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Notas sobre representação política no sistema distrital

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01/06/1999 às 00:00
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IV) SISTEMAS MAJORITÁRIOS UNI OU PLURINOMINAIS E VOTO DISTRITAL

Convém se estabeleça que sistema distrital e voto distrital são coisas distintas. Na definição de SÉRVULO DA CUNHA "o voto é distrital quando o eleitor só pode votar em candidatos do seu distrito. Isto independe do modo como se fará a distribuição dos cargos de deputados: se pelo sistema proporcional, se pelo sistema majoritário. Quando o voto é distrital e a atribuição de cadeiras pelo modo majoritário, o sistema é distrital" (36).

Na prática pode-se dizer que no Brasil, por exemplo, a eleição para deputado federal se faz pelo sistema proporcional (porque as cadeiras são distribuídas proporcionalmente entre os partidos), através do voto distrital (porque para composição da Câmara dos Deputados o eleitor só pode votar em candidatos do seu estado, que funciona, no caso, como distrito eleitoral) (37) .

O sistema seria ainda distrital se um estado que eleja sessenta deputados fosse dividido em sessenta distritos uninominais, ou trinta ou vinte plurinominais, elegendo respectivamente dois ou três deputados, desde que a distribuição de cadeiras fosse feita aos mais votados em cada distrito ou circunscrição eleitoral.

IV. I) Proposta de Modificação do sistema eleitoral em Portugal (Resolução do Conselho de Ministros nº 195/97):

Em Portugal a Resolução do Conselho de Ministros nº 195/97 propunha alterações ao sistema eleitoral como parte da reforma da Lei Eleitoral, dividindo o país em três níveis de círculos eleitorais - o nacional, com sede em Lisboa, os parciais (art. 2º, nº 1) coincidindo, no continente, com as áreas dos distritos administrativos (art. 12, nº 2) e os uninominais em que se dividem estes últimos (art. 13). Grosso modo, duas eram as alterações substanciais no sistema eleitoral vigente cuja introdução se pretendia através da referida proposta de lei, a saber: a reestruturação do mapa dos círculos eleitorais, fundindo alguns e fragmentando outros, e o abandono do sistema de lista fechada, pela atribuição de mandato ao candidato que tivesse obtido maior votação no círculo uninominal: introduzia, portanto, uma componente maioritária, o que a aproximava do sistema alemão (38).

Em que pese a alteração dos sistemas eleitoral e partidário em Portugal já vir sendo preconizada desde a eleição do primeiro Presidente da República oriundo do sistema partidário em 86 e a obtenção da primeira maioria absoluta por um só partido em 87, a proposta foi rejeitada no Parlamento por voto do partido de oposição ao atual governo, o PSD, e mais o CDS/PP e o PCP. Pode ser que a tendência apontada por RAE de compressão da proporcionalidade pela diminuição dos círculos eleitorais, referida no caso português por ANTÔNIO VITORINO (39), somada à baixa tendência à migração do eleitorado português (40), tenha de alguma forma determinado o receio de se fortalecer uma maioria parlamentar socialista atualmente no poder em Portugal, como, aliás, na maioria dos países da União Européia.

IV. III) Críticas ao sistema distrital:

Usaremos a justifcativa constante da referida proposta de Lei do Conselho de Ministros português para expor as demais críticas que, na doutrina, se fazem ao sistema distrital. Dela constava expressamente ter-se pretendido, com a introdução da reforma, "uma maior personalização, aproximação e responsabilização política do eleito perante o eleitor". Fica claro que o legislador português cerrou posição ao lado dos defensores do distritalismo, no que diz respeito à maior interação entre representante e representados.

Vale notar que a doutrina brasileira já se ocupou especialmente do tema tempos atrás, e, mais recentemente, quando da implantação do sistema distrital no país através da Emenda Constitucional nº 22/82, que não chegou a entrar em vigor devido à morte do Presidente Tancredo Neves e a convocação da Assembléia Nacional Constituinte. Mas os debates travados na época culminaram por colocar em evidência os argumentos mais comumente utilizados a favor e contra o sistema:

a) Comentando as pretensas vantagens do distritalismo, ALVES DE SOUZA diz que o "conhecimento mais íntimo" do candidato pelo eleitor (o que pareceu se pretender na Mensagem com peronalização e aproximação) não gera, necessariamente, maior autenticidade de voto. A seu ver, a autenticidade deve decorrer, não só do conhecimento pessoal, mas também da capacidade política e dos programas apresentados pelo candidato. Assinala, mesmo, que a aproximação pelo conhecimento pode trazer uma deturpação, porque leva ao voto no conhecido, no compadre, mais do que no candidato (41) (42).

b) esta aproximação pode se dar ainda do representante eleito ao distrito que o elegeu, e aí se diz do perigo que haveria nesse sistema da diminuição do nível de capacidade dos candidatos, despreparados para enfrentar questões de âmbito nacional (43). Comentando este aspecto, NICOLAU indaga sobre o porquê de a representação territorial dever produzir resultados mais efetivos, numa época em que os eleitores estabelecem com seus representantes uma série de relações de identidade - feminismo, sindicalismo, raça etc (44). Não por outro motivo, em Portugal o art. 11 da Lei nº 14/79 (Lei Eleitoral para a Assembléia da República) estabelece que "os deputados da Assembléia da República representam todo o país, e não o círculo por que são eleitos."

c) quanto à responsabilização política, como regra geral esta só pode existir na medida em que o eleitor pode deixar de eleger no próximo pleito um candidato cuja atuação parlamentar não o tenha agradado - a não ser que haja o instituto do recall, o que não é o caso em Portugal, e, de resto, na maioria dos países ocidentais (45).

d) a adoção dos círculos uninominais é passível de suscitar questões delicadas no que diz respeito à sua demarcação. Na prática, dificuldades deverão surgir ao se ter de desdobrar regiões administrativas, fundindo-as ou dividindo-as (46). Não se pretende, aqui, fazer qualquer menção à prática referida na doutrina como gerrymandering - ao contrário, a demarcação de distritos eleitorais tem geralmente regras rígidas e transparentes - mas do sentimento de afinidade e unidade territorial que mesmo num estado unitário (que não tem entes federados), e territorialmente pequeno – caso de Portugal - visivelmente existe entre os habitantes das diversas regiões do país (47) (48).

e) outra objeção que se faz ao sistema distrital diz respeito à desigualdade que o mesmo introduz com relação à representação política, em si, dos cidadãos. A rigor, o princípio da igualdade não se concretiza a nível eleitoral no sistema majoritário, em que pouco menos da metade do eleitorado pode vir a ser representada por um deputado eleito por pouco mais. A questão aí não se restringe apenas ao fato de uma parcela do eleitorado ficar sem representação, mas sim, a de o próprio sistema gerar uma desigualdade, oriunda da falta de representação. Por exemplo, no caso que ora se comenta, a Resolução do Conselho de Ministros da República Portuguesa deixava claro que os votos desperdiçados nos distritos eram passíveis de serem aproveitados no círculo nacional, desde que, pela fórmula eleitoral adotada (método d´ Hondt), fosse atribuído ao partido ao menos um dos 226 assentos.

IV.IV) Desproporcionalidade entre votos e assentos:

Para se ter uma idéia da desigualdade entre a votação e a atribuição de assentos em alguns sistemas eleitorais de conformação majoritária, vejam-se os dados abaixo, referentes a países que, nos períodos indicados, adotavam sistemas deste tipo:

  1. África do Sul: (os dois maiores partidos)

Partidos

Votos

Assentos

1961

Partido Unido

36,2%

31,4%

Partido Nacional

46,54%

67,4%

1966

Partido Unido

37,1%

23,5%

Partido Nacional

58,6%

75,9%

1970

Partido Unido

37,5%

28,5%

Partido Nacional

54,9%

70,9%

1974

Partido Unido

31,4%

25,7%

Partido Nacional

55,1%

70,2%

2) Estados Unidos da América – Presidenciais (Colégio Eleitoral): (os dois maiores partidos)

Partidos

Votos

Assentos

1960

Democratas

49,7%

56,4%

Republicanos

49,5%

40,8%

1964

Democratas

61,1%

90,3%

Republicanos

38,5%

9,7%

1968

Democratas

42,7%

35,5%

Republicanos

43,4%

55,9%

1972

Democratas

37,5%

3,2%

Republicanos

60,7%

96,7%

1976

Democratas

50,4%

55,2%

Republicanos

48,3%

44,8%

1980

Democratas

41,0%

9,0%

Republicanos

50,7%

91,0%

3)Grã Bretanha: (os três maiores partidos)

Partidos

Votos

Assentos

1964

Conservador

43,4%

48,3%

Trabalhista

44,1%

50,3%

Liberal

11,2%

1,4%

1966

Conservador

41,9%

40,2%

Trabalhista

47,9%

57,6%

Liberal

8,5%

1,9%

1970

Conservador

46,4%

52,4%

Trabalhista

43,0%

45,5%

Liberal

7,5%

0,9%

1974

Conservador

38,2%

46,6%

Trabalhista

37,2%

47,4%

Liberal

19,3%

2,2%

1974

Conservador

35,8%

43,6%

Trabalhista

39,2%

50,2%

Liberal

18,3%

2,1%

1979

Conservador

43,9%

53,4%

Trabalhista

36,9%

42,2%

Liberal

13,8%

1,7%

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4) Nova Zelândia: (os três maiores partidos)

Partidos

Votos

Assentos

1960

Nacionalistas

47,6%

57,5%

Trabalhistas

43,5%

42,0%

Social Credit

8,6%

0%

1963

Nacionalistas

47,1%

56,2%

Trabalhistas

43,7%

43,8%

Social Credit

7,9%

0%

1966

Nacionalistas

43,6%

55,0%

Trabalhistas

41,4%

43,8%

Social Credit

14,5%

1,2%

1969

Nacionalistas

45,2%

53,6%

Trabalhistas

44,3%

46,4%

Social Credit

9,2%

0%

1972

Nacionalistas

41,5%

36,8%

Trabalhistas

48,4%

63,2%

Social Credit

6,7%

0%

1975

Nacionalistas

47,4%

60,9%

Trabalhistas

39,7%

35,6%

Social Credit

7,4%

1,2%

1978

Nacionalistas

39,7%

55,4%

Trabalhistas

40,3%

43,5%

Social Credit

16,3%

0,9%

Fonte: NOHLEN, Sistemas Electorales…

Na África do Sul, nos pleitos de 70 e 74 a desproporção entre a votação obtida por cada um dos partidos referidos na tabela e o número de assentos conquistados pelos mesmos é gritante. Da mesma forma na eleição para o Colégio Eleitoral que elege o Presidente da República nos Estados Unidos da América, observam-se desproporções consideráveis nos pleitos de 64 – a favor dos Democratas – e 72 e 80 – a favor dos Republicanos. Na Nova Zelândia, em 66, 69 e 72 a distância entre o número de assentos conquistados respectivamente por Nacionalistas e Trabalhistas guarda também alguma desproporção com relação à votação, enquanto que o sistema que parece se mostrar mais equilibrado, no período estudado, é o britânico.

Acima já se fez referência ao estudo de TAAGEPERA e SHUGART sobre o efeito psicológico da atribuição de assentos aos partidos sobre o eleitorado – a tendência deste de deixar de votar no partido em última análise prejudicado pelo sistema eleitoral. Mas em que medida a desproporção entre a votação obtida pelo partido e a atribuição de cadeiras a este mesmo partido pode afetar a disposição dos seus eleitores não só de continuar a votar num partido "perdedor", mas de continuar a participar do processo eleitoral? Isto é, será que haverá alguma relação entre o sistema eleitoral e o nível de abstenção dos eleitores?

Não foi escopo deste trabalho coletar dados numéricos e manipulá-los. Os únicos dados utilizados são simplesmente demonstrativos de uma realidade efetivamente conhecida – o sistema majoritário introduz distorções na representação do corpo eleitoral no que diz respeito à proporcionalidade desta representação. No entanto, cremos que a investigação experimental do problema apontado pode levar a alguma conclusão de relevo. O que parece é que o efeito psicológico descrito por TAAGEPERA e SHUGART pode se verificar no seio de um eleitorado cujo nível de conscientização política seja bastante elevado, em que o eleitor esteja efetivamente preocupado em participar politicamente. Mas que dizer de sociedades onde o grau de politização seja menor? Ou mesmo de sociedades multiétnicas, no sentido de várias etnias convivendo dentro das mesmas fronteiras nacionais, com predominância social, política, cultural ou mesmo militar de umas sobre as outras, caso de alguns países africanos (49) (50)?

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Sobre o autor
Getúlio Marcos Pereira Neves

juiz de Direito em Vitória (ES), mestre em Ciências Jurídico-Criminais pela Universidade de Lisboa

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NEVES, Getúlio Marcos Pereira. Notas sobre representação política no sistema distrital. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 4, n. 32, 1 jun. 1999. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1504. Acesso em: 5 nov. 2024.

Mais informações

O presente trabalho se baseia na monografia "Aspectos da Representação Política no Sistema Distrital", apresentado na cadeira de Ciência Política no mestrado em Ciências Jurídico Criminais na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.

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