O surgimento do constitucionalismo moderno ocorreu juntamente com a eclosão das Constituições escritas e rígidas, mais especificamente com a dos Estados Unidos da América, em 14 de setembro de 1787, e a da França, no ano de 1791, após as revoluções que ocorreram em seus territórios. Verifica-se, assim, que foram os ideais revolucionários emanados do Iluminismo, além, claro, da importante Magna Charta Libertatum inglesa, de 1215, que inspiraram o nascimento dos documentos escritos e solenes denominados "Constituição".
Segundo Alexandre de Moraes (2003, p. 34), "a necessidade de limitação e controle dos abusos de poder do Estado e de suas autoridades e a consagração dos princípios básicos da igualdade e da legalidade como regentes do Estado" foram as ideias marcantes para o nascimento do constitucionalismo e da supremacia de certas normas fundamentais.
Todavia, conforme ensina o professor Dirley da Cunha, o constitucionalismo moderno, na verdade, permaneceu inquestionável entre os estudiosos até meados do século XX. Ou seja, o constitucionalismo moderno não se confunde com o modelo do neoconstitucionalismo, eis que este se originou quando do momento em que se começou a questionar justamente aquele constitucionalismo inspirado pelos ideais iluministas, na Europa. Surgiu, assim,
[...] um novo pensamento constitucional voltado a reconhecer a supremacia material e axiológica da Constituição, cujo conteúdo, dotado de força normativa e expansiva, passou a condicionar a validade e a compreensão de todo o Direito e a estabelecer deveres de atuação para os órgãos de direção política (CUNHA JÚNIOR, 2007, p. 71).
No meio doutrinário, o modelo do neoconstitucionalismo se destaca a partir das seguintes características (1):
i) reforço do princípio da supremacia da Constituição sobre o restante das normas jurídicas, concedendo às normas constitucionais uma maior normatividade, amplitude e efetividade, não deixando que as mesmas sejam apenas meros enunciados programáticos e sem materialização;
ii) jurisdição constitucional mais forte, tendo a Constituição papel mais atuante e expansivo;
iii) constitucionalização do ordenamento jurídico, a exigir uma leitura constitucional de todos os ramos do Direito;
iv) fortalecimento e ampliação do leque de direitos fundamentais do indivíduo, aliás, com o reconhecimento de direitos implícitos;
v) incorporação de opções e valores políticos com vistas principalmente à promoção da dignidade humana e dos direitos fundamentais;
vi) maior importância dada ao princípio da dignidade humana e à sua promoção, ao bem-estar social e a todos os programas necessários a garantir as condições de existência mínima e digna dos cidadãos;
vii) importância dos princípios e valores como componente do sistema jurídico constitucionalizado (o denominado "bloco de constitucionalidade");
viii) nova maneira de entender, compreender e concretizar as normas constitucionais, velando-se pela busca de novas técnicas de interpretação e concretude para que a Constituição seja utilizável na prática jurídica;
ix) protagonismo dos intérpretes do direito/magistrado em relação ao legislador quando do momento de interpretar e concretizar a Constituição;
x) mudança de paradigma: de Estado Legislativo de Direito (fortalecimento do princípio da legalidade) para o Estado Constitucional de Direito, onde a Constituição é o centro de todo o sistema jurídico.
xi) necessidade de maior correspondência entre a Constituição real e a Constituição formal, para que esta não sucumba àquela, a qual representa as verdadeiras forças vitais da nação (2);
xii) ideia de Estado Democrático como valor supremo;
Mediante todos esses traços marcantes do neoconstitucionalismo – o qual, explicita Dirley da Cunha (2007, p. 72), embora se tratar de uma nova teoria jurídica, é algo que está por vir, não estando ainda consolidada –, extraem-se os avanços e transformações promovidos por esse novel modelo.
Por certo, a questão da força normativa e da efetividade dos direitos fundamentais, notadamente com a centralidade do princípio da dignidade humana no ordenamento jurídico, a irradiar efeitos em todos os campos do sistema, é o avanço mais importante trazido pelo neoconstitucionalismo.
Claro que não se pode olvidar da ideia da supremacia da Constituição, do fenômeno da constitucionalização do Direito e da necessidade de se pensar em novas técnicas emancipatórias aptas a materializar os direitos fundamentos insculpidos na Carta Magna, para que não possam ser traduzidos em meros dispositivos, limitados ao dissabor do Estado em regulamentá-los para se ter a devida efetividade.
A Constituição não deve ser simbólica apenas, um emanharado de textos sem concretude. O que o neoconstitucionalismo propugna é que a mesma base normativa continua sendo utilizada, mas a Constituição deve ser reanalisada e readequada. Editar normas constitucionais, mas sem se pensar nas garantias e meios de proteção das mesmas, é uma tarefa por demais simples; dar-lhes verdadeira concretização e efetividade, não o é.
A adoção da uma nova perspectiva constitucional, de uma nova roupagem, onde a Constituição é viva e aplicada, deve ser o pensamento atual daqueles que militam na área. E a participação do intérprete do direito é de fundamental relevância na análise dos casos concretos e na materialização dos preceitos e normas constitucionais, sobretudo aquelas classificadas pelo professor José Afonso da Silva como de "eficácia limitada de princípio programático" (ou, simplesmente, normas programáticas).
Crônico problema é esse que atravessa as normas programáticas. Insiste grande parte da doutrina em rotulá-las como se não possuíssem a devida eficácia, limitadas a futuras regulamentações concretas, eis que não passam de planos e diretrizes que devem ser atingidos pelo Estado.
Ora, toda norma tem, pelo menos, seu mínimo de eficácia jurídica, conforme já analisava Hans Kelsen. Sendo assim, também as normas programáticas possuem tal eficácia, sendo seus efeitos bipartidos em duas esferas, a saber: i) condicionam a atividade discricionária da administração; e ii) consolidam situações jurídicas individuais. É justamente neste último ponto que o intérprete do direito, atento aos proclamos do neoconstitucionalismo, deve realizar uma interpretação emancipadora e condizente com os princípios e normas constitucionais, materializando o extenso rol de direitos fundamentais insculpidos na Constituição.
Como visto, esse é só um dos exemplos que procuram trazer à baila o modelo do neoconstitucionalismo. De fato, deve ficar reforçada a compreensão de que "as constituições contemporâneas são instrumentos vivos que necessitam ser continuamente reinterpretadas conforme as situações e demandas que surgem e se modificam" (HUDSON, 2007, p. 17). E disso deveriam se preocupar os intérpretes do direito.
NOTAS
1. Nesse sentido, conferir: CUNHA JÚNIOR, 2007, p. 71-73; MORAES, 2003, p. 38-41; BARCELLOS, 2005, p. 1-5; PEDRA, 2005, 271-272; SANTOS, 2006, p. 45-48.
2. Ideia principal do pensador alemão Ferdinand Lassale, explanada em conferência por ele ministrada e que deu origem ao clássico A essência da Constituição. Segundo Lassale (2010, p. 32), "na maioria dos Estados modernos, vemos aparecer, num determinado momento da sua história, uma Constituição escrita, cuja missão é a de estabelecer documentalmente, numa folha de papel, todas as instituições e princípios do governo vigente". O problema se volta quando esta folha de papel (constituição escrita) não tem por base os fatores reais e efetivos do poder (conjunto de forças que atuam em prol da conservação das instituições jurídicas vigentes) que regem a sociedade, não se traduzindo em uma constituição real e efetiva: "[...] as constituições escritas não têm valor nem são duráveis a não ser que exprimam fielmente os fatores do poder que imperam na realidade social: eis aí os critérios fundamentais que devemos sempre lembrar" (LASSALE, 2010, p. 47).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARCELLOS, Ana Paula. Neoconstitucionalismo, Direitos Fundamentais e controle das política públicas. Mundo Jurídico, 28 jun. 2005. Disponível em: <http://www.mundojuridico.adv.br/cgi-bin/upload/texto853.pdf>. Acesso em: 05 maio 2010.
CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Neoconstitucionalismo e o novo paradigma do Estado Constitucional de Direito: um suporte axiológico para a efetividade dos Direitos Fundamentais Sociais. In: PAMPLONA FILHO, Rodolfo; CUNHA JÚNIOR, Dirley da (org.). Temas de Teoria da Constituição e Direitos Fundamentais. Salvador: Podivm, 2007, p. 71-112.
HUDSON, Barbara. Direitos humanos e "novo constitucionalismo": princípios de justiça para sociedades divididas. In: CLÈVE, Clèmerson Merlin et al (coord.). Direitos humanos e democracia. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 11-28.
LASSALE, Ferdinand. A essência da Constituição. 9. ed. 2. tir. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.
MORAES, Alexandre de. Jurisdição constitucional e tribunais constitucionais: garantia suprema da Constituição. 2. Ed. São Paulo: Atlas, 2003.
PEDRA, Adriano Sant´ana. A constituição viva: poder constituinte permanente e cláusulas pétreas. Belo Horizonte: Mandamentos, 2005.
SANTOS, Gustavo Ferreira. Neoconstitucionalismo e democracia. Brasília, out./dez. 2006, p. 45-55. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/web/cegraf/ril/pdf/pdf_172/r172-04.pdf>. Acesso em: 05 maio 2010.