Considerações Finais
Do ideal de pacificação social, há o constante conflito entre os princípios da segurança e o da justiça. A coisa julgada consubstancia a necessidade de se pôr um fim ao processo judicial, blindando definitivamente a sentença emitida pelo Estado-juiz.
A ação de revisão criminal surge como a possibilidade de se rever o que já fora julgado e imutabilizado pela coisa julgada, em razão de alguma nulidade no processo ou erro judiciário, nos termos da legislação processual.
No caso do julgamento dos crimes dolosos contra a vida, a sentença sobre o caso, que será emitida pelo Conselho de Sentença, ao final do processo, quando não mais cabível a interposição de recursos, também terá a incidência da coisa julgada.
Contudo, o Júri possui envergadura constitucional, sendo asseguradas três garantias: plenitude de defesa, sigilo das votações e soberania dos veredictos. Este último, em especial, não é absoluto, pois garantia individual em prol da liberdade do réu, permitindo o aviamento de recursos, como a apelação e mesmo a revisão criminal. Desta maneira, o STF tem proclamado a constitucionalidade destes remédios contra as decisões do Júri.
Não se concorda com o entendimento que elimina totalmente a possibilidade do Tribunal adentrar o mérito da decisão emanada do Júri, pois isto acabaria desafiando a previsão na legislação processual penal da matéria, recepcionada pela Constituição de 1988.
A revisão criminal procedente poderá ter como consequências: a) absolvição do réu; b) alteração da classificação da infração ou redimensionamento da pena; e, d) anulação do processo. Nas duas primeiras hipóteses, o Tribunal exercerá o juízo rescindente e o rescisório, na última, por sua vez, o Tribunal apenas exercerá o juízo rescindente, devolvendo para um novo julgamento pelo Júri, até mesmo sob pena de supressão de instância.
REFERÊNCIAS
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Notas
- MIRANDA ROSA, F.A. de. Sociologia do Direito: O fenômeno jurídico como fato social. 17 ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2004. p. 56 et seq.
- DOTTI, René Ariel. Curso de direito penal: parte geral. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 3.
- MIRABETE, Júlio Fabbrini. Processo penal. 10 ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 29.
- LIEBMAN, Enrico Tullio. Eficácia e autoridade da sentença. Trad. Alfredo Buzaid e Benvindo Aires. Notas de Ada Pellegrini Grinover. 3 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1984. p. 54.
- Pois os efeitos poderão ser eventualmente modificados ou serem extinguidos, desde que o direito posto em causa seja disponível: SILVA Jr, Walter Nunes da. Coisa julgada: direito facultativo ou imperativo? RePro, n. 95, jul-set. 1999. p. 22-28.
- "Essa nova situação, a que a sentença tem acesso mediante a preclusão dos recursos, é que se denominará com propriedade, segundo oportunamente sugeria MACHADO GUIMARÃES, coisa julgada. Nela ingressando, reveste-se a sentença de atributo também novo, que consiste na imutabilidade a contestações juridicamente relevantes. A isso se chamará autoridade da coisa julgada." (MOREIRA, José Carlos Barbosa. Coisa julgada e declaração. in Temas de direito processual. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 1988. p. 88).
- COUTURE, Eduardo J. Fundamentos do direito processual civil. Trad. Benedicto Giaccobini. Campinas: Red Livros, 1999. p. 329.
- TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. Ação rescisória: apontamentos. RT, n. 646, ago. 1989. p. 7.
- "[O] instituto da coisa julgada pertence ao direito público e mais precisamente ao direito constitucional." (LIEBMAN, Enrico Tullio. Eficácia e autoridade da sentença. Trad. Alfredo Buzaid e Benvindo Aires. Notas de Ada Pellegrini Grinover. 3 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1984. p. 55). Assim, a coisa julgada constitucionalizada, conforme se depreende da previsão esculpida no art. 5º, XXXVI, da Magna Carta implica nas seguintes asserções, consoante observação de Eduardo Talamini: (i) relevância constitucional que não fica restrita à garantia de irretroatividade das leis, gozando de interpretação extensiva (peculiaridade dos direitos e garantias constitucionais); (ii) consagra o instituto da coisa julgada como garantia constitucional; (iii) remete a precisa definição do regime da coisa julgada às leis infraconstitucionais; (iii) determina que a coisa julgada seja consentânea do modelo processual jurisdicional, que não poderá deixar de contemplá-la; (iv) impõe uma barreira em nível constitucional contra qualquer lei que queira suprimir integralmente a coisa julgada (TALAMINI, Eduardo. Coisa julgada e sua revisão. São Paulo: RT, 2005. p. 50-53).
- "O homem necessita de uma certa segurança para conduzir, planificar e conformar autónoma e responsavelmente a sua vida. Por isso, desde cedo se considerou como elementos constitutivos do Estado de direito o princípio da segurança jurídica e o princípio da confiança do cidadão. (...) "Os princípios da protecção da confiança e da segurança jurídica podem formular-se assim: o cidadão deve poder confiar em que aos seus actos ou às decisões públicas incidentes sobre os seus direitos, posições jurídicas e relações, praticados ou tomadas de acordo com as normas jurídicas vigentes, se ligam os efeitos jurídicos duradouros, previstos ou calculados com base nessas mesmas normas. Estes princípios apontam basicamente para: (1) a proibição de leis retroactivas; (2) a inalterabilidade do caso julgado; (3) a tendencial irrevogabilidade de actos administrativos constitutivos de direitos." (CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional. Coimbra: Almedina, 1993. p. 371 e p. 373).
- SILVA, Ovídio A. Baptista da. Processo e ideologia: o paradigma racionalista. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 34
- "O anseio de segurança é uma constante histórica do gênero humano. Partimos para a conquista de uma segurança radical que necessitamos porque, precisamente desde o início nossa vida é radical insegurança (Ortega y Gasset). Essa preocupação filosófica projeta-se no âmbito jurídico que também persegue historicamente o ideal de segurança jurídica, hoje um dos pressupostos do Estado Democrático de Direito.
Esta idéia motriz de segurança jurídica não está isenta de todo conflito com outro valor básico que é a Justiça. Cria-se assim um campo de tensão entre a segurança jurídica e a verdade e que irá convergir na coisa julgada. Com efeito, a estabilidade dos direitos não seria lograda se não se pusesse fim aos litígios. A visão da eternização, dos processos penais e da possibilidade de sua revisão contínua conduziu a que o estado preferisse o mal menor da clássica regula iuris de Ulpiano: Res iudicata pro veritate accipitur, isto é, a coisa julgada se considera como expressão jurídica da verdade.
fundamento central da coisa julgada consiste em uma concessão prática à necessidade de garantir a certeza e a segurança do direito. Com a coisa julgada, ainda, mesmo com possível sacrifício da justiça material, quer-se assegurar aos cidadãos a paz; quer-se definitivamente o perigo de decisões contraditórias. Uma adesão à segurança, como um dos fins do processo penal, com eventual detrimento da verdade, eis assim o que está na base do instituto. Mas este fundamento utilitário, não impede que o instituto da revisão contenha na sua própria razão de seu um atentado frontal àquele valor, em nome das exigências da justiça. Acresce que só dificilmente se poderia erigir a segurança em fim ideal único, ou mesmo prevalente, do processo penal. Ele entraria então constantemente em conflitos frontais e inescapáveis com a justiça; e, prevalecendo sempre ou sistematicamente sobre esta, pôr-nos-ia face a uma segurança do injusto que, hoje, mesmo os mais céticos têm de reconhecer não passar de uma segurança aparente e ser só, no fundo, a força da tirania (F. Dias).
Assim, esta verdade jurídica pode contradizer a verdade das coisas. A experiência cotidiana do jurista mostra que o problema central de todo o processo consiste em evitar o perigo da sentença injusta. Esse risco não pode ser evitado com o sacrifício da verdade material à verdade formal que representa a coisa julgada.
Para encontrarmos uma saída a esta antinomia, que no fundo representa um conflito com a própria Justiça, o Estado Democrático de Direito encontrou uma fórmula política através da qual confluem a verdade formal da coisa julgada, exigência de Justiça. Esta é a finalidade da ação revisional, importante garantia processual, que tende a conjugar e realizar simultaneamente os valores da segurança jurídica e da Justiça. Por se uma exigência de Justiça, está estreitamente vinculada à dignidade humana, à presunção de inocência e ao devido processo legal.
Tenha-se em mente que a prova judicial tem por escopo não uma verdade metafísica, absoluta, mas uma verdade contingente, de fato, histórica, que tem por motivo a autoridade ou a experiência e que, portanto, não pode proporcionar mais que uma certeza, uma evidência prática. Assim, ainda quando todos os meios de reforma de uma sentença ficaram esgotados, todas as legislações tiveram o cuidado de limitar a presunção de verdade da coisa julgada, porquanto a lei humana não pode assegurar nunca completamente a infalibilidade dos julgamentos." (Odone Sanguiné in Prefácio. LEAL, Saulo Brum; KINZEL, Inez Maria. Notas sobre revisão criminal: doutrina e jurisprudência. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1994).
I - quando a sentença condenatória for contrária ao texto expresso da lei penal ou à evidência dos autos;
II - quando a sentença condenatória se fundar em depoimentos, exames ou documentos comprovadamente falsos;
III - quando, após a sentença, se descobrirem novas provas de inocência do condenado ou de circunstância que determine ou autorize diminuição especial da pena.
princípio da unidade da constituição ganha relevo autónomo como princípio interpretativo quando com ele se quer significar que a constituição deve ser interpretada de forma a evitar contradições (antinomias, antagonismos) entre as suas normas. Como «ponto de orientação», «guia de discussão» e «factor hermenêutico de decisão», o princípio da unidade obriga o intérprete a considerar a constituição na sua globalidade e a procurar harmonizar os espaços de tensão (cfr. supra, Cap. 2.7D-IV) existentes entre as normas constitucionais a concretizar (ex.: princípio do Estado de Direito e princípio democrático, princípio unitário e princípio da autonomia regional e local). Daí que o intérprete deva sempre considerar as normas constitucionais não como normas isoladas e dispersas, mas sim como preceitos integrados num sistema interno unitário de normas e princípios." (CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional. Coimbra: Almedina, 1993. p. 226-227).
campo de eleição do princípio da concordância prática tem sido até agora o dos direitos fundamentais (colisão entre direitos fundamentais ou entre direitos fundamentais e bens jurídicos constitucionalmente protegidos). Subjacente a este princípio está a ideia do igual valor dos bens constitucionais (e não uma diferença de hierarquia) que impede, como solução, o sacrifício de uns em relação aos outros, e impõe o estabelecimento de limites e condicionamentos recíprocos de forma a conseguir uma harmonização ou concordância prática entre estes bens (cfr. infra, Parte IV, Padrão II)." (CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional. Coimbra: Almedina, 1993. p. 228).