Em qualquer caso, será ouvido o chefe do Ministério Público que funciona perante o tribunal. Art. 479.  O julgamento, tomado pelo voto da maioria absoluta dos membros que integram o tribunal, será objeto de súmula e constituirá precedente na uniformização da jurisprudência. Parágrafo único.  Os regimentos internos disporão sobre a publicação no órgão oficial das súmulas de jurisprudência predominante."
  21. A Lei dos Juizados Especiais Federais (Lei nº 10.259/2001) traz disposição similar em seu artigo 14.
  22. Já foi salientado que a uniformização de jurisprudência é dever e não faculdade do órgão jurisdicional, em função do aspecto positivo da eficácia do princípio da confiança.
  23. Convém citar os seguintes trechos de Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr., em que levantam como motivação política para as ações coletivas " a redução dos custos materiais e econômicos na prestação jurisdicional; a uniformização dos julgamentos, com a conseqüente harmonização social, a evitação de decisões contraditórias e aumento de credibilidade dos órgãos jurisdicionais e do próprio Poder Judiciário como instituição republicana. Outra conseqüência benéfica para as relações sociais é a maior previsibilidade e segurança jurídica decorrente do atingimento das pretensões constitucionais de uma Justiça mais célere e efetiva (EC 45/04)" (DIDIER JR, Fredie; ZANETI JR, Hermes. Processo Coletivo. 4ª edição. Salvador: Editora Juspodivm, 2009, p. 34).
  24.  "Art. 518. (...) § 1º O juiz não receberá o recurso de apelação quando a sentença estiver em conformidade com súmula do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal."
  25. "Art. 543-C. Quando houver multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica questão de direito, o recurso especial será processado nos termos deste artigo. § 1º  Caberá ao presidente do tribunal de origem admitir um ou mais recursos representativos da controvérsia, os quais serão encaminhados ao Superior Tribunal de Justiça, ficando suspensos os demais recursos especiais até o pronunciamento definitivo do Superior Tribunal de Justiça.  § 2º  Não adotada a providência descrita no § 1º deste artigo, o relator no Superior Tribunal de Justiça, ao identificar que sobre a controvérsia já existe jurisprudência dominante ou que a matéria já está afeta ao colegiado, poderá determinar a suspensão, nos tribunais de segunda instância, dos recursos nos quais a controvérsia esteja estabelecida. § 3º  O relator poderá solicitar informações, a serem prestadas no prazo de quinze dias, aos tribunais federais ou estaduais a respeito da controvérsia. § 4º  O relator, conforme dispuser o regimento interno do Superior Tribunal de Justiça e considerando a relevância da matéria, poderá admitir manifestação de pessoas, órgãos ou entidades com interesse na controvérsia. § 5º  Recebidas as informações e, se for o caso, após cumprido o disposto no § 4º deste artigo, terá vista o Ministério Público pelo prazo de quinze dias. § 6º  Transcorrido o prazo para o Ministério Público e remetida cópia do relatório aos demais Ministros, o processo será incluído em pauta na seção ou na Corte Especial, devendo ser julgado com preferência sobre os demais feitos, ressalvados os que envolvam réu preso e os pedidos de habeas corpus. § 7º  Publicado o acórdão do Superior Tribunal de Justiça, os recursos especiais sobrestados na origem: I - terão seguimento denegado na hipótese de o acórdão recorrido coincidir com a orientação do Superior Tribunal de Justiça; ou II - serão novamente examinados pelo tribunal de origem na hipótese de o acórdão recorrido divergir da orientação do Superior Tribunal de Justiça. § 8º  Na hipótese prevista no inciso II do § 7º deste artigo, mantida a decisão divergente pelo tribunal de origem, far-se-á o exame de admissibilidade do recurso especial. 9º O Superior Tribunal de Justiça e os tribunais de segunda instância regulamentarão, no âmbito de suas competências, os procedimentos relativos ao processamento e julgamento do recurso especial nos casos previstos neste artigo."
  26. "Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei. § 1º A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica. § 2º Sem prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei, a aprovação, revisão ou cancelamento de súmula poderá ser provocada por aqueles que podem propor a ação direta de inconstitucionalidade. § 3º Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso."
  27. No caso das ações diretas de inconstitucionalidade e das declaratórias de constitucionalidade, os requisitos estão previstos na Lei nº 9.868/1999. Na hipótese de arguição de descumprimento de preceito fundamental, são os elencados na Lei nº 9.882/1999. Interessante anotar que a ação declaratória de constitucionalidade e a arguição de descumprimento de preceito fundamental exigem, para seu conhecimento, um estado de incerteza quanto à constitucionalidade de determinada lei ou ato do Poder Público.
  28. "Art. 543-A. O Supremo Tribunal Federal, em decisão irrecorrível, não conhecerá do recurso extraordinário, quando a questão constitucional nele versada não oferecer repercussão geral, nos termos deste artigo. § 1o  Para efeito da repercussão geral, será considerada a existência, ou não, de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa. § 2o  O recorrente deverá demonstrar, em preliminar do recurso, para apreciação exclusiva do Supremo Tribunal Federal, a existência da repercussão geral. § 3o  Haverá repercussão geral sempre que o recurso impugnar decisão contrária a súmula ou jurisprudência dominante do Tribunal. § 4o  Se a Turma decidir pela existência da repercussão geral por, no mínimo, 4 (quatro) votos, ficará dispensada a remessa do recurso ao Plenário. § 5o  Negada a existência da repercussão geral, a decisão valerá para todos os recursos sobre matéria idêntica, que serão indeferidos liminarmente, salvo revisão da tese, tudo nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. § 6o  O Relator poderá admitir, na análise da repercussão geral, a manifestação de terceiros, subscrita por procurador habilitado, nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. § 7o  A Súmula da decisão sobre a repercussão geral constará de ata, que será publicada no Diário Oficial e valerá como acórdão."       
  29. "Art. 543-B.  Quando houver multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica controvérsia, a análise da repercussão geral será processada nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, observado o disposto neste artigo. § 1o Caberá ao Tribunal de origem selecionar um ou mais recursos representativos da controvérsia e encaminhá-los ao Supremo Tribunal Federal, sobrestando os demais até o pronunciamento definitivo da Corte.  § 2o Negada a existência de repercussão geral, os recursos sobrestados considerar-se-ão automaticamente não admitidos. § 3o  Julgado o mérito  do recurso extraordinário, os recursos sobrestados serão apreciados pelos Tribunais, Turmas de Uniformização ou Turmas Recursais, que poderão declará-los prejudicados ou retratar-se. § 4o  Mantida a decisão e admitido o recurso, poderá o Supremo Tribunal Federal, nos termos do Regimento Interno, cassar ou reformar, liminarmente, o acórdão contrário à orientação firmada. § 5o  O Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal disporá sobre as atribuições dos Ministros, das Turmas e de outros órgãos, na análise da repercussão geral.
  30. "Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (....) III - a dignidade da pessoa humana;"        
  31. De acordo com José Adércio Leite Sampaio, a superação ou a não aplicação de um precedente opera-se pela técnica do distinguish, que resume a distinguir a situação nova daquela regulada pelo precedente, e do overruling, que, mais exatamente, importa o abandono da regra do precedente (SAMPAIO, José Adércio Leite. A Constituição Reinventada pela Jurisdição Constitucional. Belo Horizonte, Ed. Del Rey. 2002. P. 871). Ressalte-se que a técnica do overruling deve ser conciliada com a eficácia negativa do princípio em tela, segundo afirmado neste estudo.
  32. Esboça posição contrária a essa tese Anderson Schreiber, para quem "não se poderia invocar uma confiança legítima na uniformidade de decisões quando o direito positivo garante a liberdade de convencimento do juiz e, conseqüentemente, a eventual divergência entre decisões judiciais" (In A proibição de comportamento contraditório. Tutela da Confiança e venire contra factum proprium. Renovar: Rio de Janeiro, 2007. P. 284).
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Sobre o autor
José Ricardo Teixeira Alves

Promotor de Justiça do Estado de Goiás, titular da 8ª Promotoria de Justiça de Luziânia-GO, com atribuições na tutela do meio ambiente e da ordem urbanística. Pós-graduado pela Universidade Cândido Mendes-RJ e pela Fundação Escola Superior do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVES, José Ricardo Teixeira. Princípio da confiança e função jurisdicional.: Proteção constitucional contra divergências e mutações jurisprudenciais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2516, 22 mai. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14903. Acesso em: 23 dez. 2024.

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