O art. 745-A do Código de Processo Civil trata da denominada "moratória legal", instituto jurídico inovador criado pela Lei n. 11.382/06, voltada à consecução do ideal da razoável duração do processo, previsto no art. 5º, inc. LXXVIII, da Constituição da República. Esta a sua redação:
Art. 745-A. No prazo para embargos, reconhecendo o crédito do exeqüente e comprovando o depósito de 30% (trinta por cento) do valor em execução, inclusive custas e honorários de advogado, poderá o executado requerer seja admitido a pagar o restante em até 6 (seis) parcelas mensais, acrescidas de correção monetária e juros de 1% (um por cento) ao mês. (Incluído pela Lei nº 11.382, de 2006).
§ 1º Sendo a proposta deferida pelo juiz, o exeqüente levantará a quantia depositada e serão suspensos os atos executivos; caso indeferida, seguir-se-ão os atos executivos, mantido o depósito. (Incluído pela Lei nº 11.382, de 2006).
§ 2º O não pagamento de qualquer das prestações implicará, de pleno direito, o vencimento das subseqüentes e o prosseguimento do processo, com o imediato início dos atos executivos, imposta ao executado multa de 10% (dez por cento) sobre o valor das prestações não pagas e vedada a oposição de embargos. (Incluído pela Lei nº 11.382, de 2006).
Neste trabalho, pretende-se discorre sobre a necessidade de aceitação do credor como requisito essencial para a concessão do referido benefício ao executado. É dizer, precisa o credor aquiescer com o pedido de parcelamento para que haja seu deferimento pelo juízo?
A doutrina se divide entre a necessidade ou não dessa concordância. Vejamos.
Luiz Guilherme da Costa Wagner Junior, partidário da imprescindibilidade da aceitação, tem fundamentação interessante, baseada na interpretação do instituto processual à luz de dispositivos do Direito Civil. Para este processualista, as regras do Direito Privado conduzem à interpretação de que a aceitação do credor é condição indispensável ao parcelamento, não podendo ser obrigado a receber seu direito de forma diversa da "pactuada". Confira-se:
Ora, a legislação civilista é bastante clara e precisa, não admitindo margens para dúvidas, quanto à idéia de que o pagamento deve ser efetuado na forma em que fora avençado, sendo certo que, toda e qualquer alteração exige prévia autorização do credor.
Conforme observa Maria Helena Diniz, "o devedor não poderá exigir que o credor receba por partes um débito que, por convenção, deve ser pago por inteiro. O credor não está obrigado a receber parceladamente aquilo que combinou receber por inteiro. Mesmo que a prestação seja divisível, não se admitirá pagamento parcelado de dívida exigível por inteiro (CC, art. 314)".
Conclui a eminente civilista que "ante o princípio da indivisibilidade do objeto do pagamento, a solução parcial acarretaria uma desconformidade entre o débito e a prestação, ainda que o conjunto das parcelas pagas corresponda à totalidade, pois se não há consentimento do credor, ninguém poderá forçá-lo a aceitar o fracionamento da obrigação".7
Percebe-se, então, que a aceitação do credor é condição indispensável para que se autorize o pagamento de forma diversa da pactuada. Como o artigo 745-A do CPC traz modalidade de extinção de obrigação diferente da originariamente devida, faz-se necessária a aceitação do credor.
A outra conclusão não chegamos caso seja admitido que a figura do artigo 745-A é hipótese de novação. Esta figura de extinção de obrigação, que poderia ser definida como "a substituição de uma dívida por outra, eliminando-se a precedente",8 tem como requisito, dentre outros, a intenção de novar (animus novandi).
Somente haverá a novação quando "o animus resulte de modo claro, induvidoso, sem possibilidade de impugnações (...). Intenção de novar não se presume. Deve ser expressa ou tacitamente declarada pelas partes".
Assim, aqueles que entenderem que o artigo 745-A do CPC traz uma novação, sob o argumento de que o pagamento parcelado substitui a dívida precedente, terão que concluir que a aceitação do credor é condição para que se autorize a extinção da obrigação desta forma, vez que diversa da originariamente pactuada. [01]
Já para Humberto Theodoro Júnior, essa manifestação não é requisito para o parcelamento, que qualifica de "forçado", entendendo que se trata de um direito do executado, bastando preencher os requisitos legais, por não haver discricionariedade do juiz. Observe-se:
Não se afigura, in casu, um poder discricionário do juiz diante do pedido de parcelamento. Presentes os requisitos legais, é direito do executado obtê-lo. Ausente, contudo, algum desses requisitos, o requerimento haverá de ser indeferido. [02]
Com o mesmo entendimento, de que basta o preenchimento dos requisitos dispostos expressamente do Código de Processo Civil, Luiz Guilherme Marinoni defende que haveria um direito do executado ao deferimento do parcelamento. [03]
Fredie Didier Jr., Leonardo José Carneiro da Cunha, Paulo Sarna Braga e Rafael Oliveira, nesse mesmo sentido, afirmam que, preenchidos os pressupostos, dentre os quais a aceitação do credor não está inserida, deve haver o deferimento pelo magistrado, obrigatoriamente, por se tratar de um direito potestativo do devedor. No entanto, admitem, em nome do poder geral de cautela, que se exija alguma garantia, em razão da peculiar situação do executado. Nesse sentido:
Preenchidos os pressupostos legais, o magistrado não pode indeferir o parcelamento; trata-se de hipótese normativa composta por conceitos juridicamente determinados e, além disso, a conseqüência jurídica (direito potestativo do executado) não fica à discricionariedade do magistrado. Poderá o órgão jurisdicional, entretanto, exercendo seu poder geral de cautela, exigir alguma garantia, em razão de peculiar situação do executado. [04]
Penso que a lei não exige a aceitação do credor para o parcelamento, tampouco vejo como adequado socorrer-se de regras de Direito Privado, cuja tônica é a de preservar a vontade "pactuada" pelas partes, para interpretar o art. 745-A do CPC.
No Processo Civil se busca a satisfação do direito do demandante de forma célere. Muito embora a execução se volte à satisfação do crédito em favor do credor, não se pode desconsiderar que há o interesse do próprio Estado em ver a demanda solucionada com rapidez.
Por outra via, da redação do dispositivo legal se extrai que cumpre ao magistrado analisar o requerimento e deferir o benefício, se for o caso. É possível concluir que o legislador conferiu ao magistrado o dever-poder de avaliar se, nas circunstâncias concretas, o parcelamento atende ao interesse das partes e à necessidade de resolver a lide rapidamente.
Nesse contexto, entendo que, embora não se exija a aquiescência do credor, é imprescindível a sua manifestação previamente à decisão do magistrado acerca do pedido de moratória, por força do princípio do contraditório que deve nortear as relações travadas no âmbito processual.
O credor, intimado a se manifestar, poderá concordar ou se opor ao deferimento do pleito, cujas razões servirão apenas de subsídio para a decisão judicial. Nesta oportunidade, poderá alegar tanto o descumprimento aos requisitos legais expressos (pedido formulado no prazo dos embargos, reconhecimento da dívida e depósito do valor correto), como também fatores não previstos na lei, mas que tenham o condão de influenciar no cumprimento do compromisso a ser firmado pelo devedor.
É lícito alegar (e provar), por exemplo, que o executado não tem patrimônio suficiente para honrar a dívida, que o seu intuito é de procrastinar os atos de expropriação para dilapidar o restante de seus bens e se furtar à execução ou, quiçá, que possui patrimônio vasto, cujo pagamento imediato do montante integral seria facilmente obtido, e com maior rapidez, com o prosseguimento da execução.
Ao magistrado, diante do pedido do devedor e das informações do credor, caberá decidir, sem se vincular à manifestação de vontade do exeqüente, que tem o direito apenas a ser ouvido previamente. Caso não se conforme com a decisão, as partes poderão manejar agravo por instrumento.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
DIDIER JR., Fredie, CUNHA, Leonardo José Carneiro da, BRAGA, Paula Sarno e OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 5. Salvador: Podivm, 2009.
MARINONI, Luiz Guilherme e MITIDIERO, Daniel. Código de Processo Civil comentado artigo por artigo. 2ª ed. São Paulo: Revista do Tribunais, 2010.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Vol. II. 45ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010.
WAGNER JÚNIOR, Luiz Guilherme da Costa. Da interpretação do artigo 745-A do CPC à luz das lições do Direito Civil. Material da 5ª aula da disciplina Cumprimento das Decisões e Processo de Execução, ministrada no curso de especialização televirtual em Direito Processual Civil – UNIDERP/IBDP/REDE LFG.
Notas
- WAGNER JÚNIOR, Luiz Guilherme da Costa. Da interpretação do artigo 745-A do CPC à luz das lições do Direito Civil. Material da 5ª aula da disciplina Cumprimento das Decisões e Processo de Execução, ministrada no curso de especialização televirtual em Direito Processual Civil – UNIDERP/IBDP/REDE LFG.
- THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Vol. II. 45ª ed. Rio de Janeiro: Foresene, 2010, p. 432-433.
- MARINONI, Luiz Guilherme e MITIDIERO, Daniel. Código de Processo Civil comentado artigo por artigo. 2ª ed. São Paulo: Revista do Tribunais, 2010, p. 722-723.
- DIDIER JR., Fredie, CUNHA, Leonardo José Carneiro da, BRAGA, Paula Sarno e OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 5. Salvador: Podivm, 2009, p. 356-360.