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Ações autônomas de impugnação no juizado especial federal cível

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Resumo:


  • Há diversas hipóteses de manejo de ações autônomas de impugnação nos Juizados Especiais Cíveis Federais, apesar da legislação ser omissa sobre o assunto.

  • Alguns dos principais meios impugnativos analisados incluem mandado de segurança, ação rescisória e querela nullitatis insanabilis.

  • É importante ponderar o cabimento dessas ações de forma criteriosa, considerando a irrecorribilidade, o prestígio das decisões e a abreviação dos processos como premissas principiológicas.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Além das conhecidas ações — mandado de segurança, ação rescisória e a anulatória do artigo 486 do Código de Processo Civil (CPC) — será dado enfoque à "querela nullitatis insanabilis".

Resumo: Este artigo tem por escopo fazer considerações acerca das ações autônomas de impugnação do sistema processual dos Juizados Especiais Cíveis Federais. Embora sem referência na legislação específica, doutrina e jurisprudência são acordes em asseverar o cabimento desses remédios jurídicos para combater decisões teratológicas nesse microssistema jurídico processual. Serão analisados os principais meios impugnativos, demonstrando a existência ou não de sua viabilidade jurídico-legal, à luz ordenamento jurídico positivo, bem como sob a ótica da cultura jurídica nacional. Além das conhecidas ações — mandado de segurança, ação rescisória e a anulatória do artigo 486 do Código de Processo Civil (CPC) — será dado enfoque à querela nullitatis insanabilis. Todo o exame legal, jurisprudencial e doutrinário será feito levando em consideração as linhas mestras que informam a aptidão processual dos Juizados Especiais Federais, sobretudo os princípios da simplicidade, informalidade e economia processual.

Palavras-chave: Juizados Especiais Federais. Ações Autônomas de Impugnação. Cabimento. Decisões Teratológicas. Efetividade Processual.


1. INTRODUÇÃO

O sistema dos Juizados Especiais Federais foi criado pela Lei nº 10.259, de 12 de julho de 2001, cujas disposições são subsidiadas pela Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995.

A criação dos Juizados Especiais atendeu a dispositivo constitucional encartado no inciso I do artigo 98 da Constituição do Brasil, tendo o §1º desse referido artigo previsto a criação no âmbito da Justiça Federal.

A intenção do legislador era resolver casos de menor complexidade, com especialização de um ramo do Judiciário, a fim de possibilitar maior celeridade nas varas comuns, onde se processam causas que demandam especulações fáticas mais intricadas, as quais tinham o mesmo rito de hipóteses menos relevantes.

De logo, deve-se alertar, como o faz Santos e Chimenti (2004, p. 1), "que as questões de direito, por mais intrincadas e difíceis que sejam, podem ser resolvidas dentro do Sistema dos Juizados Especiais". Portanto, a menor complexidade, referida nos dispositivos legais, diz respeito aos aspectos probatórios, e não ao direito discutido. O que afasta a competência dos Juizados Especiais é a dificuldade de elucidar fatos. A questão de direito, por mais complexa que seja, não é motivo para declinação de competência do Juizado Especial.

Inicialmente, com a Lei nº 9.099/95, somente na esfera estadual e com exclusão de pessoas jurídicas de direito público era possível a instituição de juizados especiais, sua criação no âmbito da Justiça da União não tinha permissivo legal, devendo-se ainda esperar por uma lei instituidora. E foi o que fez a referida Lei 10.259/20011.

Com efeito, o administrado, prejudicado por um ato de autoridade federal, tinha de seguir o moroso processo comum, com os privilégios concedidos à fazenda pública, para sanar eventual ilegalidade. Assim, é que a lei criou esse novo sistema processual a fim de possibilitar uma solução mais rápida, atendendo, desse modo, o direito constitucional de acesso à justiça.

A previsão recursal do sistema do Juizado Especial é bastante simplificada em relação ao rito ordinário previsto para a Justiça Comum. Várias hipóteses recursais foram abolidas para permitir maior celeridade.

Por força dessa restrição de hipóteses de recurso, que permeia tanto a Lei nº 10.259/2001 como a Lei nº 9.099/95, a melhor hermenêutica é no sentido de sempre conferir interpretação que limite os casos de recursos. No entanto, por trás da irrecorribilidade de algumas decisões judiciais, podem-se camuflar grandes injustiças, veiculadas em decisões teratológicas, as quais desafiam até o mais neófito examinador das regras processuais, daí por que é necessário criterioso exame dos meios impugnativos.

Desse modo, é que a hipótese de manejo de recursos nessa seara do Judiciário tem sido muito discutida, no entanto o cabimento de ações autônomas de impugnação não tem merecido a devida apreciação. De fato, existe um vazio de teorias sobre tal assunto. E o presente artigo almeja fazer uma pequena iniciação sobre esse tema de grande importância.


2. A RECORRIBILIDADE NO SISTEMA DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS

A Lei nº 9.099/95, que regula os Juizados Especiais2 no âmbito da Justiça Estadual, abriu a possibilidade de existência somente de três espécies recursais, a saber: o recurso inominado (que corresponde à apelação do sistema comum), embargos de declaração e recurso extraordinário. As decisões interlocutórias seriam irrecorríveis, cabendo recurso somente da sentença.

Desse modo, apenas o recurso extraordinário, por força do inciso III do artigo 102 da Constituição do Brasil, é apreciado por magistrados não componentes do Juizado, porquanto não se pode subtrair da apreciação do Supremo Tribunal Federal (STF) qualquer decisão final que contrarie dispositivo constitucional, que declare a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal, que julgue válida lei ou ato de governo local contestado em face da Constituição ou que tenha como válida lei local contestada em face de lei federal.

Diferentemente do quadro traçado para os Juizados Especiais Cíveis Comuns3, a sistemática recursal nos Juizados Cíveis Federais apresenta marcantes diferenças. As duas principais residem na possibilidade de recurso contra decisão interlocutória que "deferir medidas cautelares no curso do processo, para evitar dano de difícil reparação" (artigo 4º da Lei nº 10.259, de 12 de julho de 2001) e na irrecorribilidade das sentenças sem resolução de mérito (interpretação do artigo 5º da aludida lei).

Desse modo, houve aumento considerável das hipóteses recursais nos Juizados Cíveis Federais. É que, além das previstas na Lei nº 9.099/95, a Lei nº 10.259/2001 inovou o sistema recursal, com modalidades de recursos diferentes das que existem no Juizado Especial Cível Comum.

Deve-se salientar que a Lei nº 9.099/95 é também reitora dos Juizados Federais, naquilo em que não conflitar com a Lei nº 10.259/2001, consoante se conclui ao ler o artigo 1º desse diploma legal. Portanto, todos os recursos previstos naquela lei são cabíveis no âmbito federal, desde que a Lei nº 10.259/2001 não afaste expressamente a hipótese de cabimento.

Logo, com as inovações, são cabíveis sete espécies de recursos, a saber:

  • a) Agravo contra as medidas de urgência, seja de índole cautelar ou de antecipação de tutela, a qual implique insuportável dano jurídico à parte, segundo previsão dos artigos 4º e 5º da Lei nº 10.259/2001.

  • b) Apelação ou recurso inominado (como prefere a jurisprudência e boa parte da doutrina) contra a sentença que resolve o mérito da demanda. A fonte normativa desse recurso é o artigo 1º da Lei nº 9.099/95.

  • c) Uma vez julgado o recurso inominado (ou apelação), é cabível Incidente de Uniformização de Turmas da mesma Região, como se infere pela leitura do §1º do artigo 14 da Lei nº 10.259/2001.

  • d) Também em face do julgamento do recurso inominado (ou apelação), surge a possibilidade de manejo do Incidente de Uniformização de Turmas de Regiões Diversas, consoante conclusão extraída do §2º do artigo 14 da Lei nº 10.259/2001.

  • e) Se o acórdão que julgar o Incidente de Uniformização de Turmas de Regiões Diversas, aplicando o direito material, contrariar súmula ou jurisprudência dominante no Superior Tribunal de Justiça (STJ), a parte interessada poderá provocar a manifestação deste, que dirimirá a divergência. Trata-se do recurso denominado de Incidente de Uniformização ao STJ.

  • f) Em qualquer caso, quando for prolatada sentença ou acórdão, se houver obscuridade, contradição, omissão ou dúvida, é cabível o recurso de embargos de declaração.

Por fim, cumpre asseverar que de toda decisão definitiva é cabível o Recurso Extraordinário. Desse modo, da sentença, que não resolve o mérito (terminativa), mas que arranhar a Constituição, é cabível o recurso para o Supremo Tribunal Federal, bem como na hipótese dos acórdãos que resolverem os recursos inominados, de Incidente de Uniformização de Turmas da mesma Região, de Incidente de Uniformização de Turmas de Regiões Diversas, de Incidente de Uniformização ao STJ também se enquadrarem na perspectiva do inciso III do artigo 102 da Constituição do Brasil.


3. AS AÇÕES AUTÔNOMAS DE IMPUGNAÇÃO

Com a pletora de recursos mencionada no item anterior, poderia soar como uma heresia falar em ações autônomas de impugnação nos Juizados Especiais Cíveis Federais. No entanto, casos existem nos quais se entremostram ofensas teratológicas ao direito que não são passíveis de resolução pelos recursos acima alinhavados. Só lançando mão de ações autônomas de impugnação, poder-se-ão afastar tais máculas, saneando o ordenamento dessa perversão jurídica.

Na seara cível, mencionam-se o mandado de segurança, a ação rescisória, a reclamação para o Supremo Tribunal Federal e para o Superior Tribunal de Justiça e a querela nullitatis, além dos embargos à execução, que ainda remanescem na hipótese de execução contra a fazenda pública, como ações autônomas de impugnação. Na hipótese dos embargos, funcionam como tal apenas no caso previsto no inciso I do artigo 741 do CPC.

Como o sistema dos Juizados Especiais Federais tem peculiaridades que os tornam diferentes das regras gerais do sistema processual comum, aplicável às causas em geral, sobretudo as regidas pelo Código de Processo Civil, é necessário perquirir quais desses meios de impugnação têm aplicação nessa parte específica do processo positivo. É o que se fará nos próximos tópicos.


4. MANDADO DE SEGURANÇA

A ação rescisória é prevista, como remédio extremo, para enfrentar sentenças transitadas em julgado, as quais albergam em seu âmago vícios anatemáticos.

Como conceito exemplar, menciona-se o fornecido por Moreira (2003, p. 95) "chama-se rescisória à ação por meio da qual se pede a desconstituição de sentença transitada em julgado, com eventual rejulgamento, a seguir, da matéria nela julgada". Sua sede normativa é o artigo 485 do Código de Processo Civil, que lista, de forma exaustiva, as hipóteses de cabimento desse meio de impugnação de sentença.

Nesta obra, não se aprofundará sobre as hipóteses que ensejam o manejo dessa ação autônoma de impugnação, mas apenas a possibilidade de sua utilização no âmbito do Juizado Especial Cível Federal, porquanto o artigo 59 da Lei 9.099/95 veda expressamente o manejo desse instrumento impugnativo contra decisões prolatadas pelo magistrado no exercício na competência dos Juizados Especiais. Acrescente-se que esse artigo 59 tem aplicação nos Juizados Federais, visto que o artigo 1º da Lei 10.259/2001 manda aplicar as disposições daquela lei, no que não conflitar com os dispositivos desta última. E, como a Lei 10.259/2001 não diz explicitamente ser cabível a ação rescisória, conclui-se que, ao menos em sede legal, vigora a vedação do aludido artigo 59.

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Todavia, muitos argumentam que o artigo 59 seria inconstitucional, visto que a Constituição prevê a ação rescisória em face de sentenças proferidas pelos Juízes Federais, como é dito pelo artigo 108, inciso I, alínea b, o qual assevera que competem aos Tribunais Regionais Federais as revisões criminais e as ações rescisórias de julgados seus ou dos juízes federais da região.

Também se argumenta que o direito discutido no Juizado Federal é indisponível, porque público, ao contrário do que acontece no Juizado Estadual Comum, que trata de direito disponível privado. Sob essa ótica, o artigo 59 da Lei 9.099/95 conflitaria com o espírito da Lei 10.259/2001, não sendo aplicável no âmbito do Juizado Federal. Tal defesa é feita por Oliveira (2007), o qual deixa entendido que

Como todas as demandas que tramitam perante a Justiça Federal envolvem interesse direto ou reflexo da União, seja por si ou por uma de suas Autarquias o Fundações, esta análise acerca da incompatibilidade ou não da ação rescisória com Justiça Federal é imprescindível para que se preserve o direito de ver submetido a julgamento uma das situações elencadas no art. 485. do CPC. Este direito é o direito constitucional de ação.

Todavia, o enunciado 44 do FONAJEF, que são os fóruns nacionais dos juizados especiais, organizados pela Associação dos Juízes Federais do Brasil, diz o seguinte (ASSOCIAÇÃO DOS JUÍZES FEDERAIS DO BRASIL, 2005): "Não cabe ação rescisória no JEF. O artigo 59 da Lei nº 9.099/95 está em consonância com os princípios do sistema processual dos Juizados Especiais, aplicando-se também aos Juizados Especiais Federais".

Realmente, esse enunciado deve ser prestigiado e conta com grande adesão da jurisprudência e da doutrina, porquanto, consoante se explanou no início deste opúsculo, a melhor interpretação, em tema de juizados especiais, é aquela que afasta a recorribilidade ou que adia ou protela a definição final sobre o direito em controvérsia.

Daí porque essa ação autônoma de impugnação não tem cabimento no Juizado Especial Cível Federal.


6. AÇÃO ANULATÓRIA DO ARTIGO 486 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

A Lei 10.259/2001, mediante seu artigo 10, parágrafo único, foi pioneira em aceitar, de modo generalizado, a possibilidade de os representantes judiciais da União, autarquias, fundações e empresas públicas federais de conciliar, transigir ou desistir. É bem verdade que antes havia hipóteses, mas que eram bem pontuais, feitas para casos específicos.

Pois bem, no caso entabulamento de acordo, a sentença é meramente homologatória, reconhecendo apenas a existência do negócio jurídico firmado pelas partes. Portanto, o acordo, a que achegaram as partes, é um típico negócio jurídico, que pode ser afetado por um dos vícios que acarrete sua nulidade ou anulabilidade, dependendo do enquadramento da ocorrência nas hipóteses dos artigos 138 a 165 e 171 ou dos artigos 166 e 167, todos do Código Civil (Lei nº 10.06, de 10 de janeiro de 2002).

Desse modo, o artigo 486 do Código de Processo Civil deixa patente que "Os atos judiciais, que não dependem de sentença, ou em que esta for meramente homologatória, podem ser rescindidos, como os atos jurídicos em geral, nos termos da lei civil".

Até por força do grande número de audiências e, consequentemente, de acordos, não é nada desprezível a possibilidade, sobretudo em causas que envolvam fatos e principalmente nas previdenciárias, de haver equívocos, erros e dolo.

Nesse caso, principalmente quando o administrado age com dolo e o representante da fazenda pública tem noção falsa da realidade, passam a existirem motivos para a anulação do acordo, visto que se trata de negócio jurídico anulável, nos termos do artigo 145 do Código Civil.

Todavia, para que se anule o negócio jurídico, necessário que se anule a sentença de homologação. Daí por que a ação prevista no artigo 486 do CPC é meio autônomo de impugnação de decisão judicial.

Lançadas essa premissas, deve-se perquirir sobre a possibilidade de sentenças proferidas por magistrado, no exercício da competência do Juizado Especial Federal, serem objeto dessa modalidade de impugnação. A resposta é positiva.

Com efeito, a jurisprudência vem pacificamente aceitando a ação do precitado artigo 486. Desse modo, é que a Juíza Substituta da 18ª Vara Federal da Subseção de Sobral — Débora Aguiar da Silva Santos — ementou sua sentença (BRASIL, 2008), acolhendo pedido formulado pelo INSS, da seguinte forma, ao julgar o processo nº 2008.81.03.00833-0:

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO ANULATÓRIA. ART. 486, CPC. ACORDO HOMOLOGADO EM JUÍZO. ILICITUDE DO OBJETO. VEDAÇÃO LEGAL À PERCEPÇÃO DE MAIS DE UMA PENSÃO POR MORTE DEIXADA POR CÔNJUGE OU COMPANHEIRO (ART. 124, LEI Nº 8.213/91). CONDIÇÃO DE PENSIONISTA OMITIDA EM JUÍZO. OCORRÊNCIA DE REVELIA. PRESUNÇÃO DE VERACIDADE DAS ALEGAÇÕES DE FATO. PROCEDÊNCIA QUE SE IMPÕE.

Por outro lado, não existem entendimentos doutrinários ou jurisprudenciais em sentido contrário. Digno de nota é um julgado da Primeira Turma Recursal Cível dos Juizados Especiais Cíveis do Estado do Rio Grande do Sul (BRASIL, Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, 2008), cuja ementa é a seguinte:

Ação anulatória contra sentença do juizado especial cível. impossibilidade jurídica do pedido.

Não afasta o caráter manifestamente rescisório da ação o fato de ser alegada a nulidade do processo que tramitou no juizado especial, com sentença de mérito transitada em julgado, nulidade essa provocada por suposta complexidade da causa. Ação anulatória do art. 486. do CPC que não se vê caracterizada. Pedido que esbarra na vedação expressa do art. 59. da Lei nº 9.099/95. Impossibilidade jurídica pronunciada. Indeferiram a petição inicial. Unânime.

Na hipótese, tratava-se de ação rescisória travestida de anulatória de sentença, que foi sabiamente rejeitada, porquanto no âmbito do Juizado Especial há proibição expressa do cabimento de rescisória. Logo, se realmente fosse hipótese de anulatória de sentença, o mérito da questão teria sido analisado.

Também deve ser salientado que o aresto, acima transcrito, é de turma recursal do Juizado Especial Cível Comum, mas os fundamentos da decisão são aplicáveis nos Juizados Federais.

Vencido isso, isto é, admitida a possibilidade de cabimento da ação anulatória contra sentença do Juizado Especial Federal, resta saber qual o órgão jurisdicional competente para seu conhecimento e processamento.

Caso o administrado (as pessoas físicas e as jurídicas classificadas como microempresas e empresas de pequeno porte) seja o requerente da ação, a competência é do próprio Juizado Especial. Por outro lado — e é o mais comum —, se a parte demandante for a União, autarquias, fundações e empresas públicas federais a competência será da Vara Federal Comum, haja vista que esses entes não podem ser demandantes nos Juizados Federais.


7. QUERELA NULLITATIS INSANABILIS

A querela nullitatis insanabilis é o remédio jurídico, apontado pela doutrina e acolhido pela jurisprudência, para a anulação de processos judiciais acometidos de vícios insanáveis, os quais determinam a sua inexistência.

Esse instituto não é instituído no direito positivo brasileiro, sendo obra de criação doutrinária, com indisfarçável inspiração, pelo menos para adoção da terminologia, no Direito Canônico. Com efeito, a querela nullitatis é detalhadamente tratada no Livro VII, Parte II (De iudicio contentioso), Título VIII (De impugnatione sententiae), Capitulo I (De querela nullitatis contra sententiam), cânones 1620 e 1621, do Código Canônico, os quais dizem o seguinte:

Can. 1620. — Sententia vitio insanabilis nullitatis laborat, si:

1° lata est a iudice absolute incompetenti;

2° lata est ab eo, qui careat potestate iudicandi in tribunali in quo causa definita est;

3° iudex vi vel metu gravi coactus sententiam tulit;

4° iudicium factum est sine iudiciali petitione, de qua in can. 1501, vel non institutum fuit adversus aliquam partem conventam;

5° lata est inter partes, quarum altera saltem non habeat personam standi in iudicio;

6° nomine alterius quis egit sine legitimo mandato;

7° ius defensionis alterutri parti denegatum fuit;

8° controversia ne ex parte quidem definita est.

Can. 1621. — Querela nullitatis, de qua in can. 1620, proponi potest per modum exceptionis in perpetuum, per modum vero actionis coram iudice qui sententiam tulit intra decem annos a die publicationis sententiae.

Sem mais digressões, impende dizer que a querela nullitatis, no âmbito da cultura jurídica brasileira, é imprescritível, visto que se presta para declaração de sentença que não chegou a ter existência jurídica. Essa inexistência é efeito de vícios intoleráveis pelo direito, haja vista que a indulgência com eles sacrificaria todo o edifício jurídico, comprometendo profundamente a eficácia do ordenamento jurídico.

A doutrina dominante e sobretudo a jurisprudência têm apontado pequenas hipóteses para o cabimento desse instrumento de impugnação, ou melhor, de declaração de inexistência. Dessa maneira, esse instituto deve ser a ultima ratio para casos extremos, que não podem ser sanados pelos simples fluir do tempo.

Assim, é que a Jurisprudência tem admitido esse instituto em casos excepcionais, como se pode ver pelo aresto da 7ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, no julgamento da Apelação Cível nº 440522 (BRASIL, Tribunal Regional Federal da 2ª Região, 2009). Eis a transcrição da ementa:

PROCESSUAL CIVIL. QUERELLA NULITATIS. COMPETÊNCIA PARA PROCESSAMENTO E JULGAMENTO. PROVIMENTO.

1. A querela nullitatis, também denominada ação declaratória de inexistência, é adequada para impugnar sentenças inexistentes, não havendo prazo para tanto, pois trata-se de vício que subsiste à coisa julgada.

2. Como é de cediço, este tipo de ação anulatória é da competência do juízo de 1º grau, porquanto não se trata de afastamento dos efeitos da coisa julgada, como sói acontecer com as ações rescisórias (art. 485. do CPC), mas objetiva, sim, o reconhecimento de que a relação jurídica processual e a sentença nunca existiram no universo jurídico.

3. Em suma, a competência originária para o processamento e julgamento da presente é a do juízo que proferiu a decisão nula, no caso dos autos, a 29ª Vara Federal e não do Tribunal a que está vinculado.

4. Assim, se o autor busca a anulação de sua citação e de todos os atos judiciais posteriores a esta, referentes à ação de despejo nº 97.0010085-5, não poderia agora juízo distinto, no caso, a 1ª Vara Federal, processar e julgar a presente querela, uma vez que, não há hierarquia entre os juízos da 1ª e 29ª Varas Federais, mormente existindo pedido de antecipação de tutela para suspender a execução da sentença proferida na aludida ação de despejo que tramitou na 29ª Vara Federal.

5. Apelação a que se dá provimento.

Logo, é ponderoso admitir que a ação declaratória de inexistência, como também é conhecida a querela nullitatis insanabilis, só é cabível em hipóteses de destacada radicalidade, quando o vício presente no processo foi de tal monta que possa ameaçar toda edificação jurídica nacional.

O grande problema é determinar quando o processo é juridicamente inexistente ou quando a sentença não tem existência jurídica. Para isso, a cultura jurídica brasileira tem caminhado na mesma direção, apontando situações em que vícios impedem o reconhecimento da existência de um processo ou de uma sentença. Em linhas gerais, enumeram-se quatro casos para cabimento desse meio impugnativo, a saber: ausência de citação, quando inexistirem petição inicial e sentenças despidas de formalidades primárias que permitam sua identificação, sentenças proferidas por pessoas sem jurisdição e, por fim, processo no qual as postulações foram feitas por pessoas que não tenham habilitação legal (não advogado, salvo as exceções previstas em lei) ou, mesmo sendo advogado, que o fez sem mandato.

Necessário destacar que, posto seja inexistente o processo ou a sentença, é imprescindível sua declaração formal (de inexistência), porquanto, na prática, há reconhecimento de efeitos desse decisum, que é apenas um arremedo de sentença.

Pelo exposto, é imperioso admitir o cabimento desse remédio jurídico do âmbito dos Juizados Especiais Federais, visto que não há razão para se tolerar sentenças ou processos com os vícios acima apontados.

No que toca à competência, vale a observação feita acima para ação anulatória do artigo 486 do CPC. Assim, dependendo do autor, o juízo competente poderá ser o próprio Juizado Federal ou uma vara ordinária federal.

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Sobre o autor
Raimundo Evandro Ximenes Martins

Procurador Federal em Sobral (CE). Especialista em Direito Público com enfoque em Direito Previdenciário pela UnB.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARTINS, Raimundo Evandro Ximenes. Ações autônomas de impugnação no juizado especial federal cível. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2543, 18 jun. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/15053. Acesso em: 23 dez. 2024.

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