Questão que se apresenta tormentosa na doutrina pátria é determinar qual a teoria adotada como fundamento para a responsabilidade objetiva do Estado. Para alguns, a teoria adotada é a do risco administrativo; para outros, é a teoria do risco integral. Há, ainda, aqueles que sustentam que, na verdade, não existe diferença entre as teorias, tratando-se, apenas, de uma questão semântica.
Sérgio Cavalieri Filho, acerca do tema, preconiza que a teoria do risco, adaptada para a atividade pública, serviu como fundamento para a responsabilidade objetiva do Estado, resultando daí, a teoria do risco administrativo. Para esta, a Administração Pública, em decorrência de suas atividades normais ou anormais, acaba por gerar risco de dano à comunidade. Considerando que as atividades são exercidas em favor de todos, não seria justo que apenas alguns arcassem com os ônus por elas gerados, motivo pelo qual deve o Estado, como representante do todo, suportar os ônus, independente de culpa de seus agentes [01].
Essa teoria se apresenta como uma "[...] forma democrática de repartir os ônus e encargos sociais por todos aqueles que são beneficiados pela atividade da Administração Pública" [02].
Para o aludido autor, por conseguinte, essa teoria não se confunde com a teoria do risco integral, a qual se mostra como "modalidade extremada da doutrina do risco para justificar o dever de indenizar mesmo nos casos de culpa exclusiva da vítima, fato de terceiro, caso fortuito ou de força maior". Ao contrário desta teoria, a teoria do risco administrativo, embora dispense a vítima da prova da culpa, permite ao Estado afastar a sua responsabilidade nos casos de exclusão do nexo causal [03].
Para Hely Lopes Meirelles, por sua vez,
A teoria do risco administrativo faz surgir a obrigação de indenizar o dano do só ato lesivo e injusto causado à vítima pela Administração. Não se exige qualquer falta do serviço público, nem culpa de seus agentes. Basta a lesão, sem o concurso do lesado [04].
Entende o referido autor que a teoria do risco administrativo não se confunde com a teoria do risco integral. Nesta, "a Administração ficaria obrigada a indenizar todo e qualquer dano suportado por terceiros, ainda que resulte de culpa ou dolo da vítima"; no risco administrativo, por conseguinte, embora se dispense a prova da culpa da Administração, permite-se que o Poder Público demonstre a culpa da vítima para excluir ou atenuar a indenização [05].
Yussef Said Cahali, criticando a distinção feita por Hely Lopes Meirelles, afirma que esta se revela "artificiosa e carente de fundamentação científica", já que, essencialmente, o autor identifica na regra constitucional uma simples presunção de culpa, passível de ser elidida por contraprova apresentada pela Administração Pública. Acrescenta Cahali que a distinção entre risco administrativo e risco integral feita por Hely Lopes leva em consideração, apenas, as conseqüências de cada modalidade: o risco administrativo admite a contraprova de excludente de responsabilidade, "[...] efeito que se pretende seria inadmissível se qualificado como risco integral, sem que nada seja enunciado quanto à base ou natureza da distinção". [06] Finaliza Cahali o seu entendimento asseverando que
Desenganadamente, a responsabilidade objetiva da regra constitucional – concordes todos, doutrina e jurisprudência, em considerá-la como tal – se basta com a verificação do nexo de causalidade entre o procedimento comissivo ou omissivo da Administração Pública e o evento danoso verificado como conseqüência; o ato do próprio ofendido ou de terceiro, o caso fortuito ou de força maior, argüidos como causa do evento danoso, impediriam a configuração do nexo de causalidade (assim, então, rompido), elidindo daí, eventual pretensão indenizatória [07].
Corroborando seu posicionamento, Cahali colacionou a opinião de Almiro do Couto e Silva, muito esclarecedor ao afirmar que
A noção de responsabilidade objetiva, como foi posta na Constituição, supera as diferentes espécies de responsabilidade conhecidas (por culpa individual, por falha ou culpa do serviço, por risco, pela distribuição desigual dos encargos públicos), apagando a importância de cada uma delas para fundi-las em conceito mais abstrato e dilatado, de modo a proporcionar, assim, o maior amparo possível à vítima. Esta só não será ressarcida caso tenha culpa exclusiva na produção do evento ou que o dano resulte exclusivamente de força maior ou de fato de terceiro. Em suma, se não existir nexo de causalidade entre a ação ou omissão do Estado e o prejuízo. [08]
Entre os que entendem que a distinção entre risco administrativo e risco integral se trata apenas de uma questão terminológica, pode-se acrescentar, ainda, Di Pietro [09], para quem "Todos parecem concordar em que se trata de responsabilidade objetiva, que implica averiguar se o dano teve como causa o funcionamento de um serviço público, sem interessar se foi regular ou não [...]", cabendo a alegação de circunstâncias que excluem ou atenuam a responsabilidade do Estado.
O posicionamento segundo o qual a distinção entre as teorias se trata apenas de uma questão terminológica parece ter sido motivada pelo fato de que alguns autores, ao tratar da teoria do risco integral, admitem a oposição de causas excludentes de responsabilidade, o que, para outros, caracterizaria a teoria do risco administrativo.
Não obstante essas divergências, a teoria do risco administrativo vem sendo dominantemente adotada pela doutrina, tendo em vista que se mostra a mais adequada para a compreensão da responsabilidade civil do Estado, acrescentando-se que, na legislação brasileira, a Administração Pública pode ser responsabilizada na forma de risco integral apenas quando praticar dano ambiental, consoante dispõe o artigo 14 da lei 6.938/81 e o artigo 225, § 3° da Constituição Federal, ou dano nuclear, nos termos do artigo 21, XXIII, alinea d da Carta Política.
Por fim, cumpre destacar que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, em consonância com a doutrina majoritária, entende que a teoria adotada por nosso ordenamento jurídico, como regra, foi a do risco administrativo, a qual, conforme sobredito, admite que o Estado demonstre em sua defesa a presença de causa excludente de responsabilidade (AgR no AI 577908/GO; AgR no AI 636814/DF).
Notas
- CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 252.
- Ibid., p. 253.
- Ibid., p. 253.
- MEIRELLES, Helly Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 28. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 623.
- Ibid., p. 624.
- CAHALI, Yussef Said. Responsabilidade Civil do Estado. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.p. 40.
- Ibid., p. 40.
- COUTO E SILVA apud CAHALI, Yussef Said. Responsabilidade Civil do Estado. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 40.
- DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2004. p. 552.