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A revisão criminal e as decisões do júri

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25/05/2010 às 00:00
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4.A revisão das decisões do Júri

Como visto, o julgamento de determinados crimes previstos na Constituição serão realizados pelo Júri. No entanto, diante das hipóteses previstas na lei processual para revisão, suscita-se duas ordens de questionamentos:

a) acerca da possibilidade de rescisão dos julgados oriundos do Júri, mediante a ação de revisão criminal prevista no CPP;

b) e, se positiva a resposta ao primeiro questionamento, indagar-se-ia sobre a quem caberia emitir o novo julgamento sobre a causa penal? Haveria devolução do processo para um novo julgamento popular ou o próprio Tribunal revisor faria o juízo rescisório?

Por partes.

O maior argumento contra a revisão está na soberania dos veredictos, preceito que, como foi visto, é garantido constitucionalmente.

É dominante o entendimento quanto a possibilidade de revisão das decisões do Júri, onde o réu condenado definitivamente pode ser até absolvido pelo Tribunal competente, como entendem os processualistas Frederico Marques, Tourinho Filho, Grinover, Gomes Filho, Fernandes, Mirabete, Greco Filho, Rangel, Capez, Ceroni, Távora e Alencar [45], entre outros.

Mas, qual é o fundamento deste entendimento?

Os fundamentos são variados. Disto, cabe investigar a correção das premissas da doutrina processual penalista, bem como, da jurisprudência. Há uma necessidade de se interpretar o preceito constitucional que garante a soberania dos veredictos.

Tem se entendido que a soberania dos veredictos é apenas inflexível quando se garanta a liberdade do réu. Assim, pela manutenção do jus libertatis, Frederico Marques é decisivo:

A soberania dos veredictos não pode ser atingida, enquanto preceito para garantir a liberdade do réu. Mas, se ela é desrespeitada em nome dessa mesma liberdade, atentado algum se comete contra o texto constitucional. Os veredictos do Júri são soberanos enquanto garantirem o jus libertatis. Absurdo seria, por isso, manter essa soberania e intangibilidade quando se demonstra que o Júri condenou erradamente. [46]

Esta noção de garantia individual, também é a lição esposada por Júlio Fabbrini Mirabete:

Não se pode pôr em dúvida que é admissível a revisão de sentença condenatória irrecorrível proferida pelo Tribunal do Júri. A alegação de que o deferimento do pedido revisional feriria a "soberania dos vereditos", consagrada na Constituição Federal, não se sustenta. A expressão é técnico-jurídica e a soberania dos vereditos é instituída como uma das garantias individuais, em benefício do réu, não podendo ser atingida enquanto preceito para garantir a sua liberdade. Não pode, dessa forma, ser invocada contra ele. Assim, se o tribunal popular falha contra o acusado, nada impede que este possa recorrer ao pedido revisional, também instituído em seu favor, para suprir as deficiências daquele julgamento. Aliás, também vale recordar que a Carta Magna consagra o princípio constitucional da amplitude de defesa, com os recursos a ela inerentes (art. 5°, LV), e que entre estes está a revisão criminal, o que vem em amparo dessa pretensão. Cumpre observar que, havendo anulação do processo, o acusado deverá ser submetido a novo julgamento pelo Tribunal do Júri. [47]

Há também quem mencione a preponderância de um princípio/valor em face da soberania. Citam-se dois autores.

Vicente Greco Filho, para quem "[s]ão revisíveis, também, sentenças proferidas pelo Tribunal do Júri, porque o direito de liberdade e a necessidade de correção de erro judiciário prevalecem sobre a soberania. Entre dois princípios constitucionais, prevalece o de maior valor, no caso a liberdade." [48] E, Alexandre de Moraes, que entende que prevalece o princípio da inocência em relação à soberania dos veredictos, conforme segue:

Soberania dos veredictos e possibilidade de apelação

A possibilidade de recurso de apelação, prevista no Código de Processo Penal, quando a decisão dos jurados for manifestamente contrária à prova dos autos não afeta a soberania dos veredictos, uma vez que a nova decisão também será dada pelo Tribunal do Júri.

Assim, entende o Supremo Tribunal Federal, que declarou que a garantia constitucional da soberania do veredicto do júri não exclui a recorribilidade de suas decisões. Assegura-se tal soberania com o retorno dos autos ao Tribunal do Júri para novo julgamento.

O mesmo entendimento prevalece em relação à possibilidade de protesto por novo júri.

Em relação à revisão criminal, entende-se que, pelo já citado princípio da proporcionalidade, deve prevalecer o princípio da inocência em relação à soberania dos veredictos, sendo, pois, plenamente possível seu ajuizamento para rescindir uma condenação imposta pelo Conselho de Sentença, pelo próprio Judiciário. [49]

Veja-se como a questão tem sido enfrentada pelo STF. Este vem entendendo, com sólida tranqüilidade, que o princípio da soberania dos veredictos possui um valor relativo, não absoluto como pode parecer numa primeira vista. Desta maneira, é possível, em sede de revisão criminal a desconstituição da decisão oriunda do Júri.

Note-se, em fruto de pesquisa, que em 1953, sob a égide da Constituição de 1946, o STF já sustentava que os veredictos promanados do Júri têm caráter relativo. Em voto da lavra do Ministro Edgard Costa, em sede de Recurso Extraordinário, adiante-se, julgado improcedente, em que se reconheceu a possibilidade do Tribunal de Justiça Estadual, em Revisão Criminal, conhecer do pedido e desclassificar o delito, com redução de pena.

No referido acórdão, há referência ao habeas corpus nº 30.011, da relatoria do Ministro Ribeiro da Costa, de 03 de dezembro de 1947, em que se concluiu pela competência do Tribunal de Justiça para conhecer do pedido de revisão. Restou estampado este entendimento, com a seguinte fundamentação:

[...] A revisão criminal é, porém, remédio extraordinário, compreendido necessariamente como um dos recursos essenciais a defesa, garantida por outro preceito constitucional - o do § 25 do mesmo art. 141.

A soberania dos veredictos não foi inserida no preceito constitucional relativo ao júri com a intenção de suprimir esse recurso extraordinário, estabelecido em benefício do condenado: a intenção do Constituinte foi impedir pela via ordinária da apelação a reforma das decisões do júri por contrárias às provas, então permitida pelo Decreto-lei n. 167, restabelecendo irrevogavelmente o regime anterior. E nesse regime sempre foi admitida a revisão criminal dos processos originários do júri, ainda quando sob o fundamento de ser a sua decisão contrária às provas dos autos. [50]

A redação já deixa claro que há, em nível constitucional, duas garantias, que em vez de se excluírem, complementam-se: a revisão criminal e a soberania dos veredictos. O Ministro Octavio Gallotti, laborando sobre a garantia constitucional do Júri, assentou que: "A Constituição de 1988 nada mais fez (como aliás reconhece o Impetrante) do que revigorar a redação da Carta de 1946, à luz da qual este Tribunal sempre teve como legítima a previsão legal da apelação, nos casos de nulidade ou decisão do Júri, manifestamente contrária à prova dos autos (art. 593, III, do Código de Processo Penal)." [51]

Este entendimento tem sido repetido, como se pode colher nas reiteradas decisões do Ministro Celso de Mello:

A mera possibilidade jurídico-processual de o Tribunal de Justiça invalidar a manifestação decisória do Conselho de Sentença, quando esta se puser em situação de evidente antagonismo com a prova existente nos autos, não ofende a cláusula constitucional que assegura a soberania do veredicto do Júri, ei que, em tal hipótese, a cassação do ato decisório, determinada pelo órgão judiciário "ad quem", não importará em resolução do litígio penal, cuja apreciação remanescerá na esfera do próprio Tribunal do Júri. [52]

Nesta assertiva, o Ministro Celso de Mello deixa límpido quanto ao "valor relativo da soberania do veredicto emanado pelo Conselho de Sentença, cujos pronunciamentos não se revestem, por isso mesmo, de intangibilidade jurídico-processual.". No mesmo sentir, o Ministro Carlos Madeira, citando doutrina pátria, assinalou:

Sampaio Doria considerava mal empregado o termo soberania: "Foi a idéia de supremacia que prevaleceu na redação do texto ‘A lei que organizar a instituição do júri não pode negar a supremacia de suas decisões.’" E adiante: "Em defesa do réu ou da sociedade, pode haver recursos contra veredictos. Mas, apenas para fazer cumprir a lei que tenha sido deturpada. Mas, recursos para se tornar a se pronunciar, dentro da lei, em novo julgamento dos jurados. O novo júri dirá sobre os fatos a palavra derradeira". (Comentários a Constituição de 1946, vol. IV. p. 674) [53]

Recentemente, a Ministra Ellen Gracie ratificou o entendimento mantido pelo STF:

[...] A questão central, neste recurso ordinário, diz respeito à possível violação à garantia da soberania dos veredictos do tribunal do júri no julgamento do recurso de apelação da acusação, nos termos do art. 593, III, b, do Código de Processo Penal. 2. A soberania dos veredictos do tribunal do júri não é absoluta, submetendo-se ao controle do juízo ad quem, tal como disciplina o art. 593, III, d, do Código de Processo Penal. [...] 4. Esta Corte tem considerado não haver afronta à norma constitucional que assegura a soberania dos veredictos do tribunal do júri no julgamento pelo tribunal ad quem que anula a decisão do júri sob o fundamento de que ela se deu de modo contrário à prova dos autos (HC 73.721/RJ, rel. Min. Carlos Velloso, DJ 14.11.96; HC 74.562/SP, rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 06.12.96; HC 82.050/MS, rel. Min. Maurício Correa, DJ 21.03.03). 5. O sistema recursal relativo às decisões tomadas pelo tribunal do júri é perfeitamente compatível com a norma constitucional que assegura a soberania dos veredictos (HC 66.954/SP, rel. Min. Moreira Alves, DJ 05.05.89; HC 68.658/SP, rel. Min. Celso de Mello, RTJ 139:891, entre outros). [...] [54]

Os princípios de interpretação constitucional (ou postulados normativos), como o princípio da unidade da Constituição [55] e o da concordância prática [56], devem ser invocados no presente caso. Como já visto, a coisa julgada penal pode ser desconstituída por meio da revisão criminal, já, a coisa julgada que imuniza a decisão emanada do Conselho de Sentença, que, em tese, teria este plus, ou seja, seria garantida pelo princípio constitucional que assegura a soberania dos veredictos, devendo ser entendido pela mesma ótica, onde as normas constitucionais possuem mesma hierarquia, devendo, portanto, serem interpretadas como a compor uma unidade, pois a Constituição não se contradiz. Portanto, a previsão da ação de de revisão criminal e a garantia da soberania dos veredictos devem ser interpretadas como complementares uma a outra.

Desta maneira, está, posta, a questão da relatividade [57] deste princípio da soberania dos veredictos, pois analisada sob a perspectiva de uma interpretação constitucional. Disto, é possível se afirmar: "Mas a soberania dos veredictos não é um princípio absoluto, haja vista a recorribilidade das decisões do júri." [58], como comenta Uadi Lammêgo Bulos.

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Como visto, há amparo para que se opere o juízo rescindente (ius rescindens) em julgados oriundos do Júri, em que o Tribunal determina a cassação ou desconstituição do ato impugnado (se procedente o pedido). Mas, a questão que se tratará agora por diante se refere a competência para o juízo rescisório (ius rescissorium), isto é, naquele em que se opera, se necessário, o novo julgamento da matéria [59].

Ocorre que no recurso de apelação das decisões do Júri, afora a sentença que tenha incorrido em contrariedade à lei expressa ou à decisão dos jurados ou em erro ou injustiça à aplicação da pena ou da medida de segurança [60], onde o Tribunal tem poderes para reformar a sentença [61], será permitido ao Tribunal um juízo de cassação, determinado que o réu seja submetido a um novo julgamento pelo Júri [62].

Desta maneira, nos casos de contrariedade à prova dos autos e nulidades posteriores à pronúncia, não poderá ocorrer a substituição, isto é, que o recurso adentre o mérito da causa, este que caberá ao Júri. Mas, seria adotada a mesma prática na revisão criminal: em que as questões fáticas estariam asseguradas ao Júri e ao Tribunal revisor apenas as questões jurídicas?

Veja-se, que não se pode equiparar a apelação com a revisão criminal [63]. Há um regime previsto na lei processual diferenciado, em que o âmbito da decisão, na revisão, permite ao Tribunal adentrar as questões fáticas [64]. Grinover-Gomes Filho e Fernandes ressaltam:

Há quem afirme que ao tribunal competiria o juízo rescindente, com cassação da sentença e submissão do acusado a novo Júri para proferir outro veredicto (Jorge Romeiro). Mas prevalece a corrente oposta: o tribunal de segundo grau é também competente para o juízo rescisório. O art. 626, CPP não distingue, nem foi reformulado quando do advento da Lei n. 263/48 que, regulamentando a instituição do Júri, alterou diversos capítulos do CPP, adaptando-os à Constituição de 1946. [65]

No entanto, há quem defenda um ponto de vista contrário. Guilherme de Souza Nucci, citado por Carlos Roberto Barros Ceroni, advoga pela soberania concedida pela Constituição aos veredictos, e, por conseqüência, o Tribunal não poderá adentrar o mérito da decisão dos jurados [66].

Com idêntico lastro, o Ministro do STJ, Jorge Scartezzini, expôs o seguinte entendimento:

PROCESSO PENAL – REVISÃO CRIMINAL – TENTATIVA DE HOMICÍDIO – TRIBUNAL DO JÚRI – DECISÃO MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS – MÉRITO DA ACUSAÇÃO – RÉU QUE DEVE SER SUBMETIDO A NOVO JÚRI – MANUTENÇÃO DE SUA CONSTRIÇÃO CAUTELAR.

- Como se sabe, as decisões proferidas pelo Tribunal do Júri não podem ser alteradas, relativamente ao mérito, pela instância ad quem, podendo, tão-somente, dentro das hipóteses previstas no art. 593, do Código de Processo Penal, ser cassadas para que novo julgamento seja efetuado pelo Conselho de Sentença, sob pena de usurpar a soberania do Júri. Na verdade, o veredicto não pode ser retificado ou reparado, mas sim, anulado.

- O cerne da questão, no presente pedido, situa-se no fato de que a decisão do Júri foi reformada, em seu mérito, em sede revisional que, diferentemente da apelação, cuja natureza é recursal, trata-se de verdadeira ação que é ajuizada sob o manto do trânsito em julgado.

- A meu sentir, seguindo a exegese da melhor doutrina, o reconhecimento pelo Tribunal a quo, de que a decisão do Júri foi manifestamente contrária à prova dos autos, ainda que em sede revisional, não tem o condão de transferir àquela Corte, a competência meritória constitucionalmente prevista como sendo do Tribunal do Júri. Portanto, entendo que cabe ao Tribunal, mesmo em sede de revisão criminal, somente a determinação de que o paciente seja submetido a novo julgamento.

- No que tange à possibilidade do paciente aguardar ao novo julgamento em liberdade, não assiste razão ao impetrante. Com efeito, depreende-se dos autos que o réu foi preso em flagrante delito e nessa condição permaneceu durante toda a instrução e por ocasião da pronúncia. Desconstituída a r. sentença que o condenou e mantidas as condições que demonstravam a necessidade de sua prisão cautelar esta deve ser mantida, em decorrência do restabelecimento da sentença de pronúncia, não se exigindo nova e ampla fundamentação.

- Ante o exposto, concedo parcialmente a ordem, para anular o v. acórdão objurgado, determinando a realização de novo julgamento pelo Tribunal do Júri mantendo-se a constrição do acusado. [67]

Destarte, o Desembargador Walter Jobim Neto também percorreu este mesmo sentir:

REVISAO CRIMINAL. PROVA NOVA SUPERVENIENTE AO JULGAMENTO PELO TRIBUNAL POPULAR. PROVA NOVA CONTRARIANDO A DECISAO DOS JURADOS EM PROCESSO DE COMPETENCIA DO TRIBUNAL DO JURI, NAO PERMITE A ABSOLVICAO DO REU EM SEDE DE REVISAO. NO ENTANTO, TAL CIRCUNSTANCIA IMPOE SEJA O REU SUBMETIDO A NOVO JULGAMENTO, EM FACE DA SOBERANIA DO TRIBUNAL POPULAR CONSTITUCIONALMENTE GARANTIDA. (7 FLS.) [68]

Porém, data venia, entende-se que não prospera a corrente que defende o alvitre acima ventilado. Um temperamento deve ser realizado.

A melhor interpretação da matéria é a de que o texto processual penal atinente a revisão criminal foi recepcionado pela Constituição de 1988. Doravante, nos inúmeros julgados do STF já mencionados, foi caracterizada a relatividade do princípio da "soberania dos veredictos", assentando sua constitucionalidade. No mesmo entendimento se lastreia a previsão da ação de revisão criminal e seu procedimento, que, até o presente momento, continua inatacável em gozar de presunção de constitucionalidade.

Destarte, precisamente nos termos do CPP, esclarece-se que a decisão de procedência da revisão criminal poderá ter três consequências (art. 626, CPP): a) absolver o réu [69]; b) alterar a classificação da infração ou o redimensionamento da pena (sempre in mellius); c) anular o processo. Neste último caso, seria o único em que poderia ocorrer a devolução dos autos para a renovação do Júri, salvo na hipótese de incidir alguma causa de extinção de punibilidade, como ressalta, neste peculiar, Fernando da Costa Tourinho Filho [70].

Nas jurisprudências colacionadas, observou-se que não se tratavam de casos em que houvera uma nulidade no processo, como o comentado HC 19.419 da lavra do Min. Jorge Scartezzini, onde toda a revisão criminal se limitaria apenas ao juízo rescindente, cabendo a devolução do processo para um novo julgamento popular. Defende-se aqui, outrossim, uma tese mais limitada.

Cita-se, neste ínterim, o acórdão de relatoria do Desembargador Ivan Leomar Bruxel, onde se restou límpido que tão somente na hipótese de nulidade do processo se demonstra legítima a exigência de novo Júri popular:

Desta forma, este Tribunal não poderá simplesmente afastar a sentença do juiz-presidente e absolver o requerente, pois estaria usurpando a competência constitucional do Conselho de Sentença para julgamento dos crimes dolosos contra a vida que, frise-se, não reconheceu a legítima defesa.

O caso é de anulação da decisão condenatória, a fim de submeter o requerente a novo julgamento realizado pelos seus pares, que poderão, de forma definitiva, reconhecer ou afastar a tese da legítima defesa.

Imperioso salientar que o fato de a nulidade não ter sido argüida logo após sua ocorrência não gera a sanação considerando que o artigo 572 do CPP somente tem aplicabilidade para as nulidades relativas, não sendo este, obviamente, o caso dos autos.

A condenação de réu pela prática de crime doloso contra a vida sem que exista o enfrentamento da questão pelo Tribunal do Júri é nulidade absoluta, portanto, insanável, eis que viola competência fixada no art. 5º, XXXVIII, da CF. [71]

Portanto, apenas no caso de nulidade do processo se afigura ser cabível um novo Júri, para que ali, então, exerça-se o juízo rescisório. Convém ressaltar que esta nulidade deve ter tal magnitude, de modo que não fosse sanável pelo Tribunal.

Este entendimento é o que se colhe na lição de Júlio Fabbrini Mirabete:

A revisão criminal, como visto, só pode prosperar havendo nulidade insanável no processo ou erro judiciário. E por tal erro a lei compreende a sentença baseada em prova falsa, a desautorizada por prova nova, a que afronta texto expresso de lei e a contrária à evidência dos autos. Mas, apesar do caráter taxativo do artigo 621, a decisão em que se julgar procedente a revisão pode alterar a classificação da infração, absolver o réu, modificar a pena ou anular o processo (art. 626), tendo como único obstáculo a impossibilidade de se agravar a pena imposta pela decisão revista (art. 626, parágrafo único). No caso de condenação pelo Tribunal do Júri, pode absolver, desde logo, o requerente, alterar a classificação do delito ou modificar a pena aplicada. Caso anule o processo ou julgamento, mandará o requerente a novo julgamento pelo tribunal popular. Assim, além de se rescindir completamente a sentença ou acórdão para absolver o acusado, nada impede, por exemplo, conforme a jurisprudência, que se desclassifique a condenação de tentativa de homicídio culposo para lesão corporal culposa ou de falsificação de documentos para falsa identidade; que se reveja e reduza a pena; que se reconheça nulidade absoluta, anulando-se o processo, embora a nulidade manifesta também possa ser atacada por meio do habeas corpus etc. [72]

Assim, na situação de anulação do processo, como esclarece Paulo Rangel, mutatis mutandis, "o tribunal exerce um único juízo: o ius rescindens. Ou seja, cassa a sentença, anulando ou não todo o processo, e baixa o mesmo para que outra sentença seja proferida em seu lugar, a fim de que não haja supressão de instância." [73] E, pela supressão de instância haveria outra nulidade, em que a instância superior, sito é, o Tribunal revisor, julgaria matéria não examinada pela instância inferior, o Júri, pois nulo o processo, daí, afrontando os princípios do devido processo legal e da ampla defesa [74].

No mesmo sentido, Carlos Roberto Barros Ceroni, para quem: "[s]omente no caso de anulação do processo, por força do erro in procedendo, é que o tribunal rescisório se limita ao juízo rescindente e o processamento da causa será retomado perante o juízo a quo." [75]

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Sobre o autor
Fabiano Tacachi Matte

Advogado. Mestre em Direitos Humanos pela UNIRITTER. Acadêmico da especialização em Filosofia – UNISINOS.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MATTE, Fabiano Tacachi. A revisão criminal e as decisões do júri. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2519, 25 mai. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14913. Acesso em: 4 nov. 2024.

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