Artigo Destaque dos editores

A eficácia do novo art. 168-a do Código Penal

01/11/2000 às 00:00
Leia nesta página:

No dia 17-7-2000, foi publicada no Diário Oficial da União a Lei Federal n° 9983/00, a qual promoveu algumas alterações no Código Penal. Entre tais alterações, uma que chama especial atenção é aquela que estabelece como crime a chamada apropriação indébita previdenciária.

Reza o que segue o texto de Lei (Lei n° 9983/00):

"Art° 1° - São acrescidos à Parte Especial do Decreto-Lei n° 2848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, os seguintes dispositivos:

‘Apropriação indébita previdenciária’ (AC)

Art° 168-A – Deixar de repassar à previdência social as contribuições recolhidas dos contribuintes, no prazo e forma legal ou convencional. (AC)

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa. (AC)

§ 1° - Nas mesmas penas incorre quem deixar de: (AC)

I – recolher, no prazo legal, contribuição ou outra importância destinada à previdência social que tenha sido descontada de pagamento efetuado a segurados, a terceiros ou arrecadada do público; (AC)

II – recolher contribuições devidas à previdência social que tenham integrado despesas contábeis ou custos relativos à venda de produtos ou à prestação de serviços; (AC)

III – pagar benefício devido a segurado, quando as respectivas cotas ou valores já tiverem sido reembolsados à empresa pela previdência social. (AC)

§ 2° - É extinta a punibilidade se o agente, espontaneamente, declara, confessa e efetua o pagamento das contribuições, importâncias ou valores e presta as informações devidas à previdência social na forma definida em lei ou regulamento, antes do início da ação fiscal. (AC)

§ 3° - é facultado ao juiz deixar de aplicar a pena ou aplicar somente a de multa se o agente for primário e de bons antecedentes, desde que: (AC)

I – tenha promovido, após o início da ação fiscal e antes de oferecida a denúncia, o pagamento da contribuição social previdenciária, inclusive acessórios; ou (AC)

II – o valor das contribuições devidas, inclusive acessórios, seja igual ou inferior àquele estabelecido pela previdência social, administrativamente, como sendo o mínimo para o ajuizamento de suas execuções fiscais. (AC)"


Da redação do texto legal de logo nosso conhecimento empírico revela que dificilmente estarão atrás das grades os profissionais da sonegação e da apropriação indébita previdenciária aqui tratada.

São aqueles que, utilizando sempre de terceiros, os chamados "laranjas", abstraem-se do campo de alcance da norma. Um de seus principais traços é, de um lado, a vivência em um verdadeiro paraíso na Terra (com carros magníficos, mansões e toda sorte de conforto) e, de outro, a "triste" realidade de não ter propriedade de um único bem.

E a dificuldade em agarrar tais sonegadores reside no próprio fato de que quem apropriar-se-á indevidamente das contribuições previdenciárias serão os sócios, procuradores e prepostos das empresas pertencentes, de fato, aos verdadeiros e inalcançáveis culpados.

E quanto a tais prepostos e sócios, configurado o tipo penal, será bastante difícil (socialmente) simplesmente condená-los à pena de reclusão e lotar ainda mais os presídios.

Ora, a lei, publicada da forma que foi, afasta qualquer hipótese de modalidade culposa do crime, pois o verbo núcleo do tipo é deixar de repassar a verba devida à previdência social (conduta omissiva), o que mostra o radicalismo do texto e a voracidade do Poder Público em cobrar o que lhe é devido, a duras penas. Anote-se que o texto legal ora discutido é sucessor de uma Medida Provisória.

Cabe aqui tecer uma consideração no que concerne a dificuldade financeira que não poucos setores empresariais sabidamente enfrentam. A lei, como visto, ignora isso, pois constitui crime a simples conduta de deixar de repassar, independentemente de qualquer condição financeira observada. Assim, muitas empresas, que religiosamente cumprem as suas obrigações tributárias e sociais, estarão à mercê de caírem na hipótese legal, até mesmo porque em não raras vezes a empresa que anda mal é justamente porque honra com as suas obrigações.

A seu turno, façamos a análise daquela empresa saudável financeiramente. Qual a razão de tanta saúde? Será que as obrigações, todas, serão devidamente cumpridas? A do artigo 168-A do Código Penal certamente que sim, pois senão dará cadeia...

Outra conseqüência social que certamente ocorrerá, haja vista que a tendência do sistema é a adequação à lei, será o lançamento de ainda mais trabalhadores à economia informal.

Ora, que empregador irá querer se arriscar, diante de uma eventual dificuldade financeira, ao cometimento de um crime? Devemos nos lembrar que o simples atraso no recolhimento da verba previdenciária já configura crime com pena de reclusão de dois a cinco anos, e multa.

Assim, até mesmo a dona-de-casa poderá estar sujeita às penalidades legais se houver atraso no recolhimento da verba previdenciária.

Claro que sabemos que o Poder Judiciário culminará por relativizar a norma, diante dos casos concretos que surgirão.

No entanto, merece ficar registrada a presente análise crítica a mais uma faceta do modelo neoliberal, criador de exércitos cada vez maiores de desempregados e monstro voraz quando o assunto é arrecadação.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Elogios ao povo brasileiro certamente surgirão de qualquer estrangeiro que, ao pisar no solo verde e amarelo, ler o texto da Lei 9983/00. Ora, se há pena tão grave para o não repasse, em dia, da cota previdenciária, quão saudável financeiramente será o sistema previdenciário dessa nação? Ora, ninguém vai querer ser preso, ou vai?

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Fernando dos Santos Wilges

analista judiciário em Porto Alegre (RS)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

WILGES, Fernando Santos. A eficácia do novo art. 168-a do Código Penal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 47, 1 nov. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1498. Acesso em: 5 nov. 2024.

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos