Medidas Cautelares Nominadas Incidentais: o que deve permanecer no procedimento cautelar?
As implicações da morosidade e da ineficácia jurisdicional na seara social levaram o legislador, nos últimos tempos, a uma reflexão mais profunda sobre a tutela do direito, fazendo com que travasse uma verdadeira luta em busca da eficácia e da celeridade nas decisões judiciais.
O acréscimo do § 7º no artigo 273 do CPC confirmou as expectativas dos Magistrados e advogados quanto à utilização do processo cautelar no Direito brasileiro. A tutela cautelar, que antes só poderia ser concedida em processo autônomo, de maneira preparatória ou incidental, pode, agora, ser outorgada na mesma atividade cognitiva.
Desta feita, não há mais que se ingressar com um processo autônomo, até porque esta medida traria mais ônus, vez que teria que arcar com as despesas de honorários advocatícios, custas, provas etc. Incrementou-se, assim, o direito processual civil brasileiro, na tentativa de torná-lo mais célere.
Perante essa mudança, está uma série de questionamentos acerca do futuro do processo cautelar, observando que este, para alguns, perdeu a razão de existir.
É importante se traçar um olhar crítico a respeito do que acarretaria o corte definitivo do processo cautelar do direito pátrio. O debilitado processo aqui tratado passa por uma espécie de abandono no que se refere a sua utilização, porém, ainda não pode ser guilhotinado do direito brasileiro, por ser necessário em alguns aspectos.
No que tange às espécies de cautelares, ou melhor, às cautelares nominadas, vale ressaltar que está prevista também a possibilidade de serem pleiteadas no âmago do procedimento ordinário, contribuindo ainda mais para a inutilização do processo cautelar.
Medidas como o arresto, o sequestro, a busca e apreensão, a posse em nome do nascituro, a justificação, os alimentos provisionais etc. podem, perfeitamente, ser pleiteadas no próprio procedimento ordinário, sem o desgaste do início de uma nova ação.
Existem, no entanto, algumas cautelares que somente podem ser arguidas e devem continuar sendo, através de procedimento cautelar. É o caso da produção antecipada de prova, da exibição da coisa e da caução. Em tais casos, não vislumbramos a possibilidade de desfazimento do processo em questão pela impossibilidade de requerimento na atividade de conhecimento.
Na produção antecipada de prova, a pretensão cautelar é tão só a da segurança da prova que visa assegurar. Aqui, como já sabido, não se faz nem um juízo de valor acerca da prova antecipada em sua produção. Pode consistir, segundo o art. 846 do CPC, em interrogatório da parte a inquirição de testemunha e o exame pericial. Caso seja antes do início da ação principal, trata-se de cautelar preparatória, que, como visto acima, necessita do procedimento cautelar. Em se tratando de antecipação de prova na pendência da ação, deve-se iniciar o processo cautelar cabendo ao requerente justificar, sumariamente, a necessidade da antecipação e precisar corretamente os fatos sobre os quais irão recair a prova. Não há que se falar, nesse caso, em tutela antecipada, pois a pretensão é apenas a produção antecipada da prova, não coincidindo com a pretensão final, o que não justifica a fungibilidade.
No que se refere à exibição da coisa, podemos dizer que, por tratar-se de cautelar preparatória, deve também ser incluída no rol das cautelares que mantêm o procedimento, tendo em vista as peculiaridades deste, conforme exposto anteriormente [44].
A caução, medida cautelar posta em garantia da solução de uma questão submetida ao exame de um Juiz, garantia esta em dinheiro, coisa ou pessoa (fiança), deve manter-se no processo cautelar, devido ao rito próprio exigido pelo CPC, que necessita da resposta do requerido. Inicia-se, segundo o art. 829, pela petição com a exigência de uma série de requisitos propostos no mesmo artigo. Em seguida, abre-se o prazo (5 dias) para resposta do requerido, que terá que dizer se aceita a caução ofertada. Por fim, profere-se a sentença, em que, julgando procedente o pedido, o Juiz determina a caução que deva ser prestada, assinando o prazo em que o obrigado deverá fazê-lo.
Hodiernamente, assistimos a uma tentativa de simplificação processual, atendendo aos anseios da fase instrumentalista pela qual passa o processo. As mudanças aqui implantadas, como demonstrado em tópicos anteriores, foram responsáveis pelo surgimento de um novo processo de conhecimento, capacitado para adequar-se a situações em que, outrora, não poderia, devido ao rigor tecnicista.
Vantagens
Ao longo das décadas, vem crescendo a intensa preocupação com a morosidade processual.
É bem verdade que não há, ainda hoje, consenso sobre quais os melhores meios de romper a lentidão da justiça brasileira, em virtude das profundas transformações pelas quais teriam que passar o processo civil e a máquina judiciária estatal.
Sendo, contudo, o direito produto da atividade humana e tendo esta se desenvolvido a passos largos, especialmente no último século, percebe-se que, invariavelmente, os órgãos judicantes serão sempre convocados a se posicionarem a respeito das situações que lhe são apresentadas. Nesse contexto e com a evolução da sociedade, cada vez mais surgirão novas situações e novos casos a serem resolvidos pela justiça.
Assim sendo, não se pode esconder o gritante descontentamento da população, quando necessita dos préstimos do Poder Judiciário, pois logo pensa na via crucis que pode se tornar um processo nos dias atuais.
A mora processual é, portanto, um problema que ainda assombra o legislador e a população. E, na tentativa de abrandá-la, aquele vem agindo ao longo das ultimas décadas.
O legislador, ao possibilitar a concessão de tutela cautelar no imo do processo de conhecimento, agiu corretamente, pois a exigência de se entrar com outra ação, para conseguir-se a medida, não passa de formalismo desnecessário, que apenas contribui para o alongamento do feito.
É inegável a percepção de que, quanto maior a quantidade de processos, mais tempo se gasta na resolução destes. O sincretismo processual traz a proposta de simplificação dos institutos processuais, de desburocratização dos meios, para se atingir a tutela necessária.
Ao permitir a procedência na mesma atividade cognitiva, da tutela antecipada, da cautelar e da execução, o legislativo gera o ‘super processo de conhecimento’ capaz de resolver quase todas as questões relacionadas à lide, enaltecendo o previsto na Carta Magna.
Nessa quadra, é imprescindível se dizer que a hipertrofia do processo de conhecimento, especialmente no que tange à absorção do processo cautelar, contribui para o atendimento dos princípios da economia processual, do acesso à justiça e da eficiência.
Aludindo o princípio da economia processual, pode-se dizer que há um avanço com relação ao arrefecimento no gasto de tempo para resolução da questão. Não resta dúvida de que a problemática resolvida em um mesmo processo resolve-se mais facilmente, e com um desgaste menor por parte do judiciário, do que se se procedesse em feitos separados.
Trazendo à baila o acesso à justiça, as mudanças que ocorreram e que estão propostas neste trabalho, tudo coopera no sentido de facilitar o manejo judicial, diante da redução nas despesas processuais. Não há, portanto, necessidade de se gastar com custas (no caso do processo cautelar), pois estas serão pagas em apenas um processo: o de conhecimento.
Corolário também desta mudança na sistemática processual civil brasileira é o princípio da eficiência, tão debilitado e desacreditado nos dias atuais. As mudanças implicariam em impulsos para a máquina judiciária, que passaria a se desenvolver mais rapidamente, atingindo a melhor justiça.
Destarte, o ‘enxugamento’ do processo cautelar traria inúmeros benefícios para o ordenamento jurídico brasileiro, colaborando, em tese, para recuperação de parte do crédito do judiciário, tão desacreditado em função da mora processual.
REFERÊNCIAS
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Notas
- FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário da língua portuguesa. 1. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, [19?].
- GRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. Vol. III.
- MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de direito processual civil. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2006. Vol. III.
- FERREIRA, Pinto. Curso de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 1998.
- THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil – Processo de Execução e cumprimento de sentença , processo cautelar e tutela de urgência. 47. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008. Vol. II
- WAMBIER, Luiz Rodrigues . Curso avançado de processo civil. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2008. Vol III.
- MARINONI, Luiz , Curso de processo civil – Processo cautelar. São Paulo: Revista dos Tribunais 2008. Vol IV.
- WAMBIER, Luiz Rodrigues . Op cit, nota 6.
- MARINONI, Luiz Rodrigues; Mitidiero, Daniel. Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo. São Paulo: Revista dos Tribunais 2008.
- CARNELUTI, Francesco; [TRADUTOR: Adrian Sotero de Witt Batista]. Instituições do processo civil. Campinas: Servanda 1999.
- WAMBIER, Luiz Rodrigues. Op cit. nota 6
- GRECO, Vicente Filho. Op cit. nota 2
- MOREIRA. José Carlos Barbosa. Temas de direito Processual. Segunda série. São Paulo: Saraiva, 1980.
- WAMBIER, Luiz Rodrigues. Op cit. nota 6
- WAMBIER, Luiz Rodrigues. Passim.
- WAMBIER, Luiz Rodrigues. Passim.
- WAMBIER, Luiz Rodrigues. Op cit. nota 20.
- MITIDIERO. Daniel. Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais 2008.
- GRECO, Vicente Filho. Op cit. nota 2.
- BRASIL. Código de Processo Civil. Disponível em http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/Leis/L5869.htm. Acesso em 14/02/2009. Cf. Art. 797 "Só em casos excepcionais, expressamente autorizados por lei, determinará o Juiz medidas cautelares sem a audiência das partes".
- CARPENA, Márcio Louzada. Do Processo Cautelar Moderno. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004.
- CARPENA, Márcio Louzada. Passim.
- THEODORO JÚNIOR, Humberto. Op cit. nota 5.
- THEODORO JÚNIOR, Humberto. Op cit., p. 53, Cf.: "O juiz no processo nunca pode deixar de praticar o ato necessário, segundo a regra legal. A conveniência e a oportunidade decorrem da própria vontade da lei. Ao juiz cabe apenas a liberdade restrita de traçar-lhe o conteúdo prático."
- CARPENA, Márcio Louzada. Op cit. nota 33.
- THEODORO JÚNIOR, Humberto. Op cit. nota 5.
- THEODORO JÚNIOR, Humberto. Passim.
- LOPES DA COSTA apud THEODORO JUNIOR, Humberto. Passim.
- CARPENA, Márcio Louzada. Op cit. nota 30.
- LOPES DA COSTA apud THEODORO JUNIOR, Humberto. Op cit. nota 5.
- WAMBIER, Luiz Rodrigues. Op cit. nota 20.
- THEODORO JÚNIOR, Humberto. Op cit. nota 5.
- THEODORO JÚNIOR, Humberto. Passim.
- THEODORO JÚNIOR, Humberto. Passim.
- WAMBIER, Luiz Rodrigues. Op cit. nota 5
- ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação da tutela. São Paulo: Saraiva, 1997.
- ZAVASCKI, Teori Albino. Passim.
- ZAVASCKI, Teori Albino. Op cit. nota 97.
- ZAVASCKI, Teori Albino. Op cit. p.71. nota 97. In verbis: "Essa canalização para dentro do processo de conhecimento, do ‘poder geral de tutela’, era recomendado por importante corrente da doutrina, preocupada com a artificialidade que se criara, especialmente quanto as chamadas ‘cautelares satisfativas’, de natureza tipicamente antecipatória, até então obtidas por ação cautelar autônoma, que, na prática era processada e julgada junto com a ação principal."
- MARINONI, Luiz. Guilherme. Op cit. nota 65.
- MARINONI, Luiz. Guilherme. Op cit. nota 65.
- MARINONI, Luiz. Guilherme. Passim.
- MARINONI, Luiz. Guilherme. Passim.
- Este assunto foi tratado, com maior profundidade, no ponto 3.3 deste Capítulo.