No dia 14 de julho de 2000 foi publicada a lei 9.983, com vacatio legis de 90 (noventa) dias, prescrevendo em seu artigo 3º a revogação dos crimes previstos no artigo 95 da lei 8.212, de 24 de Julho de 1991, ocorrendo a abolitio criminis(1)das referidas infrações penais. Além disso, acrescentou novos artigos ao texto do Código Penal, Decreto-Lei n.º 2.848, de 07 de dezembro de 1940.
O Brasil adotou o princípio da obrigatoriedade simultânea da lei, de modo que, salvo disposição em contrário, a lei após a publicação passa a vigorar em todo território nacional(2). Doravante, a publicação de uma lei nova pode fazer cessar a obrigatoriedade de outra lei, quando:
- a revogue expressamente(3), nos termos do artigo 3º, da lei 9.983, em relação ao artigo 95, da lei 8.212/91;
- a revogue tacitamente, sendo com a lei anterior incompatível ou regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior (art. 2º, § 1º, última parte).
A questão em tela rege-se pelo artigo 5º, XL, da Constituição Federal de 1988 (retroatividade da lei benéfica) e pelo princípio da abolitio criminis, expresso no artigo 2º, caput, Código Penal, in verbis:
"Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória".
Ocorre abolitio criminis quando uma lei posterior deixe de considerar como infração um fato que era anteriormente punido. É a abolitio criminis, hipótese do artigo 2º, caput, do CP: a lei nova retira do campo da ilicitude penal a conduta precedentemente incriminadora(4).
A lex mitior, porque mais benéfica (in mellius), sempre projeta seus efeitos para o passado, retroagindo para alcançar fatos criminosos que por ela deixaram de ser (abolitio criminis) ou para reduzir pena por ela abrandada ou conceder benefício por ela introduzido.(5)
No tocante ao período de vacatio legis, há certa controvérsia na doutrina e na jurisprudência quanto à possibilidade da aplicação de norma benéfica antes de sua entrada em vigor. Uns exigem sua vigência(6), para outros a lei nova em período de vacatio deve ser aplicada desde logo se mais favorável (TARS, mv RT 667/330) (7). Preferimos esta corrente por razões de política criminal, aplicando-se os institutos da economia processual(8) e do favor rei(9), dentre outros, não havendo razões para aguardar-se o momento da entrada em vigor da lei revogadora, para só então aplicá-la.
Ademais, a visão instrumental do processo, com repúdio ao seu exame exclusivamente pelo âmbito interno, constitui abertura do sistema para a infiltração dos valores tutelados na ordem político-constitucional e jurídico-material(10), de modo a ser desnecessária a manutenção do processo em face da lex mitior posterior.
A lei 9.983/00, revogou, como mencionado, os crimes do artigo 95, da lei 8.212/91, no entanto, criou tipos assemelhados, só a título de exemplo, em seu artigo 168-A, § 1º, I, refere-se a um tipo penal quiçá parecido ao revogado artigo 95, d, da lei 8.212/91, a apropriação indébita previdenciária, ipsis litteris:
§ 1º - Nas mesmas penas incorre quem deixar de:
I recolher, no prazo legal, contribuição ou outra importância destinada à previdência social que tenha sido descontada de pagamento efetuado a segurados, a terceiros ou arrecadada do público.
Já o artigo 95, d, da lei 8.212, de 24 de Julho de 1991, tipificava como crime a seguinte conduta, in verbis:
Deixar de recolher, na época própria, contribuição ou outra importância devida à Seguridade Social e arrecadada dos segurados ou do público.
Caso não houvesse a revogação expressa do tipo penal pela lei 9.983/00, haveria a tácita, pois na comparação dos referidos dispositivos chegaremos a conclusão da obolitio criminis, por serem, objetivamente, incompatíveis entre si os artigos 168-A, §1º, I e o artigo 95, "d, da lei 8.212/91, pois veja:
1. O dispositivo revogado falava em Seguridade Social, que compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social(11). A lei revogadora menciona Previdência Social, que é a técnica de proteção social que visa a propiciar os meios indispensáveis à subsistência da pessoa humana, quando esta não pode obtê-los ou não é socialmente desejável que os aufira pessoalmente através do trabalho, por motivo de maternidade, nascimento, incapacidade, invalidez, desemprego, prisão, idade avançada, tempo de serviço ou morte, mediante contribuição compulsória distinta, proveniente da sociedade e de cada um dos participantes(12);
2. Ao redirecionar o tipo penal para um enquadramento mais restrito a nova ordem legal acabou por modificar o âmbito de atuação do ius puniendi, que agora tem outro escopo, qual seja, somente as contribuições ou outras importâncias deixadas de recolher e destinadas à Previdência Social e não mais à Saúde ou à Assistência Social, integrantes da Seguridade Social;
3. A nova lei tipifica deixar de recolher no prazo legal, enquanto que a revogada mencionada deixar de recolher na época própria. Este elemento normativo deixava margem à dúvidas quanto à norma que deveria estipular qual seria época do recolhimento, poderia ser uma lei, um regulamento, uma portaria, etc. A lei 9.983, de 14 de Julho de 2000, ao falar no prazo legal aplicou técnica mais apurada, deixando claro que somente a lei pode estipular o prazo para o recolhimento das contribuições;
4. A lei revogadora refere-se a contribuição descontada de pagamento efetuado a segurados, a terceiros ou arrecadada do público. A lei revogada mencionavacontribuiçãodevida à Seguridade Social e arrecadada dos segurados ou do público. Vê-se que a lei nova acrescentou as contribuições descontadas de pagamentos efetuados a terceiros o que não existia no texto anterior;
5. Por fim, a lei revogada trata de contribuição devida a revogadora diz destinada, não mais importando se é devida ou não, basta ser destinada à Previdência Social. A nova lei trouxe mais abrangência ao texto anterior.
Concluindo, a lei 9.983 de 14 de Julho de 2000, revogou expressamente o artigo 95, da lei 8.212, de 24 de Julho de 1991. Outrossim, necessário se faz a aplicação da abolitio criminis, contido no artigo 2º do Código Penal, declarando-se a extinção da punibilidade, nos termos do artigo 107, III, do mesmo Códex.
Ressalte-se que a extinção da punibilidade por abolitio criminis pode ser declarada de ofício pelo magistrado(13), não gerando reincidência.